Me apresento, Michaelson Wright. Tenho 37 anos e sou formado em Sistemas da Informação. Desde pequeno tenho minhas paixões pelos computadores, talvez tenha sido isso que me fez seguir nesta carreira.

Era uma manhã tranquila. O clima devia estar bom; não sei, estava em frente à tela do meu computador desde a madrugada.

Três dias atrás, informações secretas envolvendo os principais órgãos públicos começaram a ser divulgadas na internet. Christopher Hermes, um dos chefões da CIA solicitou minha ajuda. Embora eu tivesse prometido nunca me envolver com a CIA novamente após um trágico incidente que ocorreu anos atrás, eu decidi ajudá-lo, até porque, percebi que a situação era realmente séria.

Fui eu quem descobriu a existência do misterioso grupo de hackers intitulado "S0V3R3IGNS". Com meus conhecimentos em proxys e navegação anônima, adentrei na primeira camada da Deep Web, onde o conteúdo criminoso ainda é um pouco raro. Em meio a todos aqueles endereços de serviços de inteligência, estudiosos da MIT e rede de dados de segurança, lá estava... A página dos S0V3R3IGNS.

Assim como a maioria dos sites da Deep Web, a página dessa organização de hackers tinha uma interface simples, porém com um conteúdo bem sinistro. Ao entrar lá, encontrei o registro de informações sigilosas que eles já haviam vazado e algumas datas aleatórias. Estas, supostamente, seriam as datas dos próximos ataques, das próximas revelações. Não encontrei, no entanto, a fonte original de onde tais segredos estavam sendo vazados. Concluí que aquela página que havia encontrado na quarta camada da internet era apenas um "histórico de ataques" dos S0V3R3IGNS. Se eu quisesse descobrir algo mais, deveria ir ainda mais fundo no mundo cibernético. Ora! Isso é muito perigoso. E nem estavam me pagando para isso! Fiz um pequeno relatório sobre o que eram S0V3R3IGNS, como eles agiam e quando seriam supostamente suas próximas revelações. Que Christopher Hermes tenha ficado satisfeito.

É claro que ele não ficou. Uma agente da CIA, a mando de Christopher, foi me fazer uma visita alguns dias depois. Ela  tocou a campainha e eu fui atender.

— Posso ajudar? — eu disse, educadamente.

— Você é... Michaelson Wright?

— Eu mesmo. Pode me chamar de Mike. É como meus amigos me chamam. Na verdade, é como todo mundo me chama. E você, quem seria?

— Susie Byron. — ela me disse, mostrando-me o crachá de agente da CIA. — Fui mandada aqui por Christopher Hermes. Suponho que o conheça.

— Lógico que eu o conheço. Mas o que ele quer agora?

— Eu posso entrar?

— Pode, sim. Mas já vou logo avisando que o local não está muito arrumado.

— Minha casa também uma bagunça, Michaelson.

— Mike.

— Minha casa também é uma bagunça, Mike. Não se preocupe. — ela olhou para o sofá. — Posso me sentar.

— Sim, sente-se. — me sentei no outro. — O que Christopher quer?

— Michaelson...

— Mike.

Susie suspirou.

— Mike. Imagino que já saiba das inúmeras revelações polêmicas sobre a CIA que saíram na mídia recentemente.

— Ah, eu sei. Envolvimento com tortura? Investigações ilegais? Assassinato de inocentes? Vocês têm se comportado muito mal.

— Essas informações foram vazadas.

— Eu sei.

— Sabe.

— Os S0V3R3IGNS. Os "soberanos da internet", como eles se intitulam.

— Ah, então você já sabe dessa história?

— Se eu sei dessa história? Susie, quem você acha que fez a descoberta dos S0V3R3IGNS para a CIA?

— Não me diga que...

— Está olhando para essa pessoa.

— O Sr. Hermes me encarregou de descobrir quem são os S0V3R3IGNS e por que eles estão fazendo isso.

— Desista.

— O quê?

— Desista. Está entrando em território perigoso. Saia enquanto está segura, porque eles tentarão te matar.

— Foi o que Jos me disse.

— Jos? Quem diabos é Jos?

— Joseph Hall.

— Da Diretoria de Ciência e Tecnologia?

— Esse mesmo. Conhece?

— Já foi meu colega de trabalho. Ele ainda gosta de Shakespeare?

— Você nem imagina. Quer dizer que você já trabalhou na CIA?

— Há alguns anos atrás.

— Parece muito jovem para ser aposentado.

— Tenho 37 anos.

— Bem jovem. O que te fez sair?

— Eu cometi um erro que você está prestes a cometer também.

— Eu? Por quê? O que houve?

— Eu tinha um parceiro. Seu nome era Martin McField. Anos atrás, a CIA iniciou uma operação que tinha como objetivo descobrir a identidade e prender os assassinos de aluguel que atuavam na Deep Web. Ao todo, foram 17 matadores descobertos e presos. Mas ao descobrir que estávamos envolvidos em uma operação desse tipo, um deles usou de seus próprios conhecimentos em assassinato para nos caçar. Ele não me pegou, mas Martin morreu enquanto o enfrentava. Desde então, prometi a mim mesmo que nunca mais me envolveria em algo relacionado à CIA. Portanto, se acha que eu vou te ajudar neste caso, se engana.

— Mas eu preciso de sua ajuda.

— Susie, eu te disse para ficar fora disso e Joseph te deu o mesmo conselho. Vai mesmo ignorar a dica de duas pessoas que já pisaram pela Diretoria de Ciência e Tecnologia da CIA?

— Eu trabalho para a CIA também, Mike.

— Hum... Desta vez acertou.

— Eu sei o que estou fazendo. Não é uma questão de segurança nacional. É uma questão de segurança mundial. Não vou te obrigar a se envolver nisso se não quiser, mas pelo menos me dê um norte para seguir.

Pensei um pouco e a respondi.

— Tudo bem, Susie. Venha comigo.

Levei-a até o meu computador e comecei a explicar sobre os S0V3R3IGNS.

— Aparentemente eles não se formaram recentemente. Estão na ativa há meses, talvez anos. Durante todo esse tempo, eles provavelmente só fizeram uma coisa: reunir essas informações que vazaram.

— Como fizeram isso?

— São hackers, Susie. Nenhum computador tem segurança suficiente para pará-los, nem mesmo os da CIA.

— E o quê mais?

— Eles criaram uma página na internet oculta na qual fizeram pequenos resumos de seus ataques. É nessa página onde os membros se comunicam um com o outro, trocam informações e decidem as datas de vazamento.

— Eles escolhem quando vão vazá-las?

— Sim. Isso explica porque as revelações parecem seguir uma ordem lógica. Cada uma mais polêmica e reveladora do que a anterior

— Existe algo nessa página que revela como eles conseguem essas informações?

— Não. Mas eu sei porque não há.

— Por quê?

— Essa página que estamos vendo não é a verdadeira página deles. É só um "ponto de encontro" entre os hackers membros. Se quiser descobrir algo mais, terá que ir mais fundo.

— Como assim "mais fundo"?

— Mais fundo nas camadas. Talvez deva ultrapassar a quarta camada da internet se quiser descobrir algo.

— Quarta camada? Como assim?

— Eu imagino que saiba que a internet é dividida em oito camadas.

— Eu achei que só existiam duas: a web normal e a terrível "Deep Web".

— Essas são as duas divisões. Mas tanto a internet comum quanto a Deep Web tem suas próprias camadas. Algumas delas ultrapassam o que chamamos de "Deep Web" e chegam ao que chamados de "Marianna's Web".

— Marianna's Web?

— É uma referência às Fossas Mariannas, o local mais profundo do planeta Terra. Ao todo são oito camadas. Na verdade, nove, se considerarmos que existe uma camada número 0.

— E do que se tratam essas camadas?

— A camada 0 é chamada de "Common Web". Qualquer pessoa pode acessá-la. São sites como o Google, Yahoo, redes sociais, etc. A camada 1, chamada de "Surface Web" também é bem simples, ela engloba os sites que você acessa normalmente pesquisando em sites como o próprio Google. A camada 2 é o máximo onde pessoas sem conhecimento de proxys conseguem chegar. Aqui ficam sites que você só acessa se tiver o link direto deles, pois seus resultados não aparecem no Google. Os fóruns do 4chan, por exemplo, ficam aqui.

— Entendo.

— Mas é a partir da camada 3 que entramos na "Deep Web". A partir daqui, você só consegue ter acesso com ferramentas de criptografia. Nessa camada existem informações sobre vírus, manuais de suicídio e tópicos sobre ideias criminosas. Mas a parte podre surge mesmo na camada 4, a "Charter Web". Sites de canibalismo, pornografia ilegal, tráfico de armas, drogas e órgãos humanos, e assassinos de aluguel se encontram nela. É preciso um conhecimento ainda maior para acessá-la. E lógico, anonimato é essencial. Ao acessar essa camada, você começa a receber ligações e mensagens de ameaça.

Susie se lembra da ligação que havia recebido horas antes, quando tinha parado naquele sinal.

— Prossiga. — ela disse.

— A partir daqui, começam os mistérios do mundo cibernético. Apenas pessoas com conhecimento em computação quântica podem acessar as próximas camadas. A quinta camada é a chamada "Marianna's Web". As polêmicas teorias da conspiração surgem a partir daqui. Dizem que é nessa camada onde surgem informações sobre os Illuminatis, as invenções de Nikola Tesla, experimentos de clonagem humana, a localização exata de Atlantis, algoritmos geométricos avançados, além de vídeos de estupro e vídeos snuff. Para acessar a Marianna's Web é necessário saber uma mecânica quântica avançada conhecida como "Polymeric Falcighol Derivation". A camada 6 é conhecida como "Intermediary Web", trata-se apenas de uma faixa de transição entre a Marianna's Web e as camadas mais profundas. A camada 7 é conhecida como "The Fog", apesar de muitos a chamarem de "Sopa de Vírus". Ela é uma verdadeira zona de guerra. É onde ficam os hackers que tentam chegar ao último nível. Ao mesmo tempo que eles querem chegar na oitava camada, eles precisam impedir que outros hackers cheguem antes. Por isso, enchem essa camada com vírus para impedir que consigam tal façanha. Para acessá-la, é necessário um conhecimento absurdo em mecânica e física quântica.

— Uau. Nunca pensei que a internet fosse algo tão incrível e ao mesmo tempo tão assustadora.

— A camada 8, a última delas, é conhecida como "The Primarch System". É ela que controla tudo, absolutamente tudo na internet. Tudo o que existe nas outras sete camadas vem, de alguma forma, daqui. Não tem como controlá-la. Acredita-se que nenhuma organização ou governo tem poder sobre ela. O que existe nessa camada e como acessá-la é impossível saber.

Enquanto eu explicava para Susie sobre a oitava camada, um pensamento me veio à mente: "e se os S0V3R3IGNS estiverem agindo nessa camada, enviando informações diretamente do 'Sistema Primarca'?" Não é possível! Mas até que faz sentido. Isso explicaria como eles espalharam as informações sobre os órgãos federais sem ao menos deixar rastros.

Meu pensamento foi quebrado com a palavra de Susie.

— Mike? Está me ouvindo?

— Ah, estou sim.

— Tudo bem com você?

— Sim. Eu estou bem.

— Eu até achei interessante tudo isso sobre camadas da internet e tal... Mas como isso vai me ajudar a descobrir algo sobre os S0V3R3IGNS?

— Provavelmente eles estão agindo em camadas mais profundas, como a Charter Web, talvez até... a Marianna's Web...

— Você conhece o conceito de "ajuda", Mike?

— Tudo bem! Eu conheço uma pessoa que vai poder te ajudar. Eu posso te levar a essa pessoa. Mas depois disso, não conte mais comigo para nada, entendeu?

— Como quiser.

— Eu só preciso fazer uma ligação antes.

Michaelson pega o celular e liga para uma pessoa.

— Alô? — o homem do outro lado da linha atende.

— Como vai, Edward?

— Eu conheço essa voz. Mike Wright? É você mesmo?

— Pode acreditar.

— Quanto tempo!

— Eu que o diga. Como andam as coisas aí em Nashville?

— Tudo tranquilo, como sempre. Sabe, Nashville é uma cidade tranquila.

— Claro, tem o "Policial Sanders" para manter a ordem.

— Ah, deixa disso! O que te fez ligar pra mim.

— Eu só queria fazer uma pergunta.

— Ok, pode fazer.

— Sabe informar qual o novo endereço de Sebastian Scott?

— O Dr. Scott? O que houve?

— Digamos que eu preciso falar com ele.

— Tem a ver com o escândalo das revelações governamentais?

— Na verdade, tem sim.

— O local exato eu não sei dizer. Mas, ao que tudo indica, ele está morando em uma pequena casa em Marysville.

— Marysville? Ok. Muito obrigado, Edward. Desculpe o incomodo.

— Não foi incomodo algum, Mike. Passar bem.

— Passar bem.

— Quem era? — Susie perguntou.

— Edward Sanders, um amigo policial meu de Nashville. Me diga uma coisa, você veio de carro?

— Sim, por quê?

— Ele tem gasolina?

— Tem.

— Muita?

— Meio tanque. Por quê?

— Será mais de uma hora de viagem.

— Aonde nós vamos?

— Marysville. Tem alguém que saberá agir nessa situação.

Começamos a nos preparar para irmos até a cidade vizinha, onde nos encontraríamos com o Dr. Sebastian Scott, o único que poderia auxiliar Susie Byron nesta missão. Desliguei o computador e o ar condicionado. Fechei as cortinas da minha janela. Fui no banheiro lavar meu rosto. Enquanto isso, Susie preparava o carro para a viagem.

Quando já estava procurando as chaves para trancar a porta da minha casa, meu celular apitou. Eu tinha recebido uma nova mensagem. Li e fiquei aterrorizado. O SMS não possuía número, havia apenas uma mensagem:

"Está cometendo um grande erro, Wright. Os velhos tempos estão voltando."

Tentei responder a mensagem, mas instantaneamente ela se apagou.