As Serpentes do Som escrita por Goth-Lady


Capítulo 4
Cap.4 A Serpente Alienígena




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Shinpuru era uma vila completamente oposta a Neonmachi. Ao contrário da cidade que nunca dormia e se enchia de neon durante a noite, Shinpuru era simples com suas casas e telhados de madeira. Não havia cor na cidade, apenas marrom e, diferente de qualquer outra cidade do País do Mistério, era a única cidade em que o banheiro ficava no quintal de casa. O banheiro era simples, uma casinha, um trono de madeira com um buraco no chão e uma prateleira seja para o papel higiênico ou para apoiar o jornal. Para tomar banho, era necessário ter uma tina no quarto. Não havia iluminação, era preciso usar velas ou um lampião a óleo se quisesse um pouco de luz.

Seu povo era simples, produzia tudo que a cidade precisava sem precisar importar ou exportar. As vestimentas consistiam em calças para homens e saias para mulheres, porém todas eram compridas, não havia decotes, mas as mangas podiam ser curtas. Os homens usavam o cabelo curto sem nunca deixá-lo crescer e as mulheres mantinham o cabelo em um coque. Entre seu povo havia aqueles que deixaram outras cidades em busca de uma vida pacata. Uma dessas pessoas era Rhaella.

Rhaella era uma moça de pele verde, cabelo verde bem escuro preso em um coque baixo bem apertado, sendo que uma pequena mecha ficava solta, e olhos incrivelmente amarelos. Ela vestia uma blusa branca de mangas curtas e babado no colarinho, que o mantinha bem fechado, uma saia cor de cobre até a canela, uma bota marrom com fivela de sapato de boneca e um cinto marrom mais escuro com uma espécie de bolsa para guardar coisas. Um anel de citrino em forma de serpente era a única vaidade que possuía. Ela trabalhava como curandeira em Shinpuru.

— Bom dia, senhor Mishaai.

— Oh, bom dia, Rhaella. O de sempre?

— Sim, por favor.

O padeiro da vila pegou dois pães e colocou no saco de papel. Após pagar pelos pães, Rhaella voltou para casa. No caminho cumprimentou alguns moradores e outros, a serpente só pôde respirar fundo para não ter que mandar para o espaço. Shinpuru não simpatizava com pessoas vindas de Neonmachi, Sekitan e muito menos de Eirian, odiavam neon, barulho e agitação, odiavam inovações tecnológicas, pois achavam que deixavam os homens muito acomodados e odiavam pessoas de pele colorida e olhos estranhos por achar que não havia outro planeta além daquele. Porém algumas dessas pessoas moravam na vila e muitas vezes os moradores eram obrigados a engolir seu orgulho quando precisavam de ajuda.

Rhaella tinha sido confundida como alguém de Eirian diversas vezes, mas ela apenas tinha sido concebida na cidade graças a um infeliz incidente entre seu pai e um telescópio quando ele estava de passagem pela cidade. Seu pai só notou que algo estava errado quando a barriga começou a crescer e só foi dar a luz em Kinzuko. Não soube o que o levou a cuidar dela, pois sempre dera medo ao pai, ainda mais depois de abrir os olhos pela primeira vez. Embora o “cuidar” do pai fosse deixá-la aos cuidados de Dona Ming em Chugo enquanto viajava pelo país fazendo mais e mais irmãs para ela. Não que ela reclamasse, amava as irmãs e de vez em quando o pai aparecia para passar algum tempo com elas e lhes dar presentes. Ele era ausente a maior parte do tempo, mas ela compreendia que ele tinha planos maiores muito além dela.

Finalmente estava em casa. Não tinha sala de estar, todo o espaço reservado à sala de estar foi transformado em local de trabalho. Havia uma cozinha no outro cômodo e as escadas levavam ao quarto e à sala de estudos.

— Belle, cheguei! – Anunciou ao entrar em casa.

Belle era um familiar em forma de ovelha com pequenas asas, que a ajudava em seu trabalho. Familiares não eram muito comuns em Shinpuru. Tinha adquirido Belle no tempo em que estudara em Holy Chie, assim como as irmãs tanto mais velhas quanto mais novas. Assim como as irmãs, era uma serpente, a chamada Serpente Alienígena, mas as semelhanças paravam por aí, pois ela era muito diferente de qualquer pessoa no planeta, até mesmo dos frutos das abduções de Eirian.

— Que bom! Já estava com fome.

— Alguém passou por aqui?

— Só algumas pessoas pedindo por cataplasmas, unguentos e alguns tônicos também.

— O de sempre, presumo.

— Sim.

Quebraram o café da manhã com pão, manteiga e um pouco de queijo. Em Shinpuru tudo era simples, até mesmo as refeições. Rhaella começou a trabalhar nos unguentos, cataplasmas e tônicos. Após serem elaborados, os vendeu para as pessoas de sempre e foi coletar ervas no jardim. Em Shinpuru todos deviam ter sua própria horta, e os que não sabiam plantar, tinham que gastar dinheiro com os vizinhos. Rhaella agradecia por ter aprendido jardinagem com Trystane, embora não precisasse aprender com a irmã e fosse melhor que ela.

Enquanto ela trabalhava no jardim com suas ervas, um grupo de crianças se aproximou. Eram as únicas que não tinham medo dela ou qualquer receio de se aproximar.

— Senhorita Rhaella, bom dia! – Exclamou um garotinho de cabelo e olhos castanhos.

— Ah, bom dia, Meili. Crianças.

— O que está fazendo? – Perguntou uma garotinha de cabelo de palha.

— Trabalhando, como todos os adultos.

— Ser adulto deve ser chato. – Disse uma terceira criança. – Ter que trabalhar o dia todo e nunca brincar.

— Por isso que vocês têm que aproveitar a infância ao máximo.

— Rhaella, tem gente querendo se consultar. – Anunciou Belle.

— Já estou indo. Vou ter que ir agora, crianças. Brinquem o quanto puderem, mas não se metam em problemas.

— Pode deixar. – Disseram as crianças.

A alienígena se levantou com o cesto cheio de ervas e voltou para o seu consultório. Seu trabalho era exaustivo, ainda mais por que as pessoas de Shinpuru não tinham muito apreço por tecnologias modernas, eram precisos os métodos antigos com ervas, lama e até sanguessugas. Rhaella lidava com todos os tipos de problemas, desde sangrias até unha encravada e desde partos até ritos funerários. Ela fazia questão de trabalhar sem qualquer intervenção de jutsu ou de seus poderes.

Já anoitecia quando estava dispensando a última cliente. Agnes, uma mulher esguia de cabelo dourado como o sol e olhos de um azul muito escuro, era conhecida por sua saúde frágil, mas sempre ia até seu consultório pegar o próprio remédio.

— Aqui está. – Disse entregando um frasco com líquido verde. – Três vezes ao dia antes das refeições.

— Obrigada. Tem certeza que não quer participar do Festival da Lua com a gente? Esse ano vai ser melhor que o anterior.

— Adoraria, mas gosto de passar com a minha família. É uma das poucas datas que passamos juntos.

— Entendo.

— Não se preocupe, há outros médicos na cidade além de mim. Eles poderão atendê-la enquanto lido com minhas irmãs temperamentais.

— De qualquer forma os preparativos vão bem.

— Rhaella! – Gritou uma criança que entrou escancarando a porta. Era a garota de cabelo de palha que vira durante a tarde.

— Você precisa nos ajudar! – Gritou outra. – A gente estava brincando perto do rio quando...!

— Mas é proibido brincar perto do rio. – Disse Agnes, a cliente. – É muito perigoso!

— Crianças, o que aconteceu? Quem caiu no rio?

— Como sabe que alguém caiu no rio? – Perguntou um menino.

— Se estavam brincando perto do rio e agora estão pedindo ajuda, ou alguém caiu no rio ou foi mordido por algum animal.

— Foi Meili! – Gritou a menina. – Ele quem caiu no rio.

— Em qual deles?

— No Raivoso!

— Voltem para os seus pais. Eu resolvo isso.

Rhaella pegou uma corda na gaveta e mais algumas coisas e correu para fora de sua residência o máximo que pôde. Havia dois rios em Shinpuru, o Trapaceiro e o Raivoso. O Trapaceiro era um rio estreito e lamacento que não corria muito e dava a impressão de que estava parado, porém ele era fundo o suficiente para engolir um cavalo e seu cavaleiro, além de ocultar bichos perigosos. Já o Raivoso era um rio que além de fundo tinha a correnteza muito forte.

Ao chegar ao Raivoso, Rhaella viu o menino segurando em uma pedra. Pela correnteza, ele não aguentaria por muito tempo. Ela tirou o cinto, o colocou no chão, deu uma espécie de laço na corda, a rodou e enlaçou uma pedra perto da outra margem. Assim que viu que estava firme, amarrou em uma árvore e entrou no rio segurando a corda com ambas as mãos. Não era uma tarefa fácil, pois tinha que lutar contra a correnteza. Assim que chegou ao local em que Meili estava, o agarrou pelo braço e o fez segurar nela.

— Segure firme e não solte, aconteça o que acontecer.

A serpente voltou da mesma forma que veio. Uma mão atrás da outra, se movimentando como se estivesse em um trepa-trepa, ela conseguiu alcançar a margem. Foi um alívio quando saiu do rio. Rhaella colocou o garoto no chão em segurança.

— Meili, está tudo bem. Você está seguro.

— Rhaella, eu estava com tanto medo...

— Está tudo bem agora.

Ela o soltou e pegou o cinto e a bolsa. Retirou de dentro da bolsa um frasco com líquido rosa e uma colher de ferro, despejou o líquido na colher e estendeu à criança.

— Beba esse xarope. Vai ajudar.

Após dar o xarope ao garoto, Rhaella recolocou o cinto e o levou de volta à aldeia. Encontrou a mãe do menino desesperada. Quando os viu, a mãe abraçou o filho, deu uma bela bronca nele e depois o abraçou de novo.

— Muito obrigada!

— Não há de que. A propósito, é melhor ele tomar esse xarope por algum tempo. Pode ter pegado um resfriado por estar todo molhado. – Disse entregando o xarope à mãe do menino.

— Oh, mas eu não tenho como pagar agora.

— Não precisa me pagar nada. Não fiz por dinheiro.

Após o episódio, a alienígena voltou para casa, arrancou as roupas molhadas, entrou na tina e tomou banho de balde. Não era do tipo que enchia a tina até a borda para tomar banho, era sempre bom economizar água, caso contrário teria que retornar ao Raivoso com um balde e encher a caixa d’água mais vezes do que gostaria. Já de banho tomado e de pijama posto, sentou-se na cama e começou a ler um livro. Não estava com tanta pressa para arrumar as coisas, teria tempo para isso depois e a distância entre Chugo e Shinpuru não era tanta afinal.


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Notas finais do capítulo

Shinpuru é tipo aquelas vilas armish. Espero que tenham gostado desse capítulo.



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