O amor abençoado pelo Nilo escrita por kagomechan


Capítulo 38
Almoço em família




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Sadie certamente conseguiria ficar dormindo mais algumas boas horas, mas, depois de alguns minutos de sono, os novos deveres de mãe logo chamaram. Sadie lentamente abriu os olhos quando ouviu um choro chegando em seus ouvidos. Demorou uma fração de segundo para essa letargia de ser repentinamente acordada acabar completamente e Sadie se levantar da cama completamente alerta atrás de sua filha. O mesmo despertar, primeiramente letárgico, e logo depois agitado, aconteceu segundos depois com Anúbis também.

— Cadê a Aya? - perguntou Sadie já levantando da cama.

— Deixei com a minha mãe. - respondeu ele mas, a pergunta e a resposta foram ambas tornadas desnecessárias pouco depois, pois assim que Sadie chegou na porta do quarto, deu de cara com Néftis segurando Aya no colo chorando.

— Calma, está tudo bem. Ela dormiu bastante e limpei até uma fralda… - explicou Néftis vendo a expressão de susto dos novos papais - Mas agora ela está com fome, e isso só você pode resolver. Senão teria deixado vocês descansarem mais.

Foi necessário um breve segundo para Sadie respirar fundo e acalmar o coração. Depois de tanta confusão, a primeira coisa que ela tinha pensado ao ouvir o choro de Aya, era que algo terrível estava acontecendo, não que ela estava apenas seguindo seus instintos e pedindo por mais leite. E pensando bem, talvez ter levantado da cama tão rápido daquele jeito também não tivesse sido uma ideia muito boa. Suas pernas estavam já reclamando um pouco do esforço, como se pedissem silenciosamente para Sadie lembrar que não fazia tanto tempo assim que ela tinha dado a luz.

— Obrigada. - disse Sadie abrindo um pequeno sorriso ao pegar Aya em seus braços.

Com a pequena nos braços, Sadie sentou-se na cama e logo começou a amamentar sob os olhos carinhosos de Néftis e Anúbis. Ela mesma, assim como os outros dois, não pode deixar de também admirar a pequena Aya com suas bochechas gordinhas e olhos entreabertos mamando com uma calma tão grande que parecia que o mundo parecia ter atingido a paz mundial.

Admirando cheia de amor a perfeição que era a filha, Sadie passou dois dedos carinhosamente pelos cabelinhos ralos na cabeça de Aya mas, no segundo seguinte, o momento foi interrompido pela própria barriga roncando, o que fez Anúbis soltar uma pequena risada.

— Vou trazer alguma coisa para você comer. - disse ele - Estou com fome também mesmo.

— Obrigada. - respondeu ela - Acho que estou de castigo aqui até Aya terminar - Eu tô morrendo de fome, acho que um almoço completo seria bem vindo.

Néftis, que esse tempo todo havia ficado parada na porta do quarto só admirando os dois, não pode deixar de abrir um sorriso com a cena. A deusa logo saiu de frente da porta quando viu Anúbis levantando-se da cama e se espreguiçando. Achava que ele ia ir andando normalmente até a cozinha mas, aparentemente ele não queria deixar Sadie com fome por muito tempo, afinal ela precisava estar bem alimentada para gerar leite, pois ele rapidamente simplesmente sumiu do quarto deixando uma leve névoa negra para trás.

Na cozinha, duas aprendizes se deliciavam cada uma com uma caixinha de comida chinesa enquanto o jarro de flores do centro da mesa apoiava um celular com a Netflix ligada passando a versão atualizada da antiga animação de She-Ra. Nenhuma das duas deu muita bola para Anúbis surgindo do nada ali. Aparentemente, já estavam mais do que acostumadas com isso.

Quando Anúbis encarou brevemente o relógio de parede que mostrava que já eram 13:45, o que justificava a cozinha mais vazia, Néftis chegou também no cômodo para conversar com ele.

— Enquanto dormiam, Ísis arrumou com mágica o caos que ficou na sala de estar. - disse Néftis - Incluindo a janela quebrada.

— Obrigado… - respondeu ele abrindo a geladeira - Foi tanta coisa ontem que eu já tinha esquecido da janela…

A cozinha ainda estava longe de ser a maior especialidade de Anúbis. Não era algo que ele tinha dado muita atenção em seus vários anos de vida, mas desde que tornou-se mortal, conseguia fazer o suficiente para ao menos não morrer de fome. Ele mesmo também estava morrendo de fome então, enquanto pensava direito no que fazer para almoçar, colocou ao menos dois ovos para cozinhar enquanto pensava no resto do almoço.

— Peixe é bom quando acaba-se de se ter um bebê… - disse Néftis repentinamente como se imaginasse o que estava passando pela cabeça dele - espinafre, acelga e brócolis também.

— Eca… brócolis - resmungou uma das aprendizes repentinamente.

— Com queijo não é tão ruim assim… - disse a outra, defendendo o vegetal.

— Mas o que não fica bom com queijo? - questionou a primeira - Os méritos vão todos pro queijo, não pro brócolis.

Ignorando a discussão sobre o gosto do brocólis, Anúbis continuou a olhar o que tinha na geladeira e logo tirou de lá um grande filé de salmão ainda congelado e uma vasilha do dia anterior de batata e cenoura assadas com um molho que ele não tinha a menor ideia do que era. A vasilha de batata e cenoura ele simplesmente botou no microondas, mas o salmão claramente precisava ser preparado completamente ainda. 

— Você parece estar conseguindo lidar bem com essa de ser mortal. - disse Néftis com um pequeno sorriso que misturava o orgulho e a tristeza - Consegue até preparar comida…

— Mais ou menos… - admitiu ele cortando o filé de salmão - Hoje em dia tem certas coisas que ajudam muito… como geladeira, microondas e molho pronto. Ah, e pesquisar no Google as coisas. Mas a Sadie ainda se entende bem melhor na cozinha do que eu, obviamente.

Ele sabia que cada lugar tinha suas comidas típicas, mas ele sinceramente achava a comida inglesa ainda um pouco estranha. Sabia que a Itália adorava suas massas, o Japão seu arroz e peixe cru, e por algum motivos os Estados Unidos se empanturram de hambúrguer mesmo que este tenha nascido na Alemanha. Se bem que a Pizza italiana era apenas uma versão importada e alterada de uma versão ainda mais antiga de pizza, a feteer maltoot, vinda inclusive do Antigo Egito. Então talvez não fosse tão estranho assim os americanos terem importado e mudado a receita do hambúrguer.

Mas, de toda forma, ele achava que a culinária inglesa tinha uma concentração, muito estranha para ele, de carnes diferentes, geralmente não necessariamente de vaca, várias formas de preparo de batata e um punhado de ervilha e quem sabe umas cenouras. Não que ele tivesse aproveitado muito da culinária egípcia antiga, já que não tinha necessidade de comer naquela época, mas lembrava-se bem como a culinária parecia girar mais ao redor de pães, frutas do deserto e quem sabe algum peixe ou carne, também não necessariamente de vaca, se a pessoa desse sorte. Talvez seja por essas diferenças que, ele olhava para o ovo no fogo, para o salmão sendo cortado e temperado e para as batatas com cenoura no microondas, e pensava que a combinação merecia algum pedaço de pão.

— Precisa de algo? - perguntou Néftis notando que ele parecia parar para pensar.

— Pão… - disse ele meio pensativo como se estivesse na verdade se perguntando qual deve ser a padaria mais próxima ou onde poderia aparecer do nada perto de uma delas sem assustar ninguém no meio da sua.

Néftis ergueu as duas mãos gentilmente como se estivesse segurando uma cesta e, num piscar de olhos, ela estava realmente segurando uma cesta delicadamente trançada cujo interior estava repleto de pães idênticos. Parecendo pães sírios pouco menores do que uma mão, eram achatados, lisinhos e com uma fina camada de farinha que os deixava com uma aparência deliciosa e leve. 

— Legal! - exclamou surpresa uma das aprendizes que terminava sua comida chinesa - Porque você também não faz comida do nada, Anúbis?

— Posso fazer um zumbi do nada para puxar seu pé de noite, que tal? - respondeu ele fazendo a outra aprendiz rir bem alto enquanto a primeira abaixava a cabeça com um sorriso contido no rosto.

Espero que não tenha problema eu…. dar pães assim…— disse Néftis que, por algum motivo, trocou de idioma do inglês para o egípcio.

Não. — respondeu ele trocando de idioma também e terminando de temperar o salmão e finalmente o botando no fogo - Se bem que Sadie tá tentando fazer as coisas com o mínimo de magia possível. Mas não dou 1 mês antes de ela recorrer à magia para facilitar as coisas com Aya.

Tinha me perguntando se você tinha esquecido como se falava… - disse Néftis abrindo um sorriso que parecia aliviado - Já que a memória dos mortais é indiscutivelmente menor. Mas a sua parece que está bem.

— Isso foi um teste então? — perguntou ele.

Ficaria com raiva se eu admitir que sim? — perguntou ela.

Não. - respondeu - Mas… minha memória vai até bem. Apesar de que não nego que tenho notado alguns buracos sim. Acho que seria pedir demais ela conseguir guardar tudo. Meu egípcio vai muito bem mas… meu persa nem tanto, mas acho que ainda está até razoável. Mas meu somali e neshite já estão praticamente inexistentes. Mas algumas memórias mais antigas e triviais que antes eu tinha certeza que lembraria, não lembro mais tanto assim. Realmente não lembro mais cada palavra de cada um dos textos que Thoth me botou para ler e copiar quando estava aprendendo a ler, mas me lembro que tinha algum sobre o Nilo. Os rostos de Ahmen, Shadya, Iset e Chenzira estão um pouco embaçados, não lembro quantos dracmas apostei com Hades uma vez quanto à quem ganharia em uma competição das olimpíadas nem o nome o rosto de quem apostei… mas não deixe Bastet saber que estou admitindo que minha memória não está tão boa quanto antes.

Apesar das reclamações com memória, não era como se a memória dele estivesse em um nível para gerar preocupação quando se considerava a memória humana. Longe disso, considerando que ela ainda conseguia armazenar muita coisa de seus mais de 5 mil anos de vida. Era apenas que a memória tinha deixado de ser uma memória perfeita, digna dos deuses, que se lembra de cada mísero detalhe não importa quando este aconteceu, e tornou-se algo levemente mais mortal que, embora capaz ainda de guardar muita coisa, achou útil excluir aquilo que não era tão importante assim ou não era tão usado.

Ainda… lembra do... dia que nasceu? — perguntou ela insegura e com o coração apertado não só pela memória do dia que o abandonou, mas também pela situação atual, não deixando de pensar que, na melhor das hipóteses, em algumas décadas ele estaria morrendo.

— Não tanto quanto antes… — respondeu ele ainda virado para o salmão mas sentindo o coração tão incomodado quanto o dela pela conversa - O que sinceramente não sei se é bom ou não.

Sem que qualquer um dos dois percebesse, toda aquela conversa havia sido ouvida por Ísis que, com as costas contra a parede logo ao lado da cozinha, havia interrompido sua entrada para não atrapalhar aquele raro momento de mãe e filho e agora via seu coração tão machucado quanto o de Néftis. Podia não ser a mãe biológica de Anúbis, mas havia o criado como filho mesmo nunca tendo formalmente adotado-o então, ouvir aquelas palavras  e pensar que uma vida breve, na visão dos deuses, era o que o aguardava, Ísis também não pôde evitar ficar triste.

Tanto Néftis como Ísis começaram então a pensar em como as coisas seriam muito mais fáceis se ele simplesmente tivesse se apaixonado por uma deusa. Uma deusa qualquer. Aceitariam até mesmo uma deusa persa ou romana, por mais que não gostassem nada de nenhum dos dois povos. Mas pelo menos uma esposa imortal não acabaria fazendo ele pensar em virar mortal, mas, era indiscutível que, apesar da expectativa de vida bem reduzida, ele parecia contente, feliz e satisfeito.

Então, inspirando profundamente, Ísis deixou aqueles sentimentos tristes de lado e entrou na cozinha seguindo o cheio de salmão.

Imagino que Sadie também tenha acordado.— disse Ísis.

— Sim… - respondeu Anúbis - Acho que, assim que comermos um pouco, vamos conseguir fazer o feitiço e então podemos ir ver Lorde Osíris. Sadie deve estar bem ansiosa para ambos.

— Tem certeza? — perguntou Ísis - Tawaret disse que você quase caiu no chão de cansaço quando chegou para o parto ontem.

— Dormi bastante, não se preocupe. - respondeu ele.

Apesar das palavras dele, Ísis não pareceu ter botado muita firmeza na garantia de que ele estava bem o suficiente para fazer um feitiço complicado seguido de uma viagem ao submundo. Contudo, as conversas mais complicadas foram eventualmente trocadas por mais triviais conforme o almoço meio atrasado ia ficando pronto. Eventualmente, quando as duas aprendizes que comiam na cozinha estavam saindo e a comida já estava pronta só esperando para ser posta em pratos, eles escutaram vozes vindo da escada.

— Bastet, tá tudo bem! Não precisa de tudo isso! - dizia Sadie.

— Claro que precisa, e se você tropeçar? - questionou Bastet - E se esse treco desmontar?

— Eu estou indo devagar e eu já testei esse “treco” antes dela nascer… - respondeu Sadie.

Sadie descia as escadas com Aya dentro do bebê conforto, o cestinho de aparência extremamente confortável e segura com uma alça que deixava o bebê deitado confortavelmente. Bastet ia logo à frente, dois degraus abaixo, descendo a escada bem devagar e de costas numa posição que parecia pronta para pegar o bebê conforto ou Aya caso qualquer um dos dois caísse inesperadamente.

— Oi Aya! - disseram as aprendizes quando cruzaram com elas quando as escadas tinham acabado de terminar.

No segundo seguinte, Sadie, Aya e Bastet entravam na cozinha sendo recebidas pelo cheiro da comida recentemente preparada.

— Hum… o cheiro já tá bom, agora quero ver o gosto. - disse Sadie.

— Eu ia levar a comida lá pra você. - disse Anúbis.

— Nah, eu tava querendo esticar as pernas um pouco. - respondeu Sadie botando o bebê conforto sobre a mesa e imediatamente Néftis e Ísis se aproximaram para admirar Aya dentro dele.

A pequena olhou para as duas vovós com seus olhos azuis curiosos mas também preguiçosos. Um eventual bocejo provava que provavelmente estava com um pouco de sono impulsionado por uma barriguinha cheia. Vestia um pijama de peça única com estampas de ovelhinhas dançando balé que deixava para fora apenas suas pequeninas mãos. Mas, provavelmente para que ela não se arranhasse acidentalmente com as próprias unhas, pequenas luvinhas lilazes redondas e que pareciam um pouco grandes demais para ela protegiam as delicadas mãos.

— Ai ... às vezes sinto falta de quando você e Hórus eram pequeninos assim… - disse Ísis olhando rapidamente para Anúbis mas logo focando todo seu olhar para Aya - Davam menos trabalho.

Sadie mal conseguiu segurar a risada de pensar que um bebê recém nascido totalmente dependente de alguém pra tudo dava menos trabalho. Ignorando o comentário de Ísis, Anúbis chegou perto de Sadie passando a mão delicadamente pela cintura dela, consequentemente a deixando vermelha e fazendo-a abrir um sorriso bobo.

— Vá comer. Eu fico com ela. - incentivou Anúbis.

Respondendo à oferta de almoço com um selinho rápido, Sadie seguiu as vontade de seu estômago vazio e foi logo pegar um prato para poder comer. Enquanto isso, Anúbis voltava sua atenção totalmente para Aya. Um sorriso doce nasceu no rosto dele ao ver a garotinha, mexendo os bracinhos e as perninhas levemente, olhando para ele como se tentasse entender qualquer coisa ao seu redor. Como se num transe, Anúbis não resistiu a acariciar gentilmente a cabeça dela.

— Bastet, você ainda não pegou ela no colo… - disse Sadie enquanto fazia o prato.

— Não não não. Deixe isso para depois. - pediu Bastet - Vou acabar demonstrando ela toda.

— Também não é assim… - disse Ísis - É uma garotinha forte, tenho certeza.

— Mas ainda é um recém nascido de qualquer jeito. - insistia Bastet.

— Quanto mais tempo ela demorar para querer te pegar no colo, melhor né, Aya? - perguntou Anúbis olhando para a menina segurando delicadamente um dos pézinhos dela falando com ela como se ela entendesse tudo - Você fica com menos cheiro de gato.

— Olha aqui… - reclamou Bastet virando-se para ele imediatamente.

Sadie revirou o olhar já acostumada à os dois brigando, literalmente, com trocadilhos e tudo, como cão e gato. Era um “normal” para a vida dela que certamente era muito diferente do “normal” de qualquer outro cidadão londrino. Mas, por enquanto, mesmo que fosse numa cozinha com três deusas egípcias presentes, uma maga, um ex-deus e uma recém nascida, o foco foi um bom almoço. Assim, depois que Anúbis e Sadie estavam de barriga cheia, a fralda de Aya foi trocada e eles foram para o quarto novamente, não para dormir, mas sim para fazer o tal feitiço que poderia proteger Aya.





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