Powerless Against You escrita por Shiroyuki


Capítulo 3
Capítulo 3. Conselho




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/767586/chapter/3

Capítulo 3

Conselho

 

Quando abriu os olhos naquela manhã, Shouto considerou sinceramente as possibilidades do dia anterior ter sido apenas um sonho. Levando em conta tudo ao seu redor, e o seu histórico pessoal, as possibilidades eram grandes. Coisas boas não aconteciam com frequência na sua vida, e ele estava acostumado com isso. Mesmo com tanto pessimismo rondando seus sentidos, de uma coisa ele tinha certeza: jamais teria sido capaz de imaginar sozinho a sensação dos lábios de Izuku contra a sua pele – e esse pensamento foi o suficiente para fazê-lo despertar por completo, mesmo que para se contorcer contidamente com o rosto contra o travesseiro.

Forçando-se a sair da cama e abandonar os devaneios – ou lembranças do dia anterior, Shouto se arrumou para mais um dia de aula, concentrando-se apenas nas atividades rotineiras e nada mais. Vestiu seu uniforme, guardou o futon e preparou sua mochila. No caminho para fora do quarto, olhou de relance para o espelho sobre a cômoda. Ajeitou a franja sobre os olhos, colocando de volta alguns fios fora do lugar. Eles não ocultavam de forma alguma a cicatriz do lado esquerdo, e com isso ele já havia se conformado. Mas, quando se deu conta do que havia parado para fazer, sobressaltou. Ele nunca fazia isso. Nunca parava para prestar atenção na própria aparência. Nunca sequer pensava em como se pareceria.

Um nó na base do estômago ameaçava se formar, quando se deu conta disso, e ele se forçou a sair dali e empurrar essa inquietação bem fundo, até que a esquecesse. Isso era estúpido. Mas ignorar esses sentimentos negativos acabou por criar espaço para que outro tipo de nervosismo se instalasse em sua mente.

Depois de retornar ao dormitório no dia anterior, não houve muito tempo para que ele e Midoriya pudessem se acostumar com as novas circunstâncias decorrentes dos eventos recentes entre eles. As salas comuns estavam sempre cheias de gente, e o fato de que a classe 1-A era constantemente agitada e não sabia o significado de privacidade era sempre um ponto contra. Além disso, Uraraka, Iida e os outros estavam preocupados com Midoriya, e ele ainda sentia dores de cabeças mesmo insistindo em tentar convencer à todos que estava bem; então, Todoroki não quis forçar nada que pudesse desgastá-lo ou deixá-lo desconfortável, e preferiu se juntar ao coro de Iida, e se certificar de que Midoriya fosse dormir mais cedo e se recuperasse completamente.

A percepção de que naquela manhã eles se veriam novamente deixava Todoroki agitado, ele não podia negar. E isso se tornava aparente pela forma como ele apertava com mais força a alça da mochila, ou continuava movendo os pés mesmo enquanto aguardava o elevador descer para o térreo, embora ele tivesse certeza de que ninguém teria a capacidade de notar essas pequenas diferenças em si.

Ele havia acordado mais cedo do que o usual, aparentemente, percebendo como a sala de estar estava vazia, e, na cozinha, apenas Sato-san se movimentava de um lado para o outro fazendo algo que, pelo aroma que se espalhava pelo lugar, só podia ser um bolo. Todoroki também foi naquela direção, deixando a mochila de lado para preparar o habitual chá, enquanto era atormentado por várias questões que surgiam ao mesmo tempo na sua mente.

Midoriya sempre acordava cedo, sem esforço, e estava de pé antes dele. Será que ele ainda sentia dor? Ou estava arrependido ou incomodado com algo, e, por isso, havia voltado a tentar evitar Shouto como no dia anterior? Ele havia sido prepotente demais ao se impor daquela maneira, ou havia entendido algo errado…

— Bom dia, Todoroki-kun.

A voz hesitante libertou Shouto das próprias dúvidas, para brindá-lo com um sorriso encantador, brilhante demais para aquela hora da manhã. Com o susto, ele quase derrubou a xícara que estava pegando no armário, mas conseguiu se recuperar a tempo de evitar um estrago.

— Bom dia, Midoriya. – Ele respondeu, a voz soando áspera aos próprios ouvidos, tanto pelo tempo sem uso quanto pelo inesperado da situação. Ele não sabia que seu coração ainda ia acelerar daquela maneira, mesmo depois de ter admitido tudo aquilo que nem notara que estava guardando para si até aquele momento. – Dormiu bem? – Ele indagou, voltando a se concentrar na preparação do seu chá. Midoriya também se adiantou, preferindo seu cereal rotineiro com leite.

— Dormi sim… – Shouto notou a maneira como o rosto do outro reavivou com a resposta, embora ele não estivesse olhando para ele no momento, e se perguntou por que motivo ele coraria ao responder algo tão simples. – Na verdade, fazia um tempo que eu não dormia tão bem. E você?

— Também. – Ele respondeu, sem elaborar muito. Jamais admitiria para Midoriya que havia sonhado com ele, pois isso já era um acontecimento frequente, e que acordar sem a certeza de que o dia anterior não havia sido mais um desses sonhos deixara um gosto amargo no fundo da sua garganta. Todoroki sentia que necessitava de alguma reafirmação constante para sentir segurança no que fazia, nesse tipo de assunto, porém, jamais seria capaz de exigir qualquer coisa de Midoriya. Então, preferia lidar com as próprias inseguranças sozinho, longe dali, e sem que ele soubesse disso, de preferência. – E o nariz?

— Quase não sinto mais nada, acho que ficou tudo bem. – Midoriya enfim ergueu o rosto da minuciosa tarefa de colocar leite na tigela com cereal, e Shouto pode examinar melhor como ele estava. Não havia qualquer sinal da fratura do dia anterior, mas o nariz continuava levemente avermelhado, na certa um resquício da cura recente, mas nada que devesse ser preocupante.

Mesmo assim, Shouto ergueu uma das mãos sem pensar, e passou o polegar pelo rosto de Midoriya, erguendo-o de leve para verificar melhor. O rubor que antes se concentrava no nariz, rapidamente se espalhou pelo resto da face, enquanto ele murmurava sílabas desconexas na tentativa falha de dizer qualquer coisa que fizesse algum sentido.

— T-T-T-Todoroki… kun… – Ele, por fim, conseguiu pronunciar, e só então Shouto se deu conta do que fazia e de como isso poderia soar estranho a qualquer um que observasse os dois naquele momento. Deixou a mão cair, ainda que relutante, e os olhares de ambos se cruzaram por um longo e lento segundo, sem que qualquer um tivesse coragem de quebrar aquele momento.

— Será que dá pra dar licença? Eu preciso de café.

A voz arrastada de Jirou foi a responsável por fazer Midoriya e Todoroki acordassem do torpor em que haviam acabado de cair, e os dois se moveram para dar passagem para a colega, que ainda vestia a camiseta de banda de rock que usava para dormir, e não parecia estar em nenhum estado nem mesmo próximo de desperto, ainda de olhos praticamente fechados pelo sono e se movendo lentamente. Não parecia ter notado nada de estranho na interação anterior entre Midoriya e Todoroki. Os dois trocaram olhares nervosos, e dividiram um breve sorriso antes de voltar a focar no café da manhã.

Não demorou para que mais pessoas começassem a aparecer, ainda lentas e não muito dispostas tão cedo da manhã, movimentando-se preguiçosamente, cada um concentrado em preparar o próprio alimento, sem ânimo para conversas mais elaboradas. As manhãs eram sempre o período de tempo mais silencioso por ali. Alguns preferiam acordar mais cedo para aproveitar o café da manhã de verdade que era servido no refeitório, como Iida, que prezava por refeições bem balanceadas, ou Yaoyorozu, que estava acostumada a se alimentar com coisas muito mais substanciais do que cereal matinal com leite, mas a esmagadora maioria da classe A-1 preferia salvar 15 minutos a mais de sono e comer qualquer besteira mesmo.

Midoriya e Todoroki aproveitaram para ocupar uma das mesas vazias da área do refeitório para terminar de comer antes de todo mundo, e, mesmo sem planejar qualquer coisa de antemão, saíram juntos para a sala de aula, sem esperar por mais ninguém. Foi uma caminhada lenta e silenciosa, e eles tinham mais um longo dia de aulas para se preocupar – mas Shouto não lembrava de nenhum outro momento em toda a sua vida em que algo tenha parecido tão certo.





Uma inexplicável necessidade, tão grande que era quase possível sentí-la fisicamente, havia surgido em Izuku, e ele não entendia como ou por que isso despertara em um período de tempo tão pequeno. Vinte e quatro horas atrás ele podia afirmar com algum nível de certeza que não se sentia dessa forma. Era quase incompreensível.

Mais do que apenas querer, ele sentia que precisava estar perto de Todoroki. Seus olhos automaticamente vagavam para a direção onde ele estava, sem que ele sequer pensasse sobre isso, e ele podia jurar que sua pele formigava com a perspectiva de tocá-lo, quase projetando seu corpo a fazer isso involuntariamente.

Aquele havia sido um dia inusualmente longo. Izuku não conseguia agir normalmente naquelas circunstâncias, embora estivesse se esforçando muito para não fazer nada que pudesse despertar a curiosidade dos seus amigos, ou que pudesse fazer Todoroki se sentir embaraçado. Controlar-se para que ninguém notasse seu estranho conflito interno estava se provando uma tarefa extremamente árdua.

Principalmente em momentos em que, por exemplo, ele olhava disfarçadamente para trás, na direção de Todoroki, e descobria que ele já estava o fitando, com uma expressão tão tenra que era um mistério como ninguém teria sido capaz de notar isso até então. Ou como os dois acabaram sentando-se um pouco mais próximos um do outro durante o almoço, e seus braços acabavam roçando com qualquer movimento. A aula havia sido monótona e parecia ter passado ainda mais lentamente do que o normal naquele dia. Mesmo na caminhada de volta ao dormitório, quando não puderam escapar da companhia de Iida e Uraraka, Midoriya sabia que estava mais pensativo e não falara tanto quanto faria normalmente.

Se algum dos dois notou, não comentou nada sobre, e ele já se sentia grato por esse pequeno fato. Não sabia como deveria reagir caso alguém fizesse qualquer observação sobre seu comportamento na frente de Todoroki sem acabar expondo totalmente os dois.

A parte difícil para Izuku nem era disfarçar ou ser mais discreto, mas sim entender por que ele se sentia tão no limite e prestes a fazer alguma besteira a qualquer momento. Ele sabia que tinha uma inclinação a ser impulsivo, e isso tendia a aparecer nos piores momentos, mas dessa vez era completamente diferente. Porque ele não estava falando sobre lutar ou se arriscar para salvar outra pessoa. Era muito mais… pessoal, e muito mais profundo do que isso.  Exatamente porque ele sabia que os sentimentos dentro de si não haviam mudado de um dia para o outro – todos esses pensamentos e a forma como se sentia sobre Todoroki eram coisas que já estavam, de alguma forma, incubadas dentro de si há algum tempo, desenvolvendo-se nas sombras, sem qualquer pista visível, enquanto eles se aproximavam mais e mais.

O fato era que, talvez, colocar isto para fora na outra noite havia sido o estopim para que tudo transbordasse de uma só vez, e Midoriya estava tendo dificuldades para conter toda essa bagunça de sentimentos e vontades, depois que a barreira para isso havia sido destruída com a sua confissão.

Dar um nome para aquilo que ele havia feito sem pensar – chamar de confissão— o deixava ainda mais ansioso. Ele sentia seu rosto queimar só de trazer o termo à mente. Era basicamente uma confirmação de que eles não teriam mais como ser amigos normais depois disso. Porque, se o que Todoroki fizera pudesse ser considerada realmente uma confissão, no significado literal da palavra, e a resposta de Izuku, positiva, confirmando esses sentimentos, então… O que eles eram agora? Como ele faria para descobrir exatamente o que aquele relacionamento entre eles havia se transformado? Havia um nome para isso e Izuku sabia muito bem qual era, mas não queria ser precipitado e tirar essa conclusão antes de saber com toda a certeza o que Todoroki pretendia que isso se tornasse.

Além disso… Midoriya Izuku mal tinha experiência na questão de fazer e manter amizades! Ele ainda estava dando seus primeiros passos nesse campo, e morria de medo de cometer qualquer erro bobo e acabar ofendendo ou afastando seus amigos. Não era preciso ser nenhum gênio para deduzir que o conhecimento de Izuku referente à relacionamentos mais próximos do que amizade eram absolutamente nulos. Negativo, se é que poderia existir essa variação na classificação de conhecimento.

Ele sabia que para Todoroki isso deveria ser um terreno tão desconhecido quanto era para ele, mas ainda sentia que a responsabilidade de não deixar que nada desse errado era sua. Poderia ser um cuidado exagerado, ou aquela sua mania de sempre se meter nos assuntos e tentar consertar tudo, antes mesmo que qualquer coisa precisasse ser consertada. Mas Izuku não queria que o que estava nascendo ali, e que parecia ainda tão frágil e novo, se despedaçasse antes mesmo de ter a chance de crescer. Ele protegeria esse sentimento com todas as forças, agora que estava ciente da sua existência, e faria tudo o que estivesse ao seu alcance para seguir em frente.

Ele queria fazer tudo certo. Todoroki merecia isso.

A questão que o assombrava, no momento, era justamente como faria para isso acontecer. O que vinha depois da confissão, quando as pessoas se tornavam conscientes dos sentimentos que nutriam uma pela outra? O que exatamente era esse seguir em frente? Izuku desconfiava de que já sabia qual era a resposta, lá no fundo da sua mente, inconscientemente, mas tinha medo de acessar essa informação em específico. De repente, a perspectiva de um futuro com Todoroki era embaraçoso e amedrontador demais para que ele conseguisse imaginar com clareza, e ele tinha mais receio de enfrentar isso do que de lutar com qualquer um dos vilões que ele já havia combatido naquele último ano. O que era absolutamente ridículo.

— Midoriya? Você tá bem?

Izuku levantou os olhos lentamente do ponto fixo do chão para o qual estava olhando nos últimos segundos (ou minutos, horas talvez) para encontrar o semblante confuso de Kirishima Eijiro diretamente à sua frente, preparando-se para servir-se de um copo de suco da jarra que havia acabado de tirar da geladeira. Ele estava com o cabelo inusualmente solto, praticamente cobrindo os olhos, algo que era raro que ele deixasse acontecer, mesmo nos momentos de descanso no dormitório, e por isso, Izuku levou mais tempo do que o necessário para reconhecê-lo (o que era rude da sua parte, sim, ele sabia).

Havia um pano de pratos nas suas mãos. Ele estava terminando de secar a louça. Podia ouvir as vozes animadas de outros dos seus colegas na sala logo à frente, ao redor da televisão, como sempre acontecia durante as noites ali. Imediatamente, ele se tornou consciente de que estava na cozinha do dormitório – hoje era o seu dia de cuidar da louça do jantar, e ele esteve tão distraído durante todo o decorrer da tarefa que era um milagre não ter quebrado nenhum prato ou copo até agora. Será que ele esteve murmurando coisas esse tempo todo?

— Estou! Estou bem sim. – Ele lembrou repentinamente que deveria responder à pergunta de Kirishima, mas sua reação atrasada só pareceu aumentar a preocupação evidente no outro.

— Certeza?

— Sim! – Izuku acenou com a cabeça um pouco mais energicamente do que seria necessário, e Kirishima ergueu uma das sobrancelhas.

Guardou a jarra de suco novamente na geladeira, e, munido do seu copo, andou até o outro lado de Midoriya apoiando-se no balcão logo ao lado dele. Izuku teve o cuidado de não cruzar olhares com o colega. Não tinha nada a esconder, mas, ao mesmo tempo, sentia que não devia ser tão evidente sobre o estava acontecendo com ele naquele momento. Concentrou-se em terminar de secar a louça e então poderia sair dali o mais rápido possível, esconder-se nos seus cobertores, pensar tanto quanto quisesse, sem encontrar solução nenhuma. Depois disso, acabaria enviando alguma mensagem estúpida para Todoroki no meio da madrugada porque não conseguia acalmar sua cabeça, com potenciais chances de estragar tudo ao fazer isso.

Kirishima não pareceu inclinado a seguir o plano que Midoriya havia acabado de formular.

— Sabe, Midoriya… Eu sei que eu ando com o Bakugou, e vocês dois não são lá muito chegados, mas… Você é um cara legal! Muito legal mesmo, tipo, eu te acho másculo pra caramba, sabe? Quando você luta, é muito incrível mesmo! Você sempre ajuda todo mundo, é ótimo nisso. E eu gosto de pensar que todo mundo aqui… Bem, nós somos amigos, certo?

O comportamento de Kirishima naquele momento era algo que Midoriya não conseguia sequer compreender, mas ele sentiu a sinceridade que vinha daquelas palavras, e se sentiu verdadeiramente tocado por elas. Por isso, não conseguiu evitar um sorriso amplo ao responder:

— Claro que sim! Quer dizer, sempre que você precisar de algo, pode contar comigo!

— Exatamente isso o que eu queria dizer! – Ele repousou o copo, já vazio, de volta no balcão com um sonoro estampido. Izuku lamentou brevemente o fato de que teria que voltar e lavar aquele copo também, logo depois de ter terminado tudo. – Você também pode contar comigo! Então… Eu não tinha percebido de cara, mas depois de ouvir as garotas comentando e agora, vendo você aqui… Parece que tem alguma coisa de errado acontecendo com você, sabe, Midoriya? Você tá estranho o dia inteiro. E todo mundo percebeu.

O estômago de Izuku afundou. Ele olhou de relance para mais longe na sala, mas todos que estavam ali pareciam estar concentrados no que quer que estivesse passando na televisão, rindo ocasionalmente e comentando algo, que, daquela distância, ele não podia distinguir precisamente do que se tratava. Ninguém havia reparado na conversa entre os dois naquele momento, mas as pessoas haviam mesmo notado algo de estranho, e estavam comentando. Ele era realmente péssimo em fingir.

— O que… O que disseram? – Izuku não queria realmente confirmar as suspeitas de Kirishima, mas a pergunta saiu antes que ele pudesse pensar em como contornar a situação.

— Bem, falaram que você andava mais distraído do que o normal desde ontem, murmurando pelos cantos, e que estava falando pouco, quase não conversou com ninguém hoje e tudo mais. – Kirishima deu de ombros, repassando a informação como se não acreditasse realmente em todos esses detalhes. – Honestamente, eu não percebi nada de tão errado assim, mas o golpe que o Bakugou te acertou ontem foi realmente estranho, porque a gente sabe que você é mais ágil que isso pra ser atingido daquele jeito… Aí eu te encontrei aqui, parado no meio da cozinha, olhando pro nada e… Sem querer ofender, mas foi meio assustador. Então tá meio óbvio de que tem alguma coisa errada, não é?

— Não é que tenha algo errado, não, eu só… – Izuku evitou novamente o olhar curioso de Kirishima, bagunçando ainda mais os próprios cabelos com uma das mãos. – Estava pensando em algumas coisas nesses dias, só isso.

— Se é algo que você não pode falar, tudo bem, mas se quiser, eu tô aqui pra isso, ok? Pode mandar ver! – Kirishima ofereceu, solícito, e Izuku quase sorriu, e teria o feito, se não estivesse procurando uma saída daquela conversa aterradora com tanto afinco.

— Não, está tudo bem. Obrigado mesmo, Kirishima-kun…

— As meninas andaram falando que parece que você parece apaixonado, sabe?

Izuku respirou errado, ou engoliu a saliva errado, qualquer coisa do tipo, porque alguma coisa entrou no lugar onde não devia, e ele se afogou no próprio ar. Começou a tossir intensamente, enquanto se apoiava com uma das mãos no balcão, e Kirishima correu para acudi-lo, dando uns tapas um tanto fortes demais nas suas costas para ajudar.

— C-c-como? – Ele conseguiu reproduzir, com a voz saindo por um fio em meio ao acesso de tosses. Kirishima esperou que ele se acalmasse e voltasse a respirar normalmente antes de prosseguir.

— É esse o problema? Porque, se você quiser, eu posso te ajudar!

Por um breve momento, Kirishima pareceu uma garota do colegial entusiasmada com conversas sobre relacionamentos e namoros, mas Izuku manteve o semblante impassível, enquanto varria essa imagem mental dos seus pensamentos.

— Não é nada disso, eu-

— É a Uraraka? – Kirishima foi logo interrompendo, sem dar a Izuku a chance de sequer conseguir formular uma resposta decente.

— O quê? Não, claro que não! Quer dizer, eu achei ela muito legal quando a gente se conheceu, e ela foi a primeira garota com quem eu tive contato, bem… na vida. Mas é só isso mesmo! Agora que eu conheço ela bem e nós somos próximos, sei que nós vamos ser sempre apenas amigos e eu gosto muito dela, mas não desse jeito.

Novamente, a tendência de Midoriya a falar mais do que devia quando estava nervoso vinha em péssima hora. Kirishima abriu um lento sorriso perspicaz e Midoriya soube imediatamente que não conseguiria sair dali sem dar a ele respostas satisfatórias.

— Então é um problema de romance não é?!

— E… E se for?! Q-qual o problema?! – Izuku tentou parecer desafiador, enquanto desistia de fingir e caía direitinho no jogo de Kirishima, mas falhou miseravelmente, com o rosto corando furiosamente e a voz falha ao falar. Por sorte, Kirishima não implicou com ele por isso.

— Quem é?! – Kirishima perguntou, ainda mais ávido dessa vez. – Eu juro que não conto para ninguém! Só quero ajudar, sério mesmo. Pode não parecer, mas eu sou ótimo nessas coisas.

Izuku duvidava seriamente que Kirishima tivesse qualquer experiência no assunto, embora ele não fosse ninguém para julgar isso – simplesmente não tinha imaginação suficiente para evocar uma imagem de alguém como Eijiro, que estava sempre pronto para cair na porrada a qualquer segundo, que batia de frente com Kacchan de igual para igual e que estava sempre gritando aos quatro ventos o quanto achava legais coisas radicais, em um cenário romântico com alguém. Apenas… não.

— Você não conhece… É alguém da… de outra escola, é isso. – Izuku tentou novamente escapar, mesmo sabendo que a tentativa havia sido em vão, antes mesmo de terminar de pronunciar a frase.

— Nem vem. Nós estamos meio que presos nessa escola nos últimos meses, não tem como você ter conhecido alguém de fora. Não tenta me enrolar, ok? Não sei se você já percebeu, mas eu sou muito cabeça-dura. – Kirishima riu da própria piada, sem se importar com o quanto ela era ruim. – Então é melhor falar logo. É o Iida?

— O quê?! Não! De onde você tirou essa ideia?!

— Não sei. Vocês andam sempre juntos… Podia ser, ué. É a Tsu-chan?

— Também não. Olha, já está ficando tarde, eu acho que a gente deveria ir dormir...

— O Bakugou?

— Credo, não! – Dessa vez a expressão de Izuku realmente se contorceu em uma careta de desagrado. Kirishima pareceu soltar o ar de uma só vez.

— Ainda bem. – Se ele percebeu o olhar intrigado de Izuku nesse pequeno instante, ignorou perfeitamente. Izuku adoraria saber mais sobre isso, como compensação por esse interrogatório que estava sofrendo contra a sua vontade. Se ele conseguisse apenas virar o jogo… – Então, é o Todoroki. – A última frase foi dita em tom de afirmação, não de pergunta, e Izuku sentiu seu rosto delatando-o de imediato só com a menção do nome dele, apagando qualquer rumo de pensamento anterior que ele pudesse estar tendo.

— P-por que você quer tanto saber, afinal?! – Ele respondeu com outra pergunta, esperançoso de que, talvez, isso fosse suficiente para lançar a atenção de Kirishima para outro ponto.

— Porque eu quero ajudar, já falei. Você parece bem perdido com esse assunto todo, e se quer saber a verdade, o Todoroki era minha primeira aposta. Eu só quis eliminar as outras opções para ter certeza. – Kirishima se inclinou para frente, aproximando-se apenas o suficiente para manter aquela conversa em um tom casual e reservado. – Qual é o problema com ele, afinal? Todoroki parece muito sério e tal, mas eu tenho certeza de que você tem chance com ele. Várias chances, inclusive. Todas elas, eu diria.

— Por que você diz isso? – Izuku estava querendo evitar a conversa, afinal, mas sua curiosidade em saber como Kirishima podia saber tanto era maior ainda.

— Você pode até ser ruim em se manter discreto, mas o Todoroki não é exatamente o poço de impenetrabilidade que ele pensa ser não. E de coisas impenetráveis eu entendo, ok? – Um pequeno sorriso de auto-satisfação, e ele prosseguiu, gesticulando amplamente enquanto falava. Se já não estivesse apreensivo com o assunto, Izuku teria revirado os olhos. – Depois da luta de vocês no festival esportivo, deu pra notar essa mudança. Dá pra ver alguma coisa no jeito que ele te olha, na forma como vocês fazem um troço louco de se comunicar sem falar nada durante as lutas. Sério, essa parte é bem sinistra. E ele fala com você de uma maneira completamente diferente do jeito que ele trata todo o resto da classe. Fica meio óbvio depois de um tempo. – Izuku inclinou a cabeça de leve, desconfiado, embora estivesse com o rosto absolutamente corado ao ser confrontado com todas aquelas informações. – Ok, eu não tinha percebido esse nível de detalhes, as meninas que estavam falando sobre o quanto vocês dois estavam girando um ao redor do outro a sabe-se lá quanto tempo mas não faziam nada, e aí eu juntei os pontos e saquei tudo! Quando a gente presta atenção nos detalhes, fica totalmente na cara.

Izuku suspirou, completamente derrotado. E ele realmente acreditava que estava fazendo um bom trabalho em ser discreto. Parecia não haver mais argumentos para rebater qualquer coisa que Kirishima estivesse jogando na sua cara, ele tinha resposta para tudo!

— É mesmo… tão óbvio assim? – Midoriya ergueu os olhos, passando a mão pelos cabelos, totalmente sem graça e sem criatividade para arrumar desculpas mais. Seu rosto inteiramente ruborizado já era indício suficiente para que nada do que ele dissesse pudesse ser levado a sério mesmo. O sorriso de Kirishima se abriu, triunfante, mesmo assim.

— Óbvio é pouco! – Visivelmente empolgado com a confirmação de Izuku, Kirishima parecia já não conseguir se manter no lugar, gesticulando amplamente enquanto voltava a falar. – Se vocês não fizerem nada, isso vai ficar cada vez pior, alguém vai perceber e acabar trancando vocês dois no almoxarifado até resolverem isso! Mas você não planeja deixar isso acontecer, não é, Mi-do-ri-ya-kun?

Kirishima lançou outro daqueles olhares subversivos que supostamente deveriam significar que Izuku sabia do que ele estava falando, mas não era esse o caso.

— Como?

— Ah, qual é! Você anda todo distraído e preocupado, é porque tá pensando em fazer alguma coisa, não é? – Kirishima puxou o copo que havia acabado de usar, e lavou rapidamente, secando com o pano que antes Izuku trazia nas mãos, e colocando de volta no lugar, tudo isso tão rápido que Izuku mal teve tempo de sair do caminho. – Vamos lá, me conta tudo, eu já disse que quero ajudar! – Em seguida, puxou uma cadeira da parte mais próxima do refeitório, indicando claramente que pretendia que Izuku ocupasse o assento.

Com exceção da televisão ainda ligada, rodeada por alguns poucos remanescentes do grupo que antes a assistia, o resto do cômodo comum do dormitório estava mergulhado no escuro. A mesa do refeitório que eles ocuparam estava visível parcialmente pela luminosidade que escapava da cozinha, e Izuku se sentiu imediatamente menos exposto, fora da luz direta.

— Eu sinceramente não sei o que você quer que eu diga…

— Bom, se você quer realmente fazer alguma coisa, acho que pode começar se declarando, certo?

— Hm… eu meio que… já passei dessa parte? – Midoriya soltou uma risadinha acanhada, enquanto via o queixo de Kirishima despencar em incredulidade.

— Você já se declarou?! Caramba, Midoriya, você é realmente imprevisível, cara! – a admiração de Kirishima deixou Midoriya ainda mais sem jeito, mas ele conseguiu se manter firme e não ir esconder o  rosto em lugar nenhum. – E o que ele disse?

— Certo, não foi exatamente assim… quer dizer, ele que falou primeiro… então…

— Wow, espera, espera aí! Você quer me dizer que Todoroki se declarou primeiro, e então você respondeu se confessando também?! É isso? – Midoriya respondeu com um simples aceno de cabeça, com medo da reação exagerada de Kirishima. Pelo menos ele não estava falando alto ao ponto de mais alguém ouvir. – O que você está fazendo aqui que ainda não foi se esgueirar no quarto dele pra dar uns amassos???

— Kirishima! – foi a única coisa que Midoriya conseguiu pronunciar, enquanto tinha certeza de que todo o sangue do seu corpo havia subido para o rosto em menos de 1 segundo. – E-eu não poderia… n-n-nós não… Isso é… aah! Não faça eu imaginar essas coisas, droga, Kirishima! – ele desistiu, dobrando os braços sobre a mesa e escondendo o rosto ali, esperando que o prédio inteiro desmoronasse em cima da sua cabeça apenas para que ele não precisasse levantar dali e enfrentar o mundo nunca mais na sua vida.

— Ah, desculpa, cara, mas é que… se vocês já chegaram até aí, quer dizer… vocês não chegaram nem a se beijar ainda, mesmo depois de se confessar um para o outro? – Kirishima mudou seu tom de genuína indignação para algo mais disposto a oferecer auxílio, e Midoriya se sentiu menos acuado a responder, embora fosse somente com um mexer da cabeça que provavelmente nem seria distinguível com a parca iluminação disponível.

Claro que ele lembrou daquele pequeno momento na enfermaria, e na sua tentativa falha de fazer algo que até agora não tinha certeza sobre qual era a intenção inicial, no entanto, de todas as coisas que havia contado até ali, aquela era uma que ele preferia manter para si. Além disso, Kirishima era direto demais e Midoriya não conseguia lidar com termos tão objetivos, sem rodeios. Ele não havia nem mesmo se permitido pensar nesse tipo de detalhe ainda, e estava tendo isso tudo jogado na sua cara sem preparação prévia. Claro que não conseguiria reagir.

O que era ridículo, porque, como é que ele sequer podia pensar em ser alguém seguro e pró-ativo em toda essa coisa de relacionamento, se tornar um pilar para Todoroki, quando era óbvio que mal conseguia se sustentar sozinho.

— Nesse caso… ok, eu realmente não sei como é que as coisas funcionam entre vocês dois, mas eu vou imaginar que seja bem… lento? – Kirishima continuou a falar com a silhueta encolhida sobre a mesa que Midoriya se tornara, sem se importar com a falta de respostas. – O que é totalmente legal, bro, esse lance de não apressar as coisas, não se afobar e meter os pés pelas mãos… estragar tudo antes sequer de ter começado, porque sabe, nesse início, qualquer deslize pode ser fatal e… não tá ajudando isso né? – Izuku mexeu a cabeça negativamente, e Kirishima suspirou. – Ok, o lance é… nem você nem o Todoroki sabem o que fazer agora que se declararam, e esse é o motivo de você estar todo em conflito, é isso?

A cabeça se moveu positivamente.

— Então, vocês tem que começar do básico! É tão simples. Segurar as mãos, almoçar juntos, carregar os livros… não, espera, vocês dois estão em perfeitas condições de carregar os próprios livros, esquece essa. Mas eu acho que o que você precisa aqui é de um ponta-pé inicial. Algo que deixe bem claro quais são as intenções nessa história toda. – Kirishima ponderou consigo mesmo por mais um tempo, enquanto tirava os cabelos dos olhos com a mão. – Midoriya! –  Ele chamou depois de alguns segundos, fazendo Izuku erguer a cabeça tão rapidamente que teria ficado tonto. Kirishima estava com a mesma expressão que trazia no rosto quando conseguia resolver alguma questão particularmente difícil nas sessões de estudo em grupo. – Como que eu não pensei nisso antes? É tão óbvio. E clássico. É tão normal, sério, está tão na cara que você vai chorar por não ter pensado nisso antes.

— Pode falar! – impaciente, Midoriya praticamente implorou, enquanto se inclinava mais na direção de Kirishima, ávido por qualquer resposta que pudesse ajudar com seu dilema, e completamente alheio ao quanto aquilo tudo era embaraçoso.

— Você vai chamar Todoroki para um encontro!

— Um… encontro? – Izuku considerou a perspectiva por alguns segundos, remoendo a ideia até que ela formasse uma imagem concreta na sua mente. Bem, ele positivamente desejava passar um tempo com Todoroki, embora isso tudo trouxesse claramente o conceito de um relacionamento, mas se era para ser sincero consigo mesmo, era precisamente isso o que Izuku estava procurando desde o início. Então… – Um encontro! É isso.

Não custava nada arriscar. Kirishima sorriu, satisfeito consigo mesmo, enquanto Midoriya o cobria de agradecimentos sinceros e afobados, antes de começar a fazer aquilo que fazia de melhor, quando tinha uma ideia fervilhando na sua mente: planejar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Olá gente! Depois de muito - algum - tempo, to aqui de novo pra postar essa história que enche meu coraçãozinho de amor por esses dois bolinhos que são o Todoroki e o Midoriya ♥ Espero que tenham gostado, e continuem a acompanhar! As postagens vão se tornar mais frequentes (amém!), porque a fic além de completa também tá toda betadinha, bonitinha, revisada pela minha Editora mais querida e amada do meu coração (sim, to falando contigo viada) e vou terminar de postar ela, com alguma regularidade se possível, oremos!
No mais, obrigada por estarem acompanhando e até a próxima!!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Powerless Against You" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.