Sede de Poder escrita por Mermaid Queen


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

lili cantou, katherine? acho que nao



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Katherine virou a cabeça devagar em direção à porta até seus olhos cruzarem com o rosto sorridente de David. Ela não conseguiu acreditar que o irmão estava ali até vê-lo entrando no quarto com os olhos fixos em Olivia.

— Mãe – Katherine sibilou enquanto David e Olivia apertavam as mãos. – Por que você não avisou que ele também viria?

Ellen franziu os lábios e olhou para ela com ar de reprovação. Provavelmente estava preocupada se aquilo se tornaria uma briga e os filhos a envergonhariam na frente de Olivia.

— Eu sabia que você faria essa birra – respondeu, mantendo a voz baixa enquanto David cumprimentava Olivia. – Agora, trate de se comportar.

Katherine lançou um olhar acusatório para Jack, que se limitou a encolher os ombros.

David, depois de se apresentar para Olivia, colocou a mão sobre o ombro de Katherine e dirigiu a ela um sorriso falso. Ela se limitou a olhar para a mão dele, então David a retirou, e Olivia sorriu para os dois.

Katherine estranhou aquele sorriso. Foi um sorriso torto, meio amarelo, do tipo que não chega aos olhos. Então Olivia começou a falar, e aquela sombra estranha sumiu do rosto dela para dar lugar a uma expressão suave:

— Vou leva-los ao gramado, e então para a área de lazer. Espero que tenham gostado dos dormitórios.

Jack e Ellen acompanharam Olivia, indo na frente. Katherine e David ficaram alguns metros para trás. Katherine, porque não sabia o que pensar em relação à escola. David, porque estava fascinado com as novas possibilidades.

— Nós vamos, tipo, morar aqui? – perguntou David, parecendo animado.

— Nós? – respondeu Katherine, incrédula. – Deus queira que não.

Revirou os olhos para David e saiu do quarto, deixando-o para trás.

Desceram pela escada dos dormitórios, atravessaram o Salão Principal novamente e saíram pelas amplas portas duplas que davam para o gramado.

Katherine protegeu os olhos da súbita claridade. Fazia um dia bonito, e o pesadelo que era passara poucos minutos antes, no carro, agora parecia ter acontecido em outra vida. Em vez de hospital psiquiátrico, eles a haviam levado para um tipo de clube de férias de luxo.

— Onde está todo mundo? – David perguntou, olhando em volta confuso e estragando os poucos momentos de alívio de Katherine.

Ela ainda não havia superado o a história dos livros derrubados, e estava querendo quebrar a cara dele. A cada vez que ele abria a boca, ela tinha vontade de gritar. Mas respirou fundo e tratou mesmo de se comportar, porque achou que Ellen só estava esperando pelo primeiro deslize dela.

— A maioria está em aula agora – Olivia respondeu, e voltou a conversar com Ellen e Jack.

Katherine olhou em volta, observando os bancos embaixo das árvores no vasto gramado. Imaginou a si mesma sentada em um deles, lendo alguma coisa sob a sombra, enquanto pessoas faziam piquenique no gramado. Parecia agradável. Tentador, na verdade. Se Rachel estivesse com ela, com certeza a resistência a estudar ali seria diferente.

Atravessaram toda a extensão de grama, passaram por três quadras para diferentes esportes e um campo gramado de futebol.

— É o time do colégio? – perguntou David, interessado, observando o jogo lá embaixo.

— Eu sou o treinador, David – disse Jack, com certo ar de superioridade. Katherine imaginou que, se David quisesse entrar no time, Jack pegaria pesado com ele. — E se vocês me derem licença…

Jack se aproximou das arquibancadas e desceu alguns degraus, para ficar mais perto do gramado.

Eu deixei vocês treinarem sem técnico, e dei instruções claras!— berrou ele para os garotos. – Não é para fazerem o que quiserem!

Katherine e David ergueram as sobrancelhas, surpresos. Não estavam acostumados com Jack mostrando autoridade. Todos os jogadores viraram a cabeça na direção dele.

— Estamos só aquecendo, professor! – gritou de longe um garoto, achando graça da situação.

— Sei, Evan! – respondeu Jack, balançando a cabeça. – Sei!

— Esses garotos… — murmurou Jack consigo mesmo.

Jack deu uma risada e continuou a caminhada. Katherine sorriu, gostando de ver como Jack se sentia em casa ali. Sentiu-se balançada novamente em suas decisões. Provavelmente eles a manteriam em observação em qualquer lugar que estivesse, então talvez, apenas talvez, Broken Hill fosse a escolha mais agradável que ela poderia fazer.

Mas e Rachel? Katherine estaria sendo muito egoísta se escolhesse deixá-la. E sentiria a falta dela se passasse a semana toda naquele lugar!

Frustrada, Katherine seguiu o grupo, e parou também quando todos pararam em frente a um prédio baixo desagradavelmente familiar.

— Uma academia! – exclamou Ellen, juntando as duas mãos sobre o peito.

— Uma academia completa!— disse Olivia, aproveitando-se da empolgação de Ellen.

Ellen encheu os pulmões e suspirou. Katherine também.

Jack abriu a porta de casa e Katherine percebeu uma certa tensão nos movimentos dele. Não se sentia num bom momento para perguntar se havia algo de errado, então somente observou.

Como se ele soubesse da preocupação dela, olhou por sobre o ombro e piscou para Katherine com um sorriso.

A viagem de volta havia sido bem melhor agora que ela podia observar a paisagem campestre sem achar que o mundo estava acabando para ela. E, claro, David voltara no próprio carro, e poupou Katherine da companhia desagradável.

Ellen guardou o celular na bolsa, o que significava para Katherine que ela tinha algo importante para dizer e que exigiria toda a atenção.

— Olivia disse que vocês podem começar assim que estiverem prontos. O que, para mim, significa imediatamente – declarou ela, cruzando os braços. – Segunda-feira.

Katherine arregalou os olhos e se sentiu tensa. Os dedos imediatamente procuraram a marca de nascença dolorida e sensível.

— Você não vai deixar a gente escolher? – perguntou, a voz ficando aguda.

Ellen ergueu uma sobrancelha.

— É claro que não.

— Como assim? – rebateu Katherine.

— Você sabe muito bem o quanto eu esperei essa oportunidade de mandá-los para Broken Hill. Não me importa se você não quer ir por causa da sua amiga. Vai fazer novos amigos lá – disse Ellen, com tom definitivo. – Ou assim espero.

David olhou para Ellen, e então para Katherine. Katherine balançou a cabeça para Ellen, incrédula.

— Isso é ridículo – disse ela, por fim.

Saiu da sala sem olhar novamente nos olhos da mãe. Subiu as escadas e bateu a porta do próprio quarto.

Ligou para Rachel, retornando as milhares de mensagens que a amiga deixara no celular por causa da ausência na escola. Contou as notícias;

Sentiu vontade de chorar, mas tentou se segurar. Não aguentou quando ouviu a voz embargada de Rachel do outro lado da linha.

— Você não pode me deixar sozinha! – exclamou Rachel.

— Para com isso – murmurou Katherine. – Você vai se dar muito bem sem mim. Eu é que vou ficar sozinha.

— Você só precisa impedir que eles saibam quem é a sua mãe – sugeriu Rachel, tentando soar bem humorada. – Depois disso, você pode ser a Kate Flores.

— Se fosse só a minha mãe! – respondeu Katherine. – Eu já estou sentenciada antes mesmo de chegar lá. Sou enteada do vice-diretor e técnico do time de futebol.

— Se você puder esconder também que é irmã de David…

— É, como se nós não tivéssemos a mesma cara – resmungou Katherine.

Rachel riu do outro lado da linha, mas então sua voz ficou séria.

— Eu sei que é difícil para nós duas, mas vai ser um recomeço bom. Talvez sejam um bando de riquinhos usando uniforme, mas pelo menos você não vai chegar lá marcada. Não vai haver uma Emma Roberts que pega no seu pé há uns oito anos. E você não vai mais precisar fugir… dele.

Katherine engoliu em seco e não respondeu de imediato.

— Alex. Vou estar livre de Alex, e a muitos quilômetros de distância. Você tem razão — disse, por fim.

O silêncio de Rachel em resposta significava para Katherine que aquele assunto ainda era difícil para as duas. Já fazia mais de um ano desde o problema com Alex, e Katherine ainda perdia horas calculando novos trajetos para evitá-lo nos corredores e fugir de todas as possibilidades de encontrá-lo. E ele ainda a procurava.

— Prometo que vamos nos falar todos os dias – disse Rachel, depois de algum tempo, quebrando o silêncio. – E nos encontrar quando pudermos. Tipo cinema amanhã!

Katherine ouviu um som de David reclamando do lado de fora, perto demais. Em seguida, ele abriu a porta do quarto dela.

— Estou dentro, mas preciso desligar, Rachel – disse Katherine, fulminando David com o olhar. – O idiota do meu irmão quer alguma coisa comigo, e ele não sabe bater na porta.

Em vez de responder, Rachel simplesmente desligou. Katherine sabia que ela já conhecia muito bem a dinâmica das brigas dos dois para continuar na linha.

— O que você quer? – perguntou ela, deixando o celular de lado na cama.

David olhou para o lado, como se estivesse irritado de ter de pedir algo a ela.

— Acho que estou com torcicolo. Preciso de remédio, e não posso pegar porque a mamãe não quer que ninguém entre no quarto dela quando ela está se concentrando para gravar. Você tem?

Katherine franziu a testa.

— Torcicolo?

E então reparou nas olheiras de David. Estava olhando bem para o rosto dele pela primeira vez havia dias, e notou os sinais de uma noite mal dormida.

— O que aconteceu, David? – perguntou ela, séria.

David apertou os olhos para ela, desconfiado.

— Como sabe que aconteceu algo?

Katherine se levantou e foi até ele com o coração batendo forte no peito. David não saiu do lugar, e deixou que ela se aproximasse. Parecia tão tenso quanto ela. Quando Katherine tocou a nuca dele, ele deixou escapar um grunhido de dor e se afastou.

— Alguma coisa apareceu para você também? – perguntou ela, ansiosa. – E aplicou algo na sua nuca? Com uma seringa.

David olhou para ela como se ela estivesse completamente maluca.

— Eu vi, David. Um cara, alguma coisa, um vulto, sei lá. Completamente vestido de preto. Apareceu no meu quarto, aplicou alguma coisa em mim e desapareceu bem na minha frente! Eu vi!

— Sai dessa, Katherine – resmungou David. Os braços dele estavam arrepiados. – Não vem com essa de espírito. Meu pescoço só está dolorido. É torcicolo, e provavelmente você também deve estar porque fica deitada toda torta naquele sofá. Você tem o remédio ou não?

Katherine trancou o maxilar, irritada com ele. Invadia o quarto dela, debochava da história dela e ainda dava ordens nela.

Mesmo assim, respirou fundo e foi para o banheiro procurar o remédio.

Quando abriu as gavetas, percebeu, com um susto que alguém mexera nelas. Mas não fora espírito nenhum. Estavam sumidos todos os objetos pontiagudos, como alicates de unha e até um pincel de maquiagem com ponta de metal. E os remédios cuja bula advertia sobre o risco de superdose estavam desaparecidos também.

Com a mão fechada, ela bateu na bancada da pia, frustrada. Ela não conseguia nem formular pensamentos coerentes sobre aquilo. Como se esconder remédios e tesouras fosse impedi-la de tirar a própria vida. Era ridículo.

— Que foi? – perguntou David, intrigado. – Não achou o remédio?

— Ainda não – mentiu ela. – Mas acho que pode estar aqui na segunda gaveta.

Ela abriu a segunda gaveta, sem nem se surpreender com a ausência da agulha de um pequeno kit de costura, restando somente algumas linhas coloridas, e depois tornou a abrir a primeira gaveta. Pegou o relaxante muscular com a mão tremendo um pouco.

— Ah, estava na minha frente o tempo todo – murmurou, tentando disfarçar a irritação que fazia seu sangue ferver.

David pegou um comprimido e Katherine pegou um para si mesma também. Seria bom para a dor que ela mesma sentia na nuca, uma dor latejante a que ela já estava se acostumando.

— Obrigado – disse David, depois de tomar. Já estava quase saindo, quando parou de frente para a porta aberta e olhou para trás. — Trégua para a escola nova?

Katherine deu de ombros. David aceitou aquilo como um “sim” e saiu do quarto.

Katherine começou a fazer as malas no dia seguinte.

Era sábado de manhã, e felizmente Ellen e Jack haviam ido para Broken Hill fazer a matrícula dos dois, o que deixava a ela um pouco de paz na casa silenciosa. David só acordaria por volta do meio-dia, então ela aproveitou para ouvir música e arrumar as coisas com calma antes que ele começasse a entrar no quarto de cinco em cinco minutos para pedir ajuda com as malas.

Foi ao cinema com Rachel no sábado à tarde. Foi como se não tivessem se encontrado havia meses, e não dois dias, e Katherine não reclamou. Já estava carente da amizade desde já.

— Acho que é meu combo preferido – comentou Rachel, olhando para o movimento da rua distraidamente enquanto tomava uma colher do sorvete. – Cinema e depois sorveteria. Sabe que uma garota uma vez me chamou para sair e propôs esse programa, e eu desfiz o match?

— Ainda bem – respondeu Katherine, batendo em Rachel com o ombro. – Eu teria ficado com ciúmes.

— Eu mesma fiquei com ciúmes! – exclamou Rachel, fingindo estar indignada. Em seguida, virou para Katherine com um ar meio desanimado. – E então, sua mãe nem cogitou deixá-la escolher?

— Não, e ainda deu a entender que eu não consigo fazer amigos.

— Fala sério – resmungou Rachel, irritada. – Ainda dá tempo de você fugir lá para casa. Minha mãe gosta de você.

Katherine soltou o ar, frustrada, mas achou graça.

— Eu sei que ela gosta – falou, rindo. – Mas deve estar aliviada que eu vou embora e você vai poder se concentrar em entrar em Harvard.

Rachel soltou uma risada, e Katherine riu junto com ela.

— Vou sentir falta disso – Katherine falou, com um suspiro.

Rachel olhou para ela e suspirou também.

— Eu também.

Katherine foi embora da sorveteria sentindo um peso invisível sobre as costas, porque na tarde seguinte iria para Broken Hill.

Chegou em casa arrastando os pés, e terminou de arrumar as malas sem muita preocupação, porque voltaria no final de semana seguinte. Pelo menos isso ela conseguira de Ellen. Sendo honesta consigo mesma, Katherine sabia que só ela deixou os dois morarem na escola porque David se recusou a acordar cedo todos os dias para ir até lá com Jack de carro.

Provavelmente a primeira e única vez que ela se sentiria grata por David existir.

Teve outra noite péssima. Ainda estava com medo de ficar sozinha no escuro do quarto, mas se sentia ridícula por manter a luz acesa. Tentou apagar a luz e ligar a lanterna do celular, mas tinha a sensação de ver coisas se mexerem pela visão periférica, e apagou a lanterna em pânico.

Desistiu e acendeu a luz. Passou o resto da noite em claro, tentando se distrair com o livro que estava lendo. Era bom ela aproveitar esses últimos momentos de liberdade, porque não poderia mais passar a noite de luz acesa quando dividisse quarto com alguém.

Quando o sol finalmente despontou e os primeiros sinais de claridade atravessaram a janela do quarto, Katherine terminou de ler a última página e fechou o livro. Era um final triste, mas até que ela gostava.

Desenhou um pouco, querendo matar mais algum tempo. Já não tinha medo de dormir com a luz do sol lentamente preenchendo o quarto, mas aproveitou o raro momento de inspiração para enfrentar o caderno de rascunhos que andara evitando nos últimos meses. Havia muito tempo que ela não sentia mais prazer em desenhar.

Katherine bocejou, exausta. Depois de algumas páginas preenchidas e até mesmo alguns rabiscos coloridos, deixou de lado o caderno e apagou a luz do quarto, ficando apenas com a luz da manhã.

Dormiu por umas duas horas antes de ser acordada por uma música. Quando abriu os olhos, deu de cara com o celular de Ellen.

— Bom diaaaa, querida! – exclamou a mãe. – Kate hoje está indo para a escola nova! Está animada?

Katherine puxou o travesseiro e colocou sobre o rosto.

— Credo, mãe – resmungou, com a voz abafada pelo travesseiro.

— Adolescente ou aborrescente? – Ellen perguntou, empolgada, falando com os seguidores no vídeo. – Votem na enquete!

Em seguida, Katherine ouviu a porta se fechar novamente e tirou o travesseiro da cara.

— Fala sério – murmurou, arrastando-se para fora da cama.

Andou até o banheiro e fez a higiene de sempre. Tomou um banho rápido e saiu com uma toalha na cabeça, mas achou melhor voltar. Péssima ideia quando corria o risco de ser exposta novamente para os seguidores de Ellen.

Secou os cabelos e os prendeu em um coque, e só então saiu do quarto. Como já havia previsto, encontrou David e Ellen gravando vídeos na cozinha.

Sentou-se ao lado de Jack, que estava com uma cara péssima. Tão ruim quanto a dela, na verdade.

— Oi, Jack. Já deu bom dia para os seus seguidores?

— Não, mas vi você reclamando no Twitter.

Katherine olhou para ele com os olhos arregalados.

— Fala sério! Vou bloquear você!

Jack soltou uma risada e deu de ombros.

— É brincadeira. Há quanto tempo você não dorme? – perguntou ele. Katherine notou que ele estava mantendo os olhos baixos, fixos até demais nos ovos mexidos.

— Olha só quem fala – respondeu ela. – Com o que está tão preocupado? Você está esquisito há dias.

Jack olhou para ela e deu um suspiro. Katherine entendeu que ele não responderia e deu de ombros também, concentrando-se no próprio café da manhã.

Algumas horas depois, saíram de casa. David insistiu para ir no próprio carro, o que Katherine achou ótimo, pois ele exalava o forte perfume de Emma Rogers. Ela presenciara a dramática despedida dos dois na calçada, com promessas de amor eterno e ligações por vídeo todas as noites.

Foi então sozinha no carro com Jack, já que Ellen se despedira dos dois em casa e ficara para fazer uma live de treino intensivo que já estava prometendo havia semanas.

— E então… — começou Katherine, querendo descobrir o que esperava por ela na escola. – Há quanto tempo conhece a Olivia?

Jack olhou para ela com a testa franzida.

— Olivia? Acho faz, sei lá, uns dez anos. Por quê?

Katherine deu de ombros.

— Achei ela meio esquisita. Ela vai ficar me vigiando?

— Por que ela ficaria te vigiando? – disse ele, surpreso. – É claro que não. Ela tem mais o que fazer do que…

— Jack, eu sei sobre a clínica – Katherine o interrompeu, nervosa. – Ouvi vocês falando sobre me internar. Qual é a pegadinha?

Jack não pareceu surpreso, o que intrigou Katherine. Ela achou que estava começando uma discussão enorme que perduraria por vários quilômetros, mas ele não perdeu a postura tranquila, embora ainda estivesse com o olhar distante.

Vendo que ele não estava dizendo nada, ela continuou:

— Vocês estão no meu pé, esconderam os remédios e até os objetos pontiagudos. A mamãe teria me internado naquela noite se…

— Se eu não tivesse impedido – foi a vez de Jack interrompê-la. – Se você ouviu essa parte, então já deve imaginar o que eu penso sobre isso.

— Que é…?

Jack sorriu, mas manteve os olhos na estrada.

— Confio na sua médica, e confio em você. Não quero que se sinta em um zoológico. Nem pense que alguém vai ficar te seguindo e me contar sobre todos os seus movimentos. É só uma nova oportunidade. Um ambiente diferente, pessoas diferentes. Onde ninguém sabe quem é você, ou ninguém se importa com quem a sua mãe é.

Ela engoliu em seco. Era a mesma coisa que Rachel dissera. Talvez eles tivessem razão, e Katherine devesse ver as coisas sob uma perspectiva diferente. As paranoias deviam ser coisa do período de adaptação dela com os novos remédios, só isso. E talvez a pessoa que mais queria vê-la internada fosse ela mesma.

— Valeu, Jack – disse ela, depois de refletir um pouco. – Acho que posso ver isso como uma nova oportunidade.

Jack sorriu para ela em resposta, e os olhos se enrugaram. Ele definitivamente parecia preocupado, mas ainda assim estava ali por ela. Katherine sorriu também.

Quando chegaram, Jack avisou que poderiam deixar as coisas nos carros. Atravessaram o estacionamento, e Katherine vislumbrou novamente o conversível azul escuro enquanto escorregava sobre cascalho, entre outros belos carros.

Enquanto passava pelo mesmo corredor de paredes vermelhas e o belo tapete bordado, Katherine não via mais o lugar como uma mansão vazia e distante. Agora, com centenas de pessoas espalhadas pelas mesas, pelo gramado e pelos corredores, parecia mais familiar, de certa forma. Ainda não se parecia com uma escola, no entanto. David se juntou a eles no salão.

— As pessoas são um pouco… - falou.

— Alternativas? – Jack completou.

— É uma forma de dizer – Katherine concordou.

Subiram as escadas de madeira e várias pessoas cumprimentavam Jack com a cabeça, respeitosamente.

— Por aqui – disse ele, conduzindo-os pelo corredor do dormitório masculino.

Katherine ainda não falara diretamente com David naquele dia, embora estivesse andando lado a lado com ele. Seguiram Jack e entraram atrás dele em um quarto cuja porta já estava aberta.

Jack se virou para os dois e cruzou as duas mãos na frente do corpo. Manteve o olhar no chão pelo tempo que pôde, mas finalmente encarou os dois.

— É o seguinte – falou finalmente. O pomo de adão subia e descia. – Estamos esperando uma outra garota terminar algumas provas finais de matérias pendentes para poder se formar.

Katherine umedeceu os lábios, já sentindo o nervosismo.

— E daí?

— Durante esses dias, vocês vão dividir o quarto – declarou ele.

O quê?— berraram os dois, ao mesmo tempo.

— São só alguns dias, eu prometo – insistiu ele.

— Jack, você não pode fazer isso – Katherine suplicou. – Eu prefiro voltar para casa com você.

Jack não deu ouvidos a ela e começou a caminhar para fora do quarto. Katherine correu atrás dele, enquanto David se jogava despreocupadamente em uma das camas. Ele claramente não gostava da ideia, mas não se incomodava tanto assim.

— Por favor, Jack – disse Katherine, já no corredor. – Ele me deixa louca. Eu não aguento fazer isso. Me leva com você, só até a garota se formar?

Jack suspirou e colocou a mão sobre o ombro dela.

— Você vai ficar com raiva de mim, não importa – falou ele, calmamente. – Mas eu não vou tratá-la como uma bonequinha de cristal. Você é forte, Kate. Saia da sua zona de conforto e enfrente os seus desafios.

— Eu não sou forte nada – insistiu ela. – Você sabe que eu estou sempre por um fio. Eu nunca estou na minha zona de conforto!

— É a garota mais forte que eu conheço – disse Jack, olhando nos olhos dela com confiança. – Não vou mais deixá-la se esconder dos problemas atrás de uma porta fechada. E outra, o que os seus colegas vão pensar se a virem chegando com o vice-diretor todos os dias? Quer mesmo ser a protegida?

— Não… — respondeu Katherine, emburrada e fitando o chão.

Sabia que a batalha estava perdida. Jack estava com alguma ideia de ensinar uma lição valiosa a ela, e não mudaria de ideia, não importava o quanto ela implorasse.

Ele olhou para os dois lados do corredor vazio e a abraçou. Katherine valorizou o gesto, porque sabia que Jack adoraria fazê-la passar vergonha só por diversão, mas só a abraçou depois de garantir que ninguém veria.

— Eu te odeio, sabia? – disse Katherine, depois que se soltaram do abraço.

— Eu sei que não odeia – respondeu Jack, sorrindo. — Até amanhã.

Depois disso, ele se afastou pelo corredor.

Katherine se deu por vencida e entrou no quarto de novo. Passou reto por David, ainda deitado na mesma posição, e foi olhar para a varanda. Quando chegou lá, sentiu uma coisa estranha. Uma sensação de desconforto, e o coração se acelerou. Ela se encostou nas grades da sacada, em busca de apoio.

Finalmente, percebeu o que havia de errado. O cheiro. O mesmo perfume forte que sentira na noite da alucinação. O perfume forte, doce e carregado que a vinha assombrando por dias. E então, algo chamou a atenção em sua visão periférica.

Um arranjo de flores negras balançava com o vento suave do começo da noite. Katherine inspirou profundamente quando outra corrente de vento trouxe o perfume em cheio no rosto dela. Com o coração disparado, ela encarou as estranhas flores e tentou imaginar qual poderia ser a relação entre elas e o espírito. Será que ele aparecera para avisá-la sobre o que estava por vir?

Mas a dor não fazia sentido. Seria uma mensagem? O espírito queria dizer que o cheiro – e a escola – trariam sofrimento a ela?

A dor!

— David! – chamou ela, entrando novamente no quarto. – Venha aqui! Agora!

David olhou para ela com um misto de surpresa e descrença. Provavelmente não estava esperando que Katherine falasse com ele pelos dias que viriam. Katherine imaginou que ele só obedeceu pela curiosidade.

Quando ele chegou à varanda, Katherine apontou para as flores.

— Já sentiu esse cheiro?

David franziu o cenho e se aproximou das flores. Inspirou profundamente e fez uma careta.

— Argh, é forte – resmungou. – Já senti, sim. É familiar.

— E você já viu uma flor dessas na vida? – continuou Katherine, ansiosa.

— O que é isso? Está brincando de detetive? Ficou doida de vez?

— É só responder, David!

— Tá, Katherine. Nunca vi uma flor dessas na vida.

Katherine assentiu e bateu o pé no chão, impaciente.

— Você se lembra de sentir esse cheiro quando a sua nuca começou a doer? E você disse que era torcicolo?

David abriu a boca com uma expressão irritada, mas algo o deteve. Os olhos dele se arregalaram.

— Como sabe disso? – perguntou ele. O rosto exibia uma expressão meio desconfiada. Parecia assustado também. – O que você fez?

— É familiar para mim também – disse ela, tentando desconversar e esconder o nervosismo. – Muito estranho.

David revirou os olhos e voltou para a cama.

— Não tem nada de estranho. Deve ser só Jack levando o cheiro para casa depois de arrumar o quarto para nós.

— É, deve ser só isso – concordou Katherine, querendo que David parasse de falar para ela poder pensar.

A princípio, pareceram apenas coincidências, mas, como Jack dissera, ela não podia se manter na zona de conforto e assumir que eram meras coincidências inofensivas. Era um mistério de várias peças, e faltava alguma coisa para juntar tudo.

Antes que ela pudesse pensar em algo que fizesse sentido, ouviu algumas batidas na porta e se assustou. Olhou para David, esperando que ele fosse abrir, mas ele nem se mexeu. Katherine então respirou fundo e se levantou.

Ao abrir a porta, encontrou as bagagens que haviam deixado nos carros, e mais ninguém. Katherine deu uma outra olhada no corredor, e viu que ele estava vazio.

— Acho que algum vizinho bateu aqui para avisar que as nossas coisas estavam na porta – disse ela para David. Na verdade, só queria dizer em voz alta para tornar as coisas menos estranhas e tentar acreditar na própria hipótese.

David a ignorou. Katherine sentiu a nuca e os braços se arrepiarem, mas levou as malas para dentro. Não conversaram mais depois do estranho incidente do perfume.

Mais tarde, quando foram dormir, Katherine não teve coragem de dizer nada a David sobre as luzes. Também não conseguiria acender a lanterna do celular. Acabou por se deitar imóvel, congelada de medo de alguma coisa que ela não saberia nomear, até pegar no sono pela exaustão.

Na manhã seguinte, estavam ambos atrasados, mas David não pareceu se importar muito.

Katherine não queria falar com ele, mas se viu obrigada quando já estava esperando para usar o banheiro já havia uns 40 minutos.

— David, se você não sair do banheiro logo – ameaçou Katherine para a porta fechada –, eu derrubo essa porta e bato em você com a maçane…

David de repente abriu a porta, que bateu no rosto dela.

— Bem feito – disse ele, rindo.

— Nós temos aula, idiota – respondeu ela, vermelha de raiva. – Não pode passar uma hora no banheiro todas as manhãs.

David encolheu os ombros e Katherine entrou no banheiro correndo. Quando ela saiu, David já estava em pé com uma mochila nas costas.

— Você só usa o cabelo assim agora? Com tranças?

Ela olhou para ele com as sobrancelhas erguidas. E daí se ela usasse? O que ele tinha a ver?

— Acho que sim – respondeu, tentando evitar as grosserias que ela pensara em responder. – Por quê?

Zona de conforto, nova oportunidade, bons relacionamentos, repetiu ela mentalmente para si mesma. Enfrentar os desafios.

E David era um senhor desafio.

Ele deu de ombros.

— Acho melhor que o rabo de cavalo de antes – falou, simplesmente. – Não usa mais o cabelo solto nunca?

Katherine o encarou, imaginando por que David estava falando sobre o cabelo dela.

— Não.

David assentiu com a cabeça e foi na direção da porta, sem dar muita atenção à estranha conversa. Katherine o seguiu, ainda pensando no que ele dissera. Alex sempre exigia que o cabelo dela estivesse solto, porque ele achava mais feminino. Então ela começou a mantê-lo preso já havia mais de um ano.

Saíram pela porta em direção ao pátio, na esperança de encontrar Jack ou Olivia para orientá-los. Katherine inclusive mandou mensagens para Jack, e não obteve resposta.

Na medida em que atravessava o longo corredor do dormitório, Kate viu que todos os meninos a observavam com expressões esquisitas e seu rosto ficava cada vez mais vermelho.

— David, rápido, olha aqui – sussurrou ela, nervosa. – Por que todos eles estão me encarando? Tem alguma coisa errada comigo?

David achou graça.

— Estão encarando porque você é uma garota no dormitório masculino.

Katherine terminou o trajeto do corredor com o rosto quente, parecendo um pimentão. Quando finalmente chegou às escadas, encheu os pulmões e soltou um suspiro de alívio. Ela gostaria mesmo de falar com Jack agora. Aquilo não era sair da zona de conforto. Era dançar descalça sobre carvões em brasa acesos no fogo do inferno.

— Nós vamos sair mais cedo amanhã – falou para David com a voz séria. – Não quero passar pelo corredor da vergonha de novo.

David olhou para ela, sem dar muita atenção.

— Nós, nada. Se quiser acordar mais cedo, acorde sozinha – disse ele, e então se inclinou sobre a varanda de madeira para olhar para baixo. – Ei, estão terminando o café da manhã!

Katherine se debruçou na sacada também, para poder ver.

— Eu falei que a gente estava atrasado – disse ela.

— Que droga – murmurou David. – Sem café da manhã.

Ela revirou os olhos.

— Vai lá comer alguma coisa enquanto eu procuro o Jack, David – Katherine falou, sem paciência. – Que droga digo eu.

David desceu as escadas apressado, mas contente como uma criança. Ela desceu atrás dele, tentando ignorar os olhares das pessoas que cruzavam com eles nas escadas. Ela nunca havia sido a garota nova em lugar nenhum. Estava na mesma escola com literalmente as mesmas pessoas na cidadezinha de Glaston desde sempre. Cada passo que dava naquele ambiente desconhecido a deixava nervosa.

Felizmente, os outros alunos pareciam mais preocupados com o início das aulas do que com os julgamentos que fariam da garota nova. Poderiam se importar com aquilo mais tarde.

Katherine encontrou Jack de longe, tomando uma xícara de café enquanto conversava com Olívia em uma das mesas de piquenique no canto do salão.

— Bom dia, Katherine – disse Jack, acenando com a cabeça quando ela se aproximou.

— Olá, Jackson – cumprimentou Katherine, imitando-o. Ainda estava um pouco irritada com ele. – Bom dia, Olivia.

Olivia abriu um sorriso caloroso para Katherine.

— Bom dia – respondeu ela. – Estou feliz de tê-la aqui, Katherine. Espero que você e o seu irmão gostem de Broken Hill.

Katherine sorriu para ela em resposta, impaciente.

— Será que pode nos contar sobre a parte da escola? – falou para Jack, descontando um pouco da irritação. – Tipo, as aulas e as salas. Já sou a garota nova, não quero ter que entrar atrasada em alguma aula.

Jack assentiu e se levantou da mesa, cumprimentando Olivia com um aceno de cabeça. Começou a caminhar com Katherine indo em direção à mesa onde David comia.

— Bom dia, David – disse Jack, apoiando uma mão na mesa.

David respondeu com um grunhido, de boca cheia. Jack continuou:

— Vocês terão História, Biologia e Física até o almoço – explicou. – Para chegar às salas, vocês vão por aquele corredor embaixo das escadas. Entrego os livros de vocês na hora do almoço, encontrem-me aqui.

Katherine não achou a menor graça em Jack colocá-la em todas as aulas com David.

— É por pouco tempo – disse ele, como se soubesse que ela queria reclamar. – Estamos ajeitando vocês nos horários ainda.

— Tudo bem – concordou Katherine, tentando fazer um esforço. — Sem problema.

— Só mais uma coisa – Jack acrescentou. – Tentem não se meter em confusão.

Katherine revirou os olhos, mas David franziu a testa e questionou:

— Mas em que tipo de confusão nós poderíamos nos meter?


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Notas finais do capítulo

família a gente nao escolhe né
espero que gostemmmm, muito obrigada por ler, quem pudem comentar estamos aí ♥



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