Ameaças de Areia. escrita por Carenzinha


Capítulo 6
O


Notas iniciais do capítulo

Oii, sinto muito por não ter saído capítulo segunda... porém isso me fez pensar que talvez fosse mais fácil para os leitores um capítulo por semana. Embora nada decidido ainda.



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O

 

Mike Almire Fernandiz.

4/8/2023            

Das 12:30 até 16:00.

 

Eu estava trabalhando no Projeto Cura (agora com o nome horrendo que Ethan tinha dado para ele) por mais de seis meses. No começo, achei que seria péssimo ter um parceiro, mas aquele garoto foi capaz de me surpreender.

Desde as primeiras semanas de convivência, ele sempre se demonstrou alguém descontraído, legal e de bem com a vida. Nem mesmo os erros nas formulas de matemática e quando uma suposição dava errado era capaz de desanima-lo.

Ethan me lembrava muito meu irmão mais velho, Silas. E embora eu nunca tivesse contado isso para o meu parceiro de trabalho, tinha certeza de que se caso os dois se conhecessem eles se dariam muito bem.

Claro que eles possuem algumas diferenças, a primeira delas é claramente a idade. O garoto que empatou comigo na pontuação das provas do Projeto Cura tinha dezoito anos, sempre me perguntei se o garoto foi uma espécie de prodígio na escola ou algo assim. Outra diferença do Ethan para o Silas é que o primeiro pode contar piadas e ser descontraído, mas é incrivelmente fechado quando o assunto é ele mesmo. Eu nunca tinha visto meu colega falar algo como “os meus pais estão orgulhosos de mim” ou “eu sempre tive sucesso na escola”, de qualquer modo sempre achei muito invasivo perguntar, então deixei quieto. Já Silas, ama falar de si mesmo e de como é incrível e legal. Ele fala brincando na maioria das vezes, embora eu sempre fizesse questão de ressaltar que era tudo verdade.

Silas sempre foi alguém ótimo.

Ter um colega para rir e aliviar a tensão estressante de trabalhar das 12:30, voltar para a casa as 15:00 e voltar para o trabalho de novo, onde ficamos até umas 21:00 da noite, foi algo interessante. Acho que eu já teria perdido todo o meu cabelo se eu estivesse sozinho nessa. Talvez eu já estivesse careca agora, ou com os meus fios marrons cacheados substituídos por branco.

Ethan era alguém com quem eu podia contar, tinha ideias boas e ótimas iniciativas para ajudar no Projeto. E, por mais que meu parceiro fosse inteligente e legal, ele não se considerava tudo isso.

Ele sempre foi inseguro, desde o primeiro dia que nos conhecemos. O garoto prometeu que não iria continuar a fórmula quando eu não estava presente, e ele fez com que eu prometesse que eu não mudaria a fórmula sem ele. Prometi, mesmo eu achando isso incrivelmente desnecessário.

No começo, eu apenas aturava o jeito do garoto e seu falatório que parecia ser interminável (muitas vezes tive que me controlar para não mandar o garoto calar a boca). Mas, depois fui descobrindo que Ethan era alguém incrível também e um ótimo parceiro, isso quando ele não estava se xingando e se colocando para baixo (coisas que aconteciam constantemente). Mas, mesmo assim era algo que eu tentava entender e aceitar.

Embora, eu não sabia o porquê de Ethan ser tão inseguro. O cara era realmente um gênio. Perdi a conta de quantas vezes fiquei impressionado com as coisas que ele disse, com as dicas que ele deu para desenvolvermos as fórmulas, com as contas complicadas que ele conseguia resolver facilmente, com as coisas que ele sabia e eu nem tinha a noção da existência.

Era verdade que no começo eu sentia inveja de Ethan, porém, eu fazia de tudo para que ele não descobrisse. O meu parceiro era carismático e descontraído, além de mandar muito bem em química e indústria farmacêutica. Além disso, ele tinha apenas dezoito anos, então, a não ser que ele tenha pulado alguns anos na escola, tinha conseguido seu trabalho sem nenhuma experiência em faculdade alguma.

Ethan era extrovertido e inteligente. Conhecendo o cara e o raciocínio dele, conseguia pensar que o meu parceiro não tinha estudado quase nada para prestar as três provas, e que mesmo assim conseguiu empatar comigo, a pessoa que tinha passado incansáveis meses estudando muito. Era estranho pensar que eu precisava me esforçar muito para chegar ao nível do meu colega, que sempre terminava os problemas mais rápido do que eu. A diferença? Enquanto eu estava quase arrancando os cabelos para chegar ao resultado, ele chegava ao mesmo de uma forma mais simples e fácil, como se para ele fosse só somar 2+2.

Ele era mais inteligente do que eu, mesmo sendo 6 anos mais novo do que eu. Era menos preocupado e mais animado do que eu, por isso eu o invejava.

Mas, meu parceiro logo foi se demonstrando alguém que seria inútil ter inveja, e que eu deveria admitir que ele era fenomenal.

A única coisa ruim, é que era complicado para Ethan ver isso nele mesmo.

Mas, uma coisa era certa: eu tinha que admitir que sentiria falta daquele magrelo falante. Eu tinha convivido com ele tempo o suficiente para saber que era alguém admirável.

 Depois de trabalhar com Ethan por incansáveis sete meses, testarmos nossa fórmula, testarmos de novo e retesarmos, conseguimos no resultado que tanto almejávamos. Quando chegamos hoje no laboratório cantamos e dançamos, fizemos a maior festa na A-012 de tanta alegria de finalmente termos terminado e de sermos aprovados pelo diretor do Laboratório Flor de Lins. A gente fez tanto barulho que a Pietra começou a bater na nossa porta e disse com uma voz incrivelmente brava que, “se não parássemos de berrar feito dois retardados mentas, a gente ia ter que conversar com as facas que ela tinha guardado”. Aquilo foi tão macabro que eu quase pensei em ficar quieto o dia todo, quase. (Ethan tornou-se a falar logo depois que Pietra saiu da sala).

O problema do Ethan sempre foi sua capacidade inacreditável de forçar amizade. Todos os dias me chamava de “amigão”, como se nos conhecêssemos desde a infância. Eu nunca consegui ter a coragem necessária para contar para ele o quanto aquilo me incomodava. Embora, depois de meio ano trabalhando com o cara, eu me acostumei. Outra coisa era sua incrível capacidade de desastre, ele quebrou e derramou tanta coisa no chão da sala que eu ainda não sei como a A-012 não explodiu.

Já o problema do Ethan que persiste desde quando nos conhecemos, é seu vício e admiração por “parceria”. Quando conheci meu colega, ele me explicou o quanto considerava parceria um “laço forte e inabalável”, portanto, logo quis que fossemos parceiros.

Aceitei, mesmo considerando uma palavra igual a todas as outras. Desde aquele dia, ele me chama de “parceiro” e levava isso como se fosse a coisa mais importante existente no mundo. O que, para mim não passava de algo comum.

Outra coisa que eu nunca gostei, foi o Ethan falar muito. Quando ele começava a conversar, era complicado ele parar. Também era difícil ter momentos em que ele estava completamente quieto, acho que eu nunca cheguei a ver Ethan passar mais de meia hora sem falar.

Eu olhava a A-012 incrivelmente limpa e arrumada. Até mesmo aquele armário feio e sem graça ganhou um laço de fita azul enorme, para comemorar nosso sucesso.

Honestamente? Eu e Ethan éramos bagunceiros, ele mais do que eu, pois além de bagunceiro, era desastrado. Sabia disso quando dava o nosso intervalo e os dois topávamos em comer algo no refeitório do Laboratório. Uma vez, Ethan derrubou todo o pote de açúcar que acabou abrindo, fazendo a maior sujeira. Outra vez, ele derrubou sua xícara de café. Ela além de sujar o chão, se quebrou. Como se isso não bastasse, Ethan foi tentar consertar, então pegou um guardanapo para limpar a sujeira, mas, quando foi jogar o papel fora acabou derrubando a lata de lixo. Depois, meu colega pegou uma vassoura para retirar os cacos, mas, bateu com o cabo do objeto na prateleira, derrubando três pratos.

Depois desses acontecimentos, fui percebendo que Ethan nunca mais entrou na cozinha, me fazendo pensar que ele tivesse sido expulso de lá.

Para o meu azar, meu colega nunca deixou de ser um desastrado. Mas, felizmente ele nunca derrubou algo realmente importante que iria nos impedir de continuar a fórmula.

Era ótimo ver nossa sala tão limpa, sei que sempre dávamos o nosso máximo para mantê-la assim (afinal, um laboratório em menor escala não deveria ser sujo), mas uma poeirinha aqui e ali sempre acabava ficando. Como hoje era o nosso último dia de trabalho na A-012, estávamos limpando tudo (sem pressa, como limpávamos na maioria das vezes) e nos certificando de não deixar nada imundo. Queríamos deixar nossa sala apresentável, assim como o Projeto Cura estava.

“Ae amigão, poderia tirar essas suas ‘patas’ ai da mesa?” Ethan me desviou dos meus pensamentos. Ele estava limpando a mesa e eu estava apoiado nela.

Mesmo detestando muitas vezes as gírias e o modo de falar do Ethan, poderia falar que em sete meses desenvolvemos uma convivência única. Quem diria que eu me daria bem com aquela alma juvenil e magrela?

“Uh claro, amigão.” Eu disse estranhando a palavra.

Ethan me olhou como se eu tivesse feito a coisa mais abominável ou esquisita do mundo.

“O que foi?” Eu perguntei.

“É que você nunca me chamou de amigão, aconteceu algo com o Mike de sempre?” Ele perguntou.

“Ah, é que hoje é nosso último dia de trabalho juntos e eu me dei conta de que eu nunca tinha feito isso.” Admiti.

“Ah eu estava quase esquecendo que hoje é o nosso último dia de trabalho como parceiros.” Ethan disse um tanto melancólico.

“É, pois é.” Eu respondi, era óbvio que nenhum dos dois tinha pensado realmente sobre o trabalho ter terminado. Eu realmente tinha me acostumado com ele depois de 7 meses o executando. Eu sentiria falta do Projeto Cura.

O clima de repente ficou esquisito, como se uma onda de saudade tivesse se instalado na sala. Eu sentiria falta do trabalho, e Ethan provavelmente estava pensando o mesmo.

“Ah amigão, deixa de tristeza. A gente foi parceiraço por mais de meio ano! Eu estou feliz que a gente fez esse Projeto e tudo mais.” Ele disse lançando um sorriso e dando um soquinho no meu braço. Era impressionante como aquele carinha se animava fácil. “Agora a gente tem mais é que comemorar, cara!” Ele disse me parecendo muito feliz.

“Tem razão.” Eu disse. “Me passa um pano, quero ajudar a limpar também.”

“Opa tá na mão.” Ele falou e depois jogou um pano para mim.

“Obrigado.”

“De nada.” Ele respondeu.

Ethan começou a assoviar uma canção enquanto limpava.

 “Ah... não é legal dar aquela repaginada no cantinho que a gente usou por sete meses?” Ele perguntou enquanto limpava um tubo de ensaio quebrado. “Vou sentir sua falta, Lasquinha de Vidro.” Ele disse baixinho.

Dessa vez não pude deixar de sorrir, Ethan tinha nomeado exatamente todos os nossos utensílios.

Ethan andou com um termômetro até uma panela com água, depois o colocou na dentro dela, pois foi checar se a temperatura do líquido estava boa o suficiente para a esterilização. Como a resposta foi afirmativa, ele colocou várias tesouras dentro da panela.

 “Cuidado com o Pinga-Pinga, ele é frágil e odeia cair no chão.” Ele disse vendo que eu estava colocando um conta gotas de volta na gaveta. “Ou será que esse é o Pinga-que-Cai?” Ele murmurou para si mesmo.

Às vezes eu cheguei a pensar que tanta inteligência foi danificando um pouco o cérebro do meu parceiro.

“Certo.” Eu disse guardando o seja-lá-qual-for-o-nome do conta gotas.

Foi quando eu olhei para o balcão que ficava próximo a janela. Lá estavam suportes de metal com furos, onde as seringas com o novo medicamento capaz de curar mais de 20 tipos de doenças estavam devidamente colocadas e apoiadas. Essa vacina era resultado do trabalho duro meu e do Ethan, uma coisa que demorou sete meses para ser feita.

As pessoas investiram muito em nós, nos dando dinheiro e suporte. Então, depois de um meio ano duro, muitos testes, acertos e falhas, conseguiria informar com imenso orgulho que o Iom Ne Onif Saclas estava pronto para ser distribuído para a população.

“É linda, não é? Nossa vacina.” Ethan disse admirado com o próprio trabalho.

“Muito.” Eu concordei pasmo com o resultado final.

“De verdade, eu já sabia que ficaria supimpa mas, ficou melhor do que eu esperava.” Ele confessou. “Formamos uma ótima dupla, parceiro.”

Eu assenti.

Nos primeiros meses, essa história de dupla era um desafio, a alma juvenil de Ethan muitas vezes chegava a ser um pouco insuportável. Teve momentos que eu prometi para mim mesmo que se ele falasse “parceiro” mais uma vez, eu iria largar o Projeto. Felizmente eu não cumpri isso, pois Ethan continuou a usar a palavra e nós terminamos o Iom Ne Onif Saclas.

“To feliz que a gente conseguiu terminar o Iom Ne Onif Saclas. Mesmo quando eu quase quebrava tudo.” Ele disse enquanto apertava as próprias mãos. Assim como eu disse, Ethan era desastrado e bagunceiro.

“Você não é tão desastrado assim.” Menti, eu me lembrava do incidente com o café e das coisas que ele quebrou na A-012.

“Você vai mesmo mentir pro seu parceiro na cara dura?” Ele me olhou de uma forma melancólica, o que me fez ficar envergonhado.

“Pelo menos você nunca quebrou nada importante...”

“Nada importante? E quando eu derrubei o Senhor Pote no chão e ele se quebrou? Ele deve ter ficado arrasado!” Ele disse sem nem acreditar que eu não considerava aquilo “algo importante”

Coloquei minha mão em minha cara e revirei os olhos.

“Era só um pote, Ethan!”

 “E aquela vez que eu derrubei ácido corrosivo no seu jaleco?”

“Pelo menos eu não estava usando ele...” Eu dei de ombros.

“NÃO FALE COMO SE AGORA ISSO NÃO FOSSE NADA, VOCÊ FICOU BRAVO COMIGO POR DOIS DIAS!” Ele olhou para mim de forma um tanto indignada.

“Ah, eu fiquei?” Eu perguntei sem precisar, pois eu me lembrava muito bem de como eu tinha ficado chateado e nervoso. “Oh puxa, eu fiquei mesmo, não é? Desculpe.” Eu falei um tanto constrangido.

“Tá tudo bem, parceiro. Eu sei que a culpa disso foi minha...” Ethan disse olhando para a janela e com uma voz um tanto falhada.

“E foi mesmo.” Murmurei sorrindo. Eu não tinha intenção de ofender meu colega com essa frase (e muito menos que ele escutasse), mas percebi que não tinha tido tanto sucesso quando Ethan olhou para mim com os olhos arregalados.

“AH ENTÃO AGORA VOCÊ VAI JOGAR ISSO NA MINHA CARA DEPOIS DE MESES DE PARCERIA?” Ele gritou.

“O QUE? MAS, FOI VOCÊ QUE DISSE QUE TINHA ESTRAGADO TUDO!” Eu respondi, sem perceber que tinha usado o mesmo tom de voz de Ethan tinha usado.

“COMO SE EU NÃO ME CULPASSE O SUFICIENTE!” Ethan levantou os braços e caminhou pela sala, fazendo questão de dramatizar. “QUERO DIZER EU SEI QUE EU SOU UM GRANDE MANÉ!”

“Ethan você não é um mané... você é ótimo.” Eu falei.

Ele parou de andar e refletiu alguns segundos sobre minha frase enquanto me encarava melancólico.

“Você só diz isso porque é meu parceiro.” Ele disse enquanto colocava uma mão na cabeça e a massageava. “Me desculpa, amigão. Eu acho que eu estou muito nervoso com a demonstração de amanhã, por isso eu exagerei.”

“Ah, acho que nem vai ser tão ruim.” Eu disse, embora não confiando nas minhas próprias palavras.

Flor de Lins sempre preparou uma demonstração para quando os projetos eram lançados. A nossa seria feita em um auditório, onde a vacina seria aplicada e depois distribuída a população. Eu e Ethan estávamos bem nervosos com isso.

“Afinal, nossa família vai estar aqui assistindo, e vai apoiar a gente amanhã.” Eu disse esperançoso.

“Fale por você.” Ethan murmurou enquanto passava o indicador na mesa de metal. Ele ergueu o dedo e o olhou com satisfação ao ver nenhuma poeira nele.

“Tenha um pouco de esperança, tenho certeza que seus pais vão estar felizes.” Falei, sei que eu sempre considerei invasivo falar sobre essas coisas com Ethan, mas era o nosso último dia de trabalho juntos, e o garoto precisava do apoio de alguém.

Ethan bufou baixinho e logo depois respondeu incomodado com a minha colocação:

“Pra começar: eu nem sei quem são meus pais, tá legal? E mesmo se eu soubesse tenho certeza que eles nem ligariam pra mim.”

“Eu... eu não sabia.” Disse constrangido.

“Tudo bem, não faz diferença mesmo.” Ethan disse com uma voz pastosa, que dava a entender que isso fazia sim diferença para o garoto, por mais que eu negasse.

Foi quando um silêncio constrangedor tomou conta da sala. Eu não sabia o que dizer, já que não esperava que Ethan me contasse que não conhecia os pais. Portanto, fiquei imensamente feliz quando ouvi batidas na porta.

“Estão batendo?” Ethan perguntou.

Eu me dirigi até a porta e, quando eu a abri vi que era o senhor Tarcísio, um homem um tanto gordo com cabelos pretos penteados com gel, e também o diretor do Laboratório.

“Diretor Tarcísio! Que surpresa vê-lo aqui! O que te traz à nossa sala?” Eu disse tentando ser o mais formal possível.

“Falaê, Tarcís! Como vai a vida de diretor?” Ethan disse de um modo despojado, o garoto tinha sentado na cadeira, onde a empurrava levemente com as costas. Ele também tinha colocado o pé esquerdo na mesa que tínhamos acabado de limpar, o que me fez sentir vergonha por ele. Fechei meus olhos querendo acreditar que era um sonho e que isso não tinha acontecido.

Tarcísio torceu o nariz e pigarreou.

“Certeza que está indo melhor do que sua vida de cientista, senhor Feduncio.”

O diretor disse aquilo de modo seco, mas pude perceber uma pontada de contentamento em seus olhos ao ver a cara de Ethan. O meu colega estava com as bochechas vermelhas, tinha parado de empurrar a cadeira e seu sorriso tinha desaparecido.

Eu não sabia como aquele garoto poderia ter sobrenome, já que, aparentemente não tinha família. Porém, eu nunca perguntei sobre isso, pois meu colega disse que se sentia muito incomodado com ele.

Ethan assentiu desconfortável.

“E TIRE O PÉ DA MESA DE TRABALHO!”

Ethan deu um pulo e colocou o pé no chão, provavelmente não esperava que o diretor fosse falar naquele tom.

“Hunf, não se fazem mais cientistas como antigamente.” O diretor Tarcísio revirou os olhos e murmurou perdido em seus pensamentos.

“Mas, enfim, o que você está fazendo aqui?” Ethan perguntou meio desconfortável.

“Você?” O diretor perguntou com uma voz áspera.

Ethan se mexeu na cadeira, era perceptível que meu colega estava nervoso.

“Senhor, você, bah é tudo a mesma coisa!” O diretor arregalou os olhos furiosos com essa fala, o que fez Ethan engolir a seco. “Eu só estava tentando quebrar o gelo.” Ele murmurou cabisbaixo.

“Acho que você já quebrou objetos suficientes, senhor Feduncio, não precisa quebrar o gelo!” Senhor Tarcísio disse áspero, fazendo questão de olhar nos olhos de Ethan.

“Eu só...” Meu colega olhou para mim com uma expressão desesperada. Sua boca balbuciava algo parecido com a frase: “me dá uma mão aqui, parceiro”.

O diretor estava de braços cruzados esperando Ethan se explicar, estava com um pequeno sorrisinho no rosto. Meu colega parecia prestes a entrar em pânico, tentava escolher as palavras certas, mas ficava completamente perdido.

Eu estava confuso, o diretor aparecia de tempos em tempos na nossa sala, mas mantinha uma relação profissional e comum. Claro, em nenhuma dessas vezes Ethan estava com os pés na mesa, nem quebrando coisas, o que ficava mais simples.

Na maioria das vezes o diretor se dirigia a mim para dar ordens e recomendações, mas, eu pensava que isso acontecia por eu ser o mais velho, ou o mais organizado. Eu nunca tinha parado para pensar que Tarcísio e Ethan poderiam ter uma espécie de rixa, também nunca tinha visto os dois discutirem assim. O diretor parecia causar pânico no meu parceiro.

Portanto, resolvi ser sensato e interferir.

“O que o Ethan está querendo dizer, senhor, é que estamos muito felizes com sua presença aqui.”

“Estamos?” Ethan perguntou.

Eu olhei para ele incrédulo, como aquele cara poderia ter ganhado o primeiro lugar no concurso?

“Ai! Que ‘pisão’ tamanho 50!” Ele disse depois de eu ter pisado no pé dele, na tentativa de fazê-lo se calar.

“E gostaríamos de saber porque o senhor está aqui.” Eu disse sorrindo.

O diretor retribuiu o sorriso e disse:

“Estou aqui para tirar fotos de vocês dois.”

“Fotos?!” Eu e Ethan falamos ao mesmo tempo, com um sorriso involuntário se formando em nossas bocas.

“Sim. Agora, vistam os jalecos.”

Eu olhei para Ethan, que retribuiu minha expressão preocupada. Eu não tinha um jaleco apresentável, na verdade eu nem tinha um jaleco. Eu vi um sorrisinho se formando na boca de Ethan, embora eu não achasse que qualquer coisa que ele dissesse poderia ajudar (considerando que o diretor parecia estar furioso com ele por alguma razão desconhecida)

“Sabe diretor? Eu e o Mike somos parceiros de longa data, tipo de uns sete meses, saca?” O diretor pareceu fuzila-lo com o olhar com a gíria no final, e Ethan percebeu isso. “A questão é: a gente é tão unido que vamos compartilhar o jaleco.”

“Compartilhar o jaleco?” O diretor perguntou confuso.

“É, usar o mesmo.” Ethan respondeu.

O diretor cruzou os braços, provavelmente achando aquilo muito esquisito.

“AAAHH! TÁ BOM, EU ADMITO! A CULPA FOI MINHA! FUI EU QUE DESTRUÍ O JALECO DO MIKE!” O tom de voz dele estava um tanto quanto desesperado.

“Você destruiu o jaleco do Mike?” O diretor perguntou com uma voz enfurecida.

“SIM, EU JOGUEI ACIDO CORROSIVO, FOI SEM QUERER! EU JURO! AAAAAAAAAAHHHHHH FOI O MIKE QUE ME FEZ CONFESSAR!” Ele estava realmente aflito.

“O que?” Eu murmurei sem acreditar. “Ethan, eu não fiz nada!”         

“EU SEI, PARCEIRO! FUI EU, A CULPA É TODA MINHA!” Ethan estava suando, visivelmente muito nervoso.

“Ethan... Ethan... ah o que eu faço com você?” O diretor murmurou mais para si mesmo enquanto massageava a própria cabeça.

“Eu não me importo de usar o jaleco do Ethan, eles são praticamente iguais e acho que ninguém vai notar o tamanho.” Disse sincero.

“Obrigado, parceiro.” Ele disse para mim enquanto sorria aliviado.

“Obrigado, Mike. Pelo menos alguém aqui é sensato, ao contrário de certas pessoas.” Ele fez questão de olhar para Ethan, que abaixou a cabeça, na hora de concluir a frase. “Agora, peguem o jaleco e vamos indo até o saguão. E não se esqueçam de se prepararem para o dia de amanhã.”

O diretor andou até a porta e logo depois saiu.

“Obrigado por ter salvado minha pele, parceiro.” Ele disse enquanto pegava o jaleco que estava dentro do armário marrom.

“De nada. E qual é a sua com o diretor? Quero dizer, porque ele parece te odiar?” Eu perguntei.

“Ah, será que poderíamos não falar sobre isso?” Ele perguntou.

Eu assenti.

“Só espero não fazer nenhuma besteira amanhã.” Ele murmurou apreensivo.

“Não vai.” Eu tentei tranquiliza-lo. “Agora vamos.” Eu disse.

“Certo.”

“Ei, Ethan. Agora que acabamos tudo, o que acha de sairmos mais cedo hoje? Poderíamos ir embora depois que a gente tirar a foto.” Eu tentei perguntar, torcendo para que ele aceitasse, pois eu estava cansado.

“Opa eu topo, eu to realmente um caco!” Ele respondeu.

“Ethan.” Ele se virou para me ouvir.

“Sim?”

“Eu calço 48, não 50.” Eu disse sorrindo, o que fez Ethan sorrir também.

E nós dois saímos da sala.


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