Sede de Poder escrita por Mermaid Queen


Capítulo 14
Capítulo 14


Notas iniciais do capítulo

é romance que você quer? entao toma



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— Oi, mãe – disse Katherine, deixando-se cair sobre o sofá. Largou a mochila no chão. – Saudades de você.

Ellen baixou o celular com ar de surpresa. Talvez não esperasse que Katherine falasse com ela diretamente. Ou demonstrasse sentimentos.

— Oi, querida – cumprimentou. Apoiou-se no encosto do sofá. – Também senti sua falta. Você parece… cansada?

— É – Katherine respondeu. Sentia essa estranha necessidade de contar à mãe que estava chateada porque uma estranha dissera que ela parecia um boneco de posto, ou porque se sentia um monstro por causa da briga com Carla, mas era coisa demais para Ellen processar. Ela só estava carente e talvez um pouco culpada. – Troquei o remédio e não consigo dormir mais.

Ellen franziu a testa de preocupação.

— E por que trocou? Ele melhorou… as outras coisas?

Katherine ainda queria se matar, se era isso que ela queria saber.

— O outro me deixava com enjoo de manhã – respondeu simplesmente. Estava encarando o teto porque se sentia levemente arrependida de ter começado uma conversa com a mãe, já que não sabia que rumo dar àquilo. – Agora consigo tomar café da manhã.

— Bom… - disse Ellen, depois de pensar um pouco. – Eu preferiria não comer de manhã e poder dormir.

— Eu sei.

Essa obsessão por alimentação saudável de Ellen já se tornara uma obsessão por emagrecimento havia muitos anos, e Katherine se ressentia um pouco dela por ter indiretamente colocado a casa toda em um ciclo vicioso de comer e sentir culpa, sem mencionar o culto ao corpo perfeito. Todos eles, em maior ou menor grau.

Mas não dava para simplesmente colocar a culpa de um transtorno alimentar em outra pessoa, então ela só tentava não tocar nesse assunto na terapia para poder fingir que ele não existia.

— Vou subir, mãe.

Ellen assentiu e sacou o celular. Mais tarde, Katherine viu que ela publicou uma enquete para as seguidoras escolherem entre dormir um pouco mais e treinar em jejum ou acordar cedo para o café da manhã antes da academia. Ellen tinha uma compreensão própria das coisas.

Apesar de ter garantido agora o café da manhã, Katherine acabou se sentindo um pouco culpada com a conversa e a enquete e por Jenny tê-la achado “grande demais” e ficou sem jantar. Ela se sentia um pouco mal com isso também, mas parecia a melhor ideia que ela havia tido.

Quando estava começando a se questionar sobre ter aberto mão do jantar, lá pelas duas da manhã, Katherine resolveu dormir. Mas o sono não veio, como já era de se esperar, então ela foi desenhar um pouco.

Tentou ilustrar o que era aquela culpa esmagadora que estava com ela o tempo todo por meramente existir. Era uma mistura de Alex, com Jenny, com Ellen, com ela mesma, com o suicídio, com tudo, uma criatura que morava na parte mais escura da mente dela e não sabia se manter lá. Estava todos os dias com os dedos pegajosos se estendendo e manchando tudo em que ela pensava, mas as noites eram piores. À noite a criatura crescia e se derramava sobre tudo que ela conhecia, contaminava todas as certezas que Katherine podia se atrever a ter.

Era uma coisa feia, humanoide, derretida e esticada, mas ela gostava. Era um símbolo. Parecia menor no papel, e a deixava com uma sensação de que todos aqueles medos dela eram só grafite. Mas essa confiança não durou muito, mas já eram quase cinco da manhã, então pelo menos ela conseguiu dormir.

Mas o sol nasceu, e trouxe Ellen com ele.

— Estou te achando meio para baixo – disse Ellen, escancarando as cortinas. – Vamos levantar. Um pouco de sol vai te fazer bem.

Eu sou um vampiro, Katherine pensou, contrariada. Sol não faz bem nenhum, não. Em vez disso, resmungou:

— O sono estava me fazendo bem.

— Você precisa de endorfina!

— Ai, não – Katherine cobriu o rosto com o travesseiro. – Tudo menos isso.

— Já separei a sua roupa! – Ellen começou a puxar as cobertas para longe. – Vamos, você precisa comer alguma coisa. Aproveite o seu precioso café da manhã.

— Sério – sibilou Katherine, dando-se por vencida. – Inacreditável.

Ela se levantou da cama e olhou para a mãe toda vestida com a roupa de academia.

— É inacreditável – Katherine repetiu.

Ellen sorriu e encolheu os ombros, como se não tivesse escolha.

— Mas eu vou com a condição de não aparecer no seu Instagram – disse Katherine. Quando Ellen ameaçou protestar, ela ergueu o dedo e repetiu a ameaça: — Não vai me filmar.

Nesse momento, Katherine achou que a mãe ia desistir de obrigá-la a ir, mas não chegou a tanto. Quando passaram pela sala, Ellen irradiando animação e Katherine com olheiras de dez centímetros, parecia que Ellen estava levando o seu monstro de estimação para passear.

— Não vou comentar nada – disse Jack, observando-as.

— É melhor mesmo – Katherine retrucou.

David abriu a boca, mas Jack ergueu a mão e ele ficou quieto.

A academia foi exatamente como Katherine previra, um pesadelo. Ela ficou irritada no caminho para chegar lá, durante o exercício e mais ainda depois, quando Ellen encontrou com a Tris Weese na recepção. Elas eram blogueira inimigas, ou algo assim.

— Você lembra quando ela postou uma indireta para mim no Twitter em abril?

— Não – Katherine respondeu, distraída.

— Pois é, mas ela fez – disse Ellen, dirigindo com irritação. – Ainda sugeriu que eu estava tomando anabolizantes, mas eu não deixei barato. Foi quando eu respondi que se fosse para tomar anabolizantes e ficar como ela, eu preferia…

Katherine baixou o vidro elétrico e deixou o vento quente bater no rosto. Ficou pensando no que dizer a Carla, se deveria mandar mensagem. Mais tarde ela iria se encontrar com Rachel. Talvez perguntasse a ela. Rachel normalmente sabia o que fazer.

— Podemos passar em algum lugar para pegar comida mexicana? – Katherine perguntou, de repente.

Ellen olhou para ela, brava por ter sido interrompida e ainda mais brava com Tris Weese e suas indiretas.

— Vamos, se você quiser ter celulite e morrer de colesterol.

Katherine revirou os olhos, mas não respondeu nada. Chegaram em casa e almoçaram salada com frango grelhado e sementes. Não ficou muito surpresa, até porque ela sabia que a única coisa mexicana que Ellen tolerava era Cancun, e olhe lá.


Quando ela chegou ao cinema, Rachel já estava esperando por ela. Jack deixou Katherine ir dirigindo o carro dele, embora David tenha feito uma careta para isso porque a achava péssima motorista. Mas Jack estava numa onda de ser permissivo com ela, então entregara a chave a ela, mas não sem uma ruga de preocupação pelo carro na testa.

— Quase não te reconheci com esse cabelo comprido – Katherine falou, indo abraçar a amiga. – Que saudade, Rachel.

Os olhos azuis de Rachel estavam radiantes, e ela estava linda. Parecia mais descontraída também. Katherine adorou vê-la assim, com ar divertido e feliz.

— Senti muito a sua falta – disse Rachel, no meio do abraço. – Será que você pode não sumir?

— Eu vou tentar – murmurou Katherine, culpada por realmente ter demorado tanto para falar com Rachel.

— Vamos ver O Beijo do Vampiro, acabou de estrear. – Rachel falou, indo para a bilheteria.

Katherine apertou os olhos para ela, achando graça.

— Você quer ver filme de terror? Eu topo, se você não ficar com medo – provocou-a. Queria contar a Rachel, na verdade. Sabe, amiga, é engraçado porque isso é sobre mim e é tudo verdade e se você ficar com medo desses vampiros, bem, eu sou um deles agora. Mas eu não mordo, pelo menos até onde eu sei. Meio difícil de engolir. – Você sempre cobria os olhos.

— Fala sério, Kate. Não tinha como – Rachel se defendeu. – A Samara ia pular na tela.

— Verdade – Katherine encolheu os ombros, admitindo. – Aquela vez daquele filme da bruxa também.

— Estou gostando um pouco mais deles agora – Rachel contou.

Elas saíram da recepção com a pipoca e os ingressos e já foram para o cinema. O corredor com pôsteres e carpete vermelho era reconfortante, e a risada de Rachel fez Katherine esquecer das coisas que andavam deixando-a ansiosa. E o ar tinha cheiro de pipoca com manteiga. A sensação era tão boa quanto se lembrar de quando ela era criança e ia assistir desenho de manhã com o pai.

— E nem me lembra desse filme da bruxa – Rachel fez uma careta. – Tive que dormir de luz acesa por um mês. E minha mãe não deixava eu ficar no telefone com você muito tempo, lembra? Daí depois das dez da noite eu estava por minha conta.

— Lembro – Katherine recordou. – Mas foi legal quando a gente viu esse filme. Você dormiu em casa, e a gente fez pegadinha com o David. Pasta de dente, acho.

— Sim! – exclamou Rachel. – E o seu pai fazia café da manhã, e só podia falar espanhol durante o café da manhã.

Katherine sorriu com um pouco de melancolia. Sabia que uma grande parte da relação ruim que tinha com Ellen se devia a Roberto e a negação que ela fazia de tudo que tinha a ver com ele, especialmente a ascendência mexicana.

— Às vezes eu faço isso ainda – ela disse, pensativa. – Ficar falando espanhol para irritar a minha mãe.

Adentraram a sala de cinema que estava sob a meia-luz das lâmpadas fracas nas paredes.

— Nossa, ela odiava – Rachel riu, e, após uma pausa, voltou a falar. – O que será que ela viu nele?

Katherine sorriu enquanto procurava pelo número da poltrona e ficou pensando. Corrigiu Rachel sem muito peso na consciência:

— O que será que ele viu nela?

— É – Rachel concordou. – Achei pesado falar isso. Mas é. Ela nem quis me ajudar no sorteio!

— E você queria ganhar suplemento para quê? – Katherine debochou, comendo algumas pipocas antes do filme começar.

Rachel deu a ela um sorriso amarelo.

— Eu sei que é tudo que a gente jurou destruir, mas… se eu disser para você que entrei nas líderes de torcida…

Katherine engasgou com a pipoca e começou a rir. Rachel havia dançado ballet a vida toda, e Katherine a vira como uma criança desajeitada vestida de flor, e depois no papel principal de um espetáculo do Lago dos Cisnes. Sabia que ela era talentosa, mas nunca imaginara Rachel como líder de torcida.

— Juramos destruir Emma Rogers e tudo que ela representava como capitã das líderes – Katherine corrigiu, ainda com vontade de rir. – Como ela deixou você entrar?

Rachel deu de ombros.

— As outras garotas não estão mais ligando tanto para Emma. Só as amigas dela, mas são minoria. Daí eu passei na audição e ela não pôde fazer nada.

— E as outras garotas são legais? – Katherine perguntou, acostumando-se com a ideia.

— São, sim. Meio diferentes do que eu estou acostumada, mas eu também sou. Nenhuma das líderes de torcida está acostumada com alguém de suéter xadrez na mesa com elas. E acho que uma delas está flertando comigo.

— Se é uma garota, David tem o número. Posso conseguir para você.

— Seria ótimo.

Katherine gostou de vê-la com aquele ar confiante, que era novo mas caía muito bem em Rachel, que antes andava retraída e assustada com tudo.

— Você conhece alguma garota de sobrenome Parker? – Katherine perguntou de repente. – Da escola?

Rachel estreitou os olhos, e nesse momento as luzes do cinema se apagaram. Katherine via somente o brilho dos olhos de Rachel.

— Acho que sim – ela respondeu. – O nome é familiar. Alguma coisa com M. Mandy, talvez? Ela está em um desses clubes de ciências. Talvez no de RPG, porque ela estava conversando com os amigos de Alex na biblioteca esses dias. Fiquei surpresa de ver qualquer um deles falando com uma garota…

A voz de Rachel foi morrendo conforme ela se arrependia de ter mencionado Alex, mas depois de uma pausa de hesitação ela continuou falando.

— Ele… andei ouvindo que você foi atrás dele no jogo e o beijou, mas ele te deu um fora… Não sei do que ele está falando, mas achei que você gostaria de saber.

Todo o sangue de Katherine subiu para o rosto naquele momento, e a cara dela queimou. Normalmente o que sentia em relação a Alex era medo, mas agora ela só via ódio. Muito ódio.

— Não é possível! – Katherine exclamou. A voz foi abafada pelos trailers ensurdecedores. – Ele é doente. Alex é doente. Ele me abordou no jogo e foi invasivo e assustador e ficou apertando o meu braço.

— Ele é psicopata – Rachel concordou tranquilamente. – Você devia ter contratado alguém para bater nele, se não quer dar queixa.

Katherine cruzou os braços, tentando respirar fundo para se acalmar. Devia mesmo ter arrumado alguém para dar uma surra nele. Talvez ela mesma pudesse fazer isso, se aquela Substância não a matasse antes.

Quando o último trailer foi acabando, Katherine se sentiu um pouco ridícula. Quem ela queria enganar? Nunca teria coragem de bater em Alex. Talvez nunca tivesse coragem de enfrentá-lo, e teria de conviver com isso.

O Beijo do Vampiro apareceu em letras estilizadas e sangrentas na tela. O coração de Katherine ainda batia forte.

Isso é engraçado para você? Eu acho um pouco engraçado.

Katherine arregalou os olhos. Aquilo não podia ser verdade. Simplesmente não havia como aquela ser a voz de Evan. Até ele devia ter algum limite para ser invasivo e sem noção.

Se eu disser a palavra imbecil três vezes você aparece, Evan?

Ela pôde ouvir em sua cabeça a risada debochada dele, e aquilo a deixou com mais raiva ainda.

Não quero olhar para a sua cara nem ouvir a sua voz por um tempo, Katherine respondeu, de mau humor.

Até dar saudade?, perguntou Evan com sarcasmo. Que tipo de encontro é esse que vocês vão para ver filme de vampiro?

Katherine revirou os olhos.

O tipo de encontro que não é da sua conta, respondeu secamente. E essa é a minha melhor amiga. Todo mundo vê filme de vampiro com a melhor amiga.

Você disse que se encontraria com alguém no final de semana, Evan falou, e Katherine o ouviu hesitar pela primeira vez em dias.

E eu estou, Katherine constatou com grosseria. Você achou que seria com o príncipe encantado?

Evan ficou quieto por um tempo, e Katherine achou bom. Começou a prestar atenção no filme, embora Rachel estivesse mesmo apreensiva com o vampiro que entrava no quarto das crianças à noite para sequestrá-las. Achou que Rachel fosse cobrir os olhos quando a música de suspense se intensificou, mas ela aguentou firme.

Estou gostando do filme, Kate, a voz de Evan surgiu na cabeça dela de novo. Não sabia que dava para fazer isso de assistir através dos seus olhos. Tenta comigo.

Katherine suspirou. Carla realmente tinha razão ao dizer que Evan a tratava como um objeto, apesar das palavras duras. Ele a descartava, e depois a chamava de volta como se nada tivesse acontecido.

Era estranho pensar que ele estivera na mente dela o tempo todo assistindo ao filme.

Você quer que eu veja através dos seus olhos?, perguntou ela, cansada.

Evan assentiu, e ela fechou os olhos e tentou pensar nele. Quando voltou a abrir os olhos, já não estava mais no cinema, e a luz a cegou por um instante. Viu uma parede azul, e lençóis brancos, e a calça de moletom, e o abdome nu.

Ela piscou os olhos e os voltou para a tela do cinema, um pouco desconcertada. Era só ele sem camisa. Não precisava ter aquela reação. Fica na sua, Katherine, pensou consigo mesma.

Você ficou toda com vergonha, eu senti daqui, disse Evan, rindo muito. Você é engraçada, Katherine.

Katherine sentiu o rosto esquentar. Desviou os olhos para o vampiro do filme, que naquele momento cruzava olhares sedutores com a caçadora de vampiros.

Vou virar uma caçadora de vampiros, Katherine falou, rabugenta. E acabar com a sua raça.

Evan ficou rindo, mas não disse mais nada.

Quando acabou o filme, Rachel se espreguiçou na cadeira e sorriu.

— Eu gostei, mas queria que eles tivessem ficado juntos. Não achei que ela fosse mesmo matar ele.

Katherine deu de ombros. Ainda estava com raiva de Evan ter se metido, e com raiva de si mesma por fazer o que ele queria.

— Foi melhor para ela. Não é nem por ele ser vampiro, mas por ele ser um babaca – Katherine argumentou.

— É… nem para poupar as crianças.

Katherine começou a rir.

— Vamos fazer isso de novo – Rachel sugeriu. – E logo.

De novo, Katherine sentiu aquela urgência de contar a ela. Rachel ainda era seu porto seguro, ainda estaria ali parar ela, e talvez não a repudiasse se soubesse que ela era algum tipo de criatura. Talvez.

Mas sabia que não podia fazer isso.

Quando saíram do cinema, Rachel foi para o carro e Katherine andou pela rua na direção do carro de Jack. Ao virar a esquina, ela se sobressaltou.

Jack estava parado ao lado do carro.

— Você me assustou – disse Katherine, com a mão sobre o peito.

Não estava gostando daquilo, mas não tinha por que ter medo de Jack. Entrou e se sentou no banco do carona e o deixou dirigir.

— E então? – Katherine falou, quebrando o silêncio. O coração dela estava acelerado.

— Eu sei, Katherine. Quero saber qual de vocês dois é o escolhido de Serpente. Ou ele escolheu os dois?

Ela arregalou os olhos para Jack, e as costas doeram com a tensão dos músculos.

Evan, Katherine chamou, em pânico. Preciso de você aqui. É sério.

Ela não podia contar a Jack. Já envolvera Evan, e via como Dionora morria de medo, e como Chris estava arriscando o pescoço agindo como agente duplo, e soube que, por mais que quisesse contar a Jack e contar com a proteção dele, simplesmente não podia.

— Não conheço nenhum Serpente, Jack – disse ela, com a voz tremendo.

— E você espera que eu acredite que os dois do dia para a noite aprenderam sozinhos a proteger os pensamentos? – Jack a confrontou. Apesar das palavras afiadas, ele parecia calmo. Mantinha os olhos na rua e dirigia devagar. De alguma forma, o tom calmo a deixava ainda mais nervosa.

Estou jogando, Katherine, Evan respondeu, sem dar atenção, embora houvesse frieza na voz. E nem quero saber o que você está fazendo no carro de Jack. De novo. Isso é nojento.

Katherine revirou os olhos, querendo gritar pelo tanto que Evan era burro. Burro, muito burro, era isso que ele era.

— É, Jack – insistiu ela, assumindo a defensiva. – Havia uma garota de treze anos ensinando a bloquear sua mente numa thread do Twitter. Não achei que tivesse realmente funcionado, mas quem diria, né?

Viu os dedos de Jack apertarem o volante com força e quis se encolher no banco do carro. Katherine se sentia sem ar, como se encher o peito não fosse suficiente.

— E o que você sabe sobre isso? – ela questionou, cruzando os braços, fingindo estar curiosa como ele. Tentou esconder o desespero. – Como sabe que esse cara está escolhendo pessoas?

Jack olhou para ela com um sorriso frio.

— É assim que vai ser, né? – retrucou. – Sei do mesmo jeito que você. E aí? É mais fácil se você me contar qual dos dois é o escolhido.

— E você vai fazer o que com essa informação? – Katherine rebateu. – Você trabalha para quem?

Jack jogou a cabeça para trás com a gargalhada, embora Katherine suspeitasse que ele estava rindo com escárnio.

— Para o Governo, agente 007. Para Staham. E você?

Katherine cruzou os braços e ergueu o queixo, decidida a não falar mais. O que ele podia fazer? Torturá-la? Prendê-la numa jaula? Era melhor que ser sequestrada pelo Serpente, coisa que era iminente.

— Se for o Evan, Katherine, você vai estar nos ajudando a protege-lo. Não está entregando ninguém.

Mas Jack soava como se ela estivesse entregando alguém. Pela primeira vez, ela desconfiou dele. Embora não soubesse se ela estava protegendo-o ou protegendo a si mesma de Jack, Katherine decidiu se manter de boca fechada.

— Você não vai me pegar viva – ela disse sombriamente, assumindo a identidade de agente secreta com deboche.

Jack entendeu o recado, porém a carranca mostrava que não havia gostado. Não falou mais.

Katherine mandou uma mensagem para Evan. Não queria correr risco de entrar em uma discussão sobre o motivo de estar no carro de um professor. Como Evan conseguia ser burro.

“Precisamos conversar. Urgente. Jack descobriu.”

Evan respondeu poucos minutos depois.

“Me encontre na praça à meia noite.”

Katherine se surpreendeu. Não esperava por aquilo. Foi até fácil demais. Guardou o celular no bolso e deu de ombros.

Quando chegaram, Jack estacionou na calçada e se teletransportou sem dizer nada. Simplesmente desapareceu. Katherine novamente levou um susto, mas não se surpreendeu com a atitude. Ele havia ido até o cinema usando o mesmo meio de transporte, só para confrontá-la, então não saberia que explicação dar a Ellen se simplesmente surgisse no carro com Katherine.

Ela estacionou o carro na garagem e foi para casa. David estava assistindo a um jogo, e Katherine assistiu um pouco com ele, até chegar perto da meia noite. Então ela disse que ia dormir e subiu para o próprio quarto.

Havia outras praças em Glaston, mas havia essa que era a maior, então as pessoas haviam se acostumado a chamá-la apenas de praça. Se você quisesse ir a uma das praças menores, teria que especificar mais. Quando Katherine se teletransportou para a praça deserta, torceu para que Evan também tivesse isso em mente.

Havia um bosque ao lado, que limitava a praça de um dos lados. Era enorme, escuro, e um pouco assustador. Pelo menos à noite, naquele silêncio e com a rua sem movimento. Albert Einstein ficava a poucos quarteirões dali, e em noites de jogo era possível ver o clarão dos refletores e ouvir a torcida. Katherine gostava, mas, agora, pensar nos jogos trazia a ela lembranças ruins.

Evan surgiu próximo das árvores, protegido das luzes dos postes. Estava de cara fechada e começou a falar enquanto andava na direção dela.

— Katherine, eu só vim aqui para deixar muito claro que eu não tenho nada a ver com isso. Se Jack descobriu sobre nós, isso é problema seu e dele, e nem há “nós”.

O queixo dela caiu e ela ficou olhando para Evan, sem saber o que dizer.

— Você não vai falar nada? – disse ele, indignado. – Nem adianta tentar se defender. Eu sei que você é amante dele. Mas acho que você não tem juízo para entrar no carro dele no estacionamento da escola.

Katherine começou a rir. Ela realmente não tinha palavras. Não sabia como encarar aquilo.

— Não é possível você estar falando uma coisa dessas, Evan. Juro, não consigo acreditar.

Dessa vez, foi Evan que ficou quieto. Parecia transtornado com a reação dela.

— Por que você…

— Ele é o meu PADRASTO! – Katherine berrou, furiosa. – Ele e a minha mãe são CASADOS! Você sabe o que é isso?

Evan ficou em silêncio e Katherine soltou a respiração – que nem havia percebido que estava prendendo. Ela se deixou cair no banco da praça.

Os dois se encararam, se reação.

— Então a sua mãe é Ellen Brown?

Katherine bateu a mão na própria cara.

Essa é a primeira coisa em que você consegue pensar?

Evan se sentou ao lado dela no banco, e começou a dar risada. Katherine balançou a cabeça para ele.

— Por que você está rindo?

— Eu entendi tudo errado, Kate – ele falou, e riu mais ainda. – Achei que você tivesse um encontro hoje. Eu senti que você estava pensando em alguém quando me falou que tinha planos, e cheguei a todas as conclusões erradas possíveis.

Katherine ficou olhando para ele por alguns segundos, novamente sem palavras.

— Você é muito burro – falou por fim.

— Eu sou – Evan concordou. – Admito. Muito mesmo.

— E um escroto – ela completou, levantando-se do banco da praça. – E ainda acha engraçado. Estou indo embora.

— Não, Kate – ele falou, levantando-se atrás dela. Segurou o pulso dela. – Eu sinto muito por fazer as coisas serem difíceis entre nós.

Katherine puxou a mão e lançou um olhar cortante para ele, avisando-o para ter cuidado.

— Nós nunca conseguimos estar bem por muito tempo, né? – Evan falou, sorrindo, e desviou os olhos para baixo. – Eu queria chamar você para sair aquele dia, quando você disse que ia fazer algo no sábado – Ele deu de ombros. – Daí fiquei com ciúmes e levei Jenny para te provocar.

— Já consegui entender por que você levou Jenny – ela respondeu secamente. – Não consigo entender por que você acha que isso justifica tudo, e que agora que esclarecemos o mal entendido nós estamos bem.

Foi a vez de Evan ficar em silêncio, chocado. Provavelmente não esperava ser confrontado – e nem estava acostumado com isso.

— E se tudo o que você queria era me deixar com ciúmes, existem alguns jeitos bem menos tóxicos e malignos.

— Eu não pensei em como você se sentiria – ele disse, suspirando. – Confundi tudo e…

— Por que não invadiu minha mente se você já faz isso o tempo todo?

Evan encolheu os ombros e mostrou um sorriso sem jeito.

— Não queria vê-la pensando em outra pessoa – respondeu, embora não parecesse gostar de admitir aquilo em voz alta. – Não quando eu pareço passar o tempo todo pensando em você.

Katherine ergueu as sobrancelhas para ele, sentindo o rosto esquentar. Não conseguiu sustentar o olhar dele e mirou as pedras do chão.

— Eu sei que levar Jenny foi errado, mas o que me marcou foi ela ter pensado aquele monte de merda sobre você, e sei que você ouviu porque ficou toda estranha depois, e mesmo assim você foi legal com ela. Você é muito boa e é uma pessoa incrível. Foi por isso que eu invadi seu encontro, sem saber que era isso que você estava fazendo. Queria me desculpar.

— Não precisa se desculpar por Jenny – Katherine respondeu, cruzando os braços e ignorando o resto. – Você não tem controle sobre o que ela pensa.

— Queria me desculpar por tê-la levado – Evan se explicou. – Independentemente de você estar com outra pessoa ou não. E quero me desculpar por te machucar. Eu e Melanie estávamos constantemente revidando, e acho que trouxe isso para você inconscientemente. Sinto muito.

A mão dele se aproximou do rosto de Katherine, e ela recuou um pouco com a proximidade inesperada. No entanto, ele apenas deslizou os dedos por uma mecha de cabelo que se soltara das tranças e a colocou atrás da orelha dela. Katherine suspirou e baixou a mão dele, afastando-a do próprio rosto.

— Desculpa por te decepcionar – disse Evan, olhando nos olhos dela. – Realmente me importo com você. Não quero te machucar ou te ver triste, especialmente por minha causa.

O vento agitou as árvores, e o farfalhar das folhas atraiu o olhar de Katherine para longe dele. Evan era uma linha tênue, e ela tinha que se manter do lado certo da linha, porque nada com ele era fácil. Evan era completamente imprevisível nas ações e nos sentimentos, e derramava tudo sobre ela, querendo ou não.

Katherine precisava se lembrar de que aquilo era tudo pacto. Ele não se importaria com ela assim se não estivessem ligados num pacto de sangue, sentindo até as emoções um do outro.

Mas o fato é que estavam ligados.

Queria dizer a si mesma que não era uma boa ideia. Que aqueles olhos verdes nunca eram boa coisa. Mas também era tentador trair a própria intuição, e mergulhar naqueles olhos como a voz dele sugeria que ela fizesse.

— Também me importo com você – disse Katherine, voltando o olhar para o chão a seus pés. Mas não me impediu de metê-lo nessa história com o Serpente, pensou ela, com o coração apertado. – E é sobre isso que precisamos conversar.

A testa de Evan se franziu com a mudança no tom de voz dela. Katherine soou preocupada.

— Jack me perguntou qual de nós dois foi o escolhido de Serpente. Eles não sabem ainda, mas sabem que é um de nós, ou os dois.

— Eles quem? – Evan perguntou. O rosto assumiu a mesma preocupação de Katherine.

— Ele falou que é o governo. Staham.

— Precisamos falar com Dionora – disse Evan. – Nem deveríamos falar disso aqui. Não estamos seguros.

— Eu sei, mas o que muda? – Katherine argumentou. – O que o governo pode fazer para impedir o Serpente?

Evan arregalou os olhos.

— Eles podem sequestrar a gente, sei lá – sugeriu ele. – Podem nos pegar antes que o Serpente pegue. Ele não deve ter feito tantas experiências assim para não chamar atenção, então vai querer colher cada um dos frutos.

— É… - Katherine concordou, pensativa. – Não dá para confiar no governo também. Os Agentes do Serpente a princípio eram funcionários do governo.

— Vamos logo para Dionora.

Katherine assentiu e se prepararam para se teletransportar. Evan piscou para ela antes de desaparecer.

Quando apareceram no sótão de Dionora, ficaram um pouco apreensivos por acordá-la.

— Vai ver a gente pode ficar por aqui até ela acordar – Evan sugeriu. A cara dele já denunciava que nem ele achava aquela uma boa ideia. – Pelo menos é mais seguro que na rua.

— Não dá para ficar aqui – Katherine protestou. – Igual duas assombrações.

Evan deu uma risadinha e ela caiu no sofá, sem saber o que fazer. Mas não precisou fazer nada.

— Boa noite, vocês dois – disse Dionora, na porta, assustando-os. – O que fazem aqui?

— Não queríamos acordá-la – disse Evan, encolhendo os ombros.

Dionora sorriu e se aproximou.

— Não está tão tarde assim, querido. E vocês dois são barulhentos demais. O que aconteceu?

— O governo sabe sobre nós – Katherine se apressou em explicar. – Jack veio me perguntar qual de nós dois foi escolhido pelo Serpente.

Dionora suspirou, sem parecer surpresa.

— Bem, era uma questão de tempo até isso acontecer – ela se sentou no sofá. O olhar se perdeu entre as tábuas do sótão enquanto ela parecia pensar. – Chris deve nos manter informados por enquanto. Se o Governo for agir, provavelmente será através dele. Ele foi o Agente designado para aplicar a sua dose, e pode vigiá-la de perto todos os dias na academia. Acredito que, mesmo que ele não seja o escolhido, poderá nos avisar se vocês estiverem sob perigo.

Katherine e Evan se entreolharam.

— Dos dois lados, espero. Se Serpente resolver capturá-la, também deve usar os Agentes locais que passaram para o lado dele. Se ele confia em Chris o suficiente, então saberemos.

— Muitos “se” – Evan observou. – Não temos certeza de nada, e estamos só esperando para ver quem ataca primeiro.

Dionora deu de ombros.

— Jack deve protegê-la, pelo menos – disse ela, olhando para Katherine. – Ele é influente o suficiente para conhecer os planos do Governo e saber o que eles estão procurando. Não vai deixar que nada aconteça com Katherine.

Katherine balançou a cabeça.

— Devíamos atacar Serpente – disse ela, decidida. – Direto na base. Em vez de ficar esperando.

— Não sabemos onde fica a base – Dionora falou, desanimada. – E mesmo que soubéssemos, você e que exército vão atacar a base dele?

Katherine suspirou, dando-se por vencida.

— Esperar, então.

— Chris está tentando descobrir a localização da base há um tempo. Precisa ganhar a confiança dele. Quando descobrir, nós faremos um plano de resgate e poderemos expor os planos para o governo.

— Eles já sabem muito sobre os planos do Serpente – Evan observou. – Se estão atrás dos escolhidos dele, já sabem muita coisa. Devem saber sobre a possibilidade de golpe, e, principalmente, já devem estar esperando que haja violência.

— É capaz de quererem usá-la como arma contra o próprio Serpente – disse Dionora.

— Staham faria isso? – Katherine perguntou, sobressaltada.

Evan soltou uma risada sarcástica.

— Se Staham faria? Se puder se reeleger, ele coloca a própria mãe para liderar o exército.

Dionora esboçou um sorriso, concordando com Evan.

— Bem, estamos um pouco encurralados no momento – disse ela, suspirando. – Se não se importarem, vou voltar para a cama. Se houver alguma novidade, vou contatá-los.

Katherine assentiu, meio decepcionada.

— Muito obrigada, Dionora. Boa noite.

— Desculpe por acordá-la – Evan acrescentou.

Dionora sorriu e desapareceu pela porta do sótão. Katherine teve a impressão de que ela queria deixá-los a sós.

— Vamos, então – disse Evan. Ele se aproximou dela e hesitou, com os olhos no chão, antes de falar. – Você está bem para ir para casa? Não foi uma conversa muito animadora.

Katherine engoliu em seco, preocupada, mas fez que sim com a cabeça.

— É como ela disse. Jack nunca deixaria nada acontecer comigo. Mas você deveria se cuidar. Se depender de Jack, você vira comida de vampiro.

Evan sorriu.

— É, agora eu entendo por que ele pega muito mais pesado comigo agora.

Katherine riu também.

— Sinto muito.

— Não sente, não – disse Evan.

— Não mesmo – ela respondeu, e os dois voltaram a rir.

— Também não vou deixar nada acontecer com você – Evan falou, com o rosto assumindo uma expressão séria. – Querendo ou não, nós entramos nessa juntos.

— Você não deveria estar envolvido nisso – Katherine discordou, colocando para fora uma pontinha do abismo que sentia dentro de si por tê-lo colocado nessa situação.

Evan segurou a ponta do queixo dela e a ergueu, forçando-a a olhar nos olhos dele. As sobrancelhas escuras estavam franzidas, quase se tocando.

— Isso não importa. Não é uma coisa que você pode mudar. Eu insisti para vir naquela noite, mesmo sendo a última pessoa que você queria ver na vida. Não é sua culpa.

Antes que pudesse pensar melhor e aquilo a fizesse desistir, Katherine se esticou na ponta dos pés e o beijou.

Os olhos de Evan de início se arregalaram, mas em seguida sua expressão se suavizou e ele correspondeu ao beijo dela, segurando o rosto de Katherine entre as mãos. Ela sentia a pele quase elétrica, como se o toque de Evan pudesse soltar faíscas entre eles.

Boa parte dela protestava, mas Katherine o queria. Podia tentar silenciar esses impulsos, mas parecia que ela sempre iria querer estar nos braços de Evan como estava naquele momento.

Quando se separaram, o coração dela estava acelerado.

— Não sei o que foi isso – Evan sussurrou, e os lábios deles ainda se roçavam. – Mas vou querer mais.

Katherine o beijou brevemente antes de se afastar.

— Definitivamente também não sei – admitiu, querendo rir de nervoso.

— Boa noite, Kate – disse Evan, sorrindo.

— Boa noite.

Ele a beijou de novo antes de desaparecer. Katherine teve que ficar um pouco para recuperar o fôlego e retomar a concentração antes de sequer tentar se teletransportar para casa.


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Notas finais do capítulo

foi criminoso esse final né podem me xingar nos comentários



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