Sede de Poder escrita por Mermaid Queen


Capítulo 19
Capítulo 19


Notas iniciais do capítulo

capítulo 18 terminou com uma bombaaaaa



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Katherine sentiu que havia sido jogada num tanque d’água, e tudo ao seu redor estava flutuando, e não existia mais chão nem ar para respirar. Procurou pensar em qualquer explicação, qualquer motivo que pudesse ter levado David a sair com Mary, mas ela sabia que só estava se enganando.

Serpente os havia raptado. Era claro como a luz do dia para ela.

— Precisamos… não sei, eu não sei o que a gente faz, como ele pode ter sumido? Isso não faz sentido – Katherine tentou falar enquanto os pensamentos passavam a mil pela cabeça dela. A respiração estava entrecortada. – Preciso saber se a minha mãe está segura. Você pode ir até lá?

Jack evitou olhar nos olhos dela.

— É claro, querida – murmurou ele. – Vou até lá agora.

O choque tirara Katherine do torpor em que estivera desde que Alex havia sumido. Ela se sentia em um estado de alerta que ampliava suas dores mas deixava sua mente afiada. No segundo em que Jack fechou a porta do quarto, ela se apoiou na cama e começou a se levantar.

— O que você está fazendo? – Evan perguntou. A voz dele não passava de um sussurro triste. Não emitira um único som desde que Jack dera a notícia, e se limitara a ficar encarando um ponto fixo no chão. Parecia cansado.

Katherine se colocou em pé com dificuldade e descansou o corpo contra a parede. A cada inspiração, sentia agulhadas em toda a lateral do corpo.

— Evan – Katherine falou, querendo que ele olhasse para ela. – Nós vamos resolver isso. Eu vou resolver.

Evan cobriu o rosto com a mão.

— Olha só essa merda – ele sussurrou com a voz embargada. – O que ela tinha a ver com isso?

— Eu vou consertar – Katherine insistiu, querendo chorar também.

— Você vai consertar? – Evan exclamou, olhando nos olhos dela pela primeira vez. – Como exatamente você pretende consertar?

Katherine respirou fundo.

— Eu vou para Nova York, para esse endereço que nós temos, e vou trazê-los de volta.

Evan ficou de pé. Os olhos dele estavam marejados.

— Você vai atravessar o país pra cair perfeitamente na armadilha dele? – Evan falou, indignado. – Vai fazer o que ele quer?

Katherine revirou os olhos.

— Vou de surpresa – argumentou. – O homem disse que o Serpente ia matá-lo se ele me desse o endereço. Talvez ele não saiba que eu tenho.

— É, e talvez ele não tenha um exército.

— Talvez – Katherine rebateu, decidida. Foi andando devagar na direção da porta do quarto.

Evan correu pelo quarto e entrou na frente dela.

— Você ficou maluca! – exclamou ele. – Vai fazer o quê?

— Vou até o seu quarto pegar a chave do carro de David – Katherine explicou, como se fosse óbvio. Parou no meio do caminho e voltou para pegar a mala que deixara prontinha para quando os Agentes do governo chegassem para buscá-la.

— E essa mala?

— Longa história. Sai da frente, Evan. Eu já decidi.

Ele balançou a cabeça.

— Então eu decidi que vou junto.

— E eu decidi que vou sozinha.

Evan desapareceu da frente dela.

Katherine não entendeu, mas deu de ombros. Vestiu um moletom e puxou o capuz sobre a cabeça para cobrir o rosto destruído. O olho esquerdo nem abria mais. Ela ficou se perguntando se poderia perder aquele olho, mas não se estendeu muito na ideia. Não importava agora. Colocou os óculos escuros e saiu do quarto.

Começou a andar pelo corredor vazio, grata pela escola estar fazendo uma festa no campo de futebol, pelo barulho de gritos e música que vinha de lá. De repente, Katherine ouviu passos, e Evan surgiu novamente na frente dela.

Exibia a chave do carro e carregava uma mochila nas costas.

— Sem chance, Evan – Katherine falou. – Já disse que não.

— É a minha irmã.

Katherine respirou fundo e olhou para ele.

— Eu me arrependo todos os dias por ter envolvido você. Todos os dias eu desejo poder voltar atrás e nunca ter entrado no carro com você para ir a Lakewood, e agora a sua irmã também se envolveu, e eu preciso consertar esse erro. Sozinha. Não posso te colocar em risco de novo.

O coração dela estava acelerado quando ela finalmente pôs tudo aquilo para fora. Era como tirar uma tonelada do peito.

Evan colocou a mão no ombro dela.

Eu me envolvi nisso tudo – disse ele. – Eu quis levá-la para compensar o meu erro, por ter feito aquela aposta e por ter metido a gente num pacto. Não importa mais, fui eu que me envolvi porque eu quis, e não há volta. — Evan baixou a voz, e suspirou antes de continuar. – Senti em mim aquele estrangulamento. Já estamos envolvidos demais para eu te deixar ir sozinha desse jeito.

Katherine sentia o corpo todo tremer quando assentiu com a cabeça e começou a andar ao lado dele para o estacionamento. Sabia que estava cometendo o maior erro de sua vida ao levá-lo junto, mas ela teria muitas horas de viagem para pensar em algo. Não iria colocá-lo em risco de novo.

Evan abriu a porta daquele carro azul metálico para ela e colocou as malas no banco de trás. Deu partida e saiu pelos portões já pegando velocidade.

— Sai dessa estrada o quanto antes – disse Katherine. – Jack vai voltar logo para cá.

Evan assentiu.

— O que pretende dizer a ele quando ele começar a ligar? Ele vai atrás de você com certeza.

— Não sei se vai – Katherine encolheu os ombros, e o movimento a fez se retrair. Esfregou o ombro machucado com uma careta de dor. – Três estudantes desaparecidos, e mais uma humana? Imagina só a merda que vai dar quando descobrirem que a sua irmã sabe de tudo e ainda teve autorização da Olivia para estar na escola para o baile, e agora desapareceu. Isso vai mexer até com o governo dos humanos.

— E você acha que Jack vai ficar preso aí resolvendo isso – Evan afirmou. Pegou o desvio para sair da estrada e começaram a andar por uma rua esburacada. Katherine se agarrou ao banco com o braço direto para tentar firmar o corpo e evitar aqueles solavancos que a atingiam como facas.

— Talvez ele mande gente do governo atrás de nós? – ela sugeriu. – Era o mínimo que deveriam ter feito assim que eu dei a ele o endereço.

Evan suspirou e apertou o volante.

— Você se entregou, né? – disse ele acusadoramente. – É por isso que ele não estranhou quando aquele homem apareceu ontem à noite. Eu não entendi na hora como ele não estava surpreso.

Katherine não disse nada, só desviou a cabeça e ficou vendo a paisagem passar por ela em alta velocidade. Depois de alguns minutos, quando já haviam chegado à estrada, Evan parou em um posto de gasolina.

— Vou pegar uns analgésicos e abastecer o carro – disse ele. – Você fica bem sozinha?

— Claro.

Evan saiu do carro e bateu a porta com um pouco mais de força do que seria necessário. Katherine achou que ele estava irritado com ela por ter agido pelas costas dele e ter falado com Jack, mas ela fizera como julgara melhor, e ainda fizera para protegê-lo, embora ele não precisasse saber disso. Sacou o celular e começou a gravar uma mensagem de áudio para Jack.

— Oi, Jack, não se preocupe comigo. Evan e eu estamos indo ao cinema para tentar distrair a cabeça. Mande notícias da minha mãe e tome cuidado.

Em seguida, desligou o celular e esperou por Evan. Ele voltou com o remédio e uma garrafa d’água e entregou para Katherine antes de voltar à estrada.

— Não é tão forte, mas espero que ajude – disse Evan. – Prefere fazer em dois ou três dias a viagem? Vai dar umas dezoito horas.

— Queria poder chegar lá agora – resmungou ela. – É muito tempo dirigindo, Evan. Você que decide.

Evan deu de ombros.

— Vou dirigir o quanto eu aguentar então.

Katherine assentiu e tomou o analgésico. Ao virar a garrafa, viu de relance o próprio rosto no retrovisor e se assustou. Felizmente, usava óculos escuros, porque a pele por baixo apresentava inchaço e uma vermelhidão que se espalhava de forma generalizada. Havia algumas escoriações que subiam pela linha da mandíbula e pela bochecha com sangue seco e um inchaço enorme.

Ela virou a cabeça com nojo. Alex fizera o que havia prometido anos antes, mas aquilo não era obra dele sozinho. Não com ele daquele jeito, parecendo ter sido hipnotizado.

— O que você ia fazer com aquela mala? – Evan perguntou depois de um tempo de estrada.

Katherine olhou surpresa para ele, que quebrara o silêncio de repente. Ela não queria conversar, e queria menos ainda entrar naquele assunto. Ainda sentia dor para falar, dor no corpo e na cara toda, e sabia que Evan não ia gostar nada.

— Jack disse que eles iam me levar para um lugar seguro – murmurou ela. – Hoje mesmo. Não fui ao jogo porque estava esperando por eles.

Evan tirou os olhos da estrada pela primeira vez para encará-la.

— Está dizendo que o pessoal do governo sabia que você estaria sozinha no quarto enquanto a escola inteira estaria ocupada por duas horas?

Katherine suspirou.

— Talvez? Eu não combinei nenhum horário com Jack, então talvez não, mas…

— Mas talvez sim – Evan completou com irritação.

Evan não sabia sobre Alex, pelo menos nada que Katherine tivesse contado a ele, e não seria agora que ela contaria, porque não aguentaria dizer uma palavra sem chorar.

— Talvez sim – ela respondeu por fim.

Até podia ser que Evan tivesse razão, mas Katherine achava difícil que qualquer um além de Jack tivesse conhecimento sobre Alex, talvez Olivia, e eles nunca apoiariam algo daquele tipo. E aquela discussão não os levaria a nada, só comprovaria que Katherine não podia confiar no governo vampiro e estava por conta própria indo para a toca do lobo.

Já era noite e estava um pouco frio quando Katherine abriu os olhos. Ou melhor, o olho.

O rosto de Evan estava sendo iluminado por uma luz branca que o empalidecia. Katherine encarou aquele rosto fantasmagórico e sentiu um frio na barriga de medo.

— Onde nós estamos? – perguntou ela com a voz baixa.

Evan balançou a cabeça.

— Já nem sei mais. Entrei nessa cidadezinha e achei esse motel – ele explicou, olhando para a placa de neon que lançava sombras sinistras no rosto dele. – É afastado da pista, então acho que não tem perigo de nos encontrarem.

— Acha que estamos em uma perseguição? – Katherine perguntou, sentindo-se desnorteada. Ajeitou os óculos na cara, embora estivesse escuro lá fora.

— Acho – Evan confirmou, simplesmente, e saiu do carro com a mala e a mochila na mão. – Vem, ou eu vou desmaiar aqui mesmo.

Já no quarto, Katherine pôde ver com mais clareza as olheiras de Evan. Ele foi para o banheiro e a deixou pensando se ele também poderia ver com mais clareza a cara estourada dela. Vinte minutos depois, Evan saiu do banheiro com os cabelos molhados e um pouco mais de cor no rosto.

Katherine juntou as próprias coisas para tomar banho e viu Evan cruzar o quarto até uma das camas e se jogar de bruços.

— Vou descansar por cinco minutos – murmurou com a cara enfiada no travesseiro. A voz saiu abafada. – E depois disso nós vamos comer alguma coisa.

O espelho do banheiro apresentou a Katherine uma visão pavorosa de si mesma, embora ela pudesse perceber que algumas partes já começavam a desinchar, como o olho. E já não doía tanto para respirar. Mas o corpo estava coberto de marcas azuladas e arroxeadas, e o ombro machucado se resumia a um hematoma gigante.

Katherine desviou os olhos, repugnada. Tomou banho consciente de cada ferimento que Alex lhe causara, apavorada com tudo o que vivera naquela manhã. Todo o choque estava sendo lavado na água quente enquanto Katherine se dava conta do trauma tardiamente. Parte dela não queria nunca mais sair daquele banheiro.

Enrolou-se na toalha com lágrimas escorrendo pelo rosto e ficou presa por alguns minutos na mesma posição, incapaz de tomar a iniciativa de se secar e vestir roupas limpas. Katherine não queria estar ali. Queria estar em alguma festa comemorando com os amigos a vitória do jogo contra o rival, ou no cinema com Rachel, ou em casa com a família. Em qualquer lugar menos no banheiro de uma espelunca sentindo-se violada e culpada.

Quando por fim saiu do banheiro, encontrou Evan dormindo profundamente e roncando contra o travesseiro.

— Boa noite para você também – disse ela, cobrindo Evan com uma colcha.

Katherine saiu do quarto e andou um pouco por um corredor até encontrar uma suja máquina de salgadinhos encostada a uma parede manchada. Enfiou o dinheiro na máquina e pegou o pacote.

Ela desejou até mesmo poder levar uma bronca de Ellen por estar comendo aquela porcaria. Queria que a mãe estivesse segura. Queria tanto que David e Mary estivessem seguros. Katherine nem conseguia pensar na possibilidade de estarem mortos, pois isso a faria desistir de tudo.

Depois de ter o jantar mais insatisfatório da sua vida, ela entrou e se deitou na cama. Mesmo depois de ter dormido por horas, sentia-se exausta. O inchaço nas costelas não ia deixar que ela dormisse de lado, então Katherine ficou encarando o teto escuro e ouvindo a respiração regular de Evan até adormecer.


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Notas finais do capítulo

um pouco mais curto do que o habitual e estou viciada nas olimpíadas boa noite



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