Sede de Poder escrita por Mermaid Queen


Capítulo 23
Capítulo 23


Notas iniciais do capítulo

capítulo curto que prova que tamanho nao é documento kkkkkk



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Katherine se chocou contra a estante e ouviu o som distante de bonecas e livros caindo, como se viessem de um sonho. Estava completamente em choque. Sentia-se tonta, e tateou a parede e a cômoda em busca de apoio. Faltava-lhe o ar para respirar.

Quando conseguiu recuperar o equilíbrio, ela ergueu uma mão no ar e viu que tremia violentamente. Tocou o rosto do pai, e a barba por fazer espetou os dedos dela. Katherine se jogou contra ele em um abraço desesperado.

Soluçou com o rosto no peito dele pelo que pareceram horas, sentindo a mão de Roberto afagar suas costas. Desejou permanecer ali para sempre, para não correr o risco de perdê-lo de novo.

— Você estava morto – sussurrou Katherine, apertando o tecido suave da camisa preta do pai. – Eu o vi morto. Você está morto?

Roberto soltou uma risada e a afastou com leveza.

— Somos vampiros, Kat – disse, sorrindo. – Todos nós estamos um pouco mortos.

Ela fungou. Segurava a mão dele e ainda estava chorando.

— Eu achei o corpo, pai – ela respondeu. A voz era quase inaudível. – Na garagem.

— Tem certeza?

A lembrança era dolorosa demais. Era claro que ela tinha certeza. Uma criança de oito anos que entra na garagem e encontra o pai enforcado não esquece facilmente. Especialmente com a cabeça toda roxa, os lábios negros e inchados e os olhos saltados. Era uma imagem que a assombraria para sempre.

Katherine olhou para ele sem resposta. Incrédula.

— Foi no banheiro que você me encontrou?

A princípio, ela franziu a testa e começou a negar. Mas a lembrança do banheiro dos pais ficou nítida. A banheira e o chão ensanguentados, e a faca da cozinha caída próxima ao chuveiro. Katherine fechou os olhos com força, odiando lembrar a cena.

— Foi no banheiro – disse ela, sentindo a cabeça doer. – Eu não sei por que falei garagem.

Roberto coçou o queixo, pensativo.

— Banheiro? Não, eu não morri no banheiro. Nem suicídio eu cometi. Você se lembra de ter me encontrado na esquina da sua escola? Naquela onda de assaltos.

Claro que ela se lembrava. Aquele momento traumático da vida dos estudantes da Isaac Newton em que estava havendo uma onda de assaltos no bairro. E, embora Katherine temesse os assaltantes, não parecia a ela que algo realmente sério pudesse acontecer.

Até ouvir os tiros. Os alunos saíram todos correndo para a rua, para ver o que havia acontecido. E encontraram o pai de Katherine Flores, baleado e semiconsciente, na sarjeta. Chegou morto ao hospital.

— E então? – questionou ela, sentindo a cabeça, os olhos e a nuca pulsarem. A dor produzia luzes e falhas na visão dela. Achou que fosse desmaiar, mas insistiu. Era importante demais. – Como você explica isso? Deram você como morto no hospital, perdeu muito sangue por causa dos tiros. Como você está aqui?

Roberto sorriu.

— Forjei a minha morte com ilusões, iguais às que estou criando na sua cabeça agora.

Katherine apertou os olhos sem entender.

— Você realmente viu um enforcado. Não foi um suicídio na banheira ou um assalto, mas você acreditou que sim porque criei essa ilusão. A mente tem grande potencial de manipular e ser manipulada. A hipnose e a telepatia são só a ponta do iceberg. E ser um vampiro é como usar dopping. Bem injusto com os humanos.

— E quem eu vi então? – ela perguntou, incapaz de se concentrar na explicação. Vira o pai morrer em três cenas do crime diferentes, todas igualmente reais e igualmente traumáticas, e não saberia dizer qual tinha sido real se ele não tivesse dito, pois acreditara em todas elas. Como se tivesse realmente vivido cada momento.

Roberto fez um gesto com a mão de “não importa”.

— Você viu um cadáver, um homem, um mártir, um vampiro, não sei – disse ele, teatralmente. – Alguém que serviu a um propósito maior.

Katherine apoiou uma das mãos na cabeça, querendo que aquele gesto amenizasse a dor.

— Por que forjou a sua morte? — perguntou ela, cansada.

— O Conselho da Flórida me ofereceu o cargo de presidente, e os membros são secretos. Para aceitar a oferta, eu precisei me separar de vocês. Pois almejava algo maior.

O rosto de Katherine ficou quente enquanto ela sentia a raiva borbulhar e crescer dentro dela, disputando espaço com a mágoa. Aquilo fez a dor na cabeça se agravar.

— Você abandonou a nossa família por um emprego? – disse ela, incrédula. – Você traumatizou seus filhos de oito e nove anos, fez a sua mulher virar uma viúva amarga e maluca por causa de um emprego?

Por um lado, ela se sentiu mal por gritar com ele. David e Ellen ainda tinham Roberto como morto, ao passo que Katherine estava tendo o privilégio de tê-lo de volta. Por outro lado, ela ainda se sentia abandonada. Como sentira a vida toda a falta dele.

Ela balançou a cabeça, sem querer aceitar o que estava ouvindo.

— Eu fiz para protegê-los – Roberto replicou. – Meus inimigos são vampiros, Katherine. Pessoas que podem se transportar para qualquer lugar do mundo através de uma foto. Poderiam ter a minha família nas mãos se quisessem. Enquanto eu não pudesse protegê-los sozinho, tive que escondê-los. Se nem mesmo o governo poderia proteger vocês, em quem é possível confiar? Você sentiu na pele o que o governo é capaz de fazer.

— Você sabia sobre isso – Katherine acusou com ousadia. – Você se aproveitou do plano deles.

— Olivia te contou? – Roberto quis saber, permanecendo impassível.

Katherine ergueu as sobrancelhas para ele em desafio, mas ele se limitou a assentir.

— E no dia em que você apareceu na praia que eu criei com Evan…

— Era eu mesmo – confirmou ele. – Invadi a sua mente, porque foi a primeira vez que eu a detectei ativamente. Com você consciente da sua própria presença e fazendo uso da telepatia. Quis estar lá para ver, e você me deixou orgulhoso.

Roberto sorria. Katherine sorriu de volta, sem se conter. O pai estava orgulhoso dela. Fechou os olhos por causa da dor, que estava embaçando a visão dela.

E foi então que ela ouviu a voz de Evan ecoando na mente dela.

Kate? Cadê você?

Katherine inspirou fundo com a onda de alívio que passou pelo corpo dela, mas tentou não alterar a própria expressão. Tinha um mal pressentimento do que Roberto pudesse fazer se soubesse que eles estavam se comunicando. Tentou se concentrar na voz de Evan, que parecia distante. Como se houvesse estática.

— Você está bem? – Roberto perguntou.

Você está bem?, Katherine repetiu, esforçando-se. Está machucado?

— Minha cabeça – ela falou em seguida, em voz alta. Ainda tinha os olhos fechados, tentando suportar. – Está doendo muito.

Estou com David e Mary, anunciou Evan. Katherine podia sentir que ele estava sorrindo. Estamos presos, mas estamos bem. Onde você está?

Os olhos dela se encheram de lágrimas, mas ela não saberia dizer se era por alívio ou por dor.

— Não estou aguentando – ela ofegou.

— Logo vai acabar – Roberto respondeu.

Eu sinto muito por tudo isso, sussurrou ela, no limite. Minha culpa… vou dar um jeito.

É claro que não, Kat. Você não sabia de nada, e…

Estou com o Serpente. Ele…

A dor se tornou insuportável, ela não aguentou mais o esforço de falar com Evan e a visão dela ficou preta. Pontos de luz surgiram, parecendo agulhas perfurando os olhos dela, e a cabeça de Katherine tombou na cama.

A voz de Evan, Roberto e todo o quarto sumiram para dar lugar a um desmaio sem sonhos.

Acordou em uma profunda agonia.

A garganta parecia em chamas. A língua estava esponjosa, e não havia uma gota de saliva na boca toda. Ela tentou respirar, e o ar entrou com um silvo. Os lábios colavam um no outro.

Resolveu levantar da cama e correr até o banheiro, mas as pernas mal se firmavam no chão. Katherine foi tropeçando, apoiando-se nas paredes e na mobília, e entrou no banheiro. Abriu a torneira e enfiou a cabeça na pia, bebendo a água.

Cuspiu.

Tinha gosto podre, apesar de a água estar transparente. Em desespero, Katherine viu que não conseguiu nem umedecer os lábios. A ardência ao respirar era terrível.

Ela se escorou na parede para ir até a porta do quarto, e reuniu toda a força que tinha para esmurrá-la.

— Sede.

O sussurro foi quase inaudível, mas ela escutou alguma movimentação do lado de fora. Deixou-se escorregar pela parede e caiu no chão, sentindo-se fraca demais até para manter os olhos abertos.

Arranhou a parede e a porta com as unhas como se fosse um animal acuado. Precisava fugir. Precisava de qualquer coisa que afastasse as brasas que tinha na garganta.

Jogou a cabeça para trás e gritou descontroladamente até não conseguir ver nada, tamanha era a dor. No entanto, não parou. Continuou gritando e batendo a cabeça contra a porta sem parar até a porta ser aberta e empurrá-la para longe.

Katherine sentiu o cheiro de sangue antes de chegar a ver qualquer coisa. Guiada por ele, agarrou o corpo e as unhas se cravaram na pele quente. Sentiu as gengivas se rasgarem, mas a dor não se comparava à ardência e o desespero da Sede.

Enterrou as novas presas na pele suave do pescoço, sem se importar com quem quer que fosse, e a vida foi bombeada para dentro dela. O coração dela pulsava no mesmo ritmo das artérias da vítima, como se fossem um só, predador e presa, coexistindo, compartilhando o sangue e a vida.

Sentiu uma explosão de desejo interminável ao saborear o sangue. Ele a inundava e só a enchia com mais e mais cobiça, e Katherine sugou, deixou-se banhar por ele. O sangue a assolava e a fortalecia, curava, regenerava, transformava.

Katherine voltou a gritar, mas agora gritava em triunfo. Sentia-se viva.

Caiu para trás, bêbada e ensopada, e ficou saboreando o êxtase em que se encontrava no piso frio. Estava completamente preenchida, mas ainda ansiava por mais. Nunca teria o suficiente.

Quando lentamente voltou a si, olhou para os braços e as mãos cobertos de sangue e começou a lamber. Tinha agora a leve consciência de que aquilo era um comportamento selvagem, mas não se importou. Só parou quando começou a sentir o incômodo.

Embora tivesse sido inundada por uma vivacidade que a preenchia por completo, Katherine começou a sentir um vazio infindável, que só se estendia mais à medida que o êxtase do sangue passava. Katherine levou a mão ao peito e pressionou, procurando tapar o buraco que crescia ali e irradiava angústia.

— Tem alguma coisa errada – ela murmurou. Queria acordar. Parecia um pesadelo, e ela queria acordar.

Evan, Katherine chamou.

Estava tudo quieto demais. Tudo quieto demais na cabeça dela. Os pensamentos dela estavam perdidos, flutuando, havia espaço demais, faltava algo.

Evan!— ela gritou.

Katherine levou a mão à testa e começou a olhar em volta, tentando pensar no que havia acontecido. A presença familiar dele. Por que havia simplesmente sumido?

Ela fechou os olhos e visualizou a praia. Mas em vez do dia ensolarado, o que viu foi um céu escuro e nuvens de tempestade. Gotas de chuva caíam pesadamente e o mar estava agitado. Katherine voltou os olhos para a casa e ficou ainda mais alarmada. No lugar da rústica casa de madeira, só havia ruínas. Uma palmeira tombara sobre a casa e o teto sumira, espatifado.

Aos pés dela, estavam farrapos que antes pertenciam à rede pendurada nas árvores.

Os olhos de Katherine se encheram de lágrimas e ela se deixou cair de joelhos na areia em meio à tempestade. O vento fazia o cabelo e a camisola esvoaçarem e baterem contra o corpo dela, e as lágrimas se misturavam com as gotas de chuva.

Um sentimento de solidão a assolou.

Onde você está?, ela chorou ao se jogar no mar revolto, gritando por ele. Eu preciso de você! Volte, Evan! Para com isso!

Uma onda bateu e se desmanchou contra a cabeça dela, afogando-a. Katherine continuou berrando, descontrolada, desistindo de nadar. Começou a afundar, e o mundo se resumiu a uma escuridão de bolhas e água salgada.

Um toque no ombro dela fez a praia sumir. Katherine se viu chorando no chão, em frente a um homem desacordado de quem ela bebera o sangue. Ela virou a cabeça em direção ao toque, e encontrou o pai ao lado de Olivia. Roberto sorria.

— Estou tão orgulhoso de você – murmurou ele, esfregando as mãos com animação. – A primeira vez que expõe as presas. Você tem presas lindas!

Olivia deu um passo para trás e fez que não com a cabeça. Katherine observou os dois com os olhos marejados.

— O que vocês fizeram com ele? – ela falou, esfregando os próprios braços. Sentiu-os pegajosos de sangue. – Por favor. Eu quero saber onde ele está. Vocês… O que aconteceu com Evan? O que fizeram com Evan?

Roberto franziu as sobrancelhas e olhou para ela, achando graça. Cutucou com o pé o corpo à frente dela.

— Nós, querida? – falou, indicando o corpo com a cabeça. – Você matou Evan.


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Notas finais do capítulo

senhor jesus da gloria nos ajude nesse momento



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