Powerless Against You escrita por Shiroyuki


Capítulo 2
Capítulo 2. Conversa




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 Capítulo 2 

Conversa



— Você está distraído hoje, Deku-kun, parece cansado. Foi dormir tarde ontem?

Izuku levantou os olhos da mão que ele observava com muito afinco durante os últimos minutos, apenas para perceber que já era o intervalo entre as aulas, e Uraraka havia se aproximado da sua mesa, com um semblante preocupado. Ele nem havia percebido que a prova já havia terminado, e, considerando que ele não conseguia lembrar de nenhuma das respostas que marcara na avaliação, sua nota provavelmente teria um desfalque considerável.

Izuku não queria realmente responder àquela questão. Ele havia sim, ido dormir tarde, ou melhor, não havia pregado os olhos durante a noite inteira, para ser completamente sincero. Não tinha ideia de que horas eram quando, na noite anterior, Todoroki se ergueu e puxou-o para cima pela mão de repente,  falando algo sobre ser melhor ambos irem dormir. Naquele ponto, Izuku esteve prestes a dormir naquele tapete do chão mesmo, e o estado de letargia em que se encontrava o impedia de recordar com detalhes as palavras de Todoroki e como exatamente fora parar em seu quarto. Mas, quando se encontrou novamente sozinho, no escuro e no conforto da sua cama, sua mente pareceu despertar, e processar ininterruptamente, em sequência , todas as informações e a memória do que havia acabado de acontecer.

Ele passou o resto da noite revirando-se na cama de um lado para o outro, murmurando para si mesmo e chacoalhando-se descontroladamente em uma tentativa frustrada de controlar sua mente fértil que continuava a assombrá-lo com pensamentos e imagens mentais que ele certamente não precisava ter em sua cabeça naquele momento. Porque a mão de Todoroki era tão quente, e muito mais macia do que a sua própria, e ele não conseguia parar de pensar nas palavras que ele havia dito. E nas palavras que ele próprio havia proferido em resposta. E em toda aquela atmosfera que ele não tinha ideia de como ler, por mais que pensasse de novo e de novo em cada pequeno detalhe.

Uraraka ainda estava diante dele, parecendo ainda mais apreensiva depois da demora para responder, e das expressões estranhas que passavam pelo rosto do garoto enquanto ele se perdia nos próprios pensamentos. Era uma sorte que ele não tivesse começado a murmurar sem pensar tudo aquilo em voz alta, como era comum acontecer com frequência.

— Eu estou bem. – Ele enfim afirmou, rindo sem graça logo depois. Estava fazendo um esforço gigantesco para não deixar seus olhos vagarem na direção da classe de Todoroki no fundo da sala. Será que ele também estava pensando na noite anterior? Ele estava olhando para lá? O peso do olhar que Izuku não tinha certeza se estava sobre si o faziam ficar ainda mais nervoso. Ele bagunçou os cabelos, e voltou a olhar para Uraraka, torcendo para que ela se convencesse de que não havia nada de errado com ele. – Eu só… demorei para conseguir dormir, ontem. É isso.

— Ah… Entendo. Bem, eu ia perguntar sobre a prova. Graças à explicação que você me deu ontem, acho que eu consegui ir bem! Você marcou o quê na segunda questão…?

Izuku sorriu em resposta, se esforçando mais do que o normal para manter o nível do diálogo e, logo depois, Iida se junto aos dois, tornando mais fácil essa tarefa. O sinal do próximo período soou, e a sala mergulhou novamente em outro silêncio enquanto tratavam de realizar a segunda avaliação do dia.

Estava difícil se concentrar em quaisquer problemas que houvessem para resolver naquela prova, quando aquele assunto ainda queimava no fundo da sua mente, fazendo a concentração de Izuku se esvair como areia entre os dedos. Ele fez um esforço extra para esvaziar todos os pensamentos, para ao menos conseguir responder com alguma coerência, mas só precisava parar por um segundo para que tudo retornasse  e o deixasse ainda mais confuso do que antes.

Izuku estava perdido e com dúvidas, mas uma coisa era certa: ele não havia imaginado nada daquilo. O calor da mão de Todoroki, a forma como os dedos dele apertavam com mais força a sua mão, e o eco da voz dele, baixa, no silêncio e no vazio daquela sala, eram suficientes para que Izuku soubesse que jamais teria imaginado ou sonhado com algo naquele nível de realidade. Sua imaginação podia ser fértil, mas era extremamente limitada para esse tipo de detalhe.

Todoroki havia ido muito além do que ele esperava. Havia dito que gostava de Izuku, e, embora ele não tivesse razões para duvidar da natureza dessa confissão, apenas o pensamento de que aquilo era o que Todoroki realmente pensava dele era o bastante para fazer todo o seu corpo reagir em resposta, estremecendo com uma energia que era completamente diferente daquilo que ele estava acostumado a sentir na sua experiência de liberar o poder do One For All.

Atualmente, havia muita gente que gostava de Izuku, ele podia afirmar com mais certeza agora. Sua mãe. Iida, Uraraka e todos os seus colegas de aula. All Might. Não seria estranho Todoroki ter dito isso, depois de tudo o que eles já haviam passado juntos. Mas algo lá no fundo da sua mente ficava repetindo sem parar que não podia ser só isso— que Todoroki não teria proferido algo desse tipo levianamente, sem intenção. Havia algo na forma como a voz dele sussurrou, quase como se falasse mais para si mesmo, e no silêncio que se seguiu após isso, que deixavam Izuku com a certeza de que não era tão simples assim.

O que ele mais queria saber, o motivo dos seus miolos estarem fritando e se retorcendo à procura de uma resposta, eram as motivações por trás desses atos. Izuku podia ser inexperiente quando se tratava de amizades, mas sabia o bastante para notar que o que quer que tivesse acontecido na última noite havia, de alguma forma, transformado a natureza da relação entre os dois, de um jeito que dificilmente retornaria ao que era. Izuku estava inquieto quanto a isso – não queria de forma alguma perder a amizade de Todoroki, mas, ao mesmo tempo, sentia que não queria voltar a como era antes, ou desfazer o que quer que tivesse acontecido durante aquele curto período de tempo.

Todoroki e ele já haviam, há muito tempo, dividido momentos mais pessoais do que ele seria capaz de fazer com qualquer um dos seus amigos, mesmo Iida ou Uraraka. Até mesmo mais do que a sua própria mãe. Ele sabia mais sobre a vida de Todoroki do que qualquer um, e se sentia à vontade para falar sobre si mesmo com a mesma facilidade que encontrava para ouvir o que quer que Todoroki precisasse desabafar. Eles já haviam chegado nesse ponto de intimidade em que não havia muito mais a esconder um do outro, não quando as coisas mais importantes, seus medos, inseguranças, preferências ou opiniões, já haviam se revelado tão naturalmente.

Alguém poderia argumentar que se tratava somente de um pequeno momento a sós, na sala comum do dormitório. Nem poderia ter sido considerado uma conversa ou qualquer coisa além disso – dar as mãos não era algo tão importante assim. Mas Izuku conhecia Todoroki. E conhecia a si mesmo. Para ambos, que tinham experiências tão diferentes, mas ao mesmo tempo semelhantes, no que se referia à aproximar-se dos outros, mesmo um contato tão simples jamais seria considerado algo banal.

Izuku conseguia chegar até essa conclusão por si mesmo, mas continuava confuso com os próprios pensamentos. Além disso, o que Todoroki estaria pensando sobre tudo? Talvez ele estivesse tão perdido quanto Izuku. As mesmas incertezas poderiam estar naquele exato momento pairando sobre a cabeça dele. Izuku saiu do quarto atrasado, não o vira no café-da-manhã, e, quando chegou na sala de aula, ele já estava lá, tão composto como sempre, a mesma inexpressividade que todos já estavam acostumados a ver.

Era sempre ele quem se aprontava primeiro, e esperava Todoroki para irem juntos para a escola. A mudança de rotina o deixava inquieto. Ele não ousou olhar mais a fundo, para descobrir se havia algo mais na expressão de Todoroki, qualquer coisa que delatasse que ele estava sentindo aquele mesmo turbilhão de emoções e dúvidas que se retorcia no seu interior.

Sabia que a única maneira de ter certeza da verdade era perguntando diretamente para ele, e que ficar remoendo isso pelo resto do dia não faria bem nenhum. Logo, alguém acabaria percebendo que ele não estava no seu estado normal, e ele não estava nem um pouco a fim de explicar para quem quer que fosse o que havia acontecido. Mesmo assim, não sabia como poderia abordar esse assunto com Todoroki, sem se afobar ou acabar assustando-o. Tinha medo de estar exagerando por algo que, no fim das contas, não era nada demais. Não seria a primeira vez.

— O que você está murmurando sozinho aí, Midoriya? A prova já acabou!

Izuku ergueu a cabeça e todos os seus colegas estavam juntando seus pertences, e se encaminhando para fora da sala de aula. Já era hora do almoço, e Izuku nem havia notado o sinal tocar, ou quando o professor retirara a prova da sua frente. Ainda bem que não havia ninguém próximo o suficiente prestando atenção para ouvir o que quer que Izuku estivesse balbuciando para si mesmo. Todos estavam acostumados com isso acontecendo, aparentemente.

Kirishima, que havia chamado sua atenção da frente da classe, continuou seu caminho logo atrás de Bakugou e Kaminari, e Iida se aproximava da sua classe junto com Uraraka, para que eles pudessem ir juntos almoçar. Izuku notou pelo canto do olho a movimentação no fundo da sala, onde Todoroki estava. Ele também estava se erguendo, e notar isso fez o coração de Izuku acelerar de uma maneira incômoda.

Foi assim que o seu coração permaneceu durante todo o almoço, afinal. Todoroki se juntou à mesa dele como fazia todos os dias, externamente inalterado. Não falou muito, mas isso já era algo comum, e ninguém ao redor pareceu notar qualquer coisa de errado entre eles. Izuku, porém, mesmo tentando a todo custo disfarçar, não conseguia deixar de observar, e seus pensamentos vagavam, impedindo que ele se concentrasse em qualquer outra coisa, fossem as conversas paralelas ocorrendo na mesa, fosse o seu próprio almoço, no qual ele mal tocara.

Uraraka perguntou mais de uma vez se ele estava mesmo bem, e ele sorriu o mais convincente que pôde, colocando o dobro de esforço em não olhar na direção de Todoroki ao afirmar que estava sim, tudo perfeitamente bem com ele. A próxima aula, à tarde, era prática, depois da manhã de avaliações teóricas; talvez tudo o que Izuku precisasse fosse um pouco de atividade física para acalmar a sua mente.

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Quando abriu os olhos, Izuku sabia que estava na enfermaria sem precisar pensar muito. Ele já havia passado tanto tempo lá que era quase como se fosse seu segundo quarto. Em um instante, toda a memória do motivo que o levava novamente aos cuidados da Recovery Girl retornava, e Izuku soube instantaneamente que a culpa era toda dele.

A aula prática naquele dia havia sido diferente do normal. Aizawa-sensei propôs algo para aliviar o estresse dos estudos, que deveria, em teoria, ser simples: uma partida de queimado. O diferencial estava no fato de que todos tinham permissão utilizar as suas peculiaridades da forma como preferissem, e é claro que o caos se instalou sem demora quando o jogo se tornou uma verdadeira carnificina. Izuku estava indo bem até, usando o controle que adquirira até então para aumentar o impulso e a velocidade das bolas o bastante para acertar seus alvos, sem machucar tanto. Já havia conseguido dar algumas baixas no time adversário quando, sem intenção, notou a movimentação de Todoroki vindo na sua direção, e todo o seu foco mudou de rumo no mesmo instante – um erro imperdoável.

Izuku já havia notado antes, mas era sempre fascinante assistir a maneira como Todoroki se movia, tão estável e forte, mas, ao mesmo tempo, com algo de gracioso em seus movimentos, que ele jamais conseguiria reproduzir nem em sonhos. Seus olhos se encontraram e ele sentiu uma dificuldade estranha de respirar, que nada tinha a ver com a atividade física. Tarde demais, sentiu o vento de uma das bolas usadas no exercício passar raspando pela sua cabeça, desviada por uma rajada de gelo que ele não viu ser evocada.

Foi rápido demais, e, quando Izuku enfim entendeu o que havia acabado de acontecer, olhou novamente para Todoroki, agora parado ao seu lado.

— Você tem que prestar mais atenção, Midoriya.

Havia algo como um sorriso se formando nos lábios de Todoroki quando ele fitou Izuku, e essa era a última imagem que ele tinha gravada na sua mente. Qualquer coisa depois disso era apenas um borrão, porque, naquele exato instante, enquanto tentava processar a imagem de Todoroki Shouto sorrindo de canto enquanto o olhava nos olhos, Izuku foi golpeado na cara por uma bola certeira que o nocauteou instantaneamente.

Agora, ele estava ali, com algodões nas narinas para conter um provável sangramento, e um curativo discreto, acompanhado pela sensação familiar de ossos quebrados recém curados, ainda que dessa vez não fosse nos braços ou nas pernas, mas no nariz.

— Finalmente acordou, menino. – Recovery Girl andava de um lado para outro, com seus passos apressados, colocando itens em uma maleta branca. – Como está se sentindo?

— Minha cabeça dói. – Izuku foi o mais categórico e simples que conseguiu. A verdade era que ele sentia sua cabeça latejar como se tivesse sido atropelada por elefantes, e respirar era uma tarefa complicada. Até falar era um esforço que ele preferia não ter que fazer.

— Foi um golpe feio, mas nada que não dê para você se recuperar. A dor de cabeça vai durar mais um tempo, porém. Não dei nenhum remédio para isso que é pra você aprender com a dor e ficar mais atento da próxima vez. – Ela anunciou, sem uma única inflexão na voz.

Ok, Izuku merecia essa lição. Um herói distraído não serviria para nada. Em uma situação real, ele poderia ter colocado muitas pessoas em perigo. Precisava urgentemente dar um jeito de controlar o que quer que fosse que andava sentindo, o quanto antes.

— Obrigado, Recovery Girl. Desculpa estar sempre dando trabalho para você.

— Eu já me acostumei. – Ela deu de ombros, e pequena como ela era, a atitude não passava nada do descaso que deveria transmitir. – Você só tem que tomar mais cuidado, menino. Aliás, enxotei todos os seus amigos daqui, eles são muito barulhentos. Avise a eles que está bem, estavam preocupados com você. – A senhora comentou, atenta ao que fazia, e Izuku fez um esforço extra para virar a cabeça na direção dela. Ela terminou de fechar a sua maleta, e voltou a olhar para ele. – Houve uma emergência com a turma do segundo ano no simulador de batalhas, eu estou indo para lá. Você pode ficar aqui mais um tempo, mas, quando se sentir melhor, volte ao dormitório. Quando sair, feche a porta. – Ela disse, ao se afastar, e fechar sem qualquer ruído a porta de correr.

Sozinho de vez com seus pensamentos, Izuku começou a cogitar a possibilidade de levantar e ir para o dormitório imediatamente, mas apenas o pensamento de andar todo o caminho até lá já fazia sua cabeça doer ainda mais. Se ao menos Recovery Girl tivesse sido piedosa e dado a ele alguns analgésicos, talvez ele conseguisse aguentar o resto do dia, mas ela precisava dar a ele uma lição, aparentemente.

Ele poderia tentar dormir um pouco mais, até a dor acalmar, ou podia continuar a se perder em conjecturas e pensamentos difusos sobre Todoroki como vinha fazendo durante todo aquele dia – e que era o principal motivo para ele estar deitado na maca da enfermaria, se ele fosse sincero. A segunda alternativa parecia extremamente inquietante, mas potencialmente mais agradável, ele pensou, pois tão logo evocou a imagem de Todoroki na sua mente, um breve sorriso ameaçou espalhar-se no rosto dolorido, quase como uma resposta automática.

Izuku não pôde, porém, continuar seu exercício mental de relaxamento e  distrair-se até a dor latejante da sua cabeça ceder o suficiente para que ele pudesse retornar para seu quarto. Alguém bateu na porta da enfermaria. Izuku murmurou um singelo “pode entrar”, pronto para emendar um aviso de que a Recovery Girl não estava presente, mas não foi necessário.

Do outro lado da porta, Todoroki o fitava, hesitante sobre entrar. Midoriya sentou quase imediatamente na cama, afobado, o que fez sua cabeça protestar violentamente, mas ele não ligou. De repente, ficou muito consciente sobre os algodões no seu nariz, e tratou de se livrar deles o mais rápido que podia, enquanto Todoroki se aproximava lentamente da sua cama, que era a mais próxima da porta.

— Como está se sentindo? – ele perguntou, a voz tão calma e concentrada como sempre, e por um pequeno momento, Izuku esqueceu o motivo exato de estar tão nervoso e pensando tanto em algo tão simples.

Era apenas Todoroki, o mesmo Todoroki que não sabia jogar video-games, que parecia saber ler seus pensamentos nas aulas práticas como ninguém, e que acordava tarde nos finais de semana com os cabelos tão bagunçados que não dava para saber onde começava ou terminava a linha que dividia o lado branco e o lado vermelho. Isso não deveria ser complicado.

Devia ser natural, como todo o resto até ali havia sido. Era Izuku quem estava dificultando tudo, no final das contas.

— Melhor agora. – ele respondeu com sinceridade. Só com a presença de Todoroki, já sentia parte da dor se aliviando, mas ficar sentado naquela posição ainda era um esforço além do que sua cabeça demonstrava aguentar por enquanto, então ele voltou a se acomodar para trás, afundando no travesseiro cuidadosamente. Todoroki acompanhou-o com o olhar. – Eu não queria, sabe, atrapalhar o resto da aula. Acabei… ahn, me distraindo. Foi mal.

— Não sei se você reparou, mas foi Bakugou quem te acertou. – Todoroki entoou, o tom de voz imutável. – Então não foi exatamente sua culpa, ele leva essas competições à sério demais, e colocou mais força no ataque do que o necessário.

Era obviamente uma tentativa de fazer Izuku se sentir melhor sobre a forma vergonhosa como acabou sendo atingido, mas ele não tinha objeções quanto a isso.

— Não é de se espantar. – comentou brevemente, voltando a fitar Todoroki, que de pé próximo à maca, o fitava solenemente, sondando-o em silêncio, sem olhá-lo diretamente nos olhos, apenas para verificar se ele estava mesmo bem como dizia estar.

Izuku teve que rir, baixinho. Ele havia passado aquele dia inteiro pensando em como faria para interagir novamente com Todoroki depois daquela noite, sem que isso fosse estranho, ou forçado. E ele só precisou entrar e falar como se isso fosse a coisa mais fácil do mundo para ele. Todoroki era sempre inacreditável, e essa realização fez o peito de Izuku se inflar novamente.

Um breve silêncio se instalou, enquanto os dois encontravam coragem para encarar um ao outro nos olhos.  

— Sobre ontem… – Izuku decidiu que não queria, e não podia, adiar mais. Precisava tirar todas as dúvidas que tinha agora, mesmo com a dor constante que fazia sua cabeça latejar ainda. – As… hm, as coisas que você disse…

— Não precisamos falar disso. Se não quiser. – Todoroki desviou o olhar hesitantemente, a franja ruiva cobrindo parte do olho com o movimento – Eu percebi o que você estava fazendo hoje, não quero te deixar desconfortável nem nada.

— O que eu estava fazendo? – Midoriya virou o rosto lentamente, as sobrancelhas se juntando em clara confusão.

— Me… evitando? – Todoroki claramente não sabia como colocar em palavras o que quer que estivesse querendo dizer, então continuou a fitar Izuku de forma oscilante – Você não apareceu de manhã, e não falou comigo durante a aula… eu pensei que…

— Não! – ele fez menção de levantar, mas Todoroki foi mais rápido e segurou-o gentilmente pelo ombro, sem qualquer força.

— Você não devia se levantar rápido assim. – Ele observou, obviamente mais preocupado com o bem-estar de Midoriya do que com os absurdos que havia acabado de proferir. Izuku poderia bater naquela cabeça-dura de Todoroki, por ser tão desatento com certas coisas mesmo sendo tão brilhante e tão inteligente o resto do tempo.

— Isso não importa. Eu não quis… Eu não estava… – Izuku se agitou ainda mais, tentando buscar em algum caminho por entre a dor de cabeça e o alvoroço interno que sentia para que as palavras voltassem a fazer sentido para ele. – Foi isso que pareceu? Eu não estava querendo te evitar de jeito nenhum! Eu só… Eu não sei o que eu estava fazendo, mas é meio óbvio que não era a coisa certa. Eu devia ter falado com você hoje, é isso. Desculpa, Todoroki-kun, se você ficou mal por minha causa, não foi minha intenção, de jeito nenhum, eu só queria…

— Calma, Midoriya. Está fazendo aquilo de novo. – Izuku pensou ter visto aquele sorriso muito bem disfarçado querendo surgir no rosto de Todoroki, enquanto ele o fitava de cima, e podia jurar que a dor de cabeça havia se aliviado só com essa visão. – Falando rápido demais.

— Você disse que gostava. – Ele balbuciou entredentes a resposta, mais para si mesmo, quase em tom de birra. Não esperava que Todoroki ouvisse isso. Mas ele ouviu.

— … Eu gosto. – Ele respondeu, fitando a beirada da maca da enfermaria como se ela fosse algo que ele nunca esperaria ver ali.

Izuku sentiu seu rosto arder, e ele certamente devia ter atingido um tom de vermelho inimaginável, e teria ficado muito consciente disso, se não estivesse mais ocupado em perceber como o rosto de Todoroki também era capaz de corar como qualquer um, apesar da natureza da sua individualidade, embora fosse um tom rosado muito tênue e discreto. Izuku achou aquela a melhor cor do mundo, naquele instante, e estava morrendo de vontade de se esticar para tocar, só para ver se a temperatura da pele de Todoroki também mudava, quando ele ficava assim. Seria uma ótima informação para acrescentar nos seus diários de heróis sobre cada um dos colegas. Embora ele estivesse muito tentado a manter esse tipo de detalhe na memória, mesmo, apenas para si.

Sentir os olhos desiguais de Todoroki sobre si novamente fez os pensamentos de Izuku voltarem ao seu rumo em um instante. A mão dele se apoiava de leve no colchão da maca onde estava deitado, e, mesmo sem olhar, Izuku sentia o movimento incerto e nervoso que os dedos faziam sobre o lençol.

— Eu estive pensando em como fazer para falar com você de novo. Depois de ontem… – Todoroki admitiu. A voz continuava baixa, mesmo com eles dois sozinhos ali, e isso fazia Izuku sentir um tipo de nervosismo que não estava acostumado. Era como se eles estivessem compartilhando um segredo. Dividindo algo precioso, único. Ele não sabia definir, mas isso também o deixava apreensivo e cheio de expectativas que ele não tinha ideia sobre como lidar.

— Eu também. – Izuku confessou. Os dois partilharam mais uma troca de olhares que dizia muito mais do que qualquer sentença até ali, e Izuku sorriu, devagar. Era tão tolo por ter se preocupado tanto até ali. Era de Todoroki que estava falando. Ele jamais seria capaz de deixar Izuku embaraçado, rir dele ou escarnecer os seus sentimentos. Ele não teria feito ou dito nada que não tivesse uma razão ou um objetivo, e também não deixaria Izuku confuso de propósito. Eles só precisavam conversar. – Você… falou sério, ontem? – Ele resolveu perguntar de uma só vez, e esclarecer todo o assunto, já que a oportunidade surgiu.

— Sim. – Ele não hesitou nem mesmo um segundo para responder, e isso fez o coração de Izuku dar um doloroso salto no peito. Doloroso de um jeito não ruim. – Eu… confesso que não sei exatamente o que isso pode significar, e eu não tinha intenção de… Bem, de dizer nada daquilo. Foi sem qualquer planejamento. Mas nada do que eu disse era mentira.

— Eu também. O que eu disse… Eu falei sério.

Outro silêncio, dessa vez, mais significativo. Ambos estavam processando o peso daquelas palavras, tentando entender o que elas realmente significavam, e o que iria mudar por causa delas. Izuku sentiu, mesmo sem ver, que os dedos de Todoroki faziam movimentos incertos pelo lençol da maca, perigosamente perto da sua mão.

Estava pensando se deveria ir em frente e fazer como havia feito na outra noite, segurar a mão de Shouto e não deixar que ele hesitasse mais, mas não foi preciso. Os dedos dele, dessa vez frios, mas ainda tão suaves quanto da vez anterior, tocaram os seus, e, lentamente, abriram caminho até que eles se entrelaçassem. Izuku sentiu seu coração pular no peito, descontroladamente, e, olhando de novo para ele, não pôde evitar o sorriso que surgiu espontaneamente.

Izuku não sabia até onde o que estava acontecendo o levaria, e tinha certeza de que Todoroki estava tão perdido quanto ele nesse assunto, mas estava feliz com o rumo que tudo estava tomando – e para ele, isso era suficiente. Eles haviam confessado um ao outro na noite anterior, não haviam? E agora, estavam confirmando isso. Parecia surreal, mas era um resumo satisfatório de toda aquela situação.

Shouto acariciou de leve as costas da mão de Midoriya, deixando que a certeza do que havia acabado de dizer e de ouvir se assentasse bem no seu interior. Midoriya gostava dele. Mais do que somente como um amigo, ele havia conseguido entender isso, ao menos, e esperava que estivesse certo. Midoriya podia ser o primeiro amigo que Shouto havia feito em toda a sua vida, e ele tinha experiência zero no que dizia respeito a relações com outras pessoas. Isso talvez nublasse a sua compreensão sobre si mesmo e o que sentia. No entanto, Midoriya já não era mais o seu único amigo, e agora que ele tinha mais pessoas ao seu redor, podia comparar, e ter a certeza de que o que quer que tivesse nascido ali, com Midoriya, não era nem mesmo remotamente parecido com o que ele possuía com seus colegas de classe. Era diferente do que amizade supostamente deveria ser.

Não era normal olhar para um amigo e querer abraçá-lo, sentir uma urgência absurda de tocá-lo, e ficar tão agitado simplesmente por não estar perto dele em qualquer situação. E, agora, Shouto tinha certeza e podia atestar: ele já não queria mais ser somente um amigo para Midoriya. Ele queria mais, queria estar mais perto, por mais tempo. Queria saber mais, saber tudo sobre ele, Queria a certeza de que não precisaria mais ir embora.

Midoriya moveu os dedos nos de Shouto levemente, e tomou impulso para se erguer outra vez. Ele sobressaltou, pronto para fazer o outro voltar a deitar no mesmo instante, mas Midoriya ainda sorria, gentilmente, sem soltar a sua mão.

— Eu estou bem, acho que já posso voltar ao dormitório… – Ele disse, girando até ficar com as pernas para fora da beirada da cama. O movimento o deixou ainda mais próximo de Shouto, e a altura a mais que a maca oferecia, fazia com que os dois estivessem basicamente no mesmo nível. Izuku conseguia encarar Shouto nos olhos, diretamente.

— Eu te ajudo. – Shouto murmurou. Não tinha certeza se deveria soltar a mão de Izuku e ajudá-lo a calçar os seus sapatos, ou simplesmente esperar que ele fizesse o primeiro movimento. Ele não se moveu nem mesmo um centímetro.

— Todoroki-kun… – Midoriya olhou de leve para as mãos unidas. A pele de Todoroki, fria contra a sua, parecia estar se aquecendo ligeiramente com o contato constante.

Izuku ergueu os olhos, e, em um gesto impensado, rápido e impulsivo, inclinou-se para frente. Seus lábios tocaram a pele aquecida do lado esquerdo. Ele tinha mirado na bochecha, mas com a precipitação e inexperiência, acabou acertando no canto da boca de Todoroki, quase, quase, beijando-o nos lábios. Afastou-se de imediato, o rosto afogueado prestes a entrar em combustão, e não parecia muito diferente de Todoroki, que, ainda de olhos arregalados por ter sido pego desprevenido, podia de fato entrar em combustão a qualquer segundo, literalmente falando.

— Obrigado. – Midoriya falou ainda mais rapidamente, pulando da maca em um só movimento (que o deixara ligeiramente tonto… ou a tontura seria por causa de outra coisa?) e concentrando-se em encontrar seus coturnos vermelhos no pé da cama e calçá-los novamente. – V-vamos? – Ele voltou a olhar para trás, quando estava pronto, percebendo que Todoroki esteve encarando o mesmo ponto na parede oposta durante todo aquele tempo.

Ele pareceu acordar com o chamado de Midoriya, e os dois seguiram, sem mais nada a dizer, por todo o caminho até o dormitório. Izuku andava devagar, ainda sentindo a cabeça protestando de leve pelo golpe recente, e Shouto permanecia contemplativo, concentrando-se ao máximo para não deixar nenhum dos sentimentos que ebuliam no seu interior transbordar na forma de chamas que ele ainda estava aprendendo a controlar.

Durante todo o caminho, ambos imaginavam se podiam estender só um pouquinho a mão na direção do outro, e continuar com os dedos entrelaçados como antes, sem que isso fosse muito estranho.


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Notas finais do capítulo

Mais um capítulo, com momentos fofinhos dos dois bolinhos de BNH, porque, não sei vocês, mas eu to muito precisando de mais coisas fofas pra iluminar essa vida.



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