O Sangue do Mestiço escrita por Júlio Oliveira


Capítulo 4
Grupo de caça


Notas iniciais do capítulo

Curiosidade aleatória: eu não sabia como nomear este capítulo até que o nome de um álbum do Linkin Park (banda que amo) iluminou minha mente: o excelente "The Hunting Party" (recomendo, aliás). Chega de enrolação. Boa leitura o/



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A despensa da mansão de Edward Muller era farta: não faltavam bolos, bolachas, geleias e outras guloseimas. Joseph passou um bom tempo refletindo até decidir o que levaria para a mesa. Após encarar intensamente as bolachas, o homem de olhos claros não resistiu. Elas estavam vistosas e pareciam ser bem recentes. Agarrou algumas e saiu da dispensa, dando de cara com a cozinha. Ela era espaçosa, com uma grande mesa ao centro, um enorme relógio na parede e um forno grandioso. Não só isso, o ambiente também contava com um frigorífico, algo inesperado e até incomum numa ilha esquisita como aquela.

Mas Joseph ignorou toda aquela riqueza e caminhou pelo corredor em direção a sala. As paredes estavam preenchidas de quadros de diferentes artistas. Entretanto, um quadro chamava a atenção. Com a moldura banhada em ouro, o retrato mostrava a família Muller: Edward, Sarah (sua esposa) e Jessica. A menina deveria ter uns 12 anos na época da fotografia. Os três sorriam com grande sinceridade e até mesmo o sempre carrancudo Edward parecia genuinamente feliz. “O que o mundo não faz com os homens?”, pensou Joseph enquanto observava pelo retrato.

Na sala, Muralha aguardava sentado numa confortável poltrona enquanto mordia uma grande maçã.

— Acho que ele não virá mais — disse Joseph enquanto se sentava na mesa ao lado e começava a comer suas bolachas.

— Ele quem? — Muralha se levantou da poltrona, deixando evidente sua grande estatura. — O tal do Chico?

— Rico, na verdade. É um novato. Mora nesse fim de mundo já faz um bom tempo. Creio que tenha cansado de pescar e resolveu arrumar um trabalho de verdade.

Os dois homens gargalharam em uníssono. Só pararam quando Muralha falou:

— Mas falando sério, qual foi a última vez que trabalhamos de verdade? Não acontece absolutamente nada aqui. Confesso que sinto tédio.

Joseph sorriu enquanto ofereceu uma das bolachas para seu colega, que logo recusou a gentileza.

— Antes o tédio que a emoção de uma guerra, meu amigo. Viu como ficou a Europa? — Joseph falou com seriedade.

Muralha não disse mais nada, apenas continuou a se deliciar com sua maçã. Entretanto, aquele silêncio logo foi interrompido com o bater da porta. Joseph se levantou aborrecido enquanto murmurava:

— Deve ser o bendito novato.

Foi até a porta e abriu para a entrada do terceiro homem que deveria trabalhar pela segurança de Edward Muller. Do lado de fora, um tipo estranho: ele era meio acinzentado, cheirava a terra molhada e seus dentes eram tão amarelos que causavam repulsa. Além disso, ele era de uma estatura incomumente baixa.

— Rico? — Joseph questionou com certo espanto.

— Exatamente! — Respondeu o pequeno homem.

O abrir da boca de Rico fez com que escapasse severos odores de sua boca, chegando a causar um certo enjoo no pobre Joseph. Apesar disso, ele não tinha outra opção: aquele era o homem que trabalharia consigo e Muralha. E a descrição batia com o que diziam: estranho e repulsivo. Era até difícil acreditar que aquela criatura era casada e tinha dois filhos.

Rico logo estranhou ao pisar no fino tapete de entrada. Era vermelho com bordas douradas, além de guiar o olhar para o piso calculadamente bem cuidado e, por consequência, para todo o resto da casa. O lugar era fantástico e o pequeno homem não conseguia em momento algum esconder sua admiração.

— Eu já achava essa casa bonita por fora — ele disse. — Mas por dentro ela é muito mais impressionante!

Joseph ainda estava tentando conter sua repulsa quase que automática em relação a aquele homem. Ele não costumava ser mal educado com ninguém, sendo até difícil acreditar que alguém assim poderia trabalhar para o poderoso Edward Muller. Pelo contrário, Joseph era belo, tinha um jeito sedutor e um cabelo de dar inveja até mesmo às belas mulheres. Ainda assim, fazia o trabalho pesado para Edward e sempre carregava uma arma consigo.

Andando lentamente pela mansão e admirando cada detalhe, não tardou para que o estranho Rico se deparasse com o colossal Muralha. O pequeno homem engoliu em seco e, dentro da sua cabeça, agradeceu pelo fato daquele ser um colega de trabalho, não um adversário ou concorrente.

— Prazer, Rico! — O estranho homem tentou ser simpático, mas obteve uma resposta vazia do grande homem.

Joseph, observando a cena com pena, fez um esforço para ajudar Rico.

— Eu me chamo Joseph — disse o homem de olhos claros. — O grandão aí se chama Muralha. Quero dizer, o nome real dele é bem mais complicado. Então é isso mesmo: Muralha. Preciso explicar o motivo?

— Acho que é bem evidente — disse Rico enquanto forçava uma risada numa tentativa desesperada de se enturmar com aqueles homens, tentativa essa que obviamente foi completamente frustrada.

— Você quer comer algo? Parece que o Edward vai demorar ainda — explicou Joseph.

— Não precisa, obrigado.

Rico então retirou do bolso um pacote com fumo e outros utensílios para a preparação de um cigarro. Entretanto, no meio do preparo, ele foi interrompido pela forte voz do Muralha.

— É melhor parar. O chefe odeia o cheiro dessa porcaria — disse o homem com firmeza.

— Mas eu só vou fumar um pouquinho — tentou justificar Rico.

— Apenas pare.

Muralha não precisou argumentar muito para convencer o estranho homem a parar. A voz daquele barbudo gigante era suficientemente intimidadora por si só. Somando então a aparência do homem, poucas seriam as pessoas que iriam contra qualquer ordem que ele desse. Rico guardou o fumo no seu pequeno bolso e resolveu fechar a boca pela sua própria segurança. Joseph acompanhou toda cena de longe. O homem de olhos claros achava toda aquela situação engraçada, mas também sentia certa pena do novato. “Cedo ou tarde ele aprende”, pensou.

Ele deveria aprender cedo. Das escadas, os sons dos passos de Edward Muller começaram a ecoar. Muralha e Joseph logo ficaram de pé enquanto aguardavam o chefe. Rico demorou um pouco para entender a mensagem, mas logo se colocou na mesma postura do resto do grupo. Cruzando os últimos degraus, o poderoso homem de barba tão branca quanto sua camisa ajeitava seu chapéu na cabeça enquanto ensaiava mais uma de suas expressões de raiva. Ser rabugento era algo que fazia parte da vida de Edward havia anos, principalmente após a morte de sua esposa. Era quase que uma necessidade.

Finalmente pisando no mesmo chão que aqueles trabalhadores, Edward Muller se pronunciou:

— Bom ver todos aqui conforme o combinado — sua voz trazia uma grande melancolia, seu olhar era triste, mas suas sobrancelhas arqueadas traziam a raiva que existia dentro dele.

Rico deu um passo a frente e estendeu a mão para cumprimentar Edward, tendo como resposta um olhar impaciente e os dizeres:

— Não preciso de homens polidos. Homens desse tipo podem até agradar as moças, os jornais e as crianças. Eu preciso de homens de ação. Quero resultados. Então, Rico? Você me trará resultados?

Rico não esperava ouvir aquela resposta. Acreditava que teria um tratamento suave advindo de Edward, o que era um terrível engano. Entretanto, o estranho homem tinha facilidade para se adaptar às novas condições que lhe eram impostas. Ele então recolheu a mão, acenou com a cabeça positivamente e disse:

— Sim, senhor!

Aquilo bastou para Edward: sua mensagem havia sido passada com clareza para o novato. O mesmo não precisava ser feito com os outros dois homens que trabalhavam ali: já estavam acostumados com aquele tratamento e sabiam bem que resultados eram mais importante que qualquer boa aparência.

— Sentem-se, por favor — disse Edward agora com uma expressão levemente mais gentil.

O velho foi então à cozinha e retornou a passos lentos enquanto bebia algum tipo de chá com um aroma bastante suave. Os três homens já haviam se sentado e estavam apenas aguardando as orientações do chefe. Edward se sentou na poltrona ali perto e, após encarar por alguns segundos mais um dos quadros com retratos de sua família, começou a falar:

— Vocês sabem bem o que aconteceu. Tomaram a minha filha de mim. Malditos selvagens! Vocês chegaram a ver o corpo? Não lhe deram nem ao menos o respeito de uma morte humana. Aquelas bestas indomáveis roubaram a última coisa boa que havia restado de mim — Edward parou brevemente de falar enquanto lágrimas desciam pelo seu rosto. — Vocês sabem muito bem o que quero. Investiguem as redondezas, principalmente aquela faixa entre a vila e a maldita tribo. Tragam qualquer suspeito. Qualquer conversa estranha, comportamento, tudo. Todos são inimigos nesse momento. E eu realmente quero olhar nos olhos de quem fez isso e entregar a justiça que apenas um pai pode fazer por sua filha.

Rico engoliu em seco. Joseph e Muralha já esperavam algo do tipo, acenando ao fim do discurso com a cabeça e andando até seus quartos naquela mansão. Ainda de pé de frente para seu chefe, Rico arriscou uma pergunta, ainda que sua voz tremesse com a insegurança:

— Você suspeita de alguém, senhor?

Ainda com lágrimas nos olhos, mas com ódio em sua expressão, Edward Muller respondeu:

— Não tenho nomes, mas tenho certeza que foi um índio. Sim, com certeza foi um selvagem!

E, ouvindo isso, Rico acompanhou os outros dois homens para conseguir sua arma. Aquele dia seria longo e prometia ser um dos últimos para alguém. A questão era: quem?

Mas o estranho homem não esperava que um dos principais suspeitos estivesse tão próximo e pior: que não fosse, afinal, um dito selvagem. Richard Olsen estava em mais um dia de inspiração. Após bisbilhotar aquele terrível necrotério, o jovem agora pintava vorazmente. Mais uma vez, o quadro estava ficando terrivelmente belo. A morte era como um combustível para a veia criativa daquele garoto. Mas infelizmente para ele, aquele momento de inspiração estava prestes a ser interrompido.

Do lado de fora do quarto, Richard escutou algo que parecia ser uma discussão entre sua mãe, Margaret, e uma voz masculina. O garoto ficou atento, parando seus trabalhos artísticos por um momento. Entretanto, as vozes foram aumentando sua intensidade e o garoto andou até a porta para tentar escutar com clareza o que era dito. “Senhora Olsen, isso foi deixado... Claramente temos um...”. Pouco foi o que Richard conseguiu entender com clareza. Mas logo seu coração começou a bater mais rápido. O que poderia estar acontecendo? A voz da sua mãe estava apressada, nervosa e ainda estava trêmula como nunca antes. Quando o garoto fez menção de abrir a porta para auxiliar a mãe naquele misterioso debate, o seu quarto foi invadido pelo homem que discutia com ela.

Arnold, o nojento xerife da cidade, estava ali. Richard fez uma expressão de surpresa, mas tal reação não foi maior que a do xerife. Os olhos do homem logo se direcionaram para as macabras pinturas ali expostas. Era assustador. Os detalhes, o realismo, cada traço feito com perfeição. E o pior: ali estava um retrato de Jessica Muller morta. No fundo de sua alma, Arnold sentiu medo. Mas também teve uma certeza: Richard definitivamente não era normal. Não era um homem civilizado e, dessa forma, poderia muito bem ser o autor de tamanha bestialidade. O fato dele ter invadido o necrotério tornava-o ainda mais suspeito.

— Deus do céu, eu achava você estranho, mas isso é completamente surreal — disse o xerife com certo peso em sua voz.

Apresentando as algemas e com um olhar raivoso, Arnold disse:

— Vamos, garoto. Não complique as coisas. Não me obrigue a fazer contigo tudo que quero.

O xerife sentia uma grande vontade de acabar com a vida de Richard ali mesmo. Mesmo sendo um detestável homem, até mesmo ele conhecia Jessica Muller como uma boa garota e de amabilidade inquestionável. Enquanto isso, Margaret gritava com o homem:

— Meu filho jamais faria uma coisa dessas! Ele é só um pintor!

— Isso não é arte, é doença — Arnold respondeu com desdém.

Richard encarava tudo com uma reação de estranheza. Aquela situação parecia ser irreal. Nunca passara pela cabeça do garoto matar ninguém. Sim, ele se deleitava com a morte e fazia dela um meio de se expressar. Mas em nenhum momento ele se enxergava como um assassino. Com calma, ele disse:

— Mas eu não matei Jessica Muller, xerife.

Arnold riu jocosamente dos dizeres do garoto, segurando logo em seguida os pulsos do garoto e colocando as algemas.

— Vamos ver o que Edward Muller vai achar disso — disse o xerife.

Margaret começou a chorar enquanto Richard era levado sem reagir. Arnold não deu ouvidos à mulher, deixando o lugar sem qualquer peso na consciência. Para ele, Richard era, definitivamente, o culpado. Restava ver a reação de Edward ao ver que o suposto assassino de sua filha não era um selvagem, mas um homem “civilizado” como qualquer outro da vila.

Lá fora, a noite se apressava a chegar. Patwin sabia que em breve se encontraria mais uma vez com o nativo Adaky. O mestiço ainda se assustava com o fato de que aquele encontro poderia marcar finalmente a possibilidade de sua visita a tribo. Ele não esperava que fosse conseguir aquilo tão cedo. Como reagiriam a ele? Pat sabia que não era totalmente nativo. Ainda que majoritariamente seus traços físicos fossem compatíveis com os membros da tribo, o homem tinha traços culturais que não podiam ser escondidos. Seria impossível não demonstrar surpresa, medo ou mesmo nojo das coisas que poderia encontrar na tribo. Mas Patwin já havia chegado longe demais e não iria desistir no meio do caminho. Após se despedir rapidamente de seu parceiro David, o mestiço seguiu seu caminho rumo à floresta.

Apesar de já ter feito aquele caminho outras vezes, a escuridão ainda assustava o jornalista. O homem civilizado perdeu o costume de atravessar a escuridão. Patwin lembrou de Nova York e suas inapagáveis luzes. Agora, apenas as estrelas o acompanhavam em sua jornada. Além disso, o barulho dos animais, o vento gélido que atravessava sua alma e uma incômoda dor em suas pernas fazia o mestiço andar ainda mais lentamente. Ainda assim, ele finalmente havia chegado ao lugar combinado. Entretanto, ele ainda se encontrava solitário em meio a escuridão.

Pensamentos negativos começaram a circular pela mente de Pat. “Será que não aceitaram a proposta de Adaky? E se ninguém aparecer aqui?”, pensou o jornalista. O frio se tornava mais intenso conforme os minutos passavam e o mestiço se assustou ao ver o que ele suspeitava ser uma cobra. O medo aumentou sua intensidade após ele perder o animal de vista. Tentando fugir daquela sensação angustiante, Patwin se encostou na árvore mais próxima e começou a encarar o céu. A vista era incrível. Havia um verdadeiro tapete de luz em meio ao azul escuro lá de cima. Era uma visão única, linda e assustadora ao mesmo tempo. Lembrava Patwin um pouco de sua pequenez enquanto homem, algo que era completamente esquecido na cidade grande. Lá, o céu era quase vazio e as maiores obras eram os prédios, todos eles feitos por mãos humanas. Mas o céu e as estrelas? Aquelas eram coisas que fugiam de qualquer controle humano.

Aceitando sua pequenez e a pouca diferença que fazia dentro daquele contexto, Patwin pôde relaxar. Finalmente encostou a cabeça na árvore e fechou os olhos. O ar gélido se tornou refrescante e aos poucos os sons de assustadores animais que nunca apareciam se tornou ausente. Mas aquele momento de pura paz e contemplação logo foi interrompido, ainda que’ por um bom motivo: Adaky havia chegado.

— Patwin — chamou o nativo.

Ele não andava sozinho. Um índio mais velho acompanhava o mais jovem. As vestimentas eram as mesmas, a pintura azul era semelhante e o próprio andar se assemelhava. O mestiço abriu os olhos e se assustou com a imagem da dupla, mas logo se acalmou. Apesar do mais velho estar andando com um arco e algumas flechas, ele não parecia disposto a usar tal armamento.

— Adaky — Patwin respondeu lentamente enquanto se levantava.

Adaky sorriu genuinamente enquanto a companhia ao seu lado observava a cena. Ele olhou para cada detalhe físico de Patwin, ficando mais tranquilo ao visualizar a coloração da pele e os olhos puxados do mestiço.

— Este ao meu lado se chama Wohali — disse Adaky em inglês.

Patwin estendeu a mão em direção ao mais velho. O nativo olhou para Adaky, que acenou afirmativamente com a cebeça. Após isso, Wohali estendeu a mão igualmente e cumprimentou o mestiço.

— Ele fala inglês? — Patwin questionou.

— Um pouco — Wohali se antecipou. — Os anos ao lado da vila me obrigaram.

O inglês dele definitivamente não era um dos melhores, mas era compreensível. Patwin se alegrou ao ver que comunicação não seria um problema com aqueles nativos.

— Qual o seu sangue? — Wohali questionou.

Patwin demorou um pouco para entender aquele questionamento, mas logo respondeu.

— Meu pai se chamava Manteo. Ele se casou com uma branca, então a verdade é que sou um mestiço. Mas o interessante é que ele me contava histórias, muitas histórias. Falava de lendas, caças que ele fez em grupo, entre outros. Entretanto ele também disse que a sua tribo havia se separado por problemas envolvendo a liderança. Ele acabou partindo e foi aí que conheceu minha mãe — Patwin explicou enquanto puxava da memória aquelas informações. — Acontece que ele morreu recentemente. Ele já não era mais um jovem, sabe? Mas antes de partir, ele me fez um pedido: conhecer mais da cultura de tribos como a dele. Ele disse que Roanoke seria um bom lugar para começar essa busca. Sabe, eu nunca valorizei muito tudo isso quando era mais jovem. Mas não podia recusar um pedido do meu pai em seu leito de morte.

Patwin quase se emocionou enquanto contava sua história. Ele havia sido completamente sincero, algo que ele mesmo estranhou. Não era normal ter tamanha franqueza com quase que completos desconhecidos. Mas, por algum motivo, Pat se sentia confortável com aqueles dois nativos. Wohali reagiu com certa estranheza. Vendo a reação do mais velho, Adaky repetiu alguma das frases de Patwin no dialeto da tribo. Após ouvir a história com mais clareza, o índio mais velho deu um sincero sorriso e colocou com carinho a mão sobre o ombro do mestiço.

— É bom ter mais um entre nós — disse Wohali no dialeto próprio.

Patwin não entendeu o que aquelas palavras queriam dizer. Seu conhecimento do dialeto era muito básico. Entretanto, a expressão facial do nativo e o tom da sua voz entregaram que aquela era uma resposta positiva. Patwin sorriu de volta e fez o esperado questionamento:

— Poderei visitar a tribo?

A resposta, no entanto, não foi dada. O trio ouviu uma movimentação próxima e aquilo assustou aos três. Eram passos pesados e indiscretos, além de algo que parecia ser um cochichar. Wohali logo sacou seu arco e uma flecha. Não iria dar sopa para o azar e qualquer segundo poderia ser precioso dali em diante. E então eles viram do que se tratava: Muralha, Joseph e Rico. Os três homens andavam armados e aquilo logo gerou uma tensão no ar.

Mas para o azar do mestiço e dos dois nativos, eles também foram notados pelo trio armado. Joseph se virou com agilidade e, apontando sua arma para Wohali, ordenou:

— Parados!

O coração de Patwin começou a bater em alta velocidade. Os dias estavam tensos desde sua chegada na ilha e aquele momento era simplesmente assustador. Wohali apontava seu arco sem sequer tremer para Joseph. Enquanto isso, um assustado Adaky recuava enquanto Muralha e Rico também levantavam suas armas de forma ameaçadora.

— O que estão fazendo aqui? — Joseph questionou.

Apesar do frio, toda aquela situação gerou grande ansiedade em Pat, fazendo-o suar de maneira notável. O jornalista tentou intervir da maneira que acreditava ser correta. Lentamente ele se posicionou entre o arco de Wohali e a arma de Joseph. Suas mãos para o alto, deixando claro que não tinha a intenção de atacar ninguém. Estando posicionado onde queria, o mestiço começou a falar com a voz trêmula:

— Estamos apenas conversando. Apenas isso!

Muralha ouviu aquela frase com desdém e disse:

— Um mestiço e dois índios se encontrando? Isso parece bem óbvio para mim: são os assassinos da Jessica.

O grande homem destravou sua arma, aumentando ainda mais a tensão do local. Wohali tencionou ainda mais seu arco, de maneira que sua mão começou a tremer. Ao mesmo tempo, Rico estava nervoso. Aquele era seu primeiro dia de trabalho e tudo estava saindo de maneira diferente do que ele imaginava que seria. Suas mãos tremiam perigosamente.

— Abaixe o maldito arco! — Joseph ordenou.

Entretanto, Wohali não reagiu. Ele havia entendido bem aquelas palavras. No entanto, não seria digno baixar a cabeça para aqueles homens infernais. Wohali poderia não ser mais um jovem, mas tinha sangue de guerreiro. Não aceitaria ordens de qualquer um que não fosse de sua tribo. Dessa maneira, seu arco permaneceu erguido.

— Eu disse para abaixar a droga do arco, selvagem! — A voz de Joseph agora soava muito mais ameaçadora que antes.

— Não precisamos... — Patwin estava dizendo, mas foi interrompido.

Sem qualquer aviso, Muralha disparou contra Wohali. O tiro o atingiu em cheio, fazendo o nativo cair, mas não sem antes sua flecha ser disparada. Percorrendo um caminho errático, ela acabou penetrando a coxa de Rico. Em um ato de coragem e estupidez, Patwin se colocou na frente de Adaky e suplicou:

— Parem! Acabou! Acabou!

Muralha dava um leve sorriso enquanto Joseph o encarava com um olhar de reprovação. Rico gritava de dor, mas não se tratava de uma dor de intensidade absurda. O estranho homem conseguiria suportar. Enquanto isso, Adaky se prostrou diante do corpo de Wohali. O corpo do mais velho já estava sem vida. Foi um tiro certeiro em seu peito e havia sangue em abundância. O jovem não conteve a tristeza e começou a chorar. Já era a segunda morte de alguém querido em poucos dias. Ele não podia suportar isso.

— O que vocês fizeram? — Patwin ensaiava uma expressão de raiva, mas o medo bloqueava tal manifestação.

— Só nosso trabalho — disse Muralha enquanto acertava um golpe na cabeça do mestiço.

O jornalista caiu no chão sem reação. Ele sabia que não havia como fugir. Se mantendo deitado, ele logo sentiu suas mãos sendo amarradas, enquanto Adaky aceitava o mesmo destino sem reagir. Sendo levantado a força e conduzido por aqueles homens, Patwin olhou mais uma vez para trás, encarando assim o corpo de Wohali. “Morte e desgraça? Foi isso que vim encontrar aqui?”, pensou o mestiço. Mal sabia ele que aquilo era apenas o princípio.


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Notas finais do capítulo

Muito obrigado por ter lido até aqui. Os problemas estão só começando para nossos personagens. Até o próximo capítulo =D



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