Sede de Poder escrita por Mermaid Queen


Capítulo 22
Capítulo 22


Notas iniciais do capítulo

preparem os corações



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O quarto parecia esterilizado. Cru. Katherine abriu os olhos e se deparou com paredes mortas, chão de cimento, edredom branco. Estava muito assustada.

Ao tentar se mover na cama, sentiu dores que a imobilizaram por alguns segundos até que ela tivesse coragem de se mexer novamente. Arrastou as pernas para fora e o frio a atingiu.

As roupas antigas haviam sumido, e sob o pesado edredom Katherine usava somente uma camisola de seda preta. Instintivamente, abraçou-se com os braços, sentindo calafrios ao imaginar que um estranho a despira enquanto ela estava desacordada. Sentiu-se mais sozinha que nunca.

Katherine fechou os olhos e mentalizou a praia, tentando procurar por Evan. Não viu sinal dele.

Evan?, tentou chamá-lo. Você está bem? Está me ouvindo?

O silêncio causava em Katherine um aperto no peito que quase a esmagava. Ela tivera a intuição de que aquilo aconteceria, mil vezes sentira que ela colocaria Evan em perigo, e naquele momento provava o veneno que era estar certa.

Olhou em volta e tentou assimilar aquele estranho quarto sem vida. Pisou de forma hesitante no chão gelado com os pés descalços e alcançou a porta. Forçou a maçaneta desesperadamente até perceber o que já sabia: que não conseguiria sair a menos que eles quisessem que ela saísse.

A atenção de Katherine parou no pequeno espelho ao lado da porta, e ela tentou focar na imagem de si mesma para ignorar a sensação de desesperança que ameaçava consumi-la. Ela sabia que aquele era o fim da linha, mas quanto mais demorasse para admitir, mais tempo permaneceria sã.

Viu as manchas no rosto, que se sobrepunham aos agora curados machucados que Alex causara. A bochecha estava mesmo toda ralada, cheia de crostas, então devia ter estado inconsciente por muitas horas. A pele do queixo, além de machucada, estava inchada e sensível. Katherine tentou examinar os dentes, já certa de que teria perdido alguns com a pancada no chão.

— Não seja tola.

Katherine virou a cabeça imediatamente na direção da voz, alarmada. Encontrou uma mulher encostada no batente preguiçosamente. O rosto estava coberto por uma espécie de véu, mas a voz era estranhamente familiar, e Katherine não conseguia reconhecer. Não tinha ideia, e isso a enfurecia.

— Os dentes de um vampiro nunca se quebram.

— Que bom que nunca se quebram – disse Katherine, cruzando os braços sobre os seios cujo contorno transparecia por sob a camisola. – Quando seus homens atiraram em mim, caí com o queixo no chão.

— Não seja dramática – respondeu a mulher. – Eram só tranquilizantes. Não deixaram nada além de um hematoma.

— Onde Evan está? Quero vê-lo.

— Você faz exigências como se fosse eu a cativa – a mulher riu. – Ele está em boas mãos. Dorminhoco, né?

Katherine não conseguiu responder nada. A desesperança a consumia. Evan estava preso também. E era isso que ela era, uma cativa.

— De qualquer forma, você acordou no momento certo. Seus aposentos estão prontos, e vim buscá-la.

— Aposentos – Katherine murmurou para si mesma.

— Ele quer tudo do melhor para a escolhida – havia desprezo na voz da mulher. – E me mandou aqui para buscá-la.

— Ele?

— Ele, tola – a mulher rebateu. – Serpente, é claro.

A mulher de rosto coberto saiu do elevador empurrando as costas de Katherine, que estava vendada. Não saber quem era a mascarada a torturava, porque Katherine sentia que estava na ponta da língua, era tão familiar, ainda mais com a venda sobre os olhos, mas ela ainda assim não conseguia dizer.

O edifício era gélido e Katherine ainda estava descalça e somente com a camisola quando sentiu uma lufada de ar quente envolvê-la. A mulher tirou a venda e ela sentiu o coração disparar.

— Isso… Isso não é normal – Katherine balbuciou, olhando para o quarto. A cabeça martelava no mesmo ritmo do coração no peito. – Como sabem de tudo isso?

— Impressionante, né? – a mulher encostou as costas no batente da porta fechada. – Demoramos para ir buscá-la porque ele só queria te receber quando estivesse tudo pronto. E claro, ele só começou a criar isso quando teve certeza de que você sobreviveria, senão seria um grande desperdício.

— Você disse… a escolhida? O que houve com os outros?

A mulher abanou o rosto com a mão, depois bufou.

— Preciso tirar, espero que não se importe. Também não faz diferença se se importar, porque não é como se você pudesse contar para alguém. Está quente demais.

Quando ela tirou, o queixo de Katherine caiu. Ficou olhando para o rosto de Olivia em completo choque, sem palavras, sem reação, somente choque.

— É, eu sei – Olivia falou, revirando os olhos. – E não há nenhum outro. Foi só uma pequena distração que eu criei para mantê-los ocupados, e pelo jeito funcionou. Se chegou até você, pelo jeito as fofocas correram.

Katherine a encarou com um olhar duro, decidida a não reagir às provocações para não colocar Dionora ou Chris em risco. Ou Jack. Ela não fazia ideia do tipo de terreno em que estava pisando.

— Isso não faz sentido – disse Katherine, balançando a cabeça. – O governo… — ela pensou em Evan, que tinha certeza de que o governo tinha mandado Alex.

Olivia ergueu as sobrancelhas para ela.

— Você é menos burra do que eu pensei! – Olivia soou genuinamente surpresa, embora ainda claramente a desprezasse. – E foi uma ótima ideia se entregar, preciso reconhecer. Teria sido, se eles não tivessem decidido te matar, claro.

— Aqueles desenhos – Katherine murmurou, apontando para a parede. – São réplicas?

— Pode ir ver por si mesma – Olivia respondeu, sem dar muita atenção. Não parava de olhar para a porta ansiosamente.

Katherine se levantou e caminhou pelo quarto, que era ao mesmo tempo familiar e fantasmagórico, distante. Tocou o desenho e afastou a mão rapidamente, com as pontas dos dedos manchadas de carvão. Sentia o próprio sangue correndo gélido pelas veias. Olhou para Olivia sentindo o medo genuíno, como poucas vezes havia sentido na vida.

— Ele não ia te matar de verdade, sabe? – Olivia limpava embaixo das unhas com um canivete preso num chaveiro. Lançou a Katherine um olhar divertido. – Era tudo controlado. Eu já estava entrando no quarto quando você o derrubou.

— Controlado – Katherine ecoou, esfregando os dedos com carvão. Não tinha palavras, somente um grito sufocado na garganta.

— A superdose teoricamente não bastaria – disse Olivia, sentando-se na cama. Colocou o canivete de lado. – É preciso um despertar. Um chacoalhão, se me permitir. Agora eles estão aí. Qualquer um pode perceber.

— Eu não…

Num piscar de olhos, Olivia saltou para cima dela com as presas expostas. Katherine não teve tempo de gritar, somente fechou os olhos instintivamente.

Mas, quando voltou a abri-los, segurava Olivia pelo pescoço. Os dentes dela estavam a centímetros do rosto de Katherine, mas ela estava firmemente imobilizada.

— Achei que tivesse dito para não encostar o dedo nela – disse uma fria voz vinda da porta.

As duas se viraram para ele imediatamente. Katherine largou o pescoço de Olivia e recuou, e Olivia se aprumou.

— Senhor – disse ela, baixando a cabeça respeitosamente. – Só queria mostrar a ela. Como o senhor disse, ela precisa acreditar em si mesma.

O homem na porta também portava uma máscara que cobria o rosto todo. Ele deu a Olivia um breve aceno de cabeça, e em seguida Katherine sentiu os olhos dele sobre si, mesmo que não pudesse vê-los. Encarar aquela máscara apática fazia as entranhas dela se revirarem.

— Os aposentos – disse ele, ignorando Olivia. A voz parecia distante, familiar e ao mesmo tempo antiga, algo que vivia muito tempo antes de qualquer coisa que Katherine poderia ter conhecido. – Os aposentos são do seu agrado?

Agora que sabia que não havia outros, aquele jogo se tornara ainda mais delicado. Eles precisavam dela, e só tinham a ela.

— Não – ela respondeu secamente. – É perturbador. Quero ver o meu irmão. E Evan. Quero vê-los.

Olivia voltou o olhar para o homem com as sobrancelhas erguidas, ansiosa pela reação dele. O homem passou o braço pelas mangas da camisa preta, alisando-a onde encontrava dobras no tecido. Ergueu a cabeça novamente para ela lentamente.

— Se quiser vê-los, vai se comportar. Eles dependem de você agora.

Ele inclinou a cabeça na direção da porta e Olivia se levantou para segui-lo como um cachorrinho seguindo ordens.

— Vou mandar trazer a sua comida.

E a porta se fechou. Katherine olhou em volta para o quarto como se fosse assombrado. A ameaça que o homem lhe fizera surtiu o efeito desejado. Ela podia escapar se quisesse, nada a impediria de se teletransportar para qualquer lugar do mundo, para pedir ajuda a quem quisesse, mas os outros não teriam a mesma sorte. Mesmo que fosse capaz de combinar com Evan e David um momento para fugirem todos juntos, Mary ainda estaria presa.

E havia aquele quarto sinistro. Uma réplica perfeita do quarto de Katherine na casa de Ellen. Absolutamente perfeita. Um calafrio lhe percorreu a espinha ao pensar em quanto tempo havia que Serpente a observava, em quantas vezes invadiu a casa para fotografá-la e reproduzir o quarto daquela maneira. Se alguma vez chegou a acreditar que seria capaz de escapar dele, agora via que estivera enganada.

Aquilo ia além de uma necessidade. Aquele quarto mostrava uma completa obsessão. Quem havia montado todo aquele cenário estava obstinado, e vinha se preparando por muito tempo. A única coisa que ainda faltava a Katherine era compreender por que ela.

A porta voltou a ser aberta, e mais uma pessoa sem rosto apareceu para deixar uma bandeja de comida. Katherine tinha fome, mas a ansiedade era tamanha que prometia que ela vomitaria qualquer coisa que tentasse comer.

As bonecas a observavam com os apáticos olhos de plástico na última prateleira da estante, sob os numerosos livros. Katherine se sentou no tapete para olhá-las mais de perto. O maníaco reproduzira até mesmo as customizações que ela fizera, algumas roupas que ela costurara e os cabelos de boneca que ela tinha tingido.

Parecia tudo perfeito, mas havia um detalhe que dificilmente apareceria numa foto ou numa inspeção.

Procurou a Barbie de cabelo azul e vestido preto de alcinha entre a coleção. Ellen não sabia costurar à época, e ela não tinha esperança de que Roberto o soubesse, então passara horas e horas na internet para aprender e chegar àquela perfeição de vestido. Mas Katherine estragara o cabelo da boneca ao prendê-lo com um elástico de dinheiro, então teve a ideia de tingi-lo e alisá-lo para disfarçar. Ela só não sabia que a chapinha derreteria o cabelo de plástico, e aquela boneca acabara com uma crosta de plástico na nuca sob a nova cabeleira azul.

Quando Katherine pegou a boneca e a tirou da prateleira, sabia que, lá no fundo, estava torcendo para não encontrar nada demais. Seria só uma réplica. De alguma forma, ele podia ter invadido as lembranças dela. Ergueu o cabelo azul da boneca.

O corpo todo dela se arrepiou quando encontrou o pedaço de plástico duro escondido. Era tudo real. O quarto, os pertences, era tudo real.

Pegou os livros, e foi abrindo, um a um, encontrando “Kate Flores” em caligrafia de criança em todos eles, junto com a data de aquisição. Havia um diário, os desenhos, as pinturas, os desenhos de carvão, era tudo verdade, era tudo dela.

Katherine apoiou o braço na cama, querendo que o quarto parasse de rodar. Sentia-se invadida e sozinha, e começava a ver novamente crescendo a certeza de que aquele era o fim da linha. Não havia a quem recorrer. Havia pessoas que dependiam dela. Estava completamente rendida.

Ela ouviu a porta ser aberta e se assustou. Começou a sentir dificuldade para respirar, e as mãos e as pernas tremiam tanto que ela nem tentou se mexer. Sentiu uma forte inquietação e tentou apertar o peito.

— Kate? – chamou o homem. – Não me diga que você foi embora. Seu irmão não vai gostar disso.

A voz dele, antes fria, agora era doce, calma e convidativa, e fazia as ameaças parecerem uma brincadeira. Ele queria se aproximar dela, mas Katherine não o deixaria ganhar a sua confiança.

— Aqui – sussurrou ela. Apesar do tom baixo, sabia que o homem a escutara.

— Ah, as bonecas – disse ele. O aumento gradativo da voz denunciava a aproximação dele. – Você adorava estragá-las, não é? Cortava os cabelos, tingia o loiro, arruinava as roupas… Sua mãe odiava isso.

— Não fale como se estivesse lá – Katherine manteve os olhos no chão, pois tinha medo de olhar para a máscara. – Ele não tinha o direito de nos espionar e pegar todas essas coisas.

A cama fez barulho, e Katherine virou a cabeça para encontrar o homem sentado, extremamente próximo. Ela parecia sentir cada pulsação de artéria pelo corpo todo, e a cada segundo a tensão dentro dela aumentava.

— É tudo uma questão de ponto de vista — respondeu ele, dando de ombros. – Sob o meu ponto de vista, eu acho que eu tinha o direito. Não tocou na comida.

Ela se levantou do chão devagar, e ficou em pé diante dele. Estava completamente aterrorizada, mas resistiu ao impulso de se afastar.

— Você é Serpente.

Ele fez um som suave de risada e balançou a cabeça.

— Não me apresentei antes para não assustá-la, mas acho que não funcionou. Mas não preciso ser alguém que você teme. Quero que entenda a minha motivação.

Katherine o encarou sem reação. Engoliu em seco e tentou controlar a respiração para parecer menos assustada. Não queria se mostrar vulnerável, apesar de cada célula do corpo dela querer sair correndo dali.

— Você teve a oportunidade de mostrar aos outros e a si mesma como é fisicamente forte. Tem habilidades especiais que qualquer criança sonharia em ter, que a tornam mais poderosa que qualquer ser humano, que fazem com que seja praticamente impossível subjugá-la. Ainda assim, Katherine, você se submete às leis humanas e às leis vampiras.

— Porque é isso que nos faz uma sociedade – Katherine respondeu, arrependendo-se em seguida. Pelo silêncio de Serpente, ela achou que seria punida, mas logo ele continuou a falar.

— Uma sociedade, sim, mas falo da nossa relação com os humanos. Você, como eu, precisa de sangue para viver, embora ainda não tenha vivido sua primeira Sede, mas o acesso ao sangue não é livre. Não, o governo vampiro têm acordos profundamente secretos com os humanos para conseguir sangue limitado. Isso parece justo a você? Já viu um homem ser impedido de comer quando o alimento é abundante?

— Não, mas… — Katherine pensou, sem saber o que responder. — Mas é a única forma de vivermos em harmonia. O que você sugere é assassinato.

Serpente soltou uma sonora gargalhada, querendo mostrar o quanto ela era tola.

— Assassinato, você diz? Como eles cometem todos os dias com as espécies que eles julgam inferiores? E que harmonia é essa em que temos que esconder nossas identidades e sufocar nossas necessidades para que ela exista? Pergunto novamente, isso parece justo para você?

— Não – disse Katherine. Percebeu, alarmada, que Serpente podia ter razão. Recordou-se de Evan dizendo algo sobre ele ser radical e violento. – Não parece.

Não vou cair na lábia dele, Katherine pensou. Pode ter as motivações mais nobres do mundo, mas ainda estou presa e ele ainda tem reféns.

— Staham é somente mais um em uma longa linhagem de governantes que nos mantêm escondidos e segregados do resto da sua tão preciosa sociedade. Podemos ser parte dela desde que neguemos a nossa natureza, desde que baixemos a cabeça perante os humanos. Por que somos nós que nos humilhamos e nos escondemos se são eles os mais fracos?

— É um discurso bonito para poder matar sem sofrer consequências – Katherine se atreveu.

— Se puder me explicar a diferença entre humanos e porcos, então, vá em frente – Serpente rebateu.

Katherine abriu a boca para falar, mas Serpente continuou.

— Não é só sobre matá-los. É também sobre os vínculos – ele argumentou. – Que tipo de vínculo verdadeiro pode ser criado quando existe entre duas pessoas um segredo dessa magnitude? Acha certo que a sua mãe não saiba sobre vampiros quando está cercada deles? Se sente confortável ao olhar nos olhos de Rachel e mentir?

— O que você sabe sobre Rachel? – Katherine ergueu a voz, descontrolando-se. – Já se intrometeu no meio da minha família o suficiente, e agora que me tem aqui, deixe Rachel e a minha mãe fora disso. Você não tem o direito nem de pronunciar o nome delas.

— Achei que estaria óbvio para você desde o segundo em que ouvisse a minha voz, mas aparentemente eu me enganei. E você não entendeu nada.

— O que eu não estou entendendo? – ela perguntou, irritada.

— Não persegui a sua família. Não envolvi Rachel, nem invadi a sua casa. Eu sou sua família.

Ele puxou a máscara e a jogou no chão, e a encarou em silêncio. Katherine sentiu o chão desaparecer sob os seus pés, e o quarto se tornou somente uma mancha que a envolvia por todos os lados.

Ela arquejou, e as lágrimas começaram a escorrer pelo rosto.

— Não sou um monstro, mi hija— disse Roberto, sorrindo. – Eu sou o seu pai.


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Notas finais do capítulo

confesso q ate eu fico chocada



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