Stellarium escrita por Acquarelle


Capítulo 7
CAP.2, Epi.3: Momentos de solidão




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/758618/chapter/7

Ryuuki cancelou a conjuração de Ayase com apenas um sopro, fazendo os círculos desaparecerem como pequenas bolhas de sabão diante de sua verdadeira forma; era tão colossal que sequer poderia ser comparada aos grandes animais de Atlansha, aterrorizando qualquer criatura que ousasse encarar os seus brilhantes olhos dourados em forma de fenda por muito tempo. Seu título de Eco das Profundezas lhe caía muito bem, afinal.

Ele abriu sua enorme boca de dragão e murmurou:

— Que o Princípio se faça presente nas palavras do segundo herdeiro Daemonia.

De alguma maneira, ele conseguiu ativar alguma coisa.

Sentiu as escamas metálicas atraírem altos níveis de energia (provavelmente as que se dissiparam dos círculos e que ainda estavam ao seu redor, os protegendo de alguma maneira), fazendo as correntes que aprisionavam seus poderes serem gradualmente destruídas. Algo crescia sobre sua cabeça, e logo Ryuuki se deu conta de que eram os chifres que sua raça carregava como um fardo.

Um, dois, três, quatro... seis deles; a prova de que era o segundo filho do Imperador Daemonia. Eles eram simétricos, com um dos pares curvados para trás, como fora antes mesmo dele se tornar o Eco das Profundezas. Sentiu, também, que uma imensa quantidade de energia seria necessária para ativar o potencial de seus poderes, mas Ryuuki finalmente havia tomado a sua decisão.

Sem tempo para hesitar, ele encarou as luzes e bradou com sua voz de trovão:

— Um Princípio não poderá anular a outro durante as próximas quatrocentas e oitenta mil horas.

Ryuuki torceu para não ter errado naquele cálculo; nas poucas vezes que precisou usar o Princípio da Causalidade, o método para calcular o tempo era o mesmo. Era para isso que seu pai e irmão mais velho organizavam tantas reuniões, certo? Entender como os Criadores controlavam o tempo era crucial para ditar qualquer Princípio.

Como não sabia das sequelas que as luzes causariam ao ambiente, arriscou colocar mais tempo que o necessário. Ele não poderia agir de uma forma descuidada diante daquela situação; Ayase não era como ele, um Mediador fadado à imortalidade, e o menor contato com a energia caótica poderia feri-la de maneira incurável.

Ele prometeu a si mesmo defendê-la daquilo, ainda que para isso precisasse drenar a energia de todas as formas de vida remanescentes de Atlansha. Antes mesmo que as luzes os carregassem para o vazio, Ryuuki os transformava em pura energia.

— Agradeçam por serem úteis para algo, bastardos. — Ele permaneceu apático enquanto condensava a energia de Atlansha em uma orbe brilhante, doando parte dela ao seu próprio Princípio.

A energia de Atlansha foi aceita, e as luzes atravessaram o corpo de Ryuuki, dizimando as sobras da floresta de cores frias e o deixando lá, intocável. Ayase ainda dormia profundamente entre suas mãos, e ele se conteve para não segurá-la forte demais. Mesmo não demonstrando, ainda estava nervoso com a situação, e tudo se tornava pior quando ele pensava no que faria depois que as luzes cessassem.

Atlansha ainda teria atmosfera? O que Ayase comeria quando sentisse fome? E se tudo ao redor de Atlansha também fosse destruído, eles também perderiam a única estrela da vizinhança estelar? Viver na escuridão seria claustrofóbico para ela, disso Ryuuki tinha certeza. Ele deveria aproveitar a energia que sobrara para torná-la um ser mais resistente, mas não sabia ao certo como fazê-lo; ditar que ela não precisa respirar atrofiaria os seus pulmões com o tempo, assim como qualquer nova regra ditada para seu estômago. Seus órgãos mudariam de forma drástica, e por consequência, o funcionamento do seu corpo, o que poderia se tornar irreversível.

Ele respirou fundo enquanto balançava a cabeça; "Não posso fazer algo assim", pensou ligeiramente.

Ryuuki passou longos segundos refletindo; se ele tornasse seu vínculo com Ayase mais forte, a garota poderia obter algum dos diferenciais de sua raça? Ele tinha certeza que a garota havia adquirido parte do omnilinguismo dos Daemonias; certa vez conseguiu entender sequestradores de terras distantes como se estivessem falando no idioma dela. Ayase não entendeu quando os suspeitos pareciam espantados quando ela os confrontou, mas estava tão concentrada em atrapalhar o plano deles que aquilo passou batido.

Ele até poderia fazer isso, mas algo o deixava preocupado: nem só de boas habilidades eram feitos os Daemonias.

Se algo desse errado (ou certo até demais), Ayase também ficaria marcada pelo resto de sua vida, assim como ele; Ryuuki não poderia arriscar algo tão perigoso para alguém como ela, que sequer sabia da existência de vida fora de Atlansha... de que ELE não era de Atlansha.

Ao refletir sobre isso, ficou ainda mais apreensivo; nunca pensou em falar a respeito disso com Ayase, e só de imaginar que seria forçado a contar toda a verdade lhe causava arrepios. Ela o culparia pela catástrofe das luzes? Não, não poderia. Mas se soubesse que fora o responsável por destruir Atlansha (mesmo que poucos segundos antes das luzes varrerem tudo para o vazio), provavelmente ficaria chateada.

— Então, você deve... — Ryuuki fechou os olhos, concentrando um pouco da energia remanescente de Atlansha. — Durma, terceira princesa de Atlansha. Até que haja uma solução para o problema, você deve dormir profundamente.

Uma nova regra foi criada. A energia da orbe foi consumida no mesmo instante que Ryuuki fechou a boca, fazendo Ayase dar um suspiro pesado enquanto seus músculos relaxavam. Ele queria abrir as mãos para vê-la, mas as luzes ainda estavam próximas demais para ele arriscar.

Ryuuki finalmente se moveu, se aproximando da superfície do planeta para checar a atmosfera; como o esperado, as luzes haviam destruído parte dela, mas a energia de Atlansha lhe permitiu manter uma pequena área estável onde Ayase poderia ficar. Ele não sabia por quanto tempo aquilo iria funcionar, mas torcia para que um dos representantes de Orfeinn notasse o desastre que aquelas luzes causaram.

"Quatrocentas e oitenta mil horas são suficientes para isso", pensou esperançoso; com os chifres novamente em sua cabeça, mais do que nunca poderia ser considerado um dos filhos de Daemonia, então não levaria muito tempo para alguém aparecer por Atlansha e levá-lo dali; Ayase, óbvio, iria com ele, nem que para isso Ryuuki precisasse cumprir com as responsabilidades que tanto fugiu.

Lanternas de fogo-marinho foram criadas ao redor dos dois. Cada uma utilizava um mineral diferente como catalisador, o que permitia cores e intensidades diferentes em cada uma delas. Elas foram distribuídas de maneira organizada pela área que Ryuuki criou mais cedo, a transformando em um mini-festival que delimitava o espaço que Ayase poderia transitar caso acordasse. Mesmo sabendo que sua regra não seria desfeita, talvez ela acordasse quando a energia perdesse a força, e as lanternas resolveriam seu problema com relação à escuridão.

Fazia algumas horas que as luzes vibrantes haviam desaparecido no horizonte, fazendo Ryuuki refletir sobre quanto tempo tinha se passado. Pelo que conseguiu perceber, as luzes varreram boa parte da galáxia que Atlansha de encontrava, inclusive a grande esfera luminosa que cedia sua luz para os planetas daquele sistema solar. Agora que tudo havia terminado, Ryuuki pensou que poderia ter transformado a estrela em energia também, mas já era tarde demais; em meio ao vazio da Galáxia de Argen, Atlansha era o único planeta remanescente.

╰───────╮★╭───────╯

— Eu disse... corais folhosos... são horríveis...

Ayase sussurrava frases aleatórias enquanto dormia profundamente, afundado a cabeça no corpo de Ryuuki, o que deixava marcas avermelhadas em seu rosto devido às escamas metálicas.

Ele havia recolhido o seu corpo ao redor de Ayase, a acomodando de forma que ela se sentisse protegida e acolhida, já que as lanternas de fogo-marinho não davam conta de aquecer a área de proteção. Mesmo para alguém acostumado a climas tão frios, a ausência da luz solar estava começando a se tornar um problema, e isso ficou ainda mais nítido quando Ayase passou a tremer com o frio que dominava Atlansha.

Sem muito esforço, Ryuuki conseguiu estabilizar a temperatura da água com o auxílio das lanternas de fogo-marinho, mas precisou usar uma grande quantidade de energia para isso. Pelo que lembrava, criar um protótipo de estrela era complicado mesmo para aqueles que comandavam os Princípios, e mexer com temperatura sem conhecimento prévio beirava o impossível. Por sorte, ele se lembrava vagamente do que fazer.

Ryuuki encostou a cabeça ao lado de Ayase, se aproximando ainda mais dela.

Estava exausto demais para fazer qualquer outra coisa, mas orgulhoso de si mesmo; de alguma maneira, ele estava conseguindo proteger Ayase, mesmo que ainda não entendesse o motivo real de todo seu esforço. Ainda teria o problema com relação à alimentação dela, mas ele precisava descansar a mente antes de tomar providências. Talvez nem precisasse fazer nada, pois o resgate poderia estar a caminho ("Provavelmente", pensava ele esperançoso), já que mesmo uma nave Kolasurr de modelo obsoleto não demoraria mais de 1.920 horas para ir de Orfeinn até Atlansha.

Mas para ele, só restava esperar pacientemente.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Capítulo 2, Parte 3

Eu queria ter demorado um pouco mais para apresentar os Princípios, até porque eles não aparecem na primeira versão da história, mas logo percebi que eu não precisava formular uma explicação complexa logo de cara, sim falar aos poucos como eles funcionam — e abrir espaço para teorias mais concretas, obrigada.

Tive que usar negrito e itálico em algumas partes, mas eu queria mesmo era que o Nyah! desse opção para alterar a fonte. No Scrivener, eu usei a "Adobe Devanagari" para boa parte dos cânticos, inclusive a "magia" (não é magia, mas precisarei usar esse termo por enquanto, hehe) dos Daemonias. Queria poder usar uma fonte diferente para as magias ou "magias" de cada raça, mas isso infelizmente não será possível por aqui.

Quem sabe no futuro, né?



Curiosidade!

Quatrocentas e oitenta mil horas em Atlansha são 50 anos (nesse caso específico, preferi utilizar as nossas 24 horas como parâmetro para um dia, o que não acontecerá nos próximos planetas — mas provavelmente vou mudar isso na versão definitiva), o que significa que Ayase teria entre 300~650 anos de idade agora; sua aparência e mentalidade, porém, continuaram da mesma forma devido à "magia" de Ryuuki.

...isso foi uma boa ideia?



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Stellarium" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.