O Sangue do Mestiço escrita por Júlio Oliveira


Capítulo 3
Primeiro contato




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Ilha de Roanoke, atual Carolina do Norte. Aqui um mistério se iniciou e prospera até os dias hodiernos. Durante a colonização das américas, um grupo de colonos se instalou nessas terras por volta do ano de 1585. Entretanto, o que ocorreu anos depois foi inimaginável. Não havia sangue, sinais de fuga ou qualquer outra pista: os colonos haviam simplesmente desaparecido. Existem dezenas de teorias, algumas falando de massacres, outras de simples fuga ou mesmo mistura com os povos nativos. Entretanto, a verdade em si nunca foi revelada. A reportagem que você lerá a seguir nasceu de uma pesquisa minuciosa somada a incontáveis conversas com moradores e nativos da região. Prepare-se para conhecer Roanoke e seus mistérios a partir de uma ótica nunca antes vista”.

Esse foi o texto que David havia acabado de escrever. O garoto olhou para aquela introdução ainda sem muita satisfação com o resultado. Pegou o lápis para escrever algo a mais, mas logo largou o objeto em cima da pequena mesa do quarto. Definitivamente ele não estava inspirado aquele dia. Olhando pela pequena janela, o garoto via a bela manhã que se estendia ali fora enquanto ele se encontrava preso naquele quarto. “Preso por escolha própria”, ele refletiu. Logo o garoto se lembrou do discurso que fizera horas atrás para Patwin, dizendo para o homem que eles deveriam focar no trabalho e avançar com os textos e entrevistas. Agora ele mesmo se via entediado com aquilo. Ah, jovens e sua volatilidade.

Ele esfregou seus cabelos dourados e pegou mais uma vez o livro “Lendas da América”. Entretanto, mal aguentou olhar para a capa dessa vez. Lera tantas vezes o livro que enjoara até dos pequenos detalhes. É, talvez Pat estivesse certo. Talvez não devessem ir com tanto afinco em busca daquele objetivo traçado. Talvez devessem aproveitar um pouquinho a jornada. Mas como aproveitar algo naquela pequena vila? Não havia absolutamente nada que atraísse o jovem. Ele respirou fundo enquanto pensava no que podia fazer. Definitivamente queria fugir dali, mas não sairia do lugar enquanto não fizesse o trabalho, ao mesmo tempo em que não tinha inspiração nenhuma para compor aquele texto. Mas havia algo que ele podia fazer.

Lembrando-se da conversa que o padre Marcus tivera com ele e com Patwin, o garoto visualizou o momento em que o careca falou das suspeitas que as pessoas levantaram acerca dos nativos da região. E então David retornou em sua memória informações somadas de seus livros e pesquisas. Conforme o próprio padre havia dito, os nativos da região se relacionavam bem com os moradores da vila. Agora o clima esquentaria e isso combinava com o que houve no passado durante toda a colonização americana. Talvez todo esse crime poderia servir como uma ligação referente ao contexto histórico, e isso certamente traria inspiração para o autor e faria o texto ter um peso e valor mais elevados.

Era isso! Olhando mais uma vez para a janela, David começou a investigar as estruturas visíveis. Pequenas casinhas, o bar e então uma espécie de cubo feito de madeira escuro e pouco convidativo. Era uma estrutura maior que as casinhas, ainda que fosse menor que o bar. A chama da curiosidade acendeu dentro do garoto e ele sabia bem que, independente do caminho que seguisse, alguma informação valiosa ele conseguiria. O garoto então agarrou seu bloco de notas, seu lápis e desceu para o térreo, saindo da estalagem logo em seguida.

Do lado de fora, logo olhou para aquele cubo de madeira, uma estrutura feia e até mesmo um pouco assustadora. As paredes cegas, a não ser por uma pequena porta de entrada. O garoto se aproximou e bateu na porta. Ouviu então um arrastar de cadeira até a porta ser aberta por um homem gordo e de má vontade. Era o tal do xerife Arnold. Ele vestia um traje típico de policial, apesar de claramente a roupa não ser a mais adequada para seu tamanho.

— O que você quer? — O homem perguntou.

— Será que podemos conversar? — David perguntou com estranheza.

O garoto estava assustado. Aquele não era o ambiente no qual ele estava acostumado. Além disso, o comportamento do xerife não combinava nem um pouco com a função que ele deveria exercer. Entretanto, o homem abriu a porta e permitiu a entrada do pequeno jornalista.

Lá dentro, o garoto se assombrou com a desarrumação. Havia uma pequena mesa com uma pilha de papeis e uma garrafa de bebida ao centro, um revólver pendurado na parede, dois pares de cadeiras e um corredor com algumas celas, todas elas vazias. “Isso é mesmo uma delegacia? Que lugar desprezível”, ele pensou.

— Lugar adorável, xerife — ironizou David.

— Vamos, garoto — falou Arnold com irritação enquanto se sentava em sua cadeira de madeira quase apodrecida. — Diga-me o que você quer.

O garoto sentou-se na cadeira que aparentava estar em melhor estado. Ele então começou:

— Eu trabalho para um jornal e gostaria de fazer algumas perguntas. Envolve Jessica Muller.

— Mais disso não! — O xerife bateu na mesa com força, de forma que alguns papéis caíram no chão. — Estou cansado dessa garota.

— Deve ser muita pressão — disse David enquanto discretamente furtava um dos papeis que havia caído e devolvia os outros. — A filha do chefe...

— Pior que isso é ter que aguentar jornalista querendo bisbilhotar o meu trabalho!

A grosseria na voz de Arnold assombrou David. Ele se sentiu inseguro, como se algo dentro dele dissesse que o xerife tinha um caráter muito questionável. Não se tratava de álcool ou relações extraconjugais. Na verdade, David temia mesmo era por sua integridade física. Ainda assim, ele insistiu:

— Mas não há nada que o senhor possa dizer?

Arnold olhou com fúria para o garoto e logo respondeu:

— Tudo que posso responder é que o caso está sendo investigado. Agora se não tem nada de útil para dizer ou uma denúncia para fazer, recomendo que dê o fora daqui!

Sem dizer mais uma palavra sequer, David se levantou e saiu daquela odiosa delegacia. Delegacia? Aquele lugar estava mais para um chiqueiro, um antro de podridão e total falta de cuidado. O garoto não duvidava nada que o xerife levasse concubinas para aquele detestável lugar. Mas aquilo não importava mais, pois ele estava fora dali. Finalmente respirando um ar puro, David olhou para trás e, ao ver que ninguém o observava, puxou o papel que havia furtado de Arnold.

Isso não pode ser tolerado, Arnold. Eu suspeito daqueles desgraçados da tribo. Caso você encontre qualquer suspeito, quero que você o prenda e leve-o até minha casa. Quero olhar nos olhos desse desgraçado e fazer justiça com minhas próprias mãos. É a minha filha! Também irei providenciar buscas pelos arredores. Essa besta não sairá impune”.

Assim dizia o papel que David havia furtado. Além disso, fazia-se presente a assinatura com o nome “Edward Muller”. “Então esse homem é mesmo poderoso, hein?”, pensou o garoto enquanto relia com interesse a carta. Aquilo ainda traria muitos problemas para toda a ilha, David previu.

Enquanto isso, não muito longe dali um obcecado Richard Olsen caminhava pela pequena rua da vila. Seus passos eram pesados e suas mãos tremiam enquanto carregavam o lápis gasto e o caderno com algumas folhas soltas. O garoto acordara aquela manhã observando o quadro mórbido que fizera durante a noite e madrugada, mas agora precisava de mais. Era como se um demônio artístico falasse em seu ouvido, uma voz lenta e rouca que ansiava por mais. E Richard sempre cumpria seus desejos sem questionar, até porque os desejos do demônio eram também os seus desejos.

Ao lado da terrível delegacia, o jovem sabia que existia um casebre que servia de apoio. Lá eram guardadas provas de crimes e havia ainda um espaço para cadáveres. Ainda assim, as condições eram demasiadamente precárias para chamar o espaço de necrotério. Inclusive, o casebre estava praticamente entrando em desuso, tendo em vista que não havia ocorrido crime violento algum na cidade nos últimos anos. Mas na noite passada aquilo havia mudado.

Andando despretensiosamente, o garoto foi até a porta e girou a maçaneta já meio frouxa. Entretanto, o lugar estava trancado. “Lógico que não seria fácil assim”, pensou o artista. Ele então deu a volta, contornando paredes cegas até chegar a parte traseira da edificação. Lá havia uma pequena janela de madeira danificada. O garoto olhou pelas pequenas fissuras e não conseguiu enxergar ninguém dentro do lugar. Ele então juntou alguns de seus lápis e os utilizou como alavanca para forçar a abertura da janela. Foi uma tarefa simples e rápida, logo em seguida estando ele dentro do local de desejo.

Internamente o local estava bem conservado, ao contrário do que sua aparência externa levava a crer. Richard se encontrava numa pequena sala com uma mesa, cadeira e algumas cadernetas. O local era provavelmente usado para registrar o inventário de provas, informações sobre os cadáveres e outros dados. O garoto se assombrou pela facilidade de invadir aquele lugar. “Cidadezinha medíocre”, pensou. Richard abriu a porta e saiu da sala, se deparando logo em seguida com um curto corredor e duas portas, cada uma de um lado. Sentindo um odor desagradável, o artista girou a maçaneta da porta localizada a sua esquerda. Entrando no local, Richard pôde visualizar o corpo sem vida e beleza de Jessica Muller em cima de uma bancada. O cadáver já estava frio e fora limpo recentemente. Ainda assim, não deixava de ser uma cena digna de filmes de terror, e isso agradava ao jovem.

Encarando o corpo dos pés a cabeça, Richard puxou seu caderno e o colocou em cima de uma mesinha ao lado da bancada. Junto com o caderno, jogou seus lápis e uma borracha. Agora o jovem observava as mãos, os pés e as orelhas da jovem. Era incrível como toda a beleza do mundo podia se esvair com a morte. Richard se lembrava bem de Jessica semanas atrás: uma garota extremamente linda. Seus cabelos negros eram longos e brilhavam, seus olhos castanhos eram como duas luas sombrias e sua boca tinha uma beleza singular. A voz dela era delicada e inspirava paz. Não que Richard fosse apaixonado por ela, mas ela certamente não seria uma má opção para se passar um tempo junto. Mas o lado doentio do jovem falava mais alto, e agora ele já corria para seu caderno para então desenhar os detalhes daquele corpo desfigurado.

Agora era diferente: o corpo recebera um tratamento relativamente decente. Já era uma nova imagem mórbida para Richard se deliciar. Seus dedos começaram a traçar as formas que, aos poucos, formavam um todo de horror e beleza. Eram, na verdade, excelentes desenhos. O garoto tinha técnica, talento, prática e realmente se esforçava. A verdade é que ele era um amante das artes desde criança. Sua mãe, Margaret, sempre o incentivara importando telas, tintas e pincéis variados. Não era algo que se conseguia comprar na própria ilha e o custo de importação não era baixo. Por sorte a estalagem lucrava com as refeições e com turistas desavisados que por algum motivo iam parar naquela ilha sem graça.

De fato, Richard tinha talento para decolar como um artista de sucesso. Entretanto, era um erro manter tantas obras brilhantes em seu quarto, longe da luz e da visão das pessoas. O garoto acreditava que não compreenderiam sua arte, o que podia ser bem verdade em alguns casos, como no quadro de Jessica Muller morta. Mas ele também tinha obras explorando a beleza natural das coisas. Árvores, animais, a própria vila. Mas toda aquela arte nunca encontrava o mundo exterior, mantendo-se presa no quarto e na cabeça do artista, de maneira que ele quase explodia. E foi no sangue, nessa arte proibida, que Richard conseguiu encontrar a sua forma de se soltar, de alimentar o demônio que habitava sua cabeça. Era o segredinho dele consigo mesmo, o tipo de obra que conseguia admirar sem se sentir enjoado pela repetição.

Porém, em meio a rabiscos intermináveis, Richard ouviu o som da porta de fora ser destrancada. Desesperado e sabendo do crime que estava cometendo ao invadir o local, o garoto agarrou suas coisas e saiu correndo, fugindo da mesma maneira que entrou. A médica que adentrou o local não teve tempo de ver o invasor. Ainda assim, Richard cometeu um grave erro: em sua fuga desesperada, deixou que uma das suas folhas soltas do caderno caísse e ficasse na mesma sala em que estava o corpo de Jessica Muller. A folha contava com um pequeno desenho que ele fez de sua mãe, tendo ainda a assinatura do garoto.

Mas Richard não era o único a se aproximar de alguma maneira de Jessica (ou do corpo dela). Ainda refletindo sobre os últimos acontecimentos e as últimas lembranças, Patwin caminhava rumo ao lugar onde teve a tenebrosa imagem da moça morta na noite anterior. O jornalista ainda sentia medo e o pobre coitado conseguia enxergar vultos de Jessica Muller em qualquer sombra que se mexesse. Avançando pela floresta, ainda protegido pela luz do sol, ele respirou fundo e deu seus passos rumo ao desconhecido. “O que de errado pode acontecer?”, ele pensou.

Com o sol auxiliando sua visão, a densa floresta parecia muito menos assustadora. Ainda que as árvores bloqueassem parte da luz, tudo era suficientemente visível e Pat não foi surpreendido por nenhum animal durante toda sua caminhada. Mas ainda assim ele continuava a pensar se aquela era a coisa certa a fazer. O que diabos ele queria encontrar voltando ao lugar onde o corpo de Jessica fora encontrado? Ainda que não soubesse como responder essa pergunta, o jornalista continuava perseverante e a cada passo ele ganhava um pouco mais de coragem. A memória do seu pai também o auxiliava enormemente, de maneira que ele sequer olhava para trás.

Após um tempo andando na mesma direção, ele finalmente reencontrou o local. Primeiramente viu a árvore que inicialmente havia bloqueado a sua visão daquele horror da noite passada. Chegando mais perto, viu agora que não havia corpo algum. Qualquer resquício que poderia ter existido já havia sido retirado. Ainda assim, um sentimento de angústia e preocupação atravessou o corpo de Patwin ao se lembrar daquela visão. Algo dentro dele ainda queria entender quem ou o quê teria feito aquilo. Ele não esperava conhecer mais da origem do seu pai sob aquelas circunstâncias, mas o jornalista pouco podia fazer sobre isso. Tivera um tremendo azar e teria que aprender a lidar com isso.

Entretanto, em meio aos seus pensamentos, Patwin se assustou com uma movimentação brusca e um ruído a alguns metros dele. Alguém estava junto dele observando aquele mesmo lugar amaldiçoado.

— Alguém aí? — Patwin disse com insegurança.

O silêncio se fez presente. O jornalista permaneceu imóvel, tentando localizar com seus olhos a fonte daquela perturbação no ambiente. Entretanto, seja lá quem fosse, essa pessoa sabia se esconder. Entretanto, Pat soube blefar:

— Eu te vejo! Saia daí agora! — Ele ordenou.

Atrás de uma árvore um corpo começou a se mover. Ele era um pouco menor que Patwin, trajava muito menos roupas que o jornalista e havia pintura pelo seu corpo. Entretanto, seu cabelo era liso como o do homem de Nova York, seus olhos eram puxados e sua pele era da cor de canela. “Um nativo!”, Pat pensou. O rosto daquele garoto estava assustado, os lábios comprimidos, olhos arregalados e o corpo pronto para fuga.

— Eu venho em paz — Patwin tentou acalmar o jovem nativo.

Entretanto, as palavras pacíficas do jornalista pouco adiantaram. O jovem ainda se mostrava temeroso, virando o corpo e se preparando para correr. Patwin então se lembrou das conversas que tivera com pai na infância. Seu pai, como um nativo americano, ensinou para ele algumas palavras e termos dos dialetos dos Secotan. Com algum esforço, Patwin proferiu palavras que significavam mais ou menos isto:

— Eu sou um de vocês.

O jovem fez uma expressão de surpresa. Patwin não parecia ser um deles. Apesar da cor da sua pele, seus olhos e seu cabelo, ele se vestia como um branco comum, um homem da cidade, um colonizador ou mesmo um inglês. Ainda assim, aquelas palavras não eram comuns vindo de um forasteiro. Os homens da vila não se esforçavam para aprender nada do seu povo, não buscavam entender seu idioma, suas ideias.

— Qual o seu nome? — Patwin falou com calma, ainda que a pronúncia tenha saído com dificuldade.

Vendo a expressão pacífica daquele homem da cidade, o nativo resolveu se apresentar, ainda que mantivesse a distância de vários metros.

— Adaky — disse o nativo.

Patwin sentiu um frio atravessar sua espinha. Ele estava mesmo conseguindo se comunicar com um nativo? Durante toda sua vida, sua experiência com nativos americanos se resumia a seu pai. Aquele homem velho e tradicional, que amava sua cultura e se angustiava pelo fato do seu filho não dar o mesmo valor. Não, Pat sempre puxou mais a mãe, uma mulher da cidade. Ele conhecia os pais da sua mãe, os irmãos dela e primos distantes. O lado supostamente civilizado dele era desenvolvido, incentivado e aflorado. De selvagem, havia apenas o lado de seu pai e as histórias e lendas que ele tanto contava. Patwin nem mesmo acreditava totalmente nas coisas que o velho dizia. Cético desde a infância, ele sempre preferiu o palpável, o perceptível, o testável. Se não fosse um jornalista, certamente viraria um cientista.

— Meu nome é Patwin — disse o jornalista com alguma dificuldade.

O jornalista então faz menção de se aproximar, mas o nativo se afastou de maneira igual. Pat então continua com seu discurso lentamente:

— Meu pai era um de vocês. Secotan.

Patwin não estava mentindo. Adaky também contava com as mesmas pinturas corporais na cor azul, além do uso de penas na cabeça e o peitoral nu. Após alguns segundos de silêncio, Pat quase que se bate por ter demorado tanto para chegar a uma conclusão óbvia: Adaky poderia muito bem ser o amante de Jessica Muller.

— Jessica Muller. Conhece esse nome? — Patwin questionou.

Assim que o nome da moça foi dito, as pupilas dos olhos de Adaky se dilataram e ele se colou em uma postura menos passiva. Não estava mais interessado em fugir daquela situação, mas queria agora entender como aquele homem estranho poderia saber o nome da belíssima Jessica.

— O que você sabe dela? — Disse o nativo em um inglês compreensível.

— Sabe inglês também? — Pat questionou, surpreso.

— Responda — exigiu o garoto.

— Eu só sei o que todo mundo já sabe: ela foi morta de uma maneira terrível. Estou tentando descobrir quem causou isso. Você sabe? Aliás, o que você sabia da Jessica? Já tinha a visto?

Patwin tentou utilizar uma voz compassiva, de maneira que induzisse Adaky a revelar mais informações. E funcionou. Os olhos do jovem nativo começaram a brilhar com as lágrimas que se formaram. Era como se ele lembrasse vividamente de Jessica Muller em seus melhores momentos e sentisse demasiada falta disso tudo. Ao mesmo tempo, ele sentia como se pudesse confiar no jornalista. Ele parecia consigo mesmo, falava seu dialeto (ainda que precariamente) e não havia apontado arma alguma e nem agido com violência.

— Nós nos amávamos — Adaky falou no dialeto de sua tribo, continuando o resto da fala em inglês. — Nos encontrávamos sempre na floresta. Um dia, ela não apareceu.

Patwin conseguiu enxergar tristeza genuína no olhar daquele jovem. O nativo chegou a deixar cair algumas lágrimas, ao mesmo tempo em que o jornalista demonstrava compaixão por aquela situação. Era realmente algo pesado, ainda mais levando em conta o contexto. O como tornava o fato praticamente insuportável. “Definitivamente ele não matou a garota”, pensou Patwin.

— Meus pêsames, irmão — Pat disse puxando do fundo da sua memória os termos corretos do dialeto, seguindo para o inglês. — Caso saiba de algo, fale. Todos queremos saber quem cometeu aquele terrível crime. Você suspeita de alguém?

— Não consigo pensar em uma só pessoa que poderia querer cometer tamanha atrocidade contra ela — Adaky tropeçou nas palavras, seu inglês ainda não era fluente, mas Patwin conseguiu compreender tudo que o nativo queria passar.

Com aquelas informações, o jornalista tentava aos poucos montar o quebra-cabeça envolvendo a morte da garota. Ao mesmo tempo, ele se bendizia por ter conseguido encontrar um nativo e ainda mais por ter conseguido manter um diálogo civilizado. Ainda assim, aquele era um contato muito superficial. Dessa forma, Patwin falou:

— Como você vê e eu já disse, sou do mesmo sangue que você. Eu gostaria de me aproximar da tribo.

Adaky era puro de coração e já estava depositando alguma confiança em Patwin, ainda que fosse precavido. O jovem então respondeu:

— Falarei com a tribo. Podemos nos encontrar amanhã neste mesmo lugar durante a noite. Eu lhe trarei a resposta.

Patwin acenou com a cabeça em agradecimento. Adaky logo se retirou do lugar e o jornalista fez o mesmo. O dia havia sido produtivo, sem dúvidas. Pat agora ansiava pela noite seguinte. Mal podia esperar para conhecer o lado dito “selvagem” do seu sangue. Seu pai ficaria orgulhoso.


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Notas finais do capítulo

Muito obrigado por ter lido mais um capítulo de "O Sangue do Mestiço". As coisas vão começar a se complicar a partir do próximo capítulo. Nos vemos Domingo que vem. Forte abraço!



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