Sede de Poder escrita por Mermaid Queen


Capítulo 20
Capítulo 20: Um capítulo sobre Evan


Notas iniciais do capítulo

todinho sob o ponto de vista do evan, e aclamadíssimo na minha opiniao



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Evan tentou virar o rosto para se proteger do sol, mas não conseguiu. A luz invadia o quarto todo e fazia as pálpebras dele parecerem feitas de papel. Decidiu acordar de vez.

Abriu os olhos devagar e viu que a janela do quarto estava aberta, que era por onde o sol entrava. Observou o teto manchado e as paredes claras.

— Finalmente.

Ele virou a cabeça em direção à voz e encontrou Katherine na outra cama. Ver o rosto dela cheio de hematomas tirou-o do torpor do sono. Parte de Evan queria acreditar que havia tudo sido um sonho estranho, mas as marcas estavam bem ali. Tanto em Kate quanto nele, que ainda podia sentir a garganta dolorida.

— Bom dia, Bela Adormecida.

Evan se espreguiçou e olhou para ela. Kate ainda tinha os cabelos presos na mesma trança do dia anterior, completamente desgrenhados, embora ele achasse aquilo charmoso, de certa forma. E o olho dela o assustava, pois já não estava mais inchado. Ela se curava rápido demais para que Evan pudesse assimilar.

O sorriso continuava bonito. E debochado.

— Estou muito bem, Muhammad Ali – Evan respondeu, esperando pela reação dela.

Kate sorriu para ele de novo. Evan podia ver como estava melancólica, podia sentir a melancolia, e apreciou o sorriso.

— Como você está?

Ela deu de ombros.

— Estou bem. Você deveria comer alguma coisa antes de seguirmos viagem.

Evan assentiu e levantou da cama. Teve a sensação de que um caminhão havia passado por cima dele enquanto dormia. Foi para o banheiro enquanto Kate juntava algumas coisas na bolsa atrás dele.

Os óculos escuros dela estavam sobre a pia. Ele os segurou como se pudesse ter o rosto dela nas mãos, como já o tivera um dia. Evan largou os óculos, sentindo-se patético. Escovou os dentes.

Depois de lavar o rosto e juntar os poucos pertences que tinha, Evan saiu novamente para o quarto e encontrou Kate já com a mochila nas costas. Estendeu a mão com os óculos dela.

— Obrigada – ela sorriu e colocou os óculos. – Está pronto para ir?

Evan concordou, embora sentisse a barriga roncar. Poderiam parar em algum lugar no caminho.

Foram para o carro e Evan se sentou no banco do motorista antes que Kate pudesse protestar. Era uma das coisas que ele gostava nela, esse hábito teimoso de se doar pelas outras pessoas, embora ele não pretendesse deixá-la fazer isso por ele. Não de novo, pelo menos.

Ele sabia que ela havia se entregado a Jack por medo de o governo tomar a atitude de matar ambos, só o enfurecia que ele não tivesse percebido a tempo para impedi-la. Evan tinha essa estranha certeza de que o ataque que Kate sofrera havia sido obra do governo, mas sentia que ela se mostrava um pouco relutante com a ideia.

Ele deu a partida e Kate chamou a atenção dele. Ele a observou de canto de olho lutando contra o cinto de segurança, fazendo careta devido à dor do ombro machucado de um lado e da mão que parecia sensível do outro.

Evan se debruçou sobre ela e puxou o cinto. Tentou não esboçar reação ao sentir o cheiro dela tão próximo do seu rosto, e se segurou para não olhar para ela e assim constrangê-la ainda mais, apesar de que olhar fundo nos olhos de Kate à distância de poucos centímetros fosse uma das coisas que ele mais queria no mundo.

Ao sair com o carro, Evan passou os olhos pela recepção e aquilo o fez questionar Kate.

— Você não teve problemas com a idade para abrir e fechar a conta?

Ela olhou para ele, parecendo surpresa com a pergunta de repente. O rosto dela ainda estava vermelho.

— Descobri que estamos em algum lugar chamado Condado de Robeson, na Carolina do Norte – Kate pigarreou antes de falar e desviou os olhos para a janela. – Mais precisamente, no meio do nada. Ninguém questiona nada por aqui.

Evan sabia que estavam na Carolina do Norte. Calculou que com mais umas seis horas de viagem, chegariam a Baltimore. Com algumas paradas, ele achou que aguentaria, embora já sentisse a própria bunda quadrada novamente e mal haviam deixado o estacionamento.

Já na rodovia, Evan se sentia extremamente desconfortável. A pintura azul de que ele tanto gostava agora parecia a ele um enorme outdoor. Piorava quando ele parava para pensar na possibilidade de estarem sendo seguidos, que para ele era bem alta.

Ele tentava pensar em uma forma de usar o governo a seu favor, pedir ajuda, mas desconfiava de que seria em vão. Talvez ajudassem se Kate prometesse ficar ao alcance deles, mas se ele estivesse correto, eles estavam mais para matá-la que para guardá-la ou protegê-la.

Evan olhou de soslaio para Kate, desejando saber no que ela estava pensando, porém sem querer invadi-la. A pele morena adquiria um brilho bonito sob o sol, e havia uma ruga entre as sobrancelhas que ela franzia enquanto olhava para a paisagem.

Ele se sentia um pouco ridículo por causa das coisas que sentia por Katherine. Evan estava disposto a ir até o fim do mundo por ela. Ele se questionava se aquilo poderia ser só coisa do pacto, mas às vezes parecia profundo demais. Quando olhava para ela, parecia profundo demais.

Evan se voltou para a estrada novamente. Quando Kate se sentisse pronta, ele estaria ali por ela. Quando ela tomasse a iniciativa e o quisesse como ele a queria. E Evan realmente esperava que aquilo acontecesse.

Não se sentia pronto para seguir em frente.

— Posso dirigir? – Kate pediu.

Evan desviou os olhos da rodovia para olhá-la.

— Não.

— Por que não? – Kate cruzou os braços.

— Por que eu a deixaria fazer isso? Estava com dor hoje de manhã.

— Não sinto mais nada – disse ela. Começou a mexer o braço e as mãos para demonstrar. – Viu?

Evan franziu a testa. Era muito estranho, e ela tinha razão. Os hematomas no rosto dela estavam deixando de ser roxos e passando para verde bem diante dos olhos dele, embora muito lentamente.

— Você é muito chato – resmungou ela.

— Eu vou deixar – ele riu. – Espero que não destrua meu carro.

Ele encostou o carro para poderem trocar de lugar. Ficou observando Kate para ver se ela mostrava algum desconforto, mas ela realmente parecia bem.

Seguiram viagem. Evan chegou até a adormecer, despertando cerca de duas horas depois. Kate parecia cansada, por isso ele se ofereceu para terminar a viagem e ela aceitou de bom grado. Evan soltou um risinho.

— Isso é deboche? – Kate perguntou, meio rindo e meio desconfiada, enquanto dava a volta no carro.

— Não – Evan riu. – Na verdade sim. Aposto que se arrependeu depois de dirigir por três horas.

Kate revirou os olhos, mas deixou escapar um sorriso de canto de lábio.

— Cale a boca e dirija – respondeu ela, fazendo-o rir.

Evan suspirou quando voltou para a estrada. As costas dele doíam horrivelmente depois de passar tanto tempo sentado naqueles bancos.

Ele se pegava pensando em Alex o tempo todo, sem entender, sem conhecer aquele rosto, até finalmente compreender que aqueles eram pensamentos intrusos de Kate. Evan sentia nuances de medo, mágoa e até culpa, que alimentavam nele um sentimento de impotência.

Enraivecia-o ver Kate murchar ao lado dele enquanto os pensamentos a consumiam, e não havia nada que ele pudesse fazer. Pensou em segurar a mão dela, mas seria esquisito. O lance do cinto provavelmente a deixara constrangida o suficiente.

Lá para as sete e meia, Evan viu uma placa informando que não faltava tanto para Baltimore, e ele suspirou de alívio. Sentia uma certa culpa por parar por ali, pensando que no dia seguinte ainda enfrentaria outra viagem longa, mas ele estava tão cansado, e as costas dele o matavam, e Evan resolveu ceder.

Pouco antes das oito, encontrou um motel em uma área não tão movimentada. Conforme avançava pelo estacionamento, vislumbrou o rosto de Mary diante de si e a culpa terminou de consumi-lo. Estava indo dormir enquanto deixava a irmã a mais um dia e uma noite de distância nas mãos de um desconhecido.

Evan saiu do carro e foi fazer o check-in exausto.

Notou que a recepcionista começou a dar em cima dele depois de ele pedir um quarto com duas camas. Ela era jovem, um pouco mais velha que ele, provavelmente filha dos donos, e pousou a mão no braço dele para explicar a localização dos quartos.

Evan puxou gentilmente o braço, fingindo que ia coçar a cabeça. Conseguiu pôr fim à constrangedora conversa, mas não antes de ser informado de que a moça morava no apartamento 12 do prédio ao lado do mercado, e saía do serviço às dez. Também perguntou se ele e Kate eram irmãos, e se ele malhava.

Subiu as escadas para o quarto com Kate atrás, sentindo-se tenso. Não sabia em que ponto da conversa ela havia chegado, o quanto havia escutado, ou se havia prestado atenção. E ele se sentia um pouco bobo por se preocupar com isso, sendo que ela mesma não parecia ligar muito para ele.

Quando abriu a porta do quarto, Katherine entrou primeiro e deixou a mochila sobre a cama perto da parede.

— Esse quarto é bem melhor – disse ela, olhando em volta. – Se quiser, eu posso sair e você traz a sua nova amiga aqui.

Evan revirou os olhos.

— Eu previ isso – resmungou ele, fechando a porta atrás de si, querendo rir.

— Quem resiste àqueles olhos? – zombou ela, deitando na cama.

Evan se sentou na outra cama e se espreguiçou, ignorando-a.

— Você malha?

— Katherine! – Evan respondeu, começando a rir. – Quantos anos você tem?

— Quantos anos será que ela tem? – Kate murmurou, com ar pensativo.

— Vou tomar banho – Evan anunciou. – Espero que você tenha calado a boca até eu sair.

Kate assentiu.

— Você pode ir ao mercado antes? Pensei em fritarmos uns hambúrgueres.

— Por que você não vai ao mercado enquanto eu tomo banho? – Evan perguntou, jogando uma toalha sobre o ombro.

— Tudo bem, pode ir depois do banho.

— Por que você não vai? – Evan insistiu.

— Não quero ir, vai você.

— Eu estou cansado, Katherine – Evan argumentou. – Por que você não vai?

Kate bufou.

— Porque eu não quero.

— Eu também não quero – replicou Evan, já irritado. – E eu dirigi até agora. É logo ali!

Ela respirou fundo e o rosto ficou vermelho.

— Eu vou então – ela cruzou os braços.

— O que foi? – Evan perguntou, com um suspiro. – Por que você não quer ir?

— Já falei que eu vou – disse Kate.

— Não vai dizer?

Kate o encarou com um olhar frio, embora as bochechas ainda estivessem rosadas. Ele assentiu com irritação, pegou a carteira e saiu. Bateu a porta, na expectativa de fazer barulho e deixá-la com raiva como ele estava.

Evan desceu as escadas e cumprimentou a recepcionista com um breve aceno de cabeça ao passar por ela. Felizmente, ela estava ocupada com o telefone e não o parou para conversar.

Caminhou para fora do motel, atravessou a rua e virou a esquina. Encontrou o mercado logo depois. A cada passo, sentia as costas gritando em protesto, e isso o deixava mais e mais irritado com Katherine. Jogou uma pizza congelada e uma caixa de suco no carrinho.

Uma senhora observava Evan enquanto ele surtava na frente dos laticínios, irritado consigo mesmo por estar irritado com ela, e ainda assim irritado com ela. Kate já era um pouco quieta e deprimida, mas ela estava ainda mais quieta e deprimida, a ponto de surpreendê-lo quando ela fazia uma piada ou algo do tipo.

Ele suspirou e quando deu por si estava com duas barras de chocolate na mão. Evan jogou as barras no carrinho como se elas estivessem rindo dele por estar pensando em agradar Katherine.

Pagou pelas compras e caminhou de volta com a cabeça baixa, cansado e desmotivado. Não estava muito preparado para discutir com Kate novamente, mas o clima com que deixara o quarto não havia sido o melhor de todos.

Ele destrancou a porta e a viu com uma toalha na cabeça, sentada na cama com os braços cruzados. Kate abriu a boca para dizer algo, mas Evan falou primeiro.

— Vou tomar banho, e nós podemos jantar depois.

Entrou no banheiro sem saber o que ela tinha a dizer. Não sabia se havia soado frio demais, ou grosseiro, ou se os olhos de Kate pareciam arrependidos, mas os questionamentos se foram quando ele sentiu o primeiro toque da água quente no corpo.

A tensão dos músculos se aliviou um pouco, e Evan relaxou e respirou fundo. Sentia-se até mais vivo ao sair do banho. Não havia comido praticamente nada o dia todo, mas sentia-se cansado a ponto de pular o jantar e ir direto para a cama.

Quando saiu do banheiro, passou os olhos pelo quarto e parou. Levou um susto com a estranha, até perceber que era Kate. Tão assustadoramente diferente.

Levou um tempo até Evan perceber que era o cabelo solto. Tão surpreendente e… novo?

Ele ficou parado na porta, olhando para ela sem reação. Paralisado. Era a primeira vez que a via com o cabelo solto. Parecia estranhamente vulnerável. Tão bonita que ele perdeu todas as palavras.

Evan esqueceu toda a irritação que estava sentindo antes e quis correr até ela, mas seus pés felizmente não se moveram. Percebeu que a encarava e abaixou a cabeça sem jeito.

— Eu vou preparar as coisas – disse ele, tirando forças do além para elaborar aquela frase.

Foi para a pequena cozinha, sem coragem de olhar para Kate, e derrubou a garrafa de suco duas vezes. Não conseguia entender por que as mãos tremiam.

— Trouxe pizza – Evan anunciou. Achou que, se não se segurasse, desataria a falar sem parar com o nervosismo.

Kate o observava com aparente curiosidade, mas os olhos vacilaram e encontraram o chão.

— Eu não queria admitir, mas ainda tenho medo. Tenho medo de Alex o tempo todo – disse ela de repente, chamando a atenção de Evan. – Achei que eu havia me tornado corajosa por tê-lo enfrentado, mas ainda sinto medo e o vejo em todos os lugares.

Uma mecha de cabelo úmido caiu sobre o rosto dela. Evan não conseguia tirar os olhos daquela mecha.

— Eu sinto muito por ter insistido para você ir – disse ele. – Devia ter percebido que havia algo errado.

— Desculpe por ter agido daquele jeito – Kate respondeu.

— Eu trouxe pizza – Evan encolheu os ombros.

Kate sorriu.

— Você já disse isso.

— Já, é? – Evan murmurou, voltando a atenção para o forno.

Tirou a pizza da caixa e a colocou o forno, e ficou encarando o aparelho. Estava tão confuso que mal sabia que botões tinha que apertar. E ainda não entendia por que estava tão desconcertado com o cabelo dela. Estava obcecado.

Evan deu de ombros e fechou a porta atrás de si, forçando-se a desviar os olhos de Katherine. Achou que nunca mais conseguiria olhar para uma garota de novo sem compará-la com aquela imagem.

— Quer ajuda com o forno?

Evan se chocou contra o forno por causa do susto. Não a ouvira se aproximar, e não esperava que Kate estaria tão perto dele. Evan virou a cabeça para olhar para ela, e ficou agachado com a cara no forno e o queixo caído por longos segundos. Sentiu que nunca mais conseguiria olhar para alguma garota novamente sem compará-la com aquela imagem.

Ele saiu do transe se afastou a contragosto para que ela pudesse se aproximar do forno. Kate franziu a testa para ele. Então ela girou um dos botões, apertou outro e colocou a pizza lá dentro. Observava Evan com o canto dos olhos.

— Certo, o que está acontecendo?

Evan ficou paralisado.

— Do que você está falando? – perguntou rapidamente. Ele deu um passo para trás e trombou com a gaveta aberta, derrubando vários talheres no chão.

— É disso que eu estou falando.

— É que… hum… não sei, o…

— É o cabelo? – perguntou ela de repente.

— O quê? – respondeu ele imediatamente, quase gritando.

— Eu fico pensando no meu cabelo, o que me leva a pensar que você está pensando no cabelo. Só não entendo o que há de errado. É estranho? É isso? Você preferia preso? Porque eu prefiro a…

— É a coisa mais bonita que eu já vi – falou sem pensar.

Evan cobriu a boca com a mão e arregalou os olhos. Kate ergueu as sobrancelhas, surpresa. O rosto dela começou a ficar vermelho.

— Desculpa – Evan sentiu o coração bater forte. – Estou falando um monte de coisa sem pensar. Acho que estou cansado, só isso.

Kate soltou um risinho.  A mente de Evan gritava querendo passar a mão no cabelo dela, mas a boca ainda tinha um pouquinho de controle.

Para o alívio dele, Kate se afastou um pouco para pegar a garrafa de suco e coloca-la no frigobar.

— O que foi isso? – perguntou ela, balançando os chocolates no ar.

— Pensei… - murmurou Evan, ainda encostado à pia. – Pensei que você fosse gostar.

— Acertou – respondeu ela, sorrindo.

Kate deu as costas a ele e voltou para a cama. Sentou-se e o observou de longe, deixando Evan perto do fogão. Ele respirou fundo como se estivesse prendendo a respiração por horas.

— Quanto tempo até a pizza ficar pronta? – ela perguntou.

— Acho que uns vinte minutos. Vou olhar a embalagem.

Evan derrubou a caixa de pizza no chão. Abaixou para pegar e, ao levantar, bateu a cabeça na gaveta que deixara aberta.

— Meu deus, Evan – Kate exclamou. – É impressão minha ou você saiu daqui e voltou um milhão de vezes mais desastrado?

— Acho que é impressão – murmurou ele, sorrindo meio atrapalhado. Deixou a caixa de papelão sobre a pia.

Ela ficou olhando para ele. Apertou um pouco os olhos, sorriu com alguma coisa que lhe ocorreu, e depois o sorriso lentamente morreu e deu lugar a um daqueles olhares melancólicos que ela tinha e que Evan conhecia tão bem.

— Acho que eu te devo algumas explicações – Kate falou, com a voz baixa. – E um pedido de desculpas. Vem aqui comigo.

Evan franziu a testa, surpreso, e andou até ela. Sentou-se ao lado de Kate na cama com hesitação, sem saber o que esperar.

— Nunca te contei realmente sobre Alex – disse ela de repente.

Evan não teve reação por um momento, até balançar a cabeça.

— Não precisa me contar, Kate. Eu entendo.

— Eu o conheci no clube de RPG. Dungeons and Dragons, sabe? — Kate o ignorou. – E nós começamos a namorar. E foi tudo normal no começo.

Evan comprimiu os lábios.

— Nós discutíamos um pouco, e às vezes ele gritava. Eu ficava com um pouco de medo, mas no fim não achava nada demais, achava até romântico. Parecia um filme, e ele me dava flores depois – Kate esboçou um sorriso triste. – Depois, Alex começou a agarrar o meu braço.

“A primeira vez que realmente aconteceu foi depois de uma festa, quando elogiei a camiseta de um dos amigos dele. Todos foram embora depois que a festa acabou, e nós fomos para o quarto dele. Ele entrou, bateu a porta e…”

— Katherine, você não precisa fazer isso – Evan a interrompeu.

A voz dela começou a ficar embargada.

— Ele bateu a porta e me agarrou pelo braço. Eu já estava deitada na cama, mas ele me levantou e me jogou no colchão de novo. Senti medo de verdade.

Evan viu lágrimas escorrerem e limpou uma delas com o polegar.

— Alex me deu um tapa no rosto. Quando eu tentei explicar a história da camiseta, ele bateu de novo. Mas com as costas da mão. Me mandou ficar quieta e não fazer aquilo de novo.

Esquecendo o constrangimento de antes, Evan a puxou para si com uma enorme angústia que crescia dentro dele. Kate deitou com as costas no peito dele e ele sentiu as costas dela tremerem com os soluços que tentava reprimir.

— Depois, ele me pedia desculpa. Chorava, dizia que me amava e nunca mais deixaria aquilo acontecer. E mais flores.

Ele pensou em dizer algo, mas desistiu. Nada do que ele falasse poderia confortá-la ou fazê-la esquecer. Ele passou os dedos no braço dela, um afago quase inconsciente.

— Quando eu ameacei ir à polícia, depois de terminar, ele disse que ia me matar se eu fosse. Então eu fui, mas não aconteceu nada por falta de provas. E então eu estou sempre com medo de Alex voltar para me matar. E de eu repetir o mesmo erro com as outras pessoas, me envolver de novo e… ele acabou comigo, sabe?

— Sei, Kat – murmurou ele. – Eu entendo.

— Eu sei que entende, mas eu menti quando afastei você. Estava tentando protegê-lo, mantê-lo longe de mim e dos meus problemas, porque eu queria me entregar e tive medo de que pudessem te levar também se…

— Se quisessem te matar – disse Evan.

Kate engoliu em seco.

— E quiseram – Evan falou.

— E você estava bem longe quando aconteceu – Kate argumentou. – E queria poder continuar mantendo-o longe. Não quero que algo aconteça a você por minha causa.

Evan deslizou o polegar pelo braço direito dela, sem saber o que dizer. Ele queria tanto protegê-la, mas sabia que Katherine não precisava de proteção. Ela era tão forte e determinada, e só precisava tomar consciência disso para se tornar invencível. Ele a admirava muito.

— Você significa muito para mim – disse ele, pousando o queixo no ombro dela. – Não vou deixá-la. E vou atrás de você se tentar me deixar para trás.

Kate sorriu e se virou de frente para ele.

— Eu sei disso. – Ela fechou os olhos e segurou o rosto de Evan com as mãos, aproximando-se até que as testas se tocassem. – Sei o quanto é teimoso.

Kate inspirou fundo e se manteve ali. Os narizes se cruzavam e os lábios se roçavam. Evan fechou os olhos devagar, desejando que aquilo fosse para sempre. Sentia o hálito dela que escapava por entre lábios entreabertos e tocava a pele dele delicadamente. Com as mãos trêmulas, Evan tocou a pele macia do pescoço dela, quase como que para se certificar de que ela era real.

O forno apitou.

Evan abriu os olhos e olhou em volta, completamente desorientado. Relutante em se afastar, ele a beijou no rosto antes de ir tirar a pizza do forno, arrancando de Kate um sorriso afetuoso.

Evan cortou a pizza e serviu as fatias em pratos, lavando as mãos em seguida. Virou-se quando ouviu um barulho atrás dele, e deu de cara com Kate, que havia tirado o suco do frigobar e o servia em dois copos. Depois, largou o suco e se aproximou de Evan, encurralando-o contra a pia.

Ela segurou as mãos dele e aproximou o rosto. Beijou-o devagar, quase de forma hesitante. Afastou-se depois, e Evan se viu encarando aqueles olhos castanhos.

— Você me disse que eu mereço ser feliz, lembra? E eu quero tentar – ela sussurrou.

Kate o beijou de novo e descansou a cabeça no peito dele por alguns segundos antes de respirar fundo e se afastar. Sentou-se à mesa e estendeu a mão para a pizza.

Evan a observava, completamente em choque.

— Como você consegue comer depois disso?

Kate mordeu a pizza e olhou para ele, erguendo as sobrancelhas. Sorriu com divertimento mas não disse nada. Evan balançou a cabeça para ela, sem conseguir acreditar na naturalidade, e pegou a pizza também. Queria pegá-la pela cintura, mas se contentou com a pizza.

— É um pouco nostálgico comer pizza com você – disse ela, sorrindo e tomando um gole de suco.

— Nostálgico, é?

— Isso me lembra do nosso primeiro encontro falso antes de você estragar tudo. Apesar de você ter sido um idiota, o encontro foi realmente maravilhoso.

Evan apertou os olhos, divertindo-se tanto quanto ela.

— E você beija idiotas agora?

— Eu sou profissional nisso – disse ela, fingindo seriedade. – É uma arte em que eu me aperfeiçoei.

Evan deu risada, aproveitando o momento para olhar para ela. Era difícil encontrar Kate sorridente como ela estava, cheia de leveza. Tão linda que Evan se surpreendia, como se a estivesse vendo pela primeira vez.

Kate comeu o chocolate sorrindo para ele. E o beijou no rosto antes de ir para o banheiro escovar os dentes. Evan gostava daqueles olhares misteriosos. E gostou de puxá-la pela cintura e senti-la contra si. Gostou quando a beijou e Kate segurou o pescoço dele, fazendo-o se arrepiar.

E gostou mais ainda quando deitou sobre a perna dela para ouvi-la falar. Soube que ela gostava de filme de terror, ouviu mais sobre a amiga Rachel, e descobriu que o sorvete preferido dela era de morango.

— Mas morango, tipo, com gosto de morango – Kate enfatizou. – Não aquele creme rosa doce demais.

Ela também contou que ela e David gostavam de fazer castelos de areia na praia quando eram crianças. E que ela não se dava muito bem com Jack antes, mas que agora aquilo havia mudado. E que ela visitava o túmulo do pai no Dia dos Mortos, e cantava todo ano alguma música de que ele gostava, e jurava que podia ouvi-lo cantando junto com ela.

Evan escutava tudo aquilo deliciado, encantado com aquela versão de Kate falante e sorridente. Mas então ela bocejou, e as histórias começaram a diminuir o ritmo.

Mais tarde, Evan saiu do colo dela e foi para a cama. Kate apagou as luzes, e, embora Evan se sentisse extremamente cansado, a preocupação com os pais e com Mary o deixava desperto. Àquela altura a mãe já teria percebido que eles haviam sumido. O pai provavelmente tentaria se mostrar forte, mas deviam estar ambos desabando.

De repente, ouviu um barulho. Depois, o colchão dele se mexeu. Katherine o beijou brevemente nos lábios e se acomodou nos braços dele sem dizer nada.

Evan passou os braços em volta dela e a apertou contra si.


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Notas finais do capítulo

como seguir em frente dps dessa? no brasil não há amor pra mim



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