POV. Linda

É noite de lua cheia no parque. Eu estou na Ponte da Inspiração e jogo uma pedra no rio. Fico observando várias ondinhas circulares se formarem na superfície da água. Olho para o Henry e sorrio. Ele está do meu lado e também sorri. Coloca o meu cabelo pra trás da orelha, aproxima o seu rosto do meu e me beija.

Acordo sorrindo, ainda imersa no sonho. Então balanço a cabeça, voltando pra realidade. É segunda-feira de manhã, última semana de aula e semana das provas finais. Eu definitivamente não tenho tempo pra distrações! Que sonho mais sem sentido...

Como eu passo todo o caminho pra escola pensando naquele sonho esquisito, chego à conclusão de que preciso de uma análise. Mas não minha, tem que ser imparcial. A primeira das minhas amigas que eu encontro é a Kimi, o que é ótimo, porque eu acho que ela é a melhor pessoa pra me ajudar neste momento. Eu digo que tenho um assunto muito importante pra falar com ela e a levo pra biblioteca. Assim que chegamos, eu conto o sonho e ela diz:

— Own, que fofo!

— Kimi!

— Tá, o que você queria que eu dissesse?

— Eu queria uma interpretação. Nada nesse sonho fez sentido! Você tinha que ver, o rio parecia mais um lago, a água nem corria...

— Ah, as coisas são meio distorcidas nos sonhos, mesmo... Mas eu sei que o rio não é o detalhe do sonho que tá te deixando tão inquieta...

— É, tem razão... São todos os detalhes!

— Bom, eu acho que é meio óbvio o que o sonho quer dizer, né? Você gosta do Henry.

— Uhn... Não tem outra interpretação? E... os outros detalhes do sonho?

— Nossa, como você é teimosa! Tá bom, deixa eu ver... Você vive indo no parque, né? Então faz sentido esse ter sido o cenário...

— É, na verdade... eu já encontrei o Henry lá uma vez...

— Sério? Quando? Foi recentemente?

— Numa noite em que eu fui passear com o Scouty. Não foi muito recente, não...

— Mas você tem pensado nisso ultimamente?

— Bom... na verdade, sim. É que... eu passei um tempinho conversando com o Henry no baile de primavera... — Por alguma razão eu acho que não foi uma boa ideia dizer isso, mas continuo: — Aí depois disso eu comecei a me lembrar de... outras coisas...

A Kimi parece admirada:

— Você tava com ele no baile? Por que não contou nada pra gente no fim de semana???

Apesar dela parecer gostar da notícia, eu começo a ficar desconcertada. Parece que eu roubei ele da Sarah ou sei lá...

— Porque... não foi nada de mais... Não tinha o que contar, a gente só conversou...

— Então por que você tá toda vermelha? — Ela diz com um sorriso. Então percebe como eu estou desconfortável, fica séria e fala: — Linda, se você não quer admitir que gosta do Henry por causa da Sarah, eu entendo. Mas ela falou ontem mesmo na cafeteria que percebeu que eles não combinavam e que foi por isso que não ficaram juntos no baile, você não precisa se preocupar!

— Ah, claro, ela tava gostando dele desde que ele chegou na escola e perdeu o interesse assim, do nada, em uma noite...

— Sim, porque a Sarah nunca gostou do Henry de verdade. Ela só tinha uma quedinha por ele e queria muito que ele fosse o amor da vida dela, já que ele é fofo, gosta de cães e tudo mais... Mas na verdade a Sarah gosta do Mason.

O quê? Essa informação é nova pra mim...

— Quem é Mason? — Eu pergunto.

— O tecladista da nossa banda. — Ela responde como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

Eu começo a tentar me lembrar de alguma informação sobre esse garoto, aí me lembro: é um cara que a Sarah gostava antes, mas agora diz que ele é um babaca. Eu falo isso pra Kimi e ela responde:

— Mas isso é porque você só conhece a versão dela da história. O Mason é meu amigo e eu sei que a Sarah também já fez ele sofrer...

Eu começo a pensar em várias coisas. Eu e as minhas amigas somos de grupos diferentes, mas eu nunca pensei que isso nos fizesse menos próximas. Eu não sei nada sobre a relação da Kimi e da Sarah com as pessoas da banda delas, não sabia que elas eram amigas da Claire e nem que que a Sarah e o tecladista tinham uma espécie de história romântica complicada... A Liv e a Ray sempre contam tudo o que acontece com elas, assim como a Ashlyn, mas esta passou um bom tempo escondendo que tava levando a Fran pras festas dos populares. Aliás, justamente pelo fato da Fran ir a essas festas, gostar daquele tal de Kyle, ficar amiga da Crystal e não ter nos contado nada disso foi que ela se afastou da gente. Por fim, tem eu. Não foi de propósito, mas eu meio que fiz as meninas acharem que a minha única relação com o Henry era como professora particular, elas não sabem que nós somos meio que amigos... Por que eu escondi isso? Será que foi por causa da Sarah, porque eu tenho medo de admitir os meus sentimentos ou pelas duas coisas?

Quer saber, eu não gosto disso. Não quero imaginar que algum dia eu possa me afastar das minhas amigas por não me abrir com elas... Assim que eu souber exatamente o que eu sinto, vou contar tudo pra elas. E eu também quero saber direito o que aconteceu com  Fran, o que agora vai ser mais fácil, já que ela tá se aproximando da gente desde que ela e a Liv se acertaram por causa da decoração do baile. Porém, é melhor eu pensar nessas coisas depois, porque nesta semana eu tenho mesmo que estudar!

Apesar de muito concentrada com as minhas próprias provas, eu me lembro que tenho que ajudar o Henry em Física. É claro que se eu fizer isso existe uma grande possibilidade de eu voltar a pensar naquele sonho e me distrair com mais um monte de coisas, mas eu tenho que continuar o que comecei. É só eu me encontrar com o Henry só pras aulas e pronto, não preciso passar mais tempo com ele nem conversar sobre assuntos que não sejam a matéria, então vai ser mais fácil pra eu me concentrar nas provas. Eu tô pensando nisso enquanto leio o livro de História andando pelo corredor, até que ouço justamente o Henry me chamar. Ele está vestindo o uniforme do time de futebol da escola e diz que tem um assunto importante pra falar comigo. Ai, não... tomara que não seja nenhuma daquelas curiosidades inesperadas que me fazem ficar pensando nele por dias...

— Desculpa, agora eu não posso, tô muito ocupada! — Eu digo, antes que ele comece. 

Bem que eu poderia ter sido menos chata, né?... Porém ele ignora e continua falando:

— Eu sei, e é por isso mesmo que eu prefiro dizer isso logo, não quero mais tomar o seu tempo. Eu não preciso mais que você me dê aulas de Física.

Tá bom, isso foi bem inesperado, mas pelo menos tem a ver com os estudos...

— Por quê? — Eu pergunto.

— Bom... lembra que eu tinha dito que tinha tirado uma nota muito baixa numa prova?

— Claro que lembro, foi por isso que você pediu as aulas...

— É, só que... isso não é totalmente verdade, já que depois dessa prova eu tirei uma nota boa... muito boa, na verdade...

— Ah, que bom! Então você conseguiu recuperar, por isso não precisa mais das aulas. Ainda bem que me contou antes, porque eu já ia me programar pras aulas desta semana.

Ótimo, uma distração a menos! Eu acho que já tá tudo certo e a conversa terminou, mas o Henry diz:

— Acontece que... eu tirei essa nota muito boa antes de pedir pra você me dar as aulas... ou seja, eu nunca precisei de verdade que você me ensinasse Física... E não quero mais mentir pra você e nem tomar o seu tempo, por isso tô contando agora. Desculpa...

Eu não entendi foi nada! Parece que tem um monte de equações na minha cabeça tentando ver alguma lógica no que ele falou, mas acho que nada pode explicar...

— Então por que você disse que precisava de aulas?

Ele parece envergonhado e responde:

— Porque... eu queria... passar mais tempo com você e... não consegui pensar em outro jeito porque eu sou um idiota... Agora eu tenho que ir pro treino, me desculpa de novo por isso, não vou mais te incomodar! Tchau.

Então ele sai e me deixa lá totalmente confusa no corredor. Eu não sei o que pensar sobre o que ele acabou de dizer... e nem o que sentir. A única coisa que eu sei no momento é que eu tô muito confusa! Eu teria ficado com muita raiva, mas ele pareceu realmente arrependido por ter mentido e tomado o meu tempo, além disso... ele fez isso pra passar mais tempo comigo?... Ah, não, eu não posso pensar nisso agora! Esse assunto fica pra depois das provas.

~~

POV. Henry

Eu me diverti muito no baile. Estar com a Linda sempre faz muito bem, eu sinto que posso ser eu mesmo com ela. Mas tem um problema, eu não sou totalmente verdadeiro com ela, menti sobre as aulas de Física. Eu acho que a nossa relação está muito boa no momento e se eu contar a verdade sobre isso, posso estragar tudo. Porém, depois de muito pensar durante o fim de semana, eu chego à conclusão de que é o certo a se fazer. Principalmente porque é a semana das provas finais e eu não quero que a Linda perca o tempo dela me dando aulas...

Mesmo consciente de que ela provavelmente vai ficar com muita raiva de mim, eu a abordo no corredor da escola, um pouco antes do meu treino de futebol começar. Espero que esta seja a última vez que eu intorrompo alguma leitura dela...

— Linda! Eu preciso falar com você. É... importante...

— Desculpa, agora eu não posso, tô muito ocupada!

Exatamente como eu imaginei que ela estaria durante esta semana. Mas é melhor eu falar logo, senão depois vai ser muito pior... Eu começo falando que não fui totalmente sincero, já que tirei uma nota muito boa em Física, então a Linda acha que foi resultado das nossas aulas e parece muito feliz por isso e por eu ter contado antes que ela marcasse as aulas particulares desta semana.

Acho que isso tá mais difícil do que eu esperava... Eu falei a verdade e a Linda ficou feliz com o que ouviu. Eu podia deixar as coisas como estão, afinal, se ela interpretou o que eu disse do jeito que quis, não é minha culpa... Mas isso não tá certo. Eu sempre me importo com o que as pessoas pensam de mim, por isso prefiro que elas me vejam do melhor jeito possível, não importa se eu estou sendo verdadeiro ou não. Mas eu não quero que seja assim com a Linda. Prefiro que ela não goste de mim do que fingir ser outra pessoa na frente dela. Por isso, eu explico a minha mentira e peço desculpas. 

Inicialmente, fico com medo de olhar pra ela, mas quando tomo coragem vejo que ela tem uma expressão confusa.

— Então por que você disse que precisava de aulas?

É claro que ela ia perguntar isso... Eu não tenho por onde correr, então, com muita dificuldade, respondo que é porque queria passar mais tempo com ela. Peço desculpa novamente e vou pro meu treino. Eu nem sei ao certo qual foi a reação da Linda, já que dessa vez não tive mesmo coragem de olhar nos olhos dela. Não sei se ela continuou confusa ou se ficou com raiva. Só sei que eu não vou conseguir me concentrar no futebol depois dessa conversa...

Durante o resto da semana, eu tentei ver se a Linda dava algum sinal de que estava com raiva de mim ou não, mas ela estava estudando mais do que o normal e sempre parecia muito concentrada. De certa forma, foi até bom, porque então eu decidi me concentrar nos meus próprios estudos também, apesar da minha curiosidade sobre o que ela pensou a respeito do que eu disse quase tenha me matado. É melhor voltar a falar com ela só nas férias. Ou descobrir se ela ainda vai querer falar comigo, no caso...