Sede de Poder escrita por Mermaid Queen


Capítulo 13
Capítulo 13


Notas iniciais do capítulo

viajei e o capitulo ficou com 8 mil palavras sinto muito



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Na terça-feira, foram novamente à casa de Dionora. Katherine temeu voltar à praia e encontrar o pai novamente na areia, e passava o tempo todo pensando nisso. Era o que ela mais queria, e, ao mesmo tempo, sentia medo de ter que se despedir novamente.

Mas, ao chegar lá, não havia nada.

Katherine quis gritar. Ela achou que se jogaria no chão e gritaria ao mar que trouxesse seu pai de volta. No entanto, ao pisar na praia depois de um dia todo de expectativas, a ausência de Roberto somente a abateu com a compreensão de que não havia nada dele para ver. Pela milésima vez, Katherine tinha que lembrar a si mesma de que o pai estava morto. E não havia nada que ela pudesse fazer.

Passaram-se vários dias, durante os quais Katherine e Evan visitavam Dionora e trabalhavam numa trégua extremamente fria que só existia enquanto estavam lá.

Evan lançava a ela olhares curiosos — isso quando se dignava a olhar para Katherine. Parecia lentamente compreender que havia algo de errado com ela, ou com a pessoa que ela esperava que aparecesse na ilha, mas não dizia nada, só a observava. Katherine às vezes conseguia distinguir essas sensações de hesitação e confusão, que emanavam de Evan e a engolfavam como uma nuvem de fumaça. Mas ela também nada dizia.

Houve um dia em que Dionora os testara ao tentar ler a mente deles à força. Nas primeiras vezes, a pressão que ela fez escancarou algumas das janelas, como uma forte ventania, e ela teve acesso livre aos pensamentos e lembranças. E continuou tendo, porém com um esforço cada vez maior.

E ao fim do dia, Katherine e Evan olharam um para o outro, cansados e irritados. Havia uma compreensão mútua de que precisavam se juntar. Evan fez que sim com a cabeça, e Katherine concordou, assentindo em resposta. Uma fina película de suor se formara na testa dela.

Pela primeira vez, puderam oferecer resistência a Dionora. Foi como segurar a porta enquanto outra pessoa a forçava, mas sem de fato estar lá. Quando Dionora parou de tentar, Katherine desabou no sofá, exausta.

— Não consegui – Dionora declarou, por fim. – Vocês venceram.

Katherine olhou para Evan enquanto ele a fitava de volta, e trocaram um sorriso cansado. Não era um processo fácil, e ainda não havia acabado, mas haviam conseguido.

Era como ganhar somente o primeiro jogo tendo o campeonato todo pela frente. Não era garantia de nada, mas uma boa estreia trazia otimismo para os próximos jogos. Katherine não sabia de onde tinha vindo aquela ideia, mas tinha suspeitas… Evan fitava o chão contemplativamente, provavelmente pensando em analogias de futebol e influenciando a mente dela sem querer.

Dionora se levantou e se espreguiçou. Ela parecia mais confortável com eles agora, embora não deixasse de lançar olhares nervosos para as janelas. Katherine entendeu que era hora de ir embora e se levantou também, agradecendo a Dionora em seguida.

— Até logo, Dionora – disse Evan, despedindo-se também. – Tchau, Katherine. Até amanhã.

Katherine ergueu as sobrancelhas para ele. Era a primeira vez que falava diretamente com ela sem ser na ilha, e sem ser obrigado, em umas duas semanas. Limitou-se a olhá-lo antes de se teletransportar de volta para a escola.

Ela não tinha a intenção de fazer pouco caso, mas não tinha resposta para Evan, porque ele a ignorava o tempo todo como se ela fosse a errada da briga, e de repente fingia que nada havia acontecido entre eles.

Tchau, Katherine, até amanhã— resmungou ela, imitando Evan com uma voz ridícula ao fechar a porta do quarto atrás de si.

Katherine revirou os olhos, irritada, e começou a se vestir para ir à academia. Depois de calçar os tênis, fez menção de sair pela porta, mas desistiu e se teletransportou para a porta da academia diretamente.

Quando estava prestes a entrar, cruzou com Jack. Ele pareceu surpreso.

— Está realmente boa nisso – elogiou ele, de repente. Katherine percebeu que ele falava sobre o teletransporte. – Acho que você leva jeito, Kate. Está tudo bem?

Katherine sorriu para ele.

— Andei praticando – falou, confiante. – Está indo para casa?

Enquanto Jack falava, Katherine notou Carla correndo na pista, acompanhada de um rapaz. Um jogador de futebol. Acenou para Carla, que gritou “oi!” em resposta.

— Caleb é um bom garoto – disse Jack, olhando na direção que ela acenara. – É um dos que me dão menos trabalho.

Katherine deu risada. Jack suspirou enquanto a observava, e ela se perguntou no que ele estaria pensando com aquela expressão calma que exibia. Ela aprendera somente a proteger seus próprios pensamentos, ainda não podia ler o dos outros. Mas provavelmente não teria a ousadia de ler a mente de Jack.

— Até amanhã, querida – disse ele por fim.

— Boa noite. Dê um beijo na minha mãe por mim.

Jack assentiu e se afastou para os prédios principais. Ele caminhava, e aquilo novamente intrigou Katherine. Como ele gostava de aproveitar o caminho em vez de simplesmente saltar de um lugar para o outro com os poderes. Ela o admirava por isso, embora não soubesse dizer exatamente por quê.

Quando Jack já estava longe, Katherine empurrou a porta para entrar na academia. A música soou alta e abafada embora a academia já estivesse quase vazia. Chris a cumprimentou sem nenhuma cerimônia, e ela devolveu o cumprimento com um aceno de mão. Era estranho fingir que eram estranhos, depois de descobrir tantas coisas por meio dele.

Ao se encaminhar para um dos aparelhos, Katherine viu Evan pelo canto do olho, no fundo da sala. Não olhou diretamente para ele. Em vez disso, fitou a imagem dele no espelho e os olhos de Evan encontraram os seus.

Katherine assentiu para ele e desviou os olhos, sem esperar pela resposta. Começou a correr na esteira e não olhou mais para ele, fingindo que ele não estava ali. E só notou que estava sentindo a presença física de Evan quando deixou de senti-la, embora já estivesse percebendo algo nesse sentindo desde alguns dias atrás. Virou a cabeça a tempo de vê-lo passar de relance pela porta, indo embora.

A irritação que Evan causava nela era um pouco desproporcional. Ampliada pelo pacto, o que quer que fosse, qualquer coisinha que Evan fizesse a deixava maluca de raiva. Katherine não achava que fazia tanto sentido assim, porque ela nem pensava mais na aposta ridícula dele. O que a deixava fora de si era o jeito como ele agia depois daquilo, como se ela estivesse obrigando-o a estar em um pacto com ela.

E sentir as emoções dele se misturando às dela como tinta era enlouquecedor, tanto quanto essa nova percepção da presença dele. Era como desenvolver um sexto sentido, embora fosse tão palpável que era como o tato. Invadindo, crescendo e confundindo os pensamentos que eram próprios dela.

Katherine empurrou o peso com raiva e sentiu os músculos das coxas arderem. Pelo menos ela sentia alguma coisa, e por isso certamente tinha que agradecer a Evan. Era quando não sentia nada que sobrava somente a vontade de se matar.

E se dependesse dela, e somente dela, era isso mesmo que ela escolheria. Katherine não aguentava mais encontrar motivos para sobreviver pelos outros.


A quarta-feira amanheceu chuvosa e abafada. O calor se misturava à umidade para transformar os prédios em verdadeiras estufas que os ventiladores tentavam combater. Não tinham muito sucesso, mas Katherine gostava daquele tempo.

Depois do almoço, a chuva parou e deu lugar ao sol, e ela ficou olhando o arco-íris através das janelas altas das salas de aula. Não estava muito atenta aos professores novamente. Estava ainda remoendo os pensamentos da noite anterior. Tentara se proibir de pensar naquilo, mas sabia que proibir só a faria pensar mais sobre.

A solução dos problemas parecia muito óbvia. Não havia o que fazer. Se Serpente a escolhera como arma e injetara nela a preciosa Substância, mais cedo ou mais tarde iria buscá-la. Devia estar observando-a naquele momento. E quando fosse buscá-la, se alguém tentasse protegê-la, acabaria em luta e muito possivelmente morte. Era nisso que estavam falando: golpe de estado, sequestro, exército e morte.

Katherine sabia que, independentemente do que acontecesse, seria responsável pela morte de alguém. Se Serpente queria usá-la como soldado, não era para pedir licença. Dionora não conseguia abrir a porta de casa sem tremer de medo. Evan estava metido em um jogo de poder meramente por dar uma carona.

Se fosse para ser responsável por alguma morte, ela queria que fosse somente a dela mesma. Katherine sabia que podia ser assim. Ellen provavelmente daria um jeito de ressuscitá-la só para poder matar Katherine pela segunda vez se seu nome fosse parar nos Trending Topics do Twitter por causa do suicídio da filha.

E David agradeceria o espaço extra em casa, e ficaria aliviado por não ter mais que ficar dando carona para Katherine o tempo todo. Ele com certeza adoraria toda a atenção que receberia por ser o coitado que perdeu a irmã que amava tanto. E Jack…

Jack era onde ela parava sempre.

Katherine fazia a lista de justificativas o tempo todo, mas sempre parava nele. Talvez pudesse deixar um bilhete. Explicar tudo com um vídeo. Pensar em algum jeito de garantir que não era culpa dele… mas ela sabia que não adiantava. Jack era a única coisa de que Katherine nunca conseguia se desprender.

Era ele quem sempre a levava na psiquiatra, na psicóloga e na sorveteria depois, para distraí-la. Jack tentava garantir que Katherine não fosse fazer nada estúpido o tempo todo, de um jeito que a fazia sentir raiva de si mesma. Não era justo deixá-lo sob aquele estresse constante. E Katherine tentava fingir que ele superaria, ela se esforçava mesmo, mas ele não acreditava nem por um segundo.

Katherine queria acabar com essa tensão constante de Jack, mas do jeito errado. Do qual ele nunca se recuperaria. E ela tentava pensar que acabaria com a vida de Jack, mas poderia salvar várias outras. Poderia prejudicar seriamente os planos de Serpente se ele contasse com poucos soldados como ela que ele estava criando. Mas Katherine não conseguia deixar de pensar em Jack.

E Katherine voltava ao início…

O sinal tocou e Katherine se levantou da cadeira com uma enorme sensação de impotência. Estava encurralada, só esperando o ataque de Serpente. Fazia os deveres, ia à academia, fazia dieta, treinava com Dionora, tudo o que esperavam dela, tudo para nada.

Teletransportou-se para o sótão de Dionora logo que pisou no corredor. A raiva clareava a mente e intensificava o poder que Katherine tinha que concentrar. Ela estava aprendendo a fazer aqueles truques com cada vez mais facilidade.

— Estou aqui! – anunciou ela, de má vontade.

Katherine afundou no sofá e tentou parecer menos emburrada quando ouviu os passos na escada. Precisava se lembrar de que Dionora não tinha culpa de nada e só estava tentando ajudar. Seria inclusive uma das pessoas mais beneficiadas se Katherine desaparecesse, porque não teria mais que viver com medo, então quem deveria estar de má vontade de estar naquela situação era Dionora. E Katherine não tiraria a razão dela.

— Boa tarde, Katherine – Dionora cumprimentou, entrando na sala. Evan vinha atrás dela.

— Oi – disse ele. Segurava uma xícara fumegante.

Katherine se surpreendeu com a aparência de Evan. Parecia abatido e triste, um grande contraste com as feições enérgicas e confiantes de sempre.

— O que aconteceu? – perguntou ela, olhando para Evan. Sentiu-se preocupada com ele, embora não soubesse o motivo exatamente.

Evan franziu a testa. Katherine não saberia dizer se ele estava surpreso com a pergunta ou com ela falando diretamente com ele.

— Não aconteceu nada – respondeu, ainda estranhando a situação. – Só estávamos esperando você chegar. Não tive a última aula.

Katherine assentiu com a cabeça, sem saber o que havia de errado com ele. Evan pareceu mesmo genuinamente surpreso por ela perguntar. Ela não achou que ele estivesse escondendo algo.

Praticaram ler a mente um do outro sem ir à ilha. Era muito fácil ouvir os pensamentos quando estavam os dois lá, tão natural quanto falar. Mas se concentrar para ouvir pensamentos ali no mundo real era outra história.

Já estavam ali havia mais de uma hora quando Dionora se levantou.

— Continuem tentando enquanto vou buscar café.

Katherine assentiu e fechou os olhos para se concentrar.

— Você pode se teletransportar para o estacionamento hoje? Em vez de ir direto para o quarto.

Evan tinha na voz um tom vulnerável que não parecia próprio dele. Katherine abriu os olhos sem entender muito bem, mas sem vontade de questionar.

— Acho que sim – respondeu, desconfortável.

Continuaram praticando conforme Dionora dissera, sem falar mais nada. Pensavam em palavras simples para o outro entender. Depois evoluíram para frases e ideias mais complexas, e chegaram a imagens. Evan aprendia mais rápido que ela, e descobrir o que Katherine estava tentando mostrar parecia animá-lo um pouco.

— É um pote de sorvete no congelador – disse ele, fechando os olhos com força. – Mas não é… não, e quando você abre o pote, é feijão!

Katherine deu risada e assentiu com a cabeça. Esforçando-se, ela agora tinha uma visão de um grupo de pessoas um pouco distantes. Via o próprio corpo, mas era um homem, e olhava para o braço que tinha uma ferida de zumbi. Ela só sabia que era uma mordida de zumbi porque Evan sabia.

— É um questionamento – disse ela ao perceber. Evan sorriu. – Quer saber se eu conto para o grupo que fui mordida ou se escondo, porque eles vão me matar se souberem.

Dionora franziu a cara, desaprovando as ideias estranhas que eles estavam tendo.

— E então? – Evan insistiu.

Katherine deu de ombros.

— Eu conto para o grupo – decidiu ela.

— Conta mesmo – Evan confirmou, lendo os pensamentos dela. – Conto também.

Katherine também podia ler a mente dele e confirmar, mas não era uma decisão fácil como era para ela. Evan tinha medo de morrer. Ela se sentiu um pouco envergonhada.

— Chega por hoje – Dionora anunciou. – Foram muito melhores do que eu esperava, e muito rápidos. Tenho certeza de que logo não precisarão mais de mim, e poderão se proteger sozinhos.

Evan sorriu para ela, embora ainda parecesse um pouco desanimado. Katherine tentou se apegar àquilo, e se perguntou se seria verdade. Se poderia se afastar de Dionora em breve, para tirá-la do perigo.

Katherine se despediu e foi para o estacionamento sem dizer nada. Estava muito ansiosa com o fato de Evan querer falar com ela a sós, e parte dela torcia para que ele não estivesse lá. Queria que ele tivesse mudado de ideia porque pensar em enfrentá-lo a assustava.

Evan chegou em seguida, acabando com as esperanças dela. Parecia desconfortável, e passou a mão no cabelo três vezes antes de dizer alguma coisa.

— Sabe, Katherine, eu… — Evan começou, e passou a mão no cabelo de novo. Finalmente conseguiu dizer: – Eu quero me desculpar com você. Por várias coisas, mas principalmente por ter te magoado.

Katherine o olhou, sem saber o que dizer. Não era um pedido de desculpas que ela estava esperando. Nem sabia direito o que estava esperando, mas certamente não era aquilo.

— Eu não me sinto bem com o jeito como as coisas ficaram entre a gente, e eu sei que é minha culpa – continuou ele, sem esperar pela resposta. – Você nem tem obrigação de me perdoar por nada, e eu pedi desculpas achando que era só aquilo que ia resolver todo o problema, e fiquei irritado quando você não aceitou. Só agora eu vejo que não era bem assim.

Só agora você percebeu que você foi um bosta escroto, Katherine pensou, meio ressentida e chocada por ele estar falando aquelas coisas, mas já estava cansada de arrastar aquele assunto. Ela abriu a boca, mas Evan falou mais:

— É sobre a aposta, mas sobre como eu agi depois também, nessas semanas. Não dá para desfazer, mas queria que você soubesse que eu sinto muito.

E ele já estava começando a dizer mais quando Katherine o interrompeu.

— Chega. Eu perdoo, Evan – disse ela de uma vez, surpresa consigo mesma. Evan arregalou os olhos. – Está tudo bem. Não precisa falar mais.

— Perdoa? – Evan perguntou, estreitando os olhos.

— É, ué – Katherine respondeu. Estava aliviada. – Você não pode voltar no tempo. E eu não posso e nem quero te punir para sempre. E infelizmente, ou felizmente nesse caso, estou dentro da sua cabeça e eu sei quando você está mentindo. E sei quando é pra valer. Então eu desculpo.

Evan parecia desconfiado embora estivesse feliz. Katherine podia ver que ele esperava que seria muito pior.

— Então nós não estamos brigados? – perguntou ele, como que só para confirmar. – Estamos bem?

Katherine estava começando a achar graça.

— Divido metade do meu cérebro com você agora, Evan – respondeu sorrindo de leve. – É melhor que a gente não fique brigado. Porque eu não aguentava mais conviver com você querendo te matar.

Evan deu risada, mas baixou a cabeça momentaneamente, envergonhado.

— Que bom então.

— E se você fizer merda de novo não precisa pedir desculpas – disse Katherine, como um aviso. – Porque dessa vez eu vou te matar mesmo.

Quero ver você tentar, disse Evan, pelo pensamento.

Katherine achou graça, e ele riu junto com ela.

Ela o encontrou na academia mais tarde. Não se evitaram, porém não desenvolveram grandes conversas. Katherine pensou que ainda precisava digerir a trégua recém adquirida, e era possivelmente o caso dele também.

No dia seguinte, tiveram uma folga de ir para Dionora, e foi bom porque Jack levou Katherine na psiquiatra. Ela não gostava muito de ir, mas Jack andava insistindo. Falou um pouco sobre o desânimo, as mudanças de humor e o enjoo matinal, e evitou o resto. Ela já estava fazendo muito de ir.

Voltou para a escola com um remédio novo para tomar antes de dormir e não ficar enjoada, e cuidar desses outros problemas. Katherine queria explicar que, pela primeira vez, os problemas não eram só da cabeça dela, mas não parecia que a psiquiatra ia levar na esportiva a questão de superpoderes e exército e teorias da conspiração. A parte dos vampiros era a mais plausível nessa história toda.

Jack estava olhando estranho para ela. Katherine se dera conta de que ele sempre pôde ler os pensamentos dela, e talvez ele estranhasse não poder mais. Era revoltante saber que ele tinha esse poder depois de tantos anos de pensamentos constrangedores, mas ela não podia explicar como soubera disso, então nem podia brigar com ele. Mas se sentia triunfante de poder guardar os pensamentos para si.

Acho que eu consegui ler os pensamentos do seu irmão.

Katherine arregalou os olhos ao ouvir a voz de Evan falando na cabeça dela. Ela se lembrou de Dionora encorajando-os a se comunicar sem ter que ir à ilha, e tentou se concentrar para responder, mas Evan já estava falando mais.

Era um livro que ele estava lendo, pensou ele. E eu li junto.

Acho que você se confundiu, Katherine respondeu, tomando cuidado com as palavras, David não lê livros.

Eles ainda não conversavam espontaneamente daquela forma, mas Katherine gostou de Evan estar tentando.

Posso ter exagerado, Evan argumentou, achando graça. Talvez fosse um tweet.

Katherine riu e Jack olhou para ela do banco do motorista, sem entender. A testa dele estava franzida.

— A doutora Jones contou uma piada hoje – Katherine se explicou, achando graça da mentira. – Foi a primeira vez. Eu não sabia que ela podia ser engraçada. Normalmente eu sou a engraçadinha, mas depois ela escreve um monte, então acho melhor parar.

Jack sorriu, mas o sorriso não chegou aos olhos. Ele devia saber que ela estava mentindo, porém escolheu não dizer nada.

Katherine ficava pensando se eram todos os pensamentos dela que chegavam em Evan. Se ele sabia algo sobre a depressão ou as ideias suicidas, não demonstrava. Ela esperava que ele não soubesse, mas só de não tocarem nesse assunto já estava bom.

Ao chegar na escola e se despedir de Jack, Katherine sentiu a presença de Evan antes de vê-lo de fato descendo as escadas. Ele também não parecia surpreso ao vê-la.

— E aí, Kate – ele a cumprimentou.

“Kate” era inesperado, mas um inesperado bom. Katherine gostava daquela nova dinâmica entre eles. Era um grande avanço dos olhares agressivos das últimas semanas.

— Oi – disse ela, aproximando-se com as mãos nos bolsos. – O que está fazendo?

— Vou para a biblioteca. Quer ir correr mais tarde? Acho que vou logo que anoitecer.

Katherine ergueu as sobrancelhas, surpresa. Evan a olhava nos olhos com tranquilidade enquanto esperava pela resposta.

— Vamos, sim – ela concordou, por fim.

— Até daqui a pouco então – Evan falou, e se afastou.

Era novo para ela, definitivamente, e Katherine achou que aquilo fosse coisa do pacto. Evan queria a companhia dela, e ela também o queria por perto, embora fosse constrangedor de admitir. E antes, quando estavam brigados, repudiavam um ao outro. A aproximação era antinatural, e Katherine novamente se pegou pensando nas palavras de Logan. Que o pacto ampliava qualquer sentimento.

Logan pôde confirmar as próprias palavras quando os viu passar correndo na frente do campo de futebol. O queixo dele caiu, e ele agarrou o braço de Josh sem tirar os olhos de Evan. Katherine piscou para Logan quando passou, tentando suprimir o sorriso.

A corrida com ele fora descontraída e agradável, mas Katherine já sabia que teria que dar explicações quando voltasse a encontrar os amigos. Na verdade, provavelmente seria encontrada. Nem se surpreendeu quando entrou no quarto e Logan ocupava a cama dela. Carla estava na outra cama.

Era Carla quem havia dito que eles poderiam acabar se acertando ou se odiar para sempre, e dificilmente haveria um meio termo. Ela não parecia surpresa nem tão empolgada quanto Logan.

— O que você tem a dizer em sua defesa? – Logan perguntou, solenemente.

— Que você é o fofoqueiro mais eficiente e rápido do estado – Katherine rebateu, rindo. – Onde estão os outros? Josh e Kristen?

Carla baixou os olhos discretamente, fingindo estar distraída com o celular. Havia algo de estranho com as duas, mas Katherine via que Carla ia fugir do problema enquanto pudesse. Logan não pareceu notar, mas já devia estar acostumado com aquele clima delicado entre Carla e Kristen.

— Josh disse que tinha que estudar – Logan declarou, sem dar muita importância. – Estou surpreso que vocês aguentaram, o quê? Três semanas brigados?

Katherine cruzou os braços e ergueu o queixo, orgulhosa.

— Eu não estava com pressa, não – defendeu-se. – Evan que veio me pedir desculpas ontem.

— Achei ótimo, mas espero que você tenha humilhado ele antes de aceitar – disse Logan, sorrindo.

— Logan – Carla repreendeu, erguendo os olhos do celular para encará-lo.

Logan encolheu os ombros.

— O quê? É bem melhor assim, pelo menos. O pacto seria um inferno para os dois se continuassem naquela situação. É só não confiar nele.

— Nunca achei que eu diria isso – Carla falou. – Mas concordo com Logan. Não dá para confiar em Evan.

Katherine sorriu nervosamente. Carla estava mesmo estranha, e não só com Kristen. Mas não podia culpá-la se ela não gostava de Evan.

— É claro que concorda – disse Logan, sorrindo com convencimento. – Será que agora podemos conhecer ele? Só para intimidar? Um almoço?

— Sem chance – Katherine falou, encostando-se no batente do banheiro. Estava toda suada para se sentar na cama com eles.

Carla soltou uma gargalhada sonora, só para provocá-lo. Logan olhou para as duas, desgostoso.

— Café da manhã? – Logan insistiu, sem se dar por vencido. – Fala sério. Ele é o seu pacto de sangue, nós vamos ter que conhecê-lo em algum momento.

Katherine revirou os olhos.

— Está falando como se ele fosse a sua nova madrasta. Vou pensar em falar com Evan – disse ela, sabendo que se arrependeria. – Pensar. Só se você prometer que vai botar medo nele.

Logan abriu um sorriso enorme e olhou para Carla, erguendo as sobrancelhas para provocá-la.

Muito medo – Logan garantiu. – Vou ser totalmente assustador.

— Você não devia fazer tudo o que ele quer – Carla falou, tentando não rir ao olhar para Logan. – Está criando um monstro.

— Logan vai botar medo nele – Katherine explicou, justificando-se.

Carla começou a rir.

— Eu vou botar medo nele mesmo – Logan garantiu, tão irônico quanto Katherine.

— Vou tomar banho – disse Katherine, entrando no banheiro. – Não espero menos de você que uma fofoca nova quando eu sair.

— Fofoqueiro mesmo – Carla sibilou para Logan.

Logan sorriu, assumindo o título com orgulho. Então se espreguiçou na cama de Katherine e apontou para o banheiro.

— Kate, tome logo esse banho. Ainda temos que assistir ao episódio novo de Verão de Crime que saiu ontem. ­­

Depois de assistirem à série e Logan ir para o quarto dele, Katherine tomou o remédio novo antes de dormir. Logo percebeu que mais uma vez trocara seis por meia dúzia. Os remédios eram sempre assim. Você não vai se sentir triste se não sentir mais absolutamente nada. Você não vai mais querer se matar desde que não tenha mais vontade de transar. Ou então, a clássica comer ou dormir, você só pode ter um.

E pelo jeito ela escolhera comer, porque aquele remédio lhe tirava o sono como se a noite inteira se passasse às onze da manhã.

Em algum momento Katherine dormira, porque ela estava acordando agora, embora não parecesse que tivera um minuto de sono. Estava exausta, e o despertador nem tocara ainda.

— Acordou cedo – Katherine ouviu a voz de Carla.

A luz do sol atravessava as cortinas leves e banhava todo o quarto. Carla estava saindo da varanda, e a pele negra brilhava à luz da manhã.

— Você está reluzindo – Katherine resmungou, sentando-se na cama. – Deus tem seus preferidos.

Carla riu, sem sombra do estranho mau humor da noite anterior.

— Sabe Caleb? Do time de futebol?

— Acho que sei – Katherine se lembrava de tê-la visto correndo com Caleb no outro dia. – O que tem ele?

— Pensei sobre a conversa de ontem, e… achei que seria legal chamá-lo para tomar café da manhã conosco.

Katherine ergueu as sobrancelhas.

— Vocês estão ficando ou algo assim?

— Algo assim – Carla respondeu, enrubescendo. – Você poderia chamar Evan também. Para ficar menos esquisito.

Katherine se mexeu na cama desconfortavelmente e franziu a sobrancelha.

— Você quer que eu chame Evan?

Carla encolheu os ombros e sorriu, encorajadora.

— É. Andei pensando sobre isso também. Só para ser menos esquisito.

Katherine sorriu para ela de volta, pensando no que aquilo queria dizer. Carla não gostava dele, mas talvez estivesse fazendo um esforço. Ela achou aquilo legal, embora estivesse constrangida por ter que falar com Evan.

— Vou chamar – disse ela, saindo da cama.

Katherine foi até a varanda, e pegou o celular, fingindo que ia mandar mensagem. Fechou os olhos e viu a si mesma na praia que dividia com Evan.

Evan? Está acordado?, perguntou ela.

Evan surgiu ao lado dos coqueiros com cara de sono e se deitou preguiçosamente na rede.

Agora estou, respondeu.

Ele estava usando camiseta larga e calça de moletom, e o cabelo estava bagunçado. Katherine o achava bonito assim.

Quer vir tomar café da manhã comigo?

Evan levantou a cabeça de repente e olhou para ela com interesse.

Para conhecer os meus amigos, Katherine se apressou a dizer. Foi Logan que pediu para te convidar. E a Carla vai levar um dos seus amigos do futebol também.

Ele pediu antes ou depois de você achar que eu estou bonito?

Katherine sentiu o rosto esquentar e revirou os olhos. Não era justo ele escutar tudo.

Ele pediu antes, mas pode retirar o pedido a qualquer momento, rebateu ela.

Evan ergueu as sobrancelhas, gostando daquilo.

Prefere que eu vá com o cabelo bagunçado?

Katherine queria ficar brava com ele, pelo menos só para disfarçar o quanto estava com vergonha.

Se estamos declarando nossas preferências, Evan começou novamente com o tom debochado, acho que você poderia soltar o cabelo. Só para eu saber como ele é. De curiosidade, sabe?

Só se você pedir com jeito, Katherine provocou, entrando no jogo dele. Espero não te ver daqui a pouco, porque o convite foi cancelado.

A última coisa que ela ouviu antes de deixar a praia foi a risada de Evan.

— Ele vai – Katherine falou, rindo consigo mesma.

— Você está cheia de risadinhas – Carla observou. Um sorriso malicioso delineava os lábios dela. – Kristen não vai gostar nada disso, então se prepare para os olhares mortais.

Foi aí que Katherine finalmente entendeu.

Kristen estava agindo estranho por ciúmes de Carla. Ela estava com raiva de Caleb, e por isso o encarava daquela forma. E fazia todo sentido que ela tivesse ficado na defensiva quando Katherine perguntou o que havia de errado, já que ela e Carla não tinham mais nada. Embora claramente já tivessem tido algum envolvimento…

— Você está bem? Está com uma cara estranha – disse Carla, tirando-a dos pensamentos. – É brincadeira sobre Kristen. Ela realmente não vai gostar, mas não é nada com que você deva se preocupar. E Kate, você… trança meu cabelo?

Katherine franziu a testa, sem saber reagir àquilo. Rachel era a única amiga que tivera a vida toda, e sempre usara cabelo curto. E Ellen nunca trançara ou escovara o cabelo dela. Era a primeira vez que Katherine se via naquela situação.

— Quer igual ao meu? – perguntou, sentindo-se desajeitada.

— Uma trança só, pode ser? – Carla sugeriu e soltou o cabelo.

Katherine assentiu e pegou as mechas do cabelo crespo e escuro entre os dedos. Ela se sentia estranhamente próxima de Carla naquele momento, e, embora fosse confortável, fazia ela pensar com tristeza em Rachel. Katherine andava se esquecendo completamente de Rachel.

Ela mudaria isso. Não colocaria mais Rachel de lado, especialmente porque ela sempre esteve junto com Jack na lista de pessoas que Katherine estava proibida de abandonar. Enquanto pensava nos planos que poderia fazer com Rachel, Katherine terminou a trança.

— Se Afrodite estivesse por aí, ela provavelmente seria assim – Katherine elogiou, sorrindo.

Carla sorriu também, divertida, e foi se olhar no espelho. Sorriu de novo ao ver o reflexo.

— Uau, Kate – falou, passando a mão pela trança. – É perfeito.

— É só o café da manhã. Espera só para ver como você vai ficar quando for ter o encontro de verdade – disse Katherine, piscando para ela.

As duas desceram para o café da manhã algum tempo depois. Katherine se sentia nervosa, mas Carla parecia à beira de um colapso. Não parava de raspar a unha na barra da blusa, e às vezes olhava para Katherine, abria a boca para dizer algo e desistia.

— Não dá mais tempo de voltar atrás – disse Katherine, colocando a mão no ombro de Carla. – Olha ele lá. Está te procurando.

Caleb de fato estava, ao longe, olhando em volta. Mas ao lado dele estava Evan, em quem Katherine prestava atenção, embora não gostasse de admitir para si mesma. Assim que ela pisou no salão, os olhos deles se encontraram e Katherine sentiu um calafrio. Obrigou-se a olhar para Carla.

— Que situação, hein? – Katherine murmurou, constrangida.

— Vou falar com ele – disse Carla, tentando se encorajar. – Eu vou lá.

— Você vai ter que ir lá – Katherine a incentivou. – Você o convidou.

Carla assentiu, sem tirar os olhos de Caleb. Ele era um rapaz negro de pele clara, alto, e tinha o cabelo preso trançado em um rabo de cavalo baixo. Era musculoso como Evan, embora Evan fosse mais magro. Caleb era maior e mais forte, e tinha um sorriso bonito.

Pare de babar, Kate, a voz de Evan de repente ecoou na cabeça dela. Ele estava com um sorriso idiota no rosto.

Katherine olhou para Evan e manteve a expressão impassível ao dizer: Você está com ciúmes?

O sorriso afetado dele desapareceu e Katherine começou a andar até lá com Carla, sentindo-se satisfeita. Evan a provocava o tempo todo, mas não gostava tanto de ser provocado, e ela adorava isso.

Carla pareceu tímida quando se aproximaram dos dois na mesa de comida, mas Caleb puxou Carla pela cintura para junto do seu corpo. Depois de beijá-la no rosto, perguntou:

— Você dormiu bem?

Katherine olhou para Evan boquiaberta.

Não pode culpar um cara por ser carinhoso, Evan falou, querendo rir.

Ela ia responder quando Caleb falou com ela.

— A irmã de David, é?

Katherine apertou os olhos para Caleb.

— Isso, irmã dele – falou, sem gostar muito. – Eu sou Katherine.

— Foi bom que seu irmão entrou para o time – Caleb respondeu, sorrindo. – Foi um reforço incrível. Albert Einstein não tem chance no próximo jogo.

Eu queria que ele pudesse ouvir todos os palavrões que passam pela sua cabeça agora. Evan sorriu.

Katherine ignorou Evan para conseguir se concentrar na conversa que já não ia bem. Ela não tinha resposta para Caleb.

— David nem é tão bom assim – resmungou Evan.

Caleb se virou para discutir com Evan, e Evan piscou para ela.

Katherine suspirou, agradecida, e começou a colocar comida no prato. Carla já estava terminando, e Caleb a esperou enquanto falava com Evan.

— Vamos? – disse Carla, e Caleb assentiu. Foram juntos para a mesa.

— Não precisa esperar por mim – Katherine falou ao notar que Evan ficara por lá.

— Não vou ficar na mesa sem conhecer ninguém – argumentou ele, dando de ombros.

Evan pegou um pãozinho do prato dela e mordeu enquanto esperava. Katherine ergueu as sobrancelhas para ele, mas não disse nada.

— Você não gostou muito dele – observou ele. – Ficou irritada.

Katherine mordeu o lábio.

— Fiquei esperando ele reconhecer que eu sou uma pessoa. Não uma extensão do meu irmão – ela resmungou, mas em seguida se arrependeu. Aquilo era importante para Carla. – Mas não tinha como ele saber que eu odeio ser chamada de “irmã de David”. Não é culpa dele. Vamos?

Evan balançou a cabeça, achando graça dela. Podia ler a mente dela se quisesse, e devia saber que era mentira, mas estava se divertindo enquanto a provocava. Começaram a andar para a mesa.

— Ele gosta da sua amiga. E ela gosta dele.

— Não fique lendo os pensamentos das outras pessoas – Katherine ralhou, achando graça. – E não fale comigo pela praia. Tira a minha concentração.

— Gosto de tirar a sua concentração – disse Evan.

Katherine sentiu o rosto esquentar. Tentou virar a cara para esconder um pouco.

— Vou estudar na biblioteca mais tarde – Evan anunciou, ignorando o constrangimento dela. – Quer vir?

— Acho que sim – respondeu ela, ainda sem jeito. Nem conseguiu fazer uma piada sobre “Evan” e “estudar” na mesma frase.

Katherine colocou o prato sobre a mesa e se sentou. À sua esquerda, estava Josh, e Evan se sentou à direita dela. Do outro lado da mesa, de frente para Evan, um sorridente Logan observava os dois novos convidados, cheio de expectativa.

— Deus, eu te pedi uma refeição e você me deu um banquete – Logan falou, para ninguém em particular.

Caleb estava sorridente, e era simpático e expansivo. No entanto, Katherine não podia deixar de olhar para Kristen, que parecia prestes a saltar da mesa. Mantinha os olhos no prato quando não estava revirando os olhos para algo que Caleb dissera.

Katherine sabia que era uma situação complicada, mas ainda se sentia mal por Kristen. Ver a pessoa que ela gosta com outra bem na sua cara não tinha como ser agradável.

Acho que ela vai vomitar, Evan soou quando Carla e Caleb deram um selinho.

Acho que ela vai matar ele, Katherine apostou de volta. Nesse momento, Caleb mordeu um bolinho que estava na mão de Carla. Não, ela vai vomitar mesmo.

Kristen se levantou da mesa e saiu sem dizer nada. Katherine olhou para Evan, mas viu que Logan tomava toda a atenção dele. Finalmente alguém com o dom de deixar Evan constrangido.

— Já pensou em deixar o cabelo crescer?

— Acho que não ficaria bem de cabelo comprido – Evan respondeu, fazendo careta.

— Você acha errado – disse Logan, balançando a cabeça. – Animais de estimação?

— Um cachorro.

— Irmãos?

— Só uma irmã.

Logan suspirou.

— Uma irmã, Katherine. O que eu vou fazer com uma irmã?

— Chama ela para assistir Verão de Crime com você – Katherine falou, tentando segurar a gargalhada que crescia em seu peito cada vez que olhava para Logan.

Evan passou os dedos pelo cabelo e sorriu para ela.

Ela também não sabia o que ia fazer com aquele sorriso.

— Já está tarde – disse Josh, de repente. – Você já falou mais que o homem da cobra, Logan. Vamos nos atrasar.

Josh parecia desconfortável. Ele não parecia gostar muito de Evan, como Carla previra, mas se mostrou ainda menos disposto a conversar com Caleb.

Logan umedeceu os lábios e sorriu para Evan.

— Eu com certeza não me importaria com um atraso.

— E então? – perguntou Katherine, entrelaçando os dedos das mãos.

— Foi divertido – disse Evan, sorrindo. – Fico feliz que tenha me chamado.

— Eu fui obrigada a convidar, você sabe – ela zombou.

— Gostei de Logan – observou Evan.

Katherine deu risada.

— Ele adorou você também.

Evan sorriu, e houve alguns segundos em que ficaram se olhando em silêncio. Katherine desviou os olhos e tentou pensar em algo para dizer.

— Já tem planos para o fim de semana? – Evan perguntou.

— Acho que sim. Vou sair – Katherine murmurou, sorrindo, e encostando o corpo na parede. Queria chamar Rachel para fazer algo. – E você?

Evan deu de ombros. Katherine teve a impressão de que ele fechou a cara, mas não tinha certeza.

Estavam conversando na base das escadas. Katherine já estava segurando o material para a próxima aula, e Evan balançava as chuteiras na mão esquerda e as caneleiras na direita.

— Não sei. Ainda não, mas quem sabe?

Katherine assentiu com a testa franzida.

— É, né? – falou, sem saber o que responder. Não estava entendendo qual era a dele. – Vou estar na biblioteca depois do almoço.

Ela achou que ele fosse querer cancelar depois de ficar todo esquisito, mas Evan só fez que sim com a cabeça e acenou para ela, indo embora pelo corredor. Todo estranho.

Katherine sacou o celular para mandar mensagem para Rachel, propondo-se a esquecer o comportamento anormal de Evan. Ela nem o conhecia direito, talvez aquele fosse o normal dele, afinal.

Rachel respondeu à mensagem na hora do almoço com um empolgado “sim!”. Katherine tivera muito sono durante as aulas, mas a resposta de Rachel serviu para animá-la um pouco. Mas ainda teve que se esforçar para suprimir o bocejo quando Logan começou a reclamar da ausência de Evan no almoço.

— Pelo menos alguém contribuiu com um homem perfeito hoje – resmungou ele. – Ninguém precisa de Evan.

Kristen havia debochado de Caleb em uma das aulas daquela manhã com Logan e Katherine, falando sobre como ele era perfeito e tudo sobre ele era perfeito, imitando Carla. A piada se alastrara como fogo entre eles. Era divertido, mas mostrava o quão necessitados eles estavam de qualquer evento social, tendo que tirar leite de pedra para fazer fofoca.

— Eu acho você um homem incrível, Logan. Só não é perfeito como Caleb – disse Josh, abrindo um sorriso radiante.

Kristen segurou riso e fez um gesto para eles baixarem a voz, porque Carla e Caleb estavam comendo sozinhos na mesa ao lado.

— É claro, irmã do David, vou falar mais baixo – disse Logan.

— Fale baixo – murmurou Katherine com um sorriso travesso. – Se ele tiver a audição perfeita, vai ouvir você.

— É o homem perfeito – concluiu Logan, cruzando os braços. – Com certeza ele ouve perfeitamente com os ouvidos perfeitos.

Katherine cobriu a boca para abafar o riso.


Katherine esperou por Evan na porta da biblioteca, e ele se atrasou. Estava tentando enganar a si mesma, ela sabia. Ficou repetindo mentalmente que a presença dele não faria diferença, e o esperaria por mais cinco minutos e então entraria na biblioteca, mas ao mesmo tempo havia espirrado um pouco de perfume de Carla e pensava no que iria dizer.

Não era uma coisa muito consciente. Quando ela se dava conta, já estava pensando nele de novo. Ficou lá parada, sentindo-se meio boba.

Daí Evan apareceu acompanhado de uma garota.

Katherine não entendeu porque as coisas dentro dela estavam reagindo da maneira como estavam. O estômago dela se revirou e ela queria, bem, ela queria enforcar Evan. Tentou não demonstrar a raiva que estava sentindo embora ele provavelmente pudesse sentir tudo.

— Eu estava te esperando – Katherine resmungou, embora tentasse não soar como um resmungo.

Evan ergueu as sobrancelhas e inclinou a cabeça na direção da garota, sorrindo com satisfação.

— Ah, Katherine, você sabe como é…

Naquele momento, o ódio era a única coisa que Katherine sabia como era. Lentamente voltou o olhar para a acompanhante dele, tentando se controlar. Ele estava procurando provocá-la. Ela tinha certeza.

— Oi, meu nome é Katherine.

— O nome dela é…

— Ela sabe falar, Evan – Katherine o interrompeu secamente. – Qual é o seu nome?

A menina olhou nervosamente de um para o outro. Tinha grandes olhos verdes e a pele bronzeada. Katherine desejou ser bonita como ela e ofereceu a mão para cumprimentá-la, tentando não pensar nos pensamentos e emoções horríveis que estavam passando pela cabeça dela.

— Meu nome é Jenny – falou, hesitando ao estender a mão.

Katherine apertou a mão dela e sorriu.

— Meu nome é Katherine.

— Você já disse isso – Evan observou, sorrindo cinicamente.

Katherine lançou a Evan um olhar assassino. Não sabia se estava com mais raiva de si mesma por ter criado uma estranha ilusão de ter um encontro na biblioteca, ou de Evan por ter levado uma garota ao encontro.

Achou melhor ir embora. Não gostava de estar naquela situação, e gostava menos ainda de sentir ciúmes de Evan. Não estava entendendo nada da própria cabeça.

— Olha, eu acho que eu vou indo – disse ela, sem saber ao certo o que falar sem soar estranho.

— Mas a gente acabou de chegar – Evan respondeu. – Jenny vai estudar conosco.

Jenny olhou para Evan com a testa franzida de irritação. A timidez e a confusão dela se dissiparam rapidamente, e ela passou os olhos pelo ombro de Evan e depois por Katherine.

— Vai estudar com a gente, claro – Katherine repetiu lentamente, sustentando o olhar de Evan com ódio.

Katherine foi tomada por uma sensação estranha, repentina. Sentiu-se subitamente inferiorizada, como se sentimentos negativos sobre si mesma a atingissem como uma onda. Achou que as próprias roupas eram desleixadas, começou a reparar que havia tinta sob as unhas, e se achou uma garota grande demais. Sentiu pena de si mesma.

Ela se perguntou por que Evan estaria querendo perder tempo com ela, insistindo para que ela ficasse, quando tinha Jenny bem ali. E ele queria estudar?

— Ei! – Katherine falou sem pensar, indignada, quando percebeu que aquilo tudo eram os pensamentos de Jenny que ela estava ouvindo sem querer. Ou estavam sendo transmitidos a ela sem querer, fosse o que fosse.

Evan e Jenny se voltaram para ela, e ela não soube o que dizer. Passou a língua pelos lábios, nervosa, e sentiu a boca ficar seca.

— Acho que eu reconheço o seu sotaque – Katherine tentou dizer sem vacilar, querendo disfarçar o próprio surto. Depois de ouvir as coisas horríveis que Jenny pensara sobre ela, não sabia nem como reagir. Estava se sentindo ridícula, mas perdera a coragem de ir embora, porque fugir parecia ainda mais humilhante. – Califórnia?

Jenny abriu um sorriso.

— Acertou – respondeu Jenny. – Existe uma unidade de Broken Hill por lá, mas não se fazem vampiros tão bons quanto os da Flórida. – e soltou uma risadinha estridente no final.

Katherine percebeu que aquilo havia sido uma tentativa de Jenny de fazer uma piada, talvez para amenizar a atmosfera estranha entre eles, mas se limitou a olhar para ela com desânimo. Evan deu risada. Demorou um pouco e o clima ficou esquisito. Katherine olhou para ele e torceu para que ele não tivesse ouvido o que Jenny pensara, porque seria muito humilhante.

— Vou entrar – anunciou Katherine, de repente, sem aguentar mais um segundo daquela situação estranha em que Evan metera os três.

Ficou ainda mais mal humorada quando Evan e Jenny a seguiram para dentro da biblioteca.

Katherine desejou ir até a praia e perguntar a Evan o que significava aquilo. Sentiu medo, porque não podia filtrar os pensamentos por lá e ele saberia de toda a insegurança que Jenny desencadeara nela, e talvez acabasse revelando a ele o que ouvira sobre si mesma.

Ainda tinha que considerar a possibilidade de que Evan também tinha escutado os pensamentos de Jenny e tinha gostado daquilo.

Ela se sentou à mesa e abriu um livro de biologia. Correu os olhos pela página, tentando se concentrar. Ou pelo menos se distrair.

É só uma garota bonita, ela tentou pensar. Que está interessada nele, e Evan está obviamente interessado nela, e não havia problema nenhum nisso porque não havia nada entre Katherine e Evan. Ela não precisava ter esse surto de ciúmes, mas o surto a dominava aos poucos.

Eventualmente, seu olhar recaiu sobre Evan. De onde Jenny, da droga da Califórnia, surgira, afinal? E por que ele a levou até a biblioteca? Havia outros lugares melhores em que Evan poderia levá-la. Nem Jenny queria estar lá, pelo que Katherine podia ouvir de alguns resmungos mentais que ocasionalmente vinham dela.

Ela é legal, não é, Katherine?

Katherine ergueu os olhos para Evan, cansada.

Não sei qual é o seu problema, disse ela, sem ânimo. Estava chateada com ele, mas não queria demonstrar, então olhou para o livro e fingiu desinteresse. E também não sei o que você disse para ela para convencê-la a passar a tarde numa biblioteca.

Não precisei impressioná-la com palavras, Evan respondeu com um sorriso presunçoso. Indicou Jenny com a cabeça, que estava abraçada no bíceps dele.

Que bom que conseguiu encontrar alguém tão vazio quanto você, replicou ela, com raiva. Agora saia da minha cabeça. E me deixe em paz.

Saia você da minha cabeça, disse Evan, subitamente irritado.

Você começou essa conversa, constatou Katherine, erguendo as sobrancelhas para o livro.

Mas não sou eu quem está morrendo de ciúmes.

Katherine o fulminou com o olhar. Estava tremendo de ódio. Aquela palavra era a gota d’água.

Fique com a biblioteca para você. Vou embora, disse ela, olhando firme nos olhos dele.

— ÓTIMO – Evan praticamente gritou.

Jenny arregalou os olhos para ele.

— ÓTIMO – Katherine berrou de volta, fechando o livro com estrondo.

Alheia à discussão, Jenny apertou o braço de Evan, questionando-o, confusa, e então fixou o olhar em algum ponto atrás de Katherine.

Katherine se virou para olhar por cima do próprio ombro e deu de cara com a bibliotecária.

— Saiam – sibilou ela.

Com o livro sob o braço e os olhos cerrados para Evan, Katherine falou antes de sair:

— Não venha mais para a biblioteca comigo se vai me fazer ser expulsa sempre.

Deu as costas para eles e saiu, sendo observada pelos outros alunos. Estava se sentindo a maior idiota do mundo por ter feito as pazes com Evan. Era o pacto. Katherine culparia o pacto. Era só por causa disso que estava com ciúmes dele.

Quando chegou ao quarto, abriu a porta e encontrou Carla deitada na cama com um livro na mão. Carla fechou o livro e o colocou na cama, olhando fixamente para Katherine.

— Você não vai acreditar no quê… - Katherine parou. – Algum problema?

Carla olhou para ela e levantou da cama. Parecia bem brava.

— Sim, Katherine, eu estou com um problema.

— O que aconteceu? – perguntou, hesitante, fechando a porta atrás de si. Virou-se para olhar para Carla com relutância. Não estava entendendo nada.

— Acha que eu não percebi que estão fazendo piada sobre Caleb o dia todo? Que passaram o almoço todo debochando dele? – Carla exclamou, indignada. – Eu levo um cara incrível para conhecer os meus amigos, e é assim que vocês reagem?

Katherine encolheu os ombros, envergonhada e um pouco nervosa com o tom de voz de Carla. Não sabia o que dizer. Felizmente não teve que dizer nada, porque Carla ainda não havia terminado.

— Não dá para todo mundo estar sempre do lado dela! Eu também mereço ser feliz! Se Kristen não virou a página, não há nada que eu possa fazer sobre isso. Não adianta vocês ficarem tentando destruir os meus relacionamentos, porque isso não vai fazer eu mudar de ideia sobre Kristen!

— Carla, eu não…

Katherine não esperava que aquilo fosse uma coisa recorrente. Achou que tivesse sido só uma brincadeira, mas entendia o lado de Carla também. Só desejou que ela parasse de gritar.

— Se eu levo um cara legal, vocês acabam com ele. Eu deveria arrumar alguém como Evan, que trata você como um objeto! Vocês parecem gostar muito mais dele.

Os olhos de Carla faiscaram e Katherine congelou. Por mais que quisesse se defender, ela soube que Carla tinha razão. E ela também sentia aquilo, só não fora capaz de verbalizar ainda. Tateou a maçaneta atrás de si e não sentiu nada.

— Eu vou sair – disse Carla. A voz dela pareceu distante. – Pode ficar com o quarto para você.

Ela tirou a mão de Katherine da maçaneta, abriu a porta, tornou a fechá-la atrás de si e saiu pisando duro.

Katherine olhou para o quarto vazio e se sentiu embaixo d’água, tentando digerir o que acabara de acontecer. Andou até a própria cama e se jogou sobre ela. Em vez de sentir os lençóis no rosto, quando fechou os olhos sentiu cheiro de maresia.

Percebeu que se refugiara na praia de sua mente. Encolheu-se e balançou um pouco a rede, desejando que o pai aparecesse ali naquele momento para confortá-la. E então, ao pensar em Roberto, começou a chorar.

O sono profundo a embalou junto com os soluços.


— K, o que aconteceu?

Ela se sobressaltou quando alguém sacudiu seu corpo.

Quando abriu os olhos, viu o céu sem nuvens e os coqueiros que faziam sombra sobre ela.

— Foi Evan? Se ele encostou um dedo em você, eu juro que…

Katherine franziu a testa e passou a ver o quarto. David estava sentado sobre a cama dela, apertando seus ombros.

— Por que você está aqui? – perguntou ela. A voz saiu rouca. – Eu estou bem.

Ela não estava exatamente bem, mas David não precisava saber.

— Você está toda encolhida – disse ele. – E seus olhos estão inchados. O que ele fez?

Katherine não soube o que dizer. David parecia genuinamente preocupado, e estava sendo gentil. Ela não estava acostumada com aquilo.

— Eu tive um desentendimento com Carla – ela explicou sucintamente. Era parte da verdade.

O rosto de David se contraiu com uma expressão que misturava pena e preocupação. Surpreendendo-a, ele a abraçou e ficaram alguns segundos sem dizer nada.

— Por que você está aqui, David? – repetiu Katherine, soltando-se do abraço. Tentou fingir que David não estava sendo esquisito.

— Vamos embora – explicou ele. – Jack está nos esperando. Quer ajuda para arrumar suas coisas?

— Não, David. Eu estou bem. Não precisa se preocupar comigo.

Mesmo assim, conforme ela colocava as roupas sobre a cama, David as colocava na bolsa. Era estranho que ele estivesse sendo tão gentil com ela, mas podia ter a ver com tê-la flagrado naquele momento de vulnerabilidade.

Katherine percebia os olhares do irmão enquanto arrumava as coisas. Sentia vergonha por ter sido infantil com Caleb, e Carla era a última pessoa naquela escola que ela queria magoar. Mesmo assim, não achava que conseguiria falar com David sobre aquilo.

— Podemos ir – disse ela, jogando a bolsa sobre o ombro. – Já arrumei tudo.

David assentiu e abriu a porta para ela.

Katherine odiava quando ele ficava assim, todo bonzinho, como se quisesse compensá-la. Como se estivesse com pena.

Alguém como Evan, que trata você como um objeto.

Ela fechou os punhos com força. Carla tinha razão, essa era a pior parte. Katherine se sentia como um novelo de lã sendo jogado de um lado para o outro entre as patas de um gato. Quando Evan se cansava dela, ia arrumar outra coisa com que se entreter.

E os pensamentos de Jenny ainda pairavam sobre Katherine. Como se não fossem suficientes as inseguranças com o corpo que Ellen botara na cabeça dela durante todos aqueles anos de regime e exercício, agora ela se sentia um boneco de posto enorme e desengonçado.

Quando chegou ao carro de Jack, abriu a porta do banco de trás e jogou a bolsa. Correu os olhos pelo estacionamento e viu Jack indo em direção ao carro. Mas também encontrou Evan girando as chaves nos dedos. Seus olhares se cruzaram.

Evan franziu a testa para ela. Katherine mostrou o dedo do meio a ele e deu as costas, sentando-se e fechando a porta.

— Para quem você estava mostrando o dedo do meio, Kate? – Jack quis saber, dando a partida no carro.

Katherine cruzou os braços.

— É para um jogador babaca do seu time.


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Notas finais do capítulo

editando esse livro e adicionando um monte de palavrões a cada capítulo que delícia xingar homens mesmo q seja em doses homeopáticas



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