Sede de Poder escrita por Mermaid Queen


Capítulo 3
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

capítulo grande mas confesso que amo



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Katherine não estava dormindo ainda, e a madrugada estava avançada. Ela realmente fora à consulta, e havia recebido em troca muitas coisas em que pensar. Coisas que não a deixavam dormir.

Ela respondia bem aos remédios no que dizia respeito à ansiedade. Já havia algumas semanas que ela se tornara um poço de tranquilidade que nem David conseguia perturbar com facilidade – a menos que ele se esforçasse, e às vezes ele se esforçava.

Mas a depressão estava do mesmo jeito, talvez um pouco pior do que Katherine admitira à médica. E havia, claro, o outro problema. Que ela pensava em tirar a própria vida durante todas as horas do dia.

A razão de Katherine estar inquieta naquela noite era que ouvira uma conversa de Ellen e Jack na cozinha naquela noite, mais cedo, quando ela descia para comer alguma coisa.

— Será que ele não pensou neles? – disse Ellen, indignada, mantendo a voz baixa, porém aguda. – Não pensou em como afetaria as crianças?

A voz dela foi embargando, e Katherine percebeu que a mãe chorava. Sem pensar, levou a mão à nuca e passou os dedos sobre a pequena superfície irregular da marca.

— Eu vou colocá-la em uma clínica – continuou Ellen, e Katherine sentiu o sangue congelar. – Não vou pagar para ver. Amanhã, quando acordar, vou enfiá-la no carro e…

— Não, amor – argumentou Jack, também mantendo a voz baixa. — A psiquiatra disse que ela tem algum tempo para ficar sob a nossa observação. Nós todos seremos mais compreensivos, vamos prestar mais atenção nela e relatar o comportamento para a médica. Para ela avaliar e juntar com o que Katherine disse na consulta e, se for preciso, aí ela será internada.

Nossa, Katherine estava ferrada. Essa conversa de clínica psiquiátrica era bem mais séria do que ela imaginava. E aquela psiquiatra agindo pelas costas dela ainda por cima! Só porque ela queria se matar não significava que ela iria se matar. Que saco.

— E se nós a levássemos à igreja aos domingos? – sugeriu Ellen, soando pensativa. Jack deu uma risada sarcástica, o que a confortou minimamente.

Ela achou que já havia escutado o suficiente e subiu em silêncio para o quarto, rapidamente para não arriscar ser pega. E estava pensando naquela conversa já fazia horas.

Bom, pelo menos ela já tinha melhorado um pouquinho. Se fosse em outros tempos, teria chutado a porta da cozinha e gritado que ninguém ia levá-la a força para lugar nenhum, quanto mais para uma clínica! E, naturalmente, esse surto teria feito com que Ellen nem esperasse a manhã seguinte para interná-la à força.

Ela podia pelo menos fingir, não podia?

É, mais ou menos. Fingir emoções, não muito. Aquela apatia dela seria difícil de disfarçar, mas ela podia tentar. Talvez, se entrasse para um daqueles clubes ridículos com Rachel, ficaria menos tempo em casa e eles ainda pensariam que ela estava interessada por alguma coisa diferente.

— Ter interesse por coisas é sinal de que a depressão melhorou – sussurrou ela, para ela mesma. Falar em voz alta a ajudaria a organizar os pensamentos. — Talvez algum esporte e assim eu me livro da academia.

Besteira, Ellen nunca a deixaria se livrar da academia.

Foco, Katherine. Primeiro clínica, depois igreja, e por último academia.

Na verdade, se Ellen soubesse que não poderia montar um cardápio ridículo para ela e ela teria que comer carboidrato puro em todas as refeições na clínica, talvez fosse o suficiente para fazê-la desistir da ideia. Ela podia tentar essa. Daí só sobrava a psiquiatra traíra e Jack, até porque David não estava nem aí.

Katherine pensaria em alguma coisa. Ela estava disposta até a tratar Emma Rogers como um ser humano se isso significasse liberdade.

— Pesquisar a comida de clínica psiquiátrica – murmurou ela, querendo se lembrar disso na manhã seguinte. — Ué…

Katherine parou.

Uma nuvem de perfume carregado passou por ela, como se tivesse alguma presença esquisita invisível. Ou alguém. Alguma coisa muito perfumada. Ela ficou imóvel. Mesmo que quisesse se mexer, não estava conseguindo, tamanho era o medo que estava sentindo. Muito medo mesmo.

Tentou ficar deitada, imóvel, porque se aquilo fosse um espírito, quem sabe fosse embora logo. Ela já era atormentada o suficiente para ainda surgirem assombrações para piorar tudo. Se bem que uma menina com quem ela brigara no clube de debate sempre estava falando sobre energia, e quanto mais pesada fosse a energia, mais espíritos podia atrair. Será que quem tem depressão tem energia pesada?

E então ela ouviu um rangido no corredor, e o coração quase explodiu. Não era David, nem Jack e muito menos Ellen, e ela sabia disso porque conhecia muito bem o som que cada um deles fazia enquanto andava pela casa.

Então só podia ter alguém dentro de casa.

Katherine saltou da cama, querendo se esconder na parede atrás da porta. A porta do quarto estava aberta, então ela estaria mais exposta se ficasse lá esperando ser morta deitada na cama. Principalmente se fosse ele.

O surto de coragem estava mais para surto do que para coragem, mas ela permaneceu com as costas coladas à parede e esticou o braço para pegar o taco de beisebol que ficava encostado no guarda roupa. Ela sentia os próprios batimentos explodindo por todo o corpo, tão alto que temeu que o invasor escutasse. Se é que havia um invasor.

Não é ele, pensou ela consigo mesma. Não pode ser ele. É só coisa da minha cabeça.

Ela já tinha falado sobre isso na terapia, e estava superando. Era como se Alex estivesse o tempo todo à espreita dela, esperando o momento certo para matá-la como prometeu que faria. A terapeuta disse que ele tinha falado da boca para fora, no momento da raiva, e Jack e Ellen concordavam. Mas Katherine nunca se esqueceria daquilo.

E aí veio o ruído das tábuas no corredor.

Katherine quase pulou. Olhou em volta, pensando no que fazer. Não era um espírito coisa nenhuma, era passo de gente mesmo. Desistiu de prender a respiração. Se fosse Alex, ela faria um escândalo e acordaria a casa toda. Ele podia até matá-la, mas não escaparia de novo.

Tendo isso em mente, e não conseguindo segurar o taco direito de tanto que tremia, ela reuniu toda a coragem que tinha — que também não era muita — e botou a cabeça no corredor para espiar.

O sangue dela congelou, mas não havia nada. Só escuro. Ela não sabia se era bom ou mau sinal, mas, tentando enxergar como a primeira opção, deu um passo para fora do quarto. E foi andando no corredor com a arma empunhada, embora já estivesse começando a achar que era mesmo tudo coisa da cabeça dela.

Talvez a clínica psiquiátrica não fosse tão ruim assim. O comportamento de Katherine era mesmo bem questionável, se ela parasse para pensar. Tipo ex-namorado assassino super perfumado.

Mas todo o pensamento lógico foi por água abaixo quando Katherine ouviu um barulho alto de rangido imediatamente atrás dela. Virou-se violentamente com o taco, sem nem pensar onde ou o que estava acertando, ou se estava acertando. Mas acertou.

— Meu deeeeeus – David ganiu de dor, rolando no chão. – Você ficou malucaaaaa!

Sem saber o que fazer, Katherine correu para o próprio quarto e fechou a porta com força atrás de si, porque David podia muito bem matá-la no lugar do assassino perfumado.

Jogou o taco atrás da porta e se encolheu sobre a cama respirando rápido, esperando David derrubar a porta para esmagar a cabeça dela com as próprias mãos.

Mas ele não apareceu. Katherine até o ouviu resmungando do lado de fora, mas a porta do quarto dele se fechou com um barulho alto.

Ela voltou a se deitar, agora completamente convencida de que o cheiro fora coisa da cabeça dela. A casa em completo silêncio dava força a essa hipótese. Ela deu de ombros e começou a trabalhar a respiração para conseguir se acalmar e poder dormir em paz. Talvez em paz fosse exigir demais de si mesma.

E estava quase dando certo. Quase mesmo. Katherine mal percebia os pensamentos embaraçados quando sentiu a cama atrás de si afundar com o peso de alguém – ou algo. Ela já começava a reagir quando sentiu a agulha fria penetrar a pele da nuca, causando-lhe uma sensação de fogo de espalhando por baixo da pele, correndo por todos os vasos.

Katherine virou a cabeça violentamente para trás, a tempo de ver uma figura completamente vestida de preto. Se não visse a cama afundar, poderia tê-la confundido com um vulto.

Mas o vulto segurava a seringa em mãos enluvadas, e acenou a cabeça para ela antes de desaparecer. Literalmente.

— Mas que po…

O palavrão deu lugar a um arquejo, e Katherine se contorceu. Uma dor profunda se irradiava da nuca para a cabeça, e a sensação era de que as têmporas derreteriam e os olhos saltariam para fora. Sem falar no topo da cabeça, que parecia estar sendo martelado com um prego.

E como se não desse para piorar, a dor começou a descer como veneno pela coluna vertebral dela, fazendo-a arquejar as costas com violência.

Katherine não conseguia pensar, ouvir, falar, e só enxergava vermelho e dor.

E o pior, ela já sentira aquela dor antes. A lembrança a atingiu como uma visão, fragmentada entre os pulsos de dor, de quando ela tivera uma infecção de garganta e o pai chamara um médico para atendê-la em casa. Tomou a injeção de antibiótico e teve a reação de dor e ardência, embora tenha sido bem menos violenta. Todos acharam que fosse uma reação alérgica ao antibiótico. Ela até havia sido internada para ficar sob observação, e no fim voltou para casa, por volta dos seus onze anos.

Depois do que pareceram horas, a dor começou a ceder. Katherine relaxou o corpo na cama, coberta de suor. Estava exausta, sem forças para sentir medo.

Ela se arrastou para fora da cama e se firmou nas pernas trêmulas. Era a sensação de ter corrido dez quilômetros, e isso era algo que ela conhecia bem. Estava até um pouco ofegante, com a respiração entrecortada.

Entrou no banheiro e olhou para si mesma somente de relance, porque não queria encarar o terror nos próprios olhos, e finalmente ligou o chuveiro.

Quando a água quente atingiu a nuca, Katherine estremeceu sob o pulso elétrico que se espalhou pelo corpo todo. Sentiu todos os pelos se eriçarem e vomitou.

Estava assustada demais para formular hipóteses coerentes. Ela vira um cara simplesmente sumir. Aquilo podia ser uma alucinação? Até que sim, mas não a dor. A dor fora mais real do que qualquer coisa que ela já sentira.

Ela nunca havia contado aquela história da alergia ao antibiótico para Alex, mas e se ele tivesse descoberto sozinho? Poderia ter contratado alguém para injetar mais daquilo nela e matá-la sem vestígios? Ele era cheio da grana, e havia prometido uma vingança, então talvez sim.

Mas qual seria a graça de matá-la assim? Alex era fã de um espetáculo, com certeza teria feito pior.

— Mas não é fã de cadeia – murmurou Katherine, baixinho para si mesma. Novamente, os pelos da nuca se arrepiaram e espalharam eletricidade pelo corpo todo.

Saiu do banho e se sentou sobre a cama, com o olhar fixo no chão. Ainda estava ensopada, e os cabelos pingavam sobre os lençóis. Ficou lá, tremendo apesar do calor.

Era uma droga de sinuca de bico em que ela havia se metido. Não poderia sair batendo nas portas para anunciar que um fantasma mascarado injetara antibiótico nela e depois desaparecera. E pior, ela esmagara David com um taco de beisebol na mesma noite. E mencionar o cheiro doce suspeito?

Katherine estaria pedindo para ser internada.

De novo, cogitou que talvez fosse mesmo a melhor coisa para ela. Quer dizer, é claro que o mascarado parecia real, todas as alucinações parecem reais, se não ninguém as confundiria com a realidade. Katherine poderia estar mostrando sinais de esquizofrenia, e isso não era brincadeira.

— Droga – sussurrou ela.

Mordeu o lábio inferior. Talvez ela estivesse tomando conclusões precipitadas. Ela só precisava pensar um pouco sobre o que estava acontecendo. E sabe qual lugar não é um bom lugar para pensar?

Isso mesmo, o hospital psiquiátrico.

— Sem clínica então – decidiu.

Fingiria que tudo estava bem, pensaria em uma boa desculpa para ter acertado David e tentaria acertar os próprios pensamentos sozinha, e de preferência em liberdade.


Katherine passou o resto da madrugada assistindo alguns vídeos, embora não conseguisse se concentrar em nenhum deles. Mas seria insuportável passar horas sozinha e em silêncio com os próprios pensamentos, então o barulho era bom.

Sempre fora bom evitar a si mesma.

Quando o despertador finalmente tocou, ela se levantou da cama mecanicamente. Estava exausta, mas não conseguiria pregar o olho nem se quisesse. E não queria, porque o medo de sonhar com o invasor ou com Alex era maior que qualquer cansaço.

Infeliz, abriu a gaveta de maquiagem. Procedimento de emergência.

Carregou a mão de corretivo sob os olhos, querendo apagar as manchas roxas das olheiras e disfarçar os olhos fundos. Continuou a maquiagem e finalizou com blush e até gloss, porque estava querendo impressionar.

Escolheu uma das blusas que Ellen comprara para ela, e um dos jeans que a mãe gostava mais. Depois de trançar os cabelos, estava esgotada, mas se sentia com a aparência de uma rainha de baile de formatura.

Ellen estava gravando um vídeo da cafeteira produzindo seu café matinal em sua xícara mais enfeitada quando Katherine pisou na cozinha.

— Bom dia para vocês! – disse ela, exibindo o melhor sorriso que pode forçar.

— Bom dia, querida – Ellen respondeu, com os olhos fixos na tela enquanto postava o vídeo.

Jack olhou para Katherine com uma expressão escandalizada, mas não disse uma palavra. A boca dele estava aberta, e a testa franzida. Ela apertou os olhos para ele, desafiando-o a dizer algo.

— Meu deus! – berrou Ellen, de repente, com os olhos arregalados. – O que aconteceu com você?

Katherine sorriu.

— Katherine aconteceu! – retrucou David, entrando na cozinha.

Katherine se virou para olhar para ele, e o sorriso sumiu. David entrou na cozinha sem camisa, com um hematoma enorme em tons de roxo e vermelho que marcava as costelas e se espalhava para a barriga.

Ellen se virou para questionar Katherine, mas o queixo dela caiu.

— E o que aconteceu com você? – berrou, tão impressionada quanto estivera com David. E quase se esquecendo dele.

Katherine deu de ombros. Ellen valorizava mesmo uma boa aparência mais do que qualquer coisa no mundo.

— Será que vocês podem explicar o que está acontecendo? – interrompeu Jack, mantendo a voz calma.

Ele mantinha os olhos fixos e atentos em Katherine, mas ela não disse nada. Fugiu do olhar dele e esperou para ver o que David diria.

— Eu saí do meu quarto na noite passada e Katherine estava lá do lado de fora – contou ele, quebrando o silêncio. – E assim que eu abri a porta, ela acertou o taco em mim e saiu correndo.

— O taco de beisebol? – perguntou Jack, arregalando os olhos.

— Calma – disse Katherine, em pânico, erguendo as mãos. Jack era a única coisa entre ela e a clínica psiquiátrica, ela precisava do apoio dele. – Não foi bem assim. Estava escuro, e eu ouvi um barulho. E como David tem mania de chegar tarde e nunca trancar a porta de casa, fiquei com medo e achei que alguém tivesse entrado aqui.

Uau, pensou ela. Bom plano.

— Não teve barulho nenhum, Katherine – retrucou David. – E eu tranco a porta sim.

David estava na defensiva. Foi bem mais fácil do que ela esperava.

— Então por que você saiu no corredor? – insistiu ela, acusatória.

— Eu só queria água – respondeu David, parecendo indignado.

Ellen olhava para os dois como se assistisse a uma partida de tênis.

— Eu ouvi o barulho e fiquei com medo – concluiu Katherine, como se tivesse vencido ali a discussão. – Eu estava no corredor completamente escuro, e então aparece uma pessoa enorme atrás de mim? O que você faria?

David piscou demoradamente. Ele aparecera sem camisa na cozinha justamente para fazer uma cena, mas Ellen já havia voltado sua atenção para o celular e Jack para a comida, as coisas preferidas de cada um. Até mesmo se a comida fosse uma crepioca, Jack poderia dedicar todo o seu amor a ela.

Katherine deu de ombros, satisfeita, e agarrou uma maçã. Normalmente, receberia um olhar de censura da mãe por não estar consumindo proteína ou algo do tipo, mas Ellen estava satisfeita demais com a aparência dela para dizer algo.

Pegou a mochila na sala e foi para o carro de David. Considerou bastante ousadia da parte dela optar pelo carro dele em vez de ir direto para o ônibus, mas se manteve firme.

Quando David saiu pela porta e a identificou no banco do carona, ele imediatamente trancou o maxilar. Katherine achou mesmo que ele mandaria que ela saísse do carro e se virasse para ir para a escola. Mas ele só se sentou e evitou olhar na direção dela.

— Sinto muito, David – disse ela, tentando amenizar as coisas. – Não foi por querer, eu juro.

— Tanto faz, Katherine – respondeu ele, mantendo o olhar fixo na rua.

E foram em silêncio.


Rachel estava sentada no mesmo lugar de sempre, no fundo da sala, quando Kate chegou. Olhou para Katherine como se ela houvesse sido abduzida.

— Hãn, oi? Quem é você e o que fez com Katherine Flores?

Katherine lançou a ela um olhar divertido e se sentou também no lugar de sempre.

— Se minha mãe a ouvir me chamando de Flores, você sabe o que acontece – brincou ela. – A última pessoa que fez isso nunca mais foi vista.

Rachel soltou uma risada.

— Mas falando sério, porque você está vestida assim?

— Assim como? Como se tivesse passado a tarde com Emma Roberts na Forever 21?

Rachel ergueu as sobrancelhas, insistindo para que ela continuasse.

Katherine estava enrolando porque não queria falar sobre o que ouvira da clínica psiquiátrica, e ter mais uma pessoa de olho nela. Ela sabia que Rachel nunca a trairia, mas mesmo assim tomaria cuidado.

— Minha mãe anda pegando muito no pé por causa das minhas roupas – disse ela por fim, o que não era exatamente uma mentira. – Se isso me fizer ganhar tempo e um pouco de paz, estou dentro.

— E admiradores, fala sério – Rachel falou, olhando em volta.

De fato, algumas pessoas da sala estavam lançando olhares na direção de Katherine. Mas ela não levava aquilo muito a sério. Aliás, a deixava bastante constrangida. Ela deu de ombros.

Rachel entendeu o gesto e parou de fazer perguntas para dar espaço a Katherine. Voltou a atenção para o livro que estava lendo, e Katherine pegou o próprio livro na mochila e a imitou, querendo aparentar normalidade. Gostava da amizade com Rachel ser assim, sem pressão. E com silêncios confortáveis, apesar dela mesma não estar nada confortável.

Katherine não conseguiu ler uma única página do livro. Procurou rapidamente pelos fones de ouvido com as mãos trêmulas, porque não aguentaria se começasse a pensar no que acontecera na noite anterior. Quando a música finalmente explodiu em seus ouvidos, os olhos dela já estavam marejados e o coração martelava o peito.

Ela poderia lidar com aquela ansiedade. É claro que sim. Só teria que driblá-la com música e exercício físico, e quantas distrações pudesse arranjar. Uma hora o mascarado desapareceria das lembranças dela, e tudo ficaria bem.

A breve memória fez com que ela se arrepiasse, mas voltou a se concentrar na música.

A primeira aula começou, e Katherine tirou os fones de ouvido com uma sensação palpável de medo. Mas ela conseguiria. Tentou tranquilizar a si mesma, e prestou mais atenção do que jamais prestara na vida em qualquer aula. E depois teria Educação Física.

Normalmente, Kate acharia Educação Física uma merda. Mas com a sensação de ter tomado vinte xícaras de café e ainda em busca de literalmente qualquer distração para o corpo, ela juntou seus livros para leva-los ao armário e caminhou quase feliz.

Quase.

Andando pelo corredor, avistou David e Emma bem à frente, indo na direção contrária. Baixou os olhos para o chão para fingir que não os via. Até pensou em mudar de direção, mas estava perto demais. Continuou andando, torcendo para ser deixada em paz, e sentiu o baque no ombro.

Todos os livros caíram no chão.

— É Halloween? – provocou Emma, passando por ela com uma risada. Nem parou de andar.

David olhou para trás com os olhos um pouco arregalados. Encontrou o olhar de Katherine, que estava igualmente chocada.

Katherine foi a primeira a quebrar o contato visual. Agachou e começou a juntar os papéis e os livros do chão, uma das grandes humilhações do ensino médio. Mas a humilhação se multiplicava pelo fato de David estar envolvido, misturando-se com mágoa.

Os olhos dela estavam embaçados e fixos no chão, e ela só notou a presença de Charlie quando viu que ele estendia um maço de folhas para ela. Charlie era um nerd do clube de RPG, do qual Katherine já fizera parte e onde ela tragicamente conhecera Alex.

Charlie empilhou os livros e as folhas sem dizer nada e entregou nos braços dela. Katherine olhou nos olhos dele com uma gratidão tímida, mas Charlie baixou os olhos e não exigiu nada dela, provavelmente porque já passara por aquilo mil vezes também.

As pessoas que pararam para olhar quando Emma trombou nela já haviam dispersado. Charlie deu um aceno de cabeça para ela e foi embora também. Transtornada, Katherine se levantou e continuou andando.

A aula de Educação Física acabou sendo péssima de novo, e Katherine voltou para casa de ônibus para não ter que voltar com David. Ao chegar, subiu para o quarto e colocou a roupa de academia porque sabia que não escaparia. Por mais que aquilo a estivesse matando, Katherine tentou puxar conversa com a mãe e até apareceu nos vídeos dela da academia. Ela tinha uma prioridade. Cuidaria de si mesma depois.

Shake de proteína pós-treino – disse Ellen, assim que entraram no carro. Estava gravando. – É ótimo, e você substitui pelo jantar. Kate também adora, né, filha?

Katherine sorriu para a câmera e balançou o shake.

— Sempre – respondeu, ainda sorrindo.

Quando Ellen baixou o celular, Katherine pode desmanchar o sorriso. Ainda teve que beber o maldito shake, mas pelo menos podia fazê-lo de cada fechada.

Estava exausta. Estava fazendo tudo o que podia para impressionar Ellen e tranquilizá-la.

Chegou em casa e sentiu o olhar de Jack sobre si, mas tentou fugir dele. Não funcionou. Jack subiu as escadas atrás dela.

— Você está me seguindo? – perguntou ela, irritada.

Fala sério, Jack, pensou. Estou dando tudo de mim. Sai do meu pé.

— Estou indo para o meu quarto – respondeu ele, mantendo a voz tranquila. – É na mesma direção que o seu.

— Saquei.

Jack ficou em silêncio por mais dois degraus antes de dar o bote.

— Por que está se comportando como a sua mãe? – perguntou, finalmente.

Katherine arregalou os olhos.

— Não sei do que você está falando – respondeu ela, rápido demais e com a voz aguda demais. – Só estou tentando ser a melhor versão de mim mesma.

Terminou a frase batida com um sorriso amarelo.

Chegaram ao fim da escada e Jack olhou para ela com ar cansado. Parecia que ele conseguia olhar dentro da mente dela com aqueles olhos, e Katherine não aguentou sustentar o olhar.

— Durma um pouco – disse ele, por fim. E realmente se dirigiu para o quarto.

Ela acenou com a cabeça e foi tomar banho, fazendo uma retrospectiva do dia que tivera. Sentia o coração pesado de mágoa de David. E também uma estranha cumplicidade com Charlie, porque ele a ajudara depois de já ter passado por aquilo mil vezes. Provavelmente David já derrubara os livros de Charlie. A estranha forma de afirmação de poder do ensino médio.

Katherine terminou o banho e respirou fundo. Aquilo não a abalaria. Emma a humilhava em público o tempo todo, e Katherine só estava tão incomodada dessa vez porque David estava envolvido. Mas ela não daria mais importância.

Concentrar-se em parecer bem. Era só disso que ela precisava no momento.

Pisou fora do banheiro e olhou para a própria cama com desconfiança. Sem chance que ela conseguiria só deitar e dormir.

Agarrou o celular e colocou a música alta nos fones. Ficou encarando o teto, fingindo que apreciava a música agressiva enquanto tentava fugir do medo que a cercava. Não conseguia fechar os olhos. Não quando se sentia tão vulnerável.


Katherine acordou no dia seguinte completamente desnorteada. Os ouvidos doíam, e o celular vibrava sobre a barriga dela, devido ao despertador. Olhou em volta e sentiu alívio quando viu a luz do sol inundando o quarto.

Sobrevivera por uma noite.

Foi para o banheiro e suspirou de exaustão, pronta para cobrir novamente os sinais visíveis de cansaço. Trançou os cabelos e assentiu para si mesma no espelho.

— Você consegue. Escola é melhor que clínica.

Ela se sentiu ridícula, mas novamente se vestiu de forma a agradar Ellen e desceu para a cozinha. Encontrou somente David e Jack na mesa. Evitou contato visual com David e sorriu para Jack.

Ele olhou para ela de volta com preocupação. Contendo a vontade de revirar os olhos, Katherine só se concentrou na comida.

Tomou o café de sempre e comeu as malditas panquecas proteicas. Percebia que David olhava com certa ansiedade na direção dela, e isso só a incentivou mais ainda a pegar o ônibus para ir à escola. Não sabia quanto tempo mais aguentaria daquela convivência.

Sem dizer nada, terminou de comer e se levantou. Pegou a mochila e estava saindo pela porta quando Ellen surgiu no topo da escada, usando saltos altos e um vestido chique.

— Aonde você vai, Katherine? Espere!

Katherine ergueu as sobrancelhas para ela.

— Você não vai à escola hoje. Jack conseguiu uma vaga para você em Broken Hill! Estamos indo visitar agora mesmo!

Ellen parecia empolgada, mas Katherine agarrou o batente da porta com força para não desmaiar. Era agora. Eles a enfiariam no carro e a levariam para a clínica, sem ambulância e nem resistência para não chamar a atenção dos vizinhos.

A pulsação dela estava tão forte que era tudo que ela conseguia ouvir, além de um estranho chiado. A respiração se acelerou.

O que eu vou fazer?

Ela lançou um olhar na direção da rua, mas desistiu. Correr era uma ideia ridícula. Eles a alcançariam com o carro em minutos. Ela pigarreou e tentou falar sem que a voz tremesse, mas não conseguiu.

— Não, mãe… Isso… Isso é ridículo. Eu gosto da escola. Não quero m-mudar.

— Você está sendo ridícula, Katherine – retrucou Ellen. – Bom, pelo menos está bem vestida. Não vamos perder tempo com você trocando de roupa.

Meu deus, eles estão me internando. Meu deus, a mente dela gritava. Katherine não conseguia pensar. O estômago dela se revirou.

— Não vou mudar de escola – Katherine insistiu, como um coelho acuado. – Não posso… a Rachel! Sim, eu não posso me separar da Rachel! Ela é minha única amiga, e eu sou a única amiga dela. Sério, não tem como. Mas valeu a tentativa. Tchau!

Katherine virou as costas e caminhou com passos rápidos para a rua.

— Katherine! – Ellen berrou. – Pare agora mesmo!

Ela parou, com os joelhos tremendo. Não teve coragem de continuar andando, e nem coragem de se virar para encarar Ellen. Só ficou congelada no lugar.

Acabou para mim. Não tem como escapar dessa.

— O que está fazendo aí parada? – perguntou Jack, achando graça.

Katherine não conseguia pensar em nada no mundo que pudesse ser engraçado naquele momento. Engoliu em seco e virou a cabeça na direção dele, sem conseguir evitar os olhos arregalados.

Jack ainda exibia um sorriso, e fez um gesto para que ela entrasse no carro.

Por algum milagre, Katherine obrigou os próprios pés a se moverem na direção do abate. Entrou lentamente no banco de trás, imaginando se os itens pessoais dela estariam no porta-malas, ou se Ellen iria buscá-los depois. Com desespero, ela pensou que pelo menos tinha uma escova de dentes na mochila.

— Por que está levando essa mochila? Já falei que você não vai à escola hoje – disse Ellen, agarrando a mochila e levando-a para dentro.

— Não… - sussurrou Katherine, vendo a mochila e a escova de dentes e o livro sendo levados embora.

Quando se viu sozinha com Jack no carro, agarrou a última oportunidade que tinha.

— Jack, eu não vou me matar, eu juro – começou a falar rápido, atropelando as próprias palavras. – Eu falei da boca para fora, não vou fazer nada, não precisamos fazer isso. Eu não posso ir para o hospício, Jack, eu não preciso, eu prometo que eu não vou me matar. Eu prometo, é sério…

— É só uma escola, Katherine – Jack insistiu, olhando para ela pelo retrovisor.

— Eu já percebi tudo, você sabe que eu… – Katherine continuou, mas Ellen entrou no carro.

Ellen olhou para trás.

— E então, está animada? – perguntou, baixando os óculos de sol e voltando a olhar para frente sem esperar resposta.

A cada centímetro que o carro avançava, Katherine ficava mais tensa.

Estava suando frio, olhando em volta, tentando registrar tudo do mundo que pudesse antes que a trancafiassem. Antes que a pusessem para ver o sol nascer quadrado.

Recordou com carinho todas as coisas afiadas e pontiagudas que ela nunca mais veria.

Apreciou uma última vez a sua própria percepção das coisas, já que passaria o tempo todo dopada a partir de agora.

Mais uma vez, olhou para o retrovisor em completo pânico e viu que Jack estava segurando a risada. Sádico de merda, pensou ela. Estava gostando de vê-la em sofrimento, provavelmente pensando em como a vida seria melhor depois que se livrassem dela. Ele e Ellen deviam estar se achando dois gênios, depois de terem enganado Katherine e feito com que ela entrasse no carro com tanta facilidade. E tinham razão.

Ela caíra na armadilha.

Katherine ainda tinha sua reação de luta ou fuga a todo vapor quando Jack ia na direção contrária do centro comercial da cidade e se encaminhava para um dos bairros mais afastados, e Katherine quase desconfiava que ele estava deixando o perímetro urbano.

E então viu uma placa de fim do perímetro urbano.

Eles não só estavam prendendo-a, mas prendendo-a em um lugar de onde ela dificilmente conseguiria escapar. Era o fim da linha mesmo.

Katherine cobriu o rosto com as mãos e apoiou os cotovelos nas pernas, se lamentando. A única esperança era convencer David a ir resgatá-la, e nesse caso era mais fácil que ele a denunciasse pela tentativa de fuga. Entraram em uma estrada de terra, e o carro começou a chacoalhar. Terra.

Depois de mais ou menos uns três minutos, que Katherine encarara como três horas, Jack anunciou:

— Chegamos, Kate.

Pela voz, ele ainda achava graça. Katherine ergueu a cabeça lentamente, pronta para finalmente encarar sua prisão, e realmente encontrou muros. Mas eles eram bonitos, e continham uma placa adornada que anunciava “Broken Hill”.

Katherine levou alguns segundos para perceber que não era exatamente uma armadilha de clínica psiquiátrica. Era só a escola particular chique em que Jack trabalhava.

— Katherine? – chamou Ellen, virando-se para trás no banco. – Katherine, que cara é essa? Você não vai falar nada?

Katherine estava tão aliviada que até sofrera uma pequena queda de pressão. Estava esparramada no banco de trás, com uma das mãos segurando a janela e a outra largada sobre o estofado. Cada célula do corpo dela gritava alívio. Ela estava tão aliviada que não tinha nem forças para sentir vergonha por ter se enganado daquela forma – embora Jack estivesse rindo abertamente da cara dela naquele momento.

Quando finalmente tomou plena consciência de que não estava ali para ser internada à força, ela se colocou sentada no banco e respirou fundo. Estava completamente exausta, mas ainda era livre.

Jack estacionou o carro e saiu, claramente confortável com o lugar. Katherine desceu atrás dele. Ainda estava formando a opinião dela sobre o lugar. Só o tempo que levaria para ir de casa até a escola todos os dias já era completamente inviável, mais que o dobro que levava para ir para Albert Einstein. Como Jack aguentava?

Em compensação, ela ficaria longe de David. Poderia começar de novo sem que todo mundo soubesse quem a mãe dela era.

Como se isso fosse possível, pensou, resmungando. Enteada do vice-diretor. Boa sorte com isso.

Ela mal passara pela porta, e a escola já tinha mais contras do que prós.

Enquanto fazia as análises sobre qual inferno queimava mais, Katherine ouvia ao fundo Ellen reclamar sobre a terra e os arranhões nos sapatos. Estava percebendo a luta que seria para atravessar o estacionamento de terra batida e cascalho usando salto alto.

— Credo, Katherine – resmungou Ellen. – Você está toda suada! Acabou de sair de casa.

Katherine encolheu os ombros.

— Eu estava nervosa, ué – defendeu-se, mas aceitou o desodorante que Ellen tirou da bolsa e empurrou na direção dela.

Jack observava a cena de longe. Aquela manhã devia estar sendo o ponto alto da semana dele.

Começaram a andar atrás dele, que conhecia o lugar. Katherine começou a desenrolar os fones de ouvido que tirara do bolso, ignorando o olhar de reprovação de Ellen. Colocou os fones de ouvido e começou a ouvir música enquanto cruzava o estacionamento com a família.

Havia poucos carros, e isso fazia com que o estacionamento parecesse ainda maior. Um dos carros era um conversível, de pintura azul escura, que contrastava com os outros modelos que ela estava acostumada a ver no dia a dia. Katherine ficou impressionada.

Chegaram a uma porta simples, metálica, que contrastava com a parede de tijolos. Jack parou diante dela e incentivou Katherine a abri-la. Katherine baixou a maçaneta e empurrou a porta.

A primeira impressão que teve foi surpresa com o piso. Era cimento fosco, liso, que se estendia até o fim do corredor em que se encontravam. Ela achou chique, na verdade, como todo o resto. Havia duas poltronas e uma mesa pequena, mas Kate achou que ninguém nunca se sentava ali.

Nas paredes, sobre um belo papel de parede de tons de vermelho escuro e flores, foram pendurados alguns quadros que deveriam ser de diretores anteriores, pois eram pessoas com seus nomes e uma data embaixo.

Era um corredor estreito e longo, que contribuiu muito bem para deixar Katherine claustrofóbica e ansiosa. Outro contra. Lugares que parecem cenário de filme de terror.

Finalmente, chegaram a um salão muito amplo. Na delimitação do corredor com o salão começava um tapete enorme, bordado e definitivamente caro. Um daqueles tapetes de verdade. Tipo um tapete de castelo. Aliás, a cada segundo que passava ali dentro, mais aquilo se parecia com um castelo.

Ellen esbarrou em Katherine com o ombro e a tirou do transe do tapete. Ela ergueu os olhos para ver o que a mãe queria e não encontrou Jack.

— Cadê o devorador de biscoito? – perguntou ela, em voz baixa, sorrindo com a provocação. Ellen não achou graça, então Katherine deu de ombros. – Ele estava aqui até agora.

Jack, com um meio sorriso no rosto, surgiu de uma porta lateral acompanhado de uma mulher. Era a mulher mais bonita que Katherine já vira. Ela ofuscava tudo ao redor, todo o salão magnificamente decorado, a tapeçaria fina maravilhosa e, afinal, Ellen e Jack, que eram duas pessoas bem bonitas. Do tipo bonitas a ponto de constrangerem Katherine e David quando os levavam para a escola.

A mulher tinha cabelos negros, lisos e longos que chegavam à cintura e estava maquiada muito sutilmente, realçando o que já era perfeito. Sobrancelhas escuras, olhos penetrantes, corpo cheio de curvas. Kate segurou uma de suas trancinhas e baixou os olhos ao perceber que estava encarando a mulher.

A mulher sorriu para Kate. Jack sorriu para Ellen. Ellen estendeu a mão para a mulher. Kate observou o tapete.

— Sejam bem-vindas a Broken Hill – a voz da mulher quebrou o silêncio. – É um prazer revê-la, Ellen. Jack fala sobre vocês o tempo todo. De você, Katherine, principalmente.

Katherine franziu as sobrancelhas e sorriu para a mulher, meio desconfiada. Depois olhou para a mãe, mas Ellen erguera os óculos de sol e estava toda sorrisos para a mulher. Katherine estava sozinha dessa vez.

— É verdade o que ela disse sobre os biscoitos, Jack? – perguntou a mulher, sorrindo para Kate.

Katherine manteve o sorriso, embora não estivesse gostando muito. Estava tudo parecendo legal demais. Primeiro que a mulher parecia uma daquelas professoras de internato dos filmes que pareciam incríveis na frente dos pais, mas fariam da sua vida um inferno na primeira oportunidade. E segundo que Jack com certeza não falaria sobre ela, porque ele não teria o que falar sobre a enteada suicida mal humorada. A menos que ele falasse mal dela, daí com certeza a mulher estava falando a verdade. Ela lançou um olhar acusatório para Jack.

— Ela é bem engraçadinha às vezes. – respondeu Jack, sorrindo para Katherine ironicamente.

Katherine apertou os olhos para ele e a mulher se aproximou dela com a mão estendida.

— Meu nome é Olivia – apresentou-se, e Katherine apertou a mão dela. – Sou a diretora de Broken Hill. Permita-me levá-la para conhecer a escola.

O motivo da desconfiança que sentira de Olivia era um mistério para Katherine, e ela se obrigou a ser simpática. Ela não sentia coisas muito boas vindas de Olivia, mas desde quanto ela sentia coisas das pessoas? Estava ficando cada vez mais maluca. Era bom que ela se comportasse, porque ainda estava sendo observada, ela tinha certeza que sim.

Atravessaram o grande salão, que continha mesas de piquenique de madeira escura em grande quantidade. Katherine odiava aqueles bancos de piquenique, mas ficavam bonitos com as paredes vermelhas.

De um lado, ficavam portas duplas que davam em um gramado brilhante e outras coisas que Katherine não conseguia ver pelo reflexo do sol. De outro, lado para o qual se encaminhavam, surgiram duas escadas longas de madeira, que acompanhavam a parede e se uniam na metade do caminho para formar uma só escada larga.

Katherine olhou para cima e viu sacadas delimitadas com grades de madeira, que acompanhavam todo o andar de cima e cercavam o salão. Intrigada, começou a subir as escadas com Ellen e Olivia à frente. Jack caminhava ao lado dela, e Katherine evitava o olhar dele.

No topo das escadas, Olivia parou em frente a dois corredores que tomavam caminhos opostos.

— São os dormitórios – explicou ela. – O feminino é o da direita.

— Dormitórios? – Ellen perguntou, sobressaltada. – Nós moramos perto daqui!

Katherine não pode evitar o olhar de desconfiança para as duas. Não sabia o que era pior: a Barbie querendo prendê-la ali, ou a mãe querendo obrigá-la a fazer aquela droga de viagem todos os dias.

Olivia sorriu, como se tivesse se esquecido de mencionar.

— Perdão, Ellen. Nós oferecemos os dormitórios para os estudantes que não residem em Glaston, principalmente. Mas mesmo os que são da cidade podem morar aqui se quiserem. Temos diversas atividades extracurriculares que acontecem no período noturno, como esportes, dança e artes.

Ellen ergueu as sobrancelhas, visivelmente impressionada.

— Jack, você nunca mencionou dança e artes! – falou, com a voz macia.

Katherine olhou para Jack com os lábios comprimidos.

— É, Jack – falou, imitando com ironia o tom de Ellen. – Você nunca mencionou. Que ótimo que agora nós sabemos!

Ellen sorriu para Olivia, ignorando Katherine.

— É claro que ela pode fazer o trajeto todos os dias com Jack – acrescentou Olivia, exibindo outro sorriso. – Vocês escolhem. Se ficar aqui, voltará para casa aos fins de semana.

Katherine olhou de uma para outra, pensando se teria que escolher entre o covil da bruxa fitness ou o covil da bruxa sorridente. Entre um ou outro, o inferno final seria o mesmo: ensino médio.


Seguiram pelo corredor dos dormitórios femininos. As paredes mantinham o tom vermelho-escuro e novamente havia quadros pendurados. Subitamente o corredor acabou e deu origem a uma sala espaçosa e aconchegante.

Katherine viu um balcão e, atrás dele, uma geladeira, que ficavam em um dos cantos do cômodo perto de outra porta. Ela também pôde ver pufes e um belo sofá próximos de uma estante com televisão. Fala sério. Ela não conseguia imaginar o quanto as pessoas pagavam para deixar os filhos ali, naquele luxo todo. Lanches de graça?

— Esta é a sala de estar do dormitório feminino – Olivia apresentou com um gesto. – Os quartos ficam depois daquela porta.

Ela continuou andando e foi seguida por Ellen, Katherine e Jack.

Chegaram a um corredor longo e cheio de portas brancas. Olivia caminhou até uma específica e abriu sem hesitar, provavelmente porque já havia preparado a apresentação.

Katherine encarou o quarto completamente branco. Não tentou disfarçar a expressão de choque, como Ellen estava fazendo. O quarto tinha o dobro do tamanho do quarto dela, duas camas enormes, e ainda possuía uma sacada e um banheiro. E que banheiro.

— Fala sério – murmurou ela.

— Katherine! – disse Ellen, chamando-lhe a atenção.

Katherine a ignorou. Tudo bem, o quarto era incrível mesmo. E o resto da escola também. Mas qual era a finalidade daquilo tudo? Não é como se a escola chique e as acomodações luxuosas fossem fazê-la feliz. O máximo de proveito que poderia tirar daquilo tudo seriam umas férias de David e Ellen, e mesmo assim sentiria falta de Rachel.

Sentada na cama, ela encarou a parede branca e pensou sobre as possibilidades. Ellen estava encantada com aquela escola já havia anos, e dificilmente deixaria passar essa oportunidade. E se Katherine se recusasse e fizesse uma cena, já sabia qual era o plano B de Ellen para ela. Mas ali provavelmente também seria vigiada o tempo todo…

Uma batida na porta interrompeu os pensamentos dela.

— Acabei de sair da prova! Perdi muita coisa do tour?


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Notas finais do capítulo

katherine ja viu a viola em caco



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