Poente escrita por Desdemonia Lucitor


Capítulo 3
Verão




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Sasuke odiava o verão. Nutria o odioso sentimento justamente por não mais podê-lo sentir envolver seu corpo. Imaginar o calor do sol sob sua pele sempre o transportava à lembranças cada vez mais desbotadas de sua infância. Porém, naquele ano, mesmo que não pudesse estar do lado de fora, Sakura trazia até ele, em seus braços, a estação.

— É uma pena que não possa sair para ver o quão belas estão as rasteiras de melancia. — Chegou sorrindo na sala. Trazia um punhado de amoras em ambas as mãos.

— A noite eu as verei. — Retribuiu o olhar tenro da garota.

Sem qualquer aviso, como costumava fazer em tudo, sentou em seu colo e levou uma das amoras até os lábios do vampiro. Para Sasuke, sentir o sabor de qualquer coisa que não fosse sangue era quase estranho. Sabia que não iria fazer mal, e por este motivo deixou que a fruta se dissolvesse em sua língua e liberasse as milhares facetas de seu gosto.

— Obrigado.

Ele agradeceu, mas sentia-se mais grato ainda por ela ter recostado a cabeça contra seu peito e ali ficar por um longo tempo.

Uma onda de coisas haviam acontecido desde aquela noite de primavera, no baile beneficente da igreja, em que se beijaram. Depois daquela noite, tentou de todas as formas afastar-se dela, tentando se agarrar de todas as formas às palavras que Suigetsu havia exposto. Era perigoso para si e, principalmente para ela.

Mas o que poderia fazer quando, mesmo se trancando no próprio quarto ou pedindo que a governanta fingisse sua ausência, ela ainda assim entrava e ameaçava passar a noite em uma poltrona se fosse necessário?

Sakura era aquela donzela obstinada, envolta numa aura de delicadeza que lhe disfarçava bem a determinação e força de vontade. A cada batida de pé, ele se via cada vez mais cativo à ela e seus encantos. Parecia que a criatura misteriosa era ela, não ele.

Ele encostou o nariz próximo aos cabelos finos dela e puxou o ar para seus pulmões, inspirando cada nota de perfume natural que vinha dela. Naquele momento, de forma inesperada, um outro lhe veio de encontro.

Luxúria.

Não tão suave quanto das últimas vezes, mas era inconfundível. Era o tipo de emoção que refletia nele instantaneamente, o colocando em uma posição ainda mais complicada. Aquilo lhe despertava o desejo, mas também o lembrava de como estava sendo seduzido para uma armadilha.

Agradeceu aos céus por não ter sido agraciado com o dom de ler pensamentos, como alguns que receberam o presente das trevas tinham. Caso o contrário, já estaria completamente subjugado. Dia após dia, Sakura avançava e ele precisava reunir todo o controle que ainda lhe restava para se manter em segurança.

Mas então, tudo se foi de uma vez.

— Sua respiração… — Sakura se afastou de seu peito e o olhou. Havia uma expressão em seu rosto que ele ainda não conhecia. — … eu não tinha notado, mas…

Se fosse simples para Sasuke se sentir ameaçado, com certeza ele estaria. Os olhos da garota corriam seu corpo com certa curiosidade, mas aquilo não o incomodava. Porém, o que lhe foi mesmo um golpe certeiro no coração, foi sentir pouco a pouco o cheiro de medo. Um nível suave de temor que irradiava sem força, mas com expressividade suficiente para fazê-la se levantar do colo dele.

— Nos vemos depois. — Sakura lhe lançou um sorriso curto e, diferente de todas as suas visitas anteriores, lhe deixou antes que o sol se fosse.

[...]

No início daquela mesma noite enfadonha, Sasuke voltou às ruas que aguardavam ansiosas por sua presença. Cruzou sem pressa armazéns e pubs lotados de jovens que, inadvertidamente, bebiam descontroladamente sem qualquer consciência do perigo que rondava as noites.

Caminhou em silêncio até um banco de cimento, na passarela suspensa acima da lagoa que circundava a região. Escolheu justamente aquele lugar para gozar de um repouso desnecessário por causa da canção que havia lhe despertado interesse repentino.  

Você me pergunta se chegará um momento

Em que eu vou ficar cansado de você

Nunca, meu amor

Nunca, meu amor

Voltou seus olhos para o céu tingido de vermelho pelas nuvens chuvosas e buscou por sua companheira eterna. A lua que não iria aparecer naquela noite.

Você se pergunta se este meu coração

Vai perder seu desejo por você

Nunca, meu amor

Nunca, meu amor

Gravou o timbre das vozes que transmitiam de forma tão fiel os sentimentos humanos que se juravam eternidade. Sasuke sabia muito bem, pois havia chegado naquele ponto.

Tinha conhecimento que, independente se tocasse aquela mortal ou não, era tarde demais para si mesmo. Estava condenado a amá-la por toda a eternidade. Qualquer aviso ou advertência já tinham perdido utilidade muito antes de serem proferidos, no momento em que havia colocado os olhos nela pela primeira vez.

Sakura o havia puxado pelas mãos de volta à humanidade, mesmo que fisicamente ele permanecesse o mesmo. E por este e outros milhares de motivos que ele havia listado em sua mente enquanto ouvia a música a lhe denunciar os sentimentos, ela merecia saber a verdade.

Ignorou os planos de saciar a própria sede e bateu em retirada, tendo a sorte e o amor por uma mortal resguardado cada um daqueles indivíduos largados aos próprios e inúteis cuidados. Voltou para casa e subiu a escada de corrimões recém-polidos com o mordomo ao seu encalço.

— Senhor…

— Agora não, por favor. — Sasuke seguiu para o quarto sem olhar para trás.

— Mas senhor…

Mas Sasuke o ignorou e aquele talvez houvesse sido outro de seus grandes erros.

Sem o costume de exercitar a respiração, acabou privando-se de um dos sentidos essenciais em situações como aquela. Despiu o paletó ao atravessar os umbrais de seus aposentos e fechou as portas atrás de si. Foi naquele momento que se deu conta do par de olhos esmeraldas que miravam-no, adornados em uma face horrorizada.

Sakura estava de pé rente ao seu caixão aberto. Em suas mãos enrolava um terço.

— Sasuke, o que está acontecendo? — Ela intercalava o olhar entre seu rosto e a urna de carvalho e ouro. — Você é algum tipo de maluco ou algo assim? Ou isso é por causa dessa doença que você tem?

— Quem me dera ser um ensandecido. — Disse ao se encostar nas portas cerradas de salgueiro. — Também invejo os em fase terminal.

Sem conseguir processar tais palavras, Sakura deu dois passos para trás, tateando as paredes para se guiar. Compreensivo com a reação da moça, Sasuke tornou a abrir as portas. Seus olhos olhavam com curiosidade para o objeto nas mãos da jovem.

— Por que trouxe este terço consigo? — A questionou, mas parte de si mesmo acreditava que o inconsciente da moça trabalhava dobrado desde que haviam se aproximado.

— Acabei de ganhar de presente de uma amiga, enquanto vinha para cá. — A moça colocou o adereço de prata no pescoço e o olhou com receio. — Agora responda minha pergunta!

Sasuke lamentou-se em seu interior. Sabia que o momento chegaria, mas não que seria daquela forma.

O vampiro caminhou até ela, manso. Seus passos suaves eram acolhidos de bom grado pelo carpete marrom do aposento. Ao contrário do que ele imaginava, Sakura não recuou.

“Corajosa”, não deixou de pensar.

Passou os dedos gélidos no colo da moça e envolveu o adereço religioso nos dedos, despindo-o da moça e o enroscando no próprio pulso.

— Avise à sua amiga que prata e cruzes não me fazem qualquer mal. — Sorriu com amargura.

— Do que é que você está falando? — Foi desafiado pelos olhos dela a continuar a falar.

— Sua melhor amiga é uma Yamanaka, não é? — Perguntou, mas já sabia a resposta. Aguardou que Sakura afirmasse com um aceno.

— Mas o que isso tem com a situação? — Sakura olhou para ele. Suas mãos unidas sob o peito esquerdo davam a impressão de que protegia a todo custo o coração.

— A família de sua melhor amiga é tão antiga quanto a minha, não sei se você sabe. E, embora tenham se cruzado no passado, ambas são dois extremos absolutos. — Sasuke suspirou. Era a primeira vez que explicava aquela história a alguém. — As mulheres da família Yamanaka nascem sob as bênçãos do sol e, quando chegam à idade adulta, tornam-se caçadoras.

Sakura olhou para Sasuke como se ele fosse um daqueles homens que vestem uma placa anunciando o fim do mundo e saem gritando pelas ruas. Ele não poderia julgá-la por isso.

— Caçadoras? Caçadoras de quê?

— De vampiros. — Deixou a palavra sair com uma naturalidade estranha de sua boca. — Pobres amaldiçoados a vagar pela eternidade sob a lua e a se esconder da magnitude do sol.

— Você… você só pode estar louco. — A voz de Sakura tremeu. — É mentira.

E, embora as palavras de Sakura dissessem que não acreditava no que havia sido dito, os ouvidos do vampiro conseguiam ouvir o coração da jovem acelerar e sua circulação sanguínea perder o controle. Permitindo-se respirar, Sasuke sentiu o doloroso cheiro do medo, dessa vez extremamente forte.

— Você está mentindo, não está? — Sakura deu três passos para trás, se afastando do rapaz. — É uma brincadeira de mal gosto.

Amargurado, Sasuke acenou com a cabeça em negativa. Havia se esquecido completamente de como os sentimentos poderiam ferir tão profundamente. Nenhuma palavra era capaz de comunicar o que o silêncio indubitavelmente alardeava. Sem ter mais ao que recorrer, pegou a cruz do terço e a levou até a altura do punho, a cravando com força e rasgando a pele fina e pálida de uma vez.

— Veja… — Sasuke levantou o braço em uma altura acessível ao campo de visão dela.

Antes que o sangue tivesse tempo de escorrer, as extremidades da ferida voltaram a se unir e o filete vermelho desapareceu como se jamais tivesse vindo à tona.

Aquilo havia sido o suficiente.

Assustada e irradiando temor e ódio, Sakura disparou porta a fora. Desceu as escadarias sem nem mesmo olhar para trás e ganhou a rua em uma velocidade que quase a fazia correr.

Fosse por seus sentimentos naquele momentos serem tão fortes, ou as lágrimas que prejudicavam-lhe o campo visual, sequer se deu conta da sombra a lhe seguir, vigiando e guardando de longe seus passos até que chegasse em casa.


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