O Sangue do Mestiço escrita por Júlio Oliveira


Capítulo 33
Reunião


Notas iniciais do capítulo

Antepenúltimo capítulo.

Boa leitura :)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/754030/chapter/33

Patwin prendia a respiração enquanto esperava o pior. Já estava ficando acostumado a tomar decisões pouco inteligentes, mas tinha consciência de que aquela poderia custar não só a sua vida, mas a também do pobre Macawi. Não bastava o homem já ter perdido grande parte de seu povo? Na verdade, o mestiço também se sentia envergonhado. Era simplesmente humilhante se ver ali, suspenso, sem poder fazer nada. Tateou o seu corpo em busca de qualquer instrumento que lhe servisse para se livrar daquelas amarras, mas logo viu que até mesmo seu revólver havia ficado pelo chão. Alguns metros abaixo, o nativo mantinha seu arco estendido e pronto para defender-se caso qualquer ameaça surgisse.

“Por que eu fui seguir esse caminho?”, o jornalista questionava-se em silêncio, ao mesmo tempo em que virava os olhos em todas as direções buscando detectar o responsável por aquela armadilha. “Minha estupidez tem algum limite?”. Por outro lado, Macawi parecia calmo. Havia algo naquela armadilha que o trazia memória distantes. Não, ela definitivamente não era fruto dos homens brancos. Ao menos em Roanoke, tal tipo de obra não era do feitio deles. “Com certeza foi armada por um dos nossos”, o nativo concluiu enquanto, ainda que distante, examinava as amarras.

— Mahpee? — O índio chamou enquanto torcia para que seu irmão de tribo não tivesse sua consciência tão deteriorada quanto ele imaginava. — Estamos em paz.

E então, de trás de todo aquele verde quase indistinguível, uma figura humana deu as caras. Não, definitivamente não era Mahpee, mas também não era um branco. Na verdade, vestimentas típicas do povo secotan eram visíveis, ainda que claramente danificadas. O aproximar daquela pessoa permitiu a observação de mais detalhes: tinha os cabelos longos e um rosto de contornos leves, ainda que as suas feições indicassem grande sofrimento. Bastaram só mais alguns passos para que Patwin, preso e suspenso, finalmente reconhecesse tal figura.

— Eyanosa! — Exclamou com um misto de surpresa e alegria. — Meu Deus!

Um milhão de palavras preencheram a mente do mestiço, mas pouquíssimas encontraram os ouvidos da nativa. Diante do caos envolvendo toda a ilha, a reaparição da moça enchia o homem de esperança, medo e alegria. Eram sentimentos conflitantes, mas que pareciam coexistir em seu âmago. Por outro lado, ela também não conseguia soltar as palavras que tanto desejava. Sim, estava extremamente feliz, mas os últimos dias haviam sido duros e ela ainda portava a postura de uma guerreira lutando pela sobrevivência. Segurando uma lança com ponta de pedra, ela parecia ainda sentir o tom ameaçador que a natureza impunha. No entanto, contraditoriamente também tinha a consciência de que, finalmente, estava entre amigos.

— Sangue do nosso sangue — Macawi disse com serenidade ao mesmo tempo em que se desarmou. O coração do nativo se encheu de amor e compaixão ao ver o estado da moça. — Vamos, não tenha medo.

Um profundo silêncio prosperou após aquela troca de palavras. Até mesmo o vento pareceu dar uma trégua para que a índia processasse aquelas informações. Aos poucos, ela pôde sentir mais uma vez o ar encher os seus pulmões e a sua consciência tomar as rédeas de seu corpo. Trocando o instinto pela razão, caminhou para junto da árvore onde Patwin jazia pendurado e cortou a corda que o mantinha suspenso. Apesar da queda, o mestiço não se incomodou com aquilo: estava finalmente no solo e logo se desvencilhou das amarras.

— Patwin! — Ela largou a lança e correu para o jornalista. O homem rapidamente se levantou e deu-lhe um tenro abraço. — Eu pensei que você tivesse morrido. Pensei que todos tivessem morrido!

Macawi observava com alguma surpresa as atitudes e palavras de Eyanosa. Não imaginava tempos atrás que ela correria para os braços de um forasteiro antes do que para qualquer outro membro da tribo. Ao mesmo tempo, também conseguia sentir em sua voz toda uma carga de medo, sofrimento e, por fim, alívio.

— Eu estou bem aqui — Pat respondeu enquanto não conseguia se desgrudar da índia. Seu corpo e mente fervilhavam e ele não conseguia entender. O aparecimento de Eyanosa mudava tudo de uma maneira que ele não conseguia ter a menor compreensão. — Como você está? O que aconteceu?

Segurando as lágrimas, a moça finalmente cumprimentou Macawi enquanto pensava nas palavras certas para explicar tudo. Era difícil revisitar memórias tão sofridas, e tudo remetia ao fatídico dia em que Edward Muller atacara a tribo. Ainda assim, a presença daqueles dois homens de confiança aquecia seu coração e ela podia sentir que estava segura. Dessa maneira, começou a falar:

— Eu me perdi. Lembro-me dos sons dos tiros, dos gritos de horror, do choro e das mortes. Eu corri o mais rápido que pude e senti uma impotência que pensei que nunca sentiria. De que servi à tribo, afinal? — Dessa vez, ela não conseguiu conter as lágrimas. Patwin foi rápido em oferecer-lhe seus braços. Após acalmar-se, ela prosseguiu. — E então, após muito correr, simplesmente me vi impedida de voltar. Eu não sei explicar, mas toda vez que me sentia tentada a retornar para a nossa tribo, sentia como se alguma força me puxasse de volta para onde eu estava. Eu nunca senti tanto medo na minha vida, e eu me envergonho muito disso.

— Não diga isso — o mestiço respondeu prontamente. Apesar de estar emotivo diante daquele encontro, ele havia encontrado forças para tentar trazer algum conforto para a mulher a qual ele queria tão bem. — Quem deve se envergonhar são os que causaram tudo isso. O medo é só uma defesa.

Eyanosa ensaiou um breve sorriso, como em sinal de agradecimento. Macawi, que observava tudo com atenção, pôde perceber uma pequena melhora no astral da índia. Ela continuou com sua história:

— Eu sobrevivi pelo tanto que sabia: cacei e construí um pequeno abrigo. Devo dizer que a natureza foi boa comigo, mas a minha mente foi a minha pior inimiga — dito aquilo, seu rosto logo readquiriu suas belas feições. Patwin conseguia enxergar até mesmo um pouco da confiança que tão comumente habitava a face da nativa. Conversar sobre tudo aquilo estava, sem dúvidas, ajudando-a a processar e superar os eventos tão recentes, ainda que a passos lentos. — Mas graças a todos os deuses vocês estão vivos!

— Você deve saber que eu sou meio cético, mas sem dúvidas nossas vidas são frutos de milagres — Patwin disse com uma animação que contrastava com o clima geral da ilha. E então, encarando a nativa, o mundo a sua volta desapareceu e ele a beijou calorosamente.

O jornalista passava por uma verdadeira montanha-russa emocional. Há poucos momentos sentia angústia, medo e ansiedade. Passou então para a vergonha e impotência e, finalmente, para alegria genuína. Deu-se o direito de se esquecer dos problemas e dos demônios de Roanoke. Uma atitude egoísta? Talvez, mas aquele momento, ainda que breve, estava servindo para recarregar suas energias e fazê-lo sentir mais uma vez o gosto da esperança.

— Como eu senti falta disso — Eyanosa sussurrou um pouco sem graça.

— Eu adoraria que aproveitássemos mais esse tempo, Eyanosa — Pat sentiu o emergir da urgência e a necessidade de sua missão. — Mas a vila corre perigo. Eu sei que você tem mil motivos para odiar aquelas pessoas, mas acredite: existe muita gente boa. Mahpee está com o deus protetor e ele pode nos atacar a qualquer momento. Preciso estar lá para ajudar.

Reflexiva, a nativa deixou que mais lágrimas caíssem. Sim, ela bem sabia que seu pai era famoso por pensamentos mais extremos, mas aquilo passava de qualquer limite. Doía-lhe o coração opor-se a seu pai, mas que outra opção tinha? Aquilo era o certo e ela podia sentir. Com isso em mente, disse:

— Eu irei junto.

— Excelente — Macawi sentiu-se à vontade para se intrometer. — Explicamos tudo no caminho.

A milhas de distância dali, a vila de Roanoke tinha um dia movimentado. O progressivo desaparecimento da luz e o sinistro dançar dos ventos incutiam um sentimento de medo em toda a população. Além disso, uma certa urgência pairava o ar. Grande parte das pessoas não tinha qualquer informação concreta a respeito do deus protetor, mas podiam sentir muito bem que o ataque contra Edward Muller não seria o único. Obviamente, eles não podiam precisar quando seria o próximo, mas essa informação oculta só fazia aumentar o número de histórias e pesadelos que vagavam naqueles corações e mentes. Só havia, afinal, uma única certeza: todos estavam em perigo.

E, com isso em mente, num movimento típico de manada, decidiram que estava na hora de deixar seus lares e buscar uma forma de abandonar a ilha. Sim, quanto mais longe estivessem daquelas terras amaldiçoadas pelos índios, mais seguros estariam, ou ao menos era assim que acreditavam. Dessa forma, foi impossível não se formar em pouco tempo uma grande multidão em volta do porto da pequena vila. Mulheres, crianças e homens temerosos se concentravam enquanto rezavam para conseguir um barco para dar o fora dali.

No entanto, uma escapatória não seria fácil. A cada passo dado era possível ouvir a madeira do píer estalar, tudo isso enquanto as pessoas se chocavam umas com as outras, gerando discussões desnecessárias e criando um clima de tensão que fugia até mesmo da influência do deus protetor. Não era incomum ouvir o chamado de uma mãe buscando por um filho perdido em meio à multidão, ou mesmo homens se empurrando e brigando por pisadas de pés ou qualquer outra besteira. Dessa forma, o povo de Roanoke sofria com grande desgaste antes mesmo que qualquer ataque fosse empreendido contra eles.

Em meio a toda aquela confusão, David tentava fazer a sua parte. Havia conversado com seu grupo e definido bem as tarefas a serem feitas enquanto Patwin não chegava com notícias. “Novidades que tornem tudo isso desnecessário, se Deus quiser”, pensou o pequeno jornalista. Ele estava lá para tentar dar algum suporte e conseguir transporte para o máximo de pessoas possível. No entanto, impressionou-se de maneira negativa com toda aquela confusão que encontrou.

— Povo de Roanoke! — Tentava erguer sua voz, mas os sons de resmungos e reclamações gratuitas tinham mais força. — Pelo amor de Deus, me escutem!

Não adiantou. Tudo que via era um verdadeiro formigueiro, mas com uma contradição: não havia qualquer tipo de cooperação. Vendo-se sem opção, o garoto encheu os pulmões de ar e resolveu se esgueirar em meio aquela multidão. Pisou em alguns pés, foi xingado e empurrado, mas conseguiu passar de maneira relativamente segura. E então viu os pobres barqueiros tentando argumentar com a população enfurecida.

— Não é seguro! — Um deles dizia com verdadeira preocupação no olhar. — Não temos condições de levar tanta gente e, para piorar, o tempo não está adequado!

Aquelas informações eram compatíveis com o que se via: as ondas do mar se quebravam com violência e o céu fechado trazia consigo as primeiras gotas de chuva, mas prometia algo muito maior. David não tinha o que argumentar contra aqueles pobres trabalhadores. Afinal de contas, eles também tinham mil motivos para deixar a ilha, mas continuavam ali. “Deus, ajude Patwin, por favor”, o pequeno jornalista rezou enquanto mais uma vez caminhava através da população.

A alguns metros dali, no entanto, havia quem tivesse algum progresso. Melinda encarava o quarto de seu pai enquanto boas memórias passeavam por sua mente. Sim, ele era um homem duro e havia tomado decisões um tanto questionáveis ao longo da vida. Tinha colocado na cabeça que os índios eram, afinal, uma ameaça. Mas antes de tudo isso, havia sido um pai bom. Criou Melinda para ser uma mulher independente, que soubesse tomar conta da sua vida e superar os obstáculos. Ela, certamente, não era feita de vidro. E, dessa forma, manteve-se resiliente e explorou o ambiente de descanso de seu progenitor em busca de algo que tivesse grande utilidade.

— Sei que ele anotava algo por aqui — disse em voz alta enquanto vasculhava as gavetas do armário do pai. O quarto do homem estava perfeitamente arrumado e até parecia que alguém ainda dormia ali. — Aqui!

Em meio a uma quantidade grande de objetos de usos diversos, Melinda encontrou algo que parecia muito com um diário. Estando o livro empoeirado, a garota soprou-o e logo tratou de abri-lo. Ah, seu pai fazia algo que poucos imaginavam: gostava muito de pesquisar algumas áreas específicas do conhecimento e fazer anotações. Ali, ela encontrava tudo sobre bebidas, alguns preparos para carne e também tudo sobre armas. E, como esperado, algo que lhe ajudasse na confecção das balas de prata, todas elas destinadas a eliminar o deus protetor.

Saindo do quarto com o livro em mãos, a garota sentia uma ponta de orgulho dentro de si e sabia que, onde quer que estivesse, seu pai estava bastante orgulhoso. Após alguns passos, abriu mais uma porta e logo se deparou com seu ambiente mais usual: o bar. Concentrados, Jake e Negan viam e reviam os textos já traduzidos e os que ainda estavam por traduzir.

— Esse homem estava a frente de seu tempo — Negan disse com uma grande admiração. Ao seu lado, uma taça de vinho acompanhava a sua trajetória intelectual. — Está a frente do nosso, aliás.

— Eu nunca entendi aquelas pessoas que querem salvar o mundo, mas escondem tudo em códigos — Jake, em um de seus poucos momentos de bom-humor, riu enquanto falava. — Mas estamos mais perto do que longe.

Melinda se impressionava com o trabalho dos jornalistas. O bar, que estava mais vazio do que momentos atrás, não estava nas melhores condições de uso. Havia álcool por todo lado e um estranho cheiro se apossava do olfato da garota. Definitivamente aquilo não ajudaria a manter seu pai orgulhoso, mas ela tinha um bom motivo para não manter o foco naquilo. “Prioridade”, a palavras surgiu em sua mente. Bastaram mais alguns momentos para mais uma figura adentrar o bar: Padre Marcus.

O homem de Deus estava, como de costume, acompanhado da belíssima Selvagem e trazia consigo ainda um bom número de armas. Espingardas, revólveres, entre outros. Havia armamento para todos os tamanhos.

— Padre! — Melinda disse com alegria. — Em breve teremos a melhor munição para essas armas. Como você conseguiu tudo isso?

— Bem, uma delas é minha — ele respondeu enquanto observava os olhares de surpresa de seus aliados. — Que foi? Um padre não pode querer se defender? Que seja. Depois revisitei a mansão de Muller e achei algumas armas guardas. Por último, resolvi conversar com algumas pessoas que deixavam suas casas. Disseram-me que estavam indo ao porto em busca de uma rota de fuga. Eu espero que o David esteja ajudando de alguma maneira.

— Ele não está! — Surpreendendo a todos, o pequeno jornalista apareceu diante da entrada do estabelecimento. Selvagem logo se alegrou e correu para pedir afago e carinho ao garoto. — As pessoas estavam lá disputando espaço e completamente dominadas pelo medo. Perderam a noção do mais simples e não conseguem enxergar um só palmo a sua frente. Além disso, o tempo não está permitindo que as embarcações naveguem até o continente. Ou seja, todas essas vidas estão em nossas mãos. Mas sem pressão.

Mais uma vez, a presença de David trazia um pouco de alegria para o espaço. Jake e Negan riram com habitual senso de humor do garoto, enquanto o padre sentia o peso nas costas de todas aquelas vidas que habitavam a ilha. Melinda, por outro lado, alegrou-se pelo simples retorno do pequeno jornalista.

— Uau! Nenhuma palavra? — O garoto não queria ser o único a falar. — Vejo que estão trabalhando intensamente. Quais os próximos passos?

— Os garotões aí estão continuando com a tradução, o padre já está com uma tonelada de armas e munições, e eu já sei como revestir as balas com prata. Certamente levará algum tempo, mas meu pai entendia de alguns truques — Melinda permitiu-se falar com alguma animação.

— Então só nos resta esperar pelo Patwin — David deu seu mais belo sorriso para a garota enquanto deixava-se contagiar por aquela onda de esperança.

O grupo não precisou esperar muito: conhecendo o caminho e evitando qualquer desvio, Patwin logo chegou ao bar. Junto dele, um sereno Macawi e uma desconfiada Eyanosa adentraram o local. A reação de espanto foi geral dentre aqueles que estavam ali há mais tempo.

— Eles são amigos — Pat esclareceu. Olhou para trás e viu que a índia e o velho não pareciam muito confortáveis. Já era de se esperar, afinal de contas, aquela era a primeira vez que eles visitavam a vila dos brancos. Além disso, todo o contexto e tudo que estava em jogo tornava toda a situação ainda mais delicada. Ainda assim, eles confiavam no mestiço e sabiam que ele tinha as melhores intenções. — Todos aqui querem o bem para os moradores da ilha. Todos! Sejam eles índios, brancos, negros, ou qualquer outra coisa. Eyanosa e Macawi não estão de acordo com o caminho que o deus protetor irá seguir. Grande parte dos índios foi traída, na verdade. Estamos todos juntos para impedir uma tragédia. E devemos confiar uns nos outros para conseguir isso. O deus protetor pode ser forte, grande e rápido, mas estamos juntos para o que der e vier. Eu não deixarei Roanoke se encharcar com mais sangue!

Dito aquilo, o mestiço sentiu uma estranha energia circular pelo seu corpo. Ele não conseguia entender aquele momento. Na verdade, pouco entendia de qualquer momento que houvesse vivido naquela ilha. Já havia provado do desgosto, do amor e da dor. E agora, mesmo em uma situação de grande desesperança, se colocava como alguém forte, destemido e que buscava o bem acima de tudo, mesmo que isso lhe custasse a própria vida. Ele não se reconhecia assim. Na verdade, Pat se enxergava como um homem fraco, cheio de medos, incertezas e uma desconfiança capaz de lhe sabotar. Mas talvez aquela fosse a única forma de encontrar a verdadeira coragem, afinal.

— Por Roanoke! — David ergueu a voz de maneira animada e logo conseguiu contagiar os presentes.

Com um estranho sorriso no rosto, o jornalista então questionou o grupo sobre tudo que haviam conquistado naqueles últimos momentos. O garoto foi ágil em informar todas as novidades, ao mesmo tempo em que Melinda iniciava os trabalhos para o revestimento das balas com prata. Simultaneamente, Jake e Negan seguiam ávidos com o processo de decodificação e tradução. O mestiço logo entendeu tudo que se passava, ao mesmo tempo em que os dois índios ali presentes aos poucos se sentiam bem-vindos diante daquelas pessoas. Após um breve momento, no entanto, Eyanosa chamou Patwin e Macawi para uma rápida conversa.

— Por favor, tenho algo importante para dizer — os olhos da moça estavam úmidos. — Eu sei que meu pai fez e pretende fazer coisas horríveis. Mas, se possível, não o matem. Deixem que eu tenha um último momento com ele, por favor!

Em lágrimas, ela abraçou o mestiço. Patwin a envolveu em seus braços e lhe deu conforto sem dizer uma só palavra. Sem prestar atenção em todo aquele momento, Jake, ainda que não fosse religioso, gritou:

— Aleluia! Eu sabia! — Comemorava de maneira atrapalhada. Negan dava uma risada de pura satisfação enquanto encarava as últimas anotações do colega e amigo. — Estávamos certos sobre John Dee!

— Vamos logo com isso! — David morria de curiosidade e ansiava por descobrir o que animava tanto a dupla de jornalistas.

— Bem, nós havíamos conversado que talvez John Dee tivesse tido algum tipo de aliança com os nativos. Por isso ele sabia tanto de algumas coisas mais obscuras. Na verdade, é provável que o uso do deus protetor não fosse algo desejado por todos os índios, como vemos hoje mesmo — Negan explicava com uma serenidade impressionante. — Acontece que o Dee não só tinha um aliado dentro da tribo, como também tinha seu próprio plano de contingência contra essa “divindade”. O homem deixou aqui as coordenadas para algo que ele chamou de “arma definitiva contra a maior ameaça da ilha”. Acredito eu que seja uma lança com a ponta de prata. Vejam bem, sei que temos balas e mais armas, mas acho que não custa nada dar ouvidos ao homem que estudou tudo isso a fundo.

Aproximando-se da mesa cheia de papéis, mapas e anotações diversas, Patwin viu a exata posição de onde estaria a provável lança.

— Isso é na tribo — disse com alguma empolgação. — Sim, eu reconheço! Essa arma, seja lá o que for, está enterrada logo abaixo da fogueira central no lugar onde uma vez foi a nossa casa. Quer dizer, a casa dos secotan.

Não havia dúvidas: John Dee também havia deixado uma frase que fortalecia essa informação. “A maior defesa contra o mal que nos habita está em locais mais profundos e internos que a superficialidade do ódio ardente”, dizia a frase. O mestiço olhou para Eyanosa e Macawi, e pôde perceber uma clara surpresa em ambos. Em meio àquela última descoberta, David se levantou e proclamou:

— É oficial: temos um plano “c”.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O fim está muito próximo. Quais as expectativas?
Muito obrigado pela leitura e até breve ;)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Sangue do Mestiço" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.