Por que deixar os dois traços do delineador iguais era tão difícil? Eu já tinha refeito o do olho esquerdo três vezes e ele continuava maior que o direito. Suspirei em frente ao espelho, eu ainda usava short jeans e camiseta, meu cabelo estava pronto, com alguns grampos e cachos que prendi meio que aleatoriamente.

  - Mamãe eu posso levantar pra tomar água? – Charlotte perguntou ainda sentada na cama que dividimos na última noite.

  Eu a havia dito que caso ela amassasse ou sujasse seu vestido ou desarrumasse o cabelo era nada mais de piscina ou festa pra ela. Pedi que a pequena se sentasse na cama e não levantasse de lá por nada. E foi o que fez na última meia hora.

  - Pode, meu amor, mas cuidado – disse me virando outra vez para o espelho. Sempre tendo que arrumar as crianças eu terminava sendo a última a ficar pronta.

  Ethan tinha se disponibilizado a ficar com uma Molly limpa, arrumada, cheirosa e muito fofa em seu vestido cor de rosa com saia de tule, a bebê estava linda e parecia uma verdadeira princesa com o enorme laço de cetim nas costas. Seth e ele tinham ido se arrumar no outro quarto e levado Molly junto depois que a deixei pronta, então ficamos eu e Lottie nos arrumando, ai consegui deixar a garotinha ainda mais lindo em seu vestido de renda branca, com os cabelos loiros soltos e presos com uma tiara de flores da cor do vestido.

  Minha garotinha voltou, vi pelo reflexo do espelho que ajeitou a saia do vestido antes de se sentar na cama outra vez. Ela começou a balançar os pés envoltos em meia-calça e nos sapatos dourados que combinavam perfeitamente com sua roupa. Deixei-a e voltei minha atenção para a maquiagem que eu tentava fazer, eu não costumava usar então toda vez que tinha essa brilhante ideia era uma confusão.

  - Estamos entrando – Ethan anunciou quando terminei de passar meu batom tão vermelho quanto minhas unhas. Ele e Seth surgiram na porta e eu sorri. Estavam lindos, extremamente parecidas e muito lindos. Ambos usavam um smoking completo com direito a colete e gravata borboleta, tudo em preto, as únicas exceções eram as camisas brancas e a gravata de Seth que era azul escura.

  - Uau, vocês estão lindos! – disse sinceramente. Seth sorriu se sentindo o máximo.

  - Você vai assim, mãe? – perguntou ele curioso, acabei sorrindo.

  - Não sei, o que acha? Eu devia colocar um vestido ou assim está bom?

  - Você tá sempre bonita, mas acho que com o vestido ia ficar mais bonita ainda – Seth respondeu para minha surpresa e só não o esmaguei em um abraço para não amassar sua roupa tão chique.

  - Obrigada meu pequeno cavalheiro. Eu vou colocar o vestido então. Podem me esperar por mais dez minutos? – perguntei olhando para Ethan dessa vez, ele sorriu pra mim.

  - Por você? Para vê-la ainda mais linda do que já é? Até uma hora.

  - Ethan! – o repreendi corada e isso só o fez rir ainda mais.

  - O quê? É só a verdade. Mas Ok, vamos crianças, esperar a mamãe no outro quarto.

  - Por quê? – Charlotte quis saber ficando de pé.

  - Por que ela vai se trocar e não precisa de vocês por perto agora. Vamos, Lottie é rapidinho.

  - Tá bom – a garotinha suspirou e eu sorri vendo-os seguir para o outro quarto.

  Quando Ethan, que era o último, passou e fechou à porta atrás de si eu fui até a minha mala. Lá dobrado com todo o cuidado do mundo estava o vestido vermelho que Brianna havia me ajudado a escolher. Ele era longo, com um decote ombro a ombro e uma fenda na altura da coxa esquerda que ia até a barra. Eu tinha amado e me sentindo linda nele, o vestido tinha custado uma pequena fortuna, mas como eu não tinha nada mais o que fazer com meu salário, eu não vi problema em comprá-lo.

  Foi um pouco complicado me enfiar dentro dele e fechar o zíper sem ajuda, mas no fim consegui fazer isso sem maiores problemas. Fui até a caixa com meus sapatos baixos que iria usar. Eu não era acostumada a usar sapatos altos então achei melhor não arriscar, mas quando abri a caixa me deparei com um lindo par de saltos pretos e um bilhete de Brianna, “Um vestido desses merece um belo par de saltos! Desculpe-me por isso e divirta-se!”.

  Estava ocupada demais sorrindo divertida para ficar brava com ela, eu e esses saltos, seria uma experiência arriscada, mas eu estava disposta a ousar, afinal Brianna tinha razão, esse vestido merecia um belo par de saltos para acompanhá-lo. Sentei-me na cama, coloquei os sapatos e sorri ficando de pé. Fui até o enorme espelho que ocupava boa parte da parede do quarto e me olhei dos pés a cabeça. Estava me sentindo linda, peguei minha bolsa de mão e logo em seguida suspirei, não poderia levar ela nem se quisesse. Não tendo que levar as coisas de Molly também.

  Fiz a bolsa da bebê e coloquei meu batom e o celular nela, estava terminando de ajeitar as últimas coisas que ficaram espelhadas pelo quarto quando ouvi o choro de Molly do outro quarto.

  - Olivia, acho que sua filha quer você – ouvi Ethan dizer e sorri.

  - Pode trazer ela aqui, eu só estou terminando de arrumar a bolsa – disse e a porta foi aberta. As crianças vieram primeiro, Ethan logo depois. Todos pararam para me olhar e eu corei. – Algum problema, pessoal?

  - Você tá linda, mamãe! – Charlotte exclamou com sua animação usual e eu sorri.

  - É isso mesmo, você tá muito bonita, ficou bem melhor com o vestido – Seth disse envergonhado e quis muito ir nele e abraçá-lo.

  - Obrigada, a vocês dois – disse sorrindo e Molly que continuava a exigir atenção se remexeu no colo de Ethan. – Vem cá, meu amor – disse a ela quando me aproximei dos dois. Estendi os braços, peguei-a e Ethan só continuou lá a me olhar.

  - Você... Eu... Uau! – exclamou por fim com os olhos grudados nos meus. Ethan desviou o olhar apenas para me olhar de cima a baixo mais uma vez e eu sorri a espera de um comentário seu. Mas no fim sentia que não precisava, deixar um homem como ele sem fala era melhor que qualquer elogio. – Você está incrível, Livy.

  - Obrigada. Vamos? – chamei e Ethan teve que balançar a cabeça como se para se concentrar em minhas palavras. Tive que segurar o riso.

  - Vamos.

  - Crianças, fiquem por perto, por favor – peço. Mas sei que é perda de tempo, na primeira oportunidade eles vão sair correndo.

  No caminho para o elevador Ethan pegou Molly e eu estava com a bolsa da bebê, nós entramos na caixa metálica que subia e descia e ainda me causava arrepios e quando dei por mim estava arrumando a gravata de Seth que estava torta. Acredito que para qualquer um que nos visse éramos o retrato perfeito de uma “Família feliz” e éramos sim isso, mesmo que às vezes eu sentisse que só precisava de uma confirmação.

  Já tinham confundido Ethan com meu namorado, meu marido, “meu” era sempre o que ele era. Mas eu queria ouvir isso dele, um homem lindo e experiente que já foi casado, têm três filhos, eu queria que ele me dissesse o que sente, a mim que sou só uma virgem sem experiência e sem saber o que fazer quanto a tudo isso que eu sinto por ele.

  Quando chegamos ao saguão de entrada ele estava cheio de gente indo de um lado para o outro, desde trabalhadores do resort a hospedes bem arrumados passando pra lá e pra cá. No fim todo esse fim de semana era por causa dessa noite, uma festa com vários empresários do ramo da hotelaria que trocavam números, serviços, parcerias e até sociedades de acordo com Ethan. Mas como esse evento só acontecia mais ou menos de quatro em quarto anos, alguns, como nós, aproveitávamos a estadia para ficar o fim de semana todo, outros chegavam apenas hoje para a festa, como estava acontecendo. Por isso não era surpresa toda a movimentação.

  Como Ethan estava com Molly peguei a mão de Charlotte para mantê-la por perto e pedi que Seth fizesse o mesmo se ele não quisesse que eu o pegasse pela mão também. Nós seguimos com mais alguns hospedes até o imenso salão de festas muito bem decorado onde seria a festa. Hoje pela tarde eu tinha visto a movimentação dos funcionários do resort e tinha que dizer que eles tinham feito um ótimo trabalho, fossem sós ou com alguma empresa de decoração. O salão todo decorado em tons de preto, branco e prata estava lindo.

  Havia mesas espalhadas por todo salão, um bufe enorme num canto, uma pista de dança onde alguns casais se aventuravam, uma mesa com aparelhos de som onde um DJ tocava uma música romântica. Eu estava completamente encantada com tudo.

  - É lindo! – disse sorrindo quando paramos perto da porta apenas para observar o salão. Virei-me para Ethan e ele me olhava com um olhar que não pude decifrar e um sorriso maravilhoso. Ele nem tentou disfarçar ter sido pego.

  - É mesmo lindo – concordou e eu corei por que tinha quase certeza que ele não falava do salão ou da decoração.

  - Mamãe, papai, a gente veio só pra ficar aqui? – Charlotte perguntou nos fazendo desviar os olhos um do outro e encará-la.

  - Não sei – Ethan brincou. – O que você acha? A gente entra lá?

  - Sim! – ela gritou animada. – Podemos provar aquelas comidas da mesa grande?

  - Podemos, Lottie, e o nome é bufê – Ethan sorriu para a garotinha. Molly em seu colo resmungou e eu estendi os braços para ela que não hesitou em vir comigo.

  Ethan pegou a bolsa do meu ombro e no processo me deu um selinho. Fiquei grata pelo meu batom matte, não queria borrá-lo antes mesmo de a festa começar. Ele também pegou a mão da filha.

  - Vamos? – chamei e eles assentiram antes de seguirmos por entre as mesas e os convidados.

  Não haviam lugares marcados, nem reservas pelo que pude ver, então as pessoas se acomodavam segundo a sua vontade, perto dos amigos ou nos cantos mais afastados para terem privacidade. Olhei para Ethan numa pergunta muda sobre onde iríamos nos sentar e ele deu de ombros como se dissesse que tanto fazia. Nossa, grade contribuição da parte dele. No fim eu achei uma mesa mais afastada do centro e do fluxo de pessoas e simplesmente me sentei ali, as crianças fizeram o mesmo, assim como Ethan, ninguém questionou minha escolha.

  - Agora eu posso ir lá buscar comida? – Charlotte perguntou ansiosa e eu sorri.

  - O que acha, Ethan? – quis saber divertida e ele sorriu.

  - Que as garotas dessa família são muito famintas.

  - Seu pai disse que comemos demais, Lottie, é verdade? – pergunto me fazendo de ofendida e ela ri.

  - É – diz simplesmente e Ethan gargalha e eu olho a pequena incrédula.

  - Não estou acreditando nisso – comento, mas também estou sorrindo. – É melhor você ir logo até o bufê. Seth vá com a sua irmã – peço ajeitando Molly em meu colo e dando a bonequinha que a bebê tanto gosta de morder a ela.

  - Por quê?

  - Pra ficar de olha na sua irmã perto de todos aqueles pratos e por que eu quero alguma coisa doce. Se tiver pudim pode trazer pra mim? – pergunto e ele sorri assentindo.

  - E se não tiver pudim?

  - Pode ser qualquer coisa, você escolhe e não deixe Lottie se sujar, Ok?

  - Tá bom, mãe. Vem Lottie – ele resmunga sem me olhar e sorrio vendo-o se afastar ao lado da irmã.

  - Como você faz isso? – Ethan pergunta quando ainda estou vendo as crianças se afastarem. Olho-o e ele está me encarando com um olhar que só posso descrever como apaixonado. Esse olhar, só seu olhar, já remexe tudo em mim.

  - Isso o que?

  - Como captura toda a luz de um lugar pra você? Como pode ser tão encantadora? Maravilhosa e brilhar tanto a ponto de ofuscar qualquer outra coisa? Seu sorriso me desarma sempre - ele diz para minha surpresa e não sei o que responder, muito menos o que pensar. Ethan se aproxima e coloca uma mecha do meu cabelo atrás da orelha num gesto que já percebi, ele gosta muito de fazer, e meu coração bate tão alto e rápido que nem sei se ainda vou conseguir ouvi-lo. – Eu me apaixonei por você no dia em que te vi pela primeira vez, encharcada, sorridente e desastrada derrubando minhas canetas.

  - Você quer me fazer chorar? E eu até poderia dizer que me apaixonei por você ali, mas não seria verdade, por que eu estava concentrada demais em conseguir o emprego e não estragar tudo que só me permiti sentir o que sinto por você naquela noite em que você chegou encharcado e quase nos beijamos, ali eu sabia que estava ferrada – digo e ele sorri.

  - Então nós dois estamos ferrados, muito ferrados mesmo – Ethan coloca as duas mãos em minha nuca e me puxa para um beijo que me faz pegar fogo e acende tudo em mim. Talvez um beijo inapropriado para o local, mesmo por que ainda temos Molly em meu colo entre nós. Afasto-me só o suficiente para interromper o beijo mesmo que não queira realmente.

  - Desculpa – Ethan pede e nego com a cabeça sorrindo ao ver sua boca manchada de batom vermelho, não quero nem ver a minha.

  - Não se desculpe, só acho que Molly não precisava presenciar isso – comento e ele sorri olhando para a bebê.

  - Não mesmo.

  - E só para constar sua boca está manchada de batom. Vou usar os lenços de Molly para resolver, aqui segure-a e fique quieto – peço sem lhe dar muita escolha além de concordar entregando-lhe a bebê e indo vasculhar a bolsa.

  Alcanço os lenços e me voltou outra vez para ele, estou limpando seu rosto tão de perto que posso ver os pontinhos verdes em suas íris azuis. Estou limpando seu queixo quando uma coisa me acorre.

  - Ethan? – chamo-o e ele resmunga um “Oi” em resposta. – O que somos?

  - Como? – sua voz soa abafada por minha mão em seu rosto. Solto-o, mas continuo a encará-lo.

  - Nós, eu e você, o que somos?

  - Um casal? – sua resposta soa como uma pergunta e suspiro impaciente indo descartar o lenço numa lata de lixo próxima. Volto e encaro-o mais uma vez.

  - Certo um casal. Mas que tipo? Namorados? Nós nunca falamos sobre isso!

  - O que você acha? – Ethan volta a perguntar e cerro os dentes para não rosnar em frustração.

  - Ethan!

  - Ok – ele tem a audácia de sorrir. – Somos namorados, Ok? Nós moramos juntos, a maioria das pessoas acha que somos casados. Eu não ligo para os títulos, só quero continuar com você pra sempre. Mas se é tão importante, Olivia Cooper, quer ser minha namorada? Isso não muda o que sinto, mas faz oficial.

  - Seu idiota! – digo acertando um tapa em seu braço ele reclama e se encolhe. Sorrio segurando sua nunca com ambas às mãos e beijando-o mais uma vez, quando nos separamos colo nossas testas. – É claro que eu aceito. Também não muda o que sinto, mas gosto que seja oficial.

  - O tapa doeu – ele reclama e lhe dou um último selinho antes de me afastar. A bebê em seu colo me olha curiosa e sorrio pra ela.

  - Era pra ter doido mesmo, agora cuide de Molly que eu vou ao banheiro retocar meu batom todo borrado. – Te amo, quero acrescentar, mas não sei se ainda é à hora certa pra isso, por isso apenas sopro-lhes um beijo e me afasto sorrindo.

  Algo me diz que essa noite pode ficar ainda melhor.