Davi esperava que o comportamento de Joaquim melhorasse ou senão ele não ia merecer fazer a viagem ao Vilarejo. Sim, Davi já estava pensando numa data. Pretendia ir no mesmo fim de semana do aniversário de 6 meses de namoro com a Clara, mas ainda tinha que ver se todos poderiam ir, ela, a Flora e as Chiquititas. Davi estava começando a acreditar que a tia das meninas estava mesmo arrependida, então torcia para que elas ficassem bem com ela e todas participassem da viagem também.

Clarinha ficou feliz quando soube que Davi estava pensando em fazer a viagem antes das férias, e mais ainda ao saber que seria no aniversário deles.

— Acho que vai ser um ótimo jeito de comemorar, voltando ao lugar onde tudo começou... — Ela disse, com uma expressão sonhadora e nostálgica. — É o melhor presente possível!

— Você acha que esse vai ser o único presente? — Perguntou Davi.

Clarinha o olhou intrigada. O que mais será que ele tinha em mente? Ah, não, agora ela ia morrer de curiosidade até chegar o dia! Ela tentou arrancar alguma coisa de Davi, mas não teve jeito, ela teria que esperar.

Depois que parou de insistir nisso, a mulher pensou numa coisa: podia ajudar Joaquim a estudar tanto pras próximas provas quanto pra de História, que ele teria que fazer de novo, já que colou na primeira. Assim ele teria mais chance de tirar notas altas e a viagem poderia ser feita, como Davi planejava.

— Ah, então é só por causa da viagem que você quer fazer isso? — Perguntou Davi, brincando, já que sabia que Clarinha era muito altruísta (às vezes até demais) pra fazer uma coisa legal só porque também se beneficiaria com isso.

A mulher riu e perguntou:

— Então, o que você acha?

— Não sei se é uma boa ideia...

— Por quê?

— O Joaquim dá muito trabalho, principalmente pra estudar! E você já tem os seus próprios alunos pra cuidar, tem certeza que vai ter tempo pra isso?

— Isso não é problema, Sêneca disse que o tempo é a única coisa que nos pertence.

— Quem disse o quê?

— Foi um filósofo estóico.

— Ah... nunca ouvi falar!

— Bom, o que ele quis dizer é que a gente pode controlar o nosso tempo, é só se organizar direito.

— Entendi. Interessante... Mas isso não muda o fato do Joaquim ser muito difícil de lidar.

— Davi... foi você que ensinou ele a tocar guitarra?

— Foi.

— E ele aprendeu rápido?

— Muito! É, ele consegue ser concentrado quando quer...

— Tá vendo? Eu acho que pode dar certo.

— Tudo bem, você pode ensinar a ele. E eu sei que se eu dissesse "não" você ia acabar me fazendo concordar de qualquer jeito... — Ele disse, rindo.

— Às vezes eu sou muito chata, né?

— Não, você é maravilhosa! Eu adoro que você seja do jeito que é!

Clarinha sorriu e os dois se beijaram.

***

Sandy acabou desculpando Joaquim, mas repensou se queria ser namorada dele algum dia. É claro que o menino tinha muitas qualidades, mas ela simplesmente não conseguia ignorar os seus defeitos. Por outro lado, imaginava que se gostasse de um menino muito bonzinho e certinho demais ficaria entediada e enjoaria dele... Enfim, Sandy não não tinha certeza de mais nada no momento, a não ser de que agora entendia perfeitamente as músicas "Garoto Errado" e "Odeio", da Manu Gavassi...

Samuca, por outro lado, cada vez mais parecia não se importar em entender seus sentimentos por Janete e apenas aceitá-los. Como não precisava mais ajudar Joaquim a estudar todos os dias, estava com muito tempo livre, já que estudava sozinho numa velocidade quase fora do normal. Geralmente ele usaria esse tempo para estudar ainda mais, porém sua cabeça estava longe. Ele não conseguia parar de pensar na Janete, nem mesmo quando estava dormindo, já que sonhava com ela todas as noites. Até mesmo quando estava super concentrado estudando para alguma prova, ele se imaginava conversando com ela sobre a matéria, o que, aliás, acontecia de verdade na escola de vez em quando e ele ficava lá com cara de bobo, o coração acelerado e totalmente fascinado com a inteligência dela.

Como podemos ver, a paixão de Samuca não interferiu em nada no seu rendimento escolar, mas, pela primeira vez na vida, ele fez alguma coisa sem pensar. Foi quando decidiu que estava na hora de dizer à Janete o que sentia por ela. Numa tarde, do nada, ele simplesmente mandou uma mensagem pra garota dizendo que tinha uma coisa muito importante pra falar e perguntando se ela podia ir até a casa dele. Samuca se arrependeu assim que apertou o botão de enviar. Como ele mandava uma mensagem dessas? E em plena semana de provas??? Além de atrapalhar os estudos da menina ele ia fazer ela ir até a casa dele só pra ouvir uma coisa que ela podia nem gostar de saber? Porque ele ainda não tinha certeza se ela gostava dele...

Samuca nem teve tempo de apagar a mensagem, pois Janete logo respondeu que estava indo pra lá. Então o garoto começou a entrar em desespero. Por mais que estivesse morrendo de vergonha, teve que contar aos irmãos o que estava acontecendo, precisava dar um jeito nessa situação. Téo tentou acalmá-lo, dizendo que tudo sairia bem, que Samuca podia levar Janete até a casa da árvore e ninguém atrapalharia o encontro deles. Mas infelizmente essas palavras deixaram Samuca ainda mais nervoso, pois não tinha planejado um encontro e não poderia fazer isso em tão pouco tempo, principalmente porque Janete com certeza não estava esperando encontro nenhum!

Joaquim estava achando a situação um tanto divertida, já que não estava tendo muito entretenimento por causa do castigo, mas estava se segurando para não rir. Porém até ele começou a se preocupar quando viu o tamanho do nervosismo do irmão. Ele nunca tinha ficado desse jeito, nem mesmo nas aulas de teatro da escola, e olha que ele ficava muito nervoso com elas!

Quando Janete chegou, Samuca foi direto para a casinha da árvore e quem atendeu a menina foi Téo. Depois de se cumprimentarem, ela perguntou se havia acontecido alguma coisa, parecia preocupada. Isso foi por causa da palavra "importante" e dos pontos de exclamação na mensagem de Samuca, que deram à menina a impressão de emergência, por isso mesmo ela foi até a casa dos Cuecas na hora. Téo disse que estava tudo bem com todo mundo e que Samuca a esperava na casa da árvore.

***

Clipe musical: "Dig Bom" por Samuca.

***

Chegando lá, Janete achou que realmente devia haver alguma emergência, pois Samuca parecia estar passando mal, talvez estivesse doente. Na verdade era só o nervosismo dele que passava essa impressão. O pior é que ele não estava nem conseguindo raciocinar direito, então acabou não respondendo às perguntas da menina sobre sua saúde.

— É melhor você se sentar! — Ela disse, parecendo realmente preocupada.

Cada um se sentou em dos banquinhos que tinham lá e Samuca finalmente conseguiu dizer alguma coisa:

— Janete... eu tô bem. Eu só tô... com um pouco de calor eu acho, mas isso não importa... Tem uma coisa que eu preciso te dizer...

O menino voltou a ficar em silêncio e até agora não havia conseguido olhar nos olhos da garota. Mas quando conseguiu, viu que ela olhava atentamente para ele, parecendo muito interessada no que ele tinha a dizer. Na verdade, ela sempre parecia. Samuca achava que talvez ela fosse a única pessoa no mundo que sempre queria ouvi-lo. Então começou a ficar mais calmo, sorriu e disse:

— Eu gosto de você.

— Eu sei. — Ela respondeu como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

— Sabe? — Perguntou Samuca, bastante surpreso.

— Nós somos amigos, né? Então é claro que você gosta de mim e eu gosto de você...

— Ah... claro...

— Então? Qual era a coisa importante que você tinha pra me falar?

Agora Samuca realmente não sabia o que dizer. Ele imaginou que poderia levar um fora, mas assim??? Precisava contornar essa situação de algum jeito e felizmente seu cérebro genial voltou a funcionar. Ele acabou dizendo que queria a ajuda dela para estudar pra prova de Ciências com Joaquim, já que o Davi não ia deixá-lo participar do show se ele não tirasse notas boas.

— Ah... se eu soubesse teria trazido os meus materiais... — Disse a menina, que havia saído de casa apenas com o celular e a carteirinha do ônibus.

 — Não tem problema, você pode usar os nossos. Eu vou lá chamar o Joaquim.

Samuca desceu rapidamente e Janete ficou refletindo sobre o que acabara de acontecer. Ele estava tão estranho... Foi então que caiu a ficha:

 — Ai, meu Deus! — Ela ficou tão chocada, que acabou falando em voz alta, mesmo. — Será que ele tava se declarando pra mim?!

Janete olhou pela janela e viu as folhas da Árvore da Vida balançando pra cima e pra baixo com o vento. Aquilo significava um "sim" (se fosse "não" elas balançariam de um lado pro outro). O coração da menina começou a acelerar.

Mas quando Samuca voltou com Joaquim, parecia que ele realmente só estava preocupado em ajudar o irmão a estudar. Então talvez ela estivesse enganada...

Quem não estava gostando nem um pouco da situação era Joaquim, que além de ficar "de vela", ia ter que estudar duas vezes pra mesma prova, já que Clarinha viria na noite do mesmo dia para ajudá-lo, como vinha fazendo desde que falou com Davi. O menino só topou porque Samuca prometeu que iria compensá-lo depois e também porque ficou com um pouco de pena quando ouviu que o irmão havia sido colocado na friendzone.

***

Eleanora estranhou a repentina convocação de Janete para a casa dos Cuecas, achou que eles estivessem excluindo as outras Chiquititas. Mas Sandy entendeu que, como foi Samuca quem mandou a mensagem e é todo apaixonadinho pela Janete, provavelmente queria passar um tempo sozinho com ela e inventou essa desculpa de "coisa importante pra falar". Sendo este o caso, Eleanora ficou aliviada. Mas teve uma pessoa que não ficou nada tranquila com essa situação. 

Flora não estava em casa quando Janete saiu e ficou desesperada quando voltou e viu que a menina não estava lá. Nem havia passado pela cabeça dela avisar à tia que ia sair, afinal, as três meninas passaram meses sem ter que avisar a nenhum adulto quando saíam de casa. Eleanora e Sandy tentaram acalmar a mulher, dizendo que Janete só estava na casa dos meninos e voltaria logo, logo.

— O que ela foi fazer lá sem vocês e sem me avisar antes?! — Perguntou a tia.

As duas irmãs se entreolharam. Não faziam ideia do que ela tinha ido fazer lá! Mas Sandy conseguiu pensar numa desculpa coerente:

— Ela foi estudar — e acabou não mentindo. — E ela avisou pra gente, então tá tudo bem.

— E ela não podia estudar aqui em casa, não?

Parecia que Flora não estava acreditando muito nas Chiquititas. Ela estava preocupada de verdade. Se voltou pra não deixar as sobrinhas sozinhas, não queria que alguma delas saísse assim na rua sozinha do nada...

Quando chegou em casa, Janete ainda estava com a cabeça lá na casinha da árvore, pensando no que Samuca havia dito pra ela antes de começarem a estudar. Ela mau notou a Flora desesperada em sua frente quando abriu a porta e nem ouviu a primeira pergunta que a tia fez a ela.

— Janete, acorda! — Disse Eleanora, estalando os dedos.

— O quê?

— Eu perguntei onde você tava. — Disse a tia.

— Na casa dos meninos. Elas sabiam. — Ela apontou para as irmãs.

— E o que você tava fazendo lá?

— Estudando.

Sandy ficou aliviada ao ver que a resposta da irmã coincidiu com a que ela mesma inventou. Mas nem ela nem Eleanora tinham certeza se Janete estava falando a verdade. Esta, por sua vez, sentindo que a tia também não estava acreditando, complementou:

— O Samuca me chamou pra ajudar o Joaquim. Ele tá de castigo porque colou em outra prova, lembra?

Nessa hora Sandy olhou com uma cara de "você tinha mesmo que lembrar disso?" e Janete a olhou com uma cara de "desculpa!".

— E agora o agora o Davi quer que ele tire notas boas em todas as provas. — A menina continuou.

— E por que o Samuca chamou só você?

Janete não soube o que responder (e também ficou toda vermelha), então a irmã mais nova interveio:

— Tia, a Janete é muito humilde pra dizer isso, mas ela e o Samuca são os alunos mais inteligentes do sétimo ano, então faz sentido ele ter chamado só ela.

— É, sem falar que fui eu que ajudei o Joaquim a colar naquela prova, né? Então  ninguém ia querer a minha ajuda... — Disse Sandy, que, apesar de não gostar de tocar nesse assunto da cola na prova com a tia, achou que seria ainda pior pra Janete ter que falar sobre a paixonite de Samuca por ela.

Flora parecia estar mais convencida, mas ainda fez outra pergunta. Agora ela queria saber de absolutamente tudo o que acontecia com as sobrinhas, ao contrário de antes.

— Como você foi pra lá?

— De ônibus. Mas eu voltei de carona com o Davi.

— Tá. Só me avisa da próxima vez, tá bom?

Obviamente Flora ia ligar pra Davi pra confirmar toda a história depois.

— Eu prometo que aviso! Desculpa por isso, tia...

— Tudo bem. Na verdade, eu queria contar uma coisa pra vocês, mas você ainda não tinha chegado em casa...

As meninas ficaram curiosas e a tia contou a elas que tinha conseguido um emprego, o que as deixou muito felizes. Sandy ficou especialmente feliz quando soube que era numa empresa de moda, ainda que Flora fosse trabalhar como faxineira lá.

Elas também acabaram ficando felizes pela reação da tia por causa da saída de Janete, apesar de ter sido quase uma bronca, as meninas perceberam que agora ela realmente estava se importando com elas. 

Mas depois as três foram para o quarto e a mais velha e a mais nova pediram que a do meio contasse o que realmente tinha acontecido na casa dos meninos.

— Eu já disse, eu fui estudar...

— Eu duvido que o Samuca tenha te chamado só pra isso! — Disse Sandy. — Eu sei que ele é nerd, mas fala sério, né?

— Mas é verdade! A gente ajudou o Joaquim a estudar.

As irmãs estavam quase desanimado, achando que não iam ouvir nenhuma fofoca, quando Janete falou:

— Só que... antes teve uma coisa...

Agora sim! As duas ficaram muito atentas, cheias de expecatativa.

— Acho que eu dei um fora no Samuca...