Sede de Poder escrita por Mermaid Queen


Capítulo 24
Capítulo 24


Notas iniciais do capítulo

começamos o capítulo 23 depois de um momento star wars, e cá estamos com mais drama.
evan ta pra sempre em nossos corações, né?



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Os olhos de Evan encaravam o teto, vítreos.

Katherine baixou lentamente o olhar até encontrar o rosto dele, e ficou olhando, paralisada.

— Eu não entendo, pai. Eu não entendo. Não era ele.

Olivia inclinou a cabeça para Katherine, e voltou o olhar cheio de expectativa para Roberto.

— Então você se lembra de ter visto o rosto? – Roberto perguntou, erguendo o queixo para ela.

— Não – a voz tremulou, e Katherine começou a chorar. Tentou se afastar de Evan e trombou contra a parede. – Eu não lembro. Vocês fizeram isso! Você quer me punir? Sabia que eu estava fora de controle!

Roberto ergueu as sobrancelhas e tentou se aproximar dela, mas Katherine se encolheu e recuou.

— Não, querida – disse ele gentilmente. Limpou uma lágrima do rosto dela com o dedo, e dessa vez Katherine não tentou fugir. Só ficou tremendo, sem saber o que pensar. – Jamais punir. Somente ensinar.

Katherine escancarou a boca e começou a balbuciar, mas Roberto ergueu um dedo no ar e ela se calou.

— Está chateada porque oferecemos a você o seu amigo quando você não podia se controlar – o pai falou lentamente. – Não está chateada porque matou. Está chateada porque matou o seu amigo. Se fosse um desconhecido, teria realmente se importado?

— Eu… — Katherine engoliu em seco.

— Você se tornou poderosa demais – Roberto continuou, sem deixá-la falar. – Sem mim, você se tornará um monstro. – Ele indicou o corpo de Evan com a cabeça, dirigindo à filha um olhar de pena. – Já é um monstro.

— Você fez isso – acusou, sem acreditar em si mesma. A voz tremia. – Você sabia que eu estaria fora de controle e fez isso.

Olivia engoliu em seco e olhou para Robert.

— Queria que eu tivesse trazido outra pessoa? – perguntou ele, cruzando os braços. – Não faria diferença para você matar um desconhecido porque você se tornou um monstro.

Katherine recuou porque ele tinha razão. Naquele estado da Sede, ela teria matado qualquer pessoa, e só estava destruída porque havia sido uma pessoa com quem ela se importava.

— Eu nunca pedi por esse poder – ela chorou, cobrindo o rosto. – Nunca quis.

— E ainda é ingrata – disse o pai com severidade. – Estou aqui para treiná-la e ensiná-la a usar seus poderes de alguma forma inteligente, para alguma causa real. Se quiser permanecer do jeito que está, o problema é seu. Só se lembre do resultado.

Robert fez um gesto com a cabeça na direção de Evan e olhou para ela. Sem dizer mais nada, saiu do quarto com Olivia em seu encalço.

As mãos de Katherine tremiam tanto que ela mal conseguia firmá-las no rosto de Evan. Ou no rosto do que foi Evan.

— O que eu fiz? – sussurrou, sem aguentar olhar nos olhos dele.

Lágrimas caíram sobre a camiseta dele, deixando pequenas manchas. Mas manchas não importavam, porque Evan já estava coberto de sangue. O sangue dele.

Foi como se o tempo tivesse deixado de existir.

Katherine não sabia mais distinguir o dia da noite, no quarto sem janelas. Teve uma vaga noção dos horários quando alguém sem rosto abria a porta para deixar comida para ela, mas ela parou de comer, e eles pararam de levar.

Também não dormia, pelo menos não como antes. O corpo se desligava e despertava de um sono sem sonhos, curto e apático. Mas Katherine não saberia dizer se se sentia cansada. Passava o que parecia ser a eternidade abraçada a Evan, no chão, com o cheiro de sangue já impregnado nas narinas. Era a eternidade mais dolorosa que ela achava que poderia vir a conhecer.

Katherine só enxergava sangue e dor. Sentia-se embaixo d’água, imóvel, disfuncional. Não se sentia mais viva. A camisola estava completamente endurecida pelo sangue seco, mas ela não conseguia se mover. Não conseguia se incomodar o suficiente para se levantar e trocar, tomar banho. Não podia abandonar Evan.

Não depois de ter causado tudo aquilo.

Sabia que jamais poderia tê-lo levado consigo para a armadilha. Se tivesse sido capaz de deixar o egoísmo de lado, Evan ainda estaria vivo. Só de pensar em ter que contar a Mary sobre o irmão, Katherine tinha vontade de tirar a própria vida ali, no chão ensanguentado, ao lado de Evan.

O pai dela já tinha se certificado de impedi-la de fazer isso também. O objeto mais cortante do quarto era a escova de dentes.

Katherine puxou Evan para mais perto de si, tentando se acalmar, mas aquilo só aumentava o desespero. Roberto estava certo sobre ela ser um monstro egoísta. Ela podia tentar culpá-lo pela morte de Evan, mas sabia que ele tinha razão e não conseguia enganar a si mesma.

Ela aceitaria qualquer treinamento que o pai tinha a oferecer. Talvez ele tivesse boas intenções para com os vampiros, e Katherine só deveria estar disposta a ouvir. Era o pai dela, afinal de contas, o mesmo que forjara a própria morte para proteger a família e que agora se oferecia para treiná-la. Para ensiná-la a evitar desastres como aquele que ela estava vivendo.

Suspirou e fechou os olhos. Sentiu desprezo por si mesma.

— Eu sei que é tarde demais, mas eu amo você – murmurou para Evan, pegando a mão dele. – Talvez eu pudesse ter admitido antes, e daí teria te deixado em Broken Hill.

Não houve resposta, como era de se esperar.

— Amo você, Evan – disse ela. Fechou os olhos. – Agora é tarde, mas amo você.

Katherine deslizou a mão pela camiseta dele, e uma crosta de sangue seco virou pó. Ela novamente sentiu nojo de si mesma por ter feito aquilo e por estar coberta do sangue de Evan. O peito dela estremeceu, e as lágrimas amargas voltaram.

A porta do quarto foi aberta com violência.

Katherine ergueu a cabeça imediatamente. Estava alerta e não queria que levassem Evan.

— Você sabe dirigir, não sabe? – perguntou Olivia.

Roberto estava atrás dela com os braços cruzados e um sorriso no rosto. Quando voltou o olhar para Katherine, o sorriso sumiu.

— Você se parece com a coisa mais nojenta que eu já vi.

— E qual é a coisa mais nojenta que você já viu? – perguntou ela com ousadia. Manteve-se entre o pai e o corpo de Evan, como se pudesse protegê-lo.

— Isso – Roberto respondeu, apontando para Evan.

Katherine não esperava por aquilo. Foi como um soco no estômago. Ela deixou os ombros caírem e perdeu a postura de força que estava tentando mostrar. Queria que ele fosse mais compreensivo com a dor que ela estava sentindo.

— Dê um banho nela, Olivia – ordenou o pai. A postura agressiva dele fazia Katherine pensar nele mais como Serpente do que como pai. Fazia uma careta de desdém para ela. – O cheiro desse quarto está insuportável.

Katherine não havia sentido nada. Nem se incomodado.

— Eca – murmurou Olivia, olhando para o sangue nos braços dela.

— Posso tomar banho sozinha – rosnou Katherine. – O que você vai fazer com ele?

— Vou lavá-lo. Eu não, claro. Mas o meu pessoal vai lavá-lo.

“Isso”, ”lavá-lo”. Serpente se referia a Evan como coisa.

Katherine se levantou, derrotada. Por um momento, quando descobriu que na verdade ainda tinha um pai, sentiu uma pontada de esperança se espalhando perigosamente pelo peito. Agora, sentia-se traída. Sentia-se burra, por ter se agarrado a ele desesperadamente, por tê-lo aceitado sem questionar. E ainda queria um pai. O pior de tudo era que ainda estava disposta a aceitá-lo.

Foi para o banheiro e fechou a porta atrás de si. Deixou a camisola escorregar para o chão e olhou de relance para o espelho atrás de si.

Não suportou olhar muito tempo. Perdera peso e estava pálida, fantasmagórica. Se não fosse todo aquele sangue, poderia achar que não passava de um espectro. Que morrera junto com ele.

Baixou a cabeça e entrou no chuveiro. A água se tingiu de vermelho imediatamente, e ela percebeu o forte cheiro doce e metálico que não estava sentindo até então. O odor causou nela ânsia, e ao mesmo tempo desejo. Katherine cobriu a boca e o nariz com a mão em concha para abafar o choro que a atingiu de repente, não querendo que Roberto e Olivia ouvissem.

Sentiu algum alívio quando passou as mãos pelo cabelo e os sentiu normais, em vez de encrostado e pegajoso.

Katherine se lembrou da reação de Evan ao vê-la com os cabelos soltos, e as mãos começaram a tremer. Quis cortar os cabelos, estragá-los, destruí-los.

Antes de sair do banho, lavou o rosto novamente e se certificou de que não choraria mais. Respirou fundo e puxou a toalha, apertando-a entre os dedos para controlar a tremedeira. Quando terminou, com certa dificuldade, de se enxugar, procurou por roupas. Só encontrou a camisola no chão, sem condição de reuso.

Saiu do banheiro enrolada na toalha. Teve que engolir o choro ao ver que Evan não estava mais lá, e nem Serpente. Somente Olivia, que aguardava por ela na cama.

— Você está um trapo – observou Olivia. – Mas pelo menos agora é um trapo limpo.

Katherine umedeceu os lábios e encolheu os ombros, sem conseguir se incomodar com as provocações. O quarto estava frio e ela sabia, mas não sentia desconforto, mesmo estando vestida apenas com uma toalha úmida. Outra sensação que ela não entendia.

— Vista isso.

Olivia andou até ela e ofereceu roupas. Eram pretas, mas havia um bordado. Um símbolo que ela já vira antes, mas não saberia dizer o que significava.

Katherine fez menção de voltar ao banheiro, mas Olivia segurou o braço dela.

— Aqui.

Aquela exigência não fazia sentido e Katherine se sentia fisicamente forte o suficiente para derrubar Olivia e ir se trocar onde quisesse, mas não conseguiu desenvolver aquele ódio sem direcioná-lo a si mesma. Sem constatar novamente que o pai tinha razão, e ela se tornara um monstro.

Era só uma humilhação. Só mais uma, de outras que viriam. Katherine deixou cair a toalha e não parou de encarar Olivia nos olhos por um segundo. O ar de deboche sumiu rapidamente e ela se levantou, parecendo desconfortável.

— Você é patética. Calce essas botas e saia do quarto quando terminar.

Katherine observou, somente vestida com a roupa íntima, enquanto Olivia saía do quarto em passos apressados. Terminou de se vestir lentamente, calçou as botas militares e caminhou para fora.

Ao fechar a porta do carro, Katherine pôde ter apenas um vislumbre do longo corredor cheio de portas antes de ser vendada. As luzes artificiais não permitiram que ela tentasse adivinhar se era dia ou noite. Somente se deixou ser conduzida por escadas e longos corredores, até que subitamente sentiu a brisa fria no rosto.

Foi como se Katherine se tornasse consciente da vida de novo, pelo menos um vislumbre do que ela já fora. Sentiu o fantasma do odor de sangue que impregnara suas narinas nos últimos dias, sentiu cheiro de chuva, de escapamento, de folhas.

— Entre no carro – Olivia disse. – No banco do motorista.

A venda foi tirada antes que Katherine pudesse processar o que aquilo queria dizer. Olivia colocou uma mão na nuca dela e a empurrou para dentro do carro. Era noite.

Se aquelas pessoas soubessem como ela dirigia, talvez mudassem de ideia. Katherine se lembrou de como Evan ficara estressado com ela dirigindo, especialmente o carro dele.

A porta do carona se abriu, arrancando-a dos pensamentos sobre ele. Olivia se sentou no banco e estendeu a mão com uma folha. Havia uma lista de endereços.

— Você vai visitar esses endereços, invadi-los e sequestrar quem encontrar.

— Não entendo.

— Aqui no porta-luvas há mordaças e cordas – explicou Olivia, como se estivesse ensinando a fazer um bolo. – Pode machucá-los ou desacordá-los, mas não mate ninguém.

Katherine arregalou os olhos e abriu a boca para contestar. “Não mate ninguém” seria uma ordem ridícula para ela, mas agora Katherine não poderia culpar Olivia. Não depois de ter matado.

— Quando tiver terminado, vá até esse último endereço e deixe todos lá. E dirija direto para cá.

— Eu não entendo… - balbuciou Katherine, franzindo a testa. – Eu não posso… Não quero isso.

Olivia deu um suspiro cansado, como se já esperasse que Katherine fosse contestar.

— Nós temos David, temos Mary. Temos a sua mãe, e quem quer que quisermos, na palma da mão, e todos eles dependem de você. Não queira descobrir o que acontece se desobedecer. Isso se Evan já não tiver sido suficiente.

Dito isso, ela saiu do carro e bateu a porta. O barulho ecoou na cabeça de Katherine e a deixou olhando pela janela sem reação. Sem coragem de sair para a noite, sozinha, sentindo-se mais desamparada que nunca.

E sendo lembrada a cada minuto de que todo mundo que dependia dela estava em uma posição desagradável. Do tipo sequestro, cárcere e vida ou morte. Especialmente morte.

Tentou firmar as mãos no volante, mas elas tremiam demais.

Quando deu partida e o painel se acendeu, uma pequena tela sobre o rádio emitiu luz, e

Katherine percebeu que se tratava de um GPS. O primeiro endereço da lista brilhava na tela do dispositivo.

Sem outra opção, ela acelerou e começou a seguir as instruções.


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Notas finais do capítulo

e a katherine, ta mesmo virando um monstro?



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