Sede de Poder escrita por Mermaid Queen


Capítulo 12
Capítulo 12


Notas iniciais do capítulo

aiiiiii eu amo esse capituloooooo



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Evan praticamente não olhou mais para ela depois daquela discussão.

E já teria sido ruim o suficiente se ele tivesse feito isso somente durante o resto da viagem, que se arrastou pelo que pareceram horas com uma tensão palpável entre os dois. Mas quando chegaram ao estacionamento da escola, junto do nascer do sol, Evan desceu do carro, bateu a porta e saiu andando sem dizer nada.

Katherine desceu atrás e encarou as costas dele, sem saber o que dizer.

— Precisamos voltar logo – falou, quebrando o longo silêncio. – Hoje?

Evan se limitou a encolher os ombros e continuou andando pelo estacionamento. Katherine respirou fundo e assentiu. Aquilo doeu nela, apesar da raiva que sentia de Evan. Ela ainda não entendia muito bem. Era para ela estar ignorando ele, não o contrário.

­— Vai ser assim então – murmurou para si mesma.

Ocorreu a ela que, pelo modo como as coisas terminaram, talvez devesse pedir desculpas a Evan. Rejeitou a ideia imediatamente. Katherine não tinha obrigação nenhuma de perdoá-lo, muito menos pedir desculpas por isso.

Visualizou diante de si a porta do quarto que dividia com Carla. Teve um pouco de dificuldade para se concentrar, mas fechou os olhos e se teletransportou. Quando a sensação de eletricidade percorreu toda a sua pele, Katherine voltou a abrir os olhos e estendeu a mão para a maçaneta.

Andou até a própria cama tentando não fazer barulho. Sabia que em breve Carla se levantaria para a corrida que gostava de fazer todas as manhãs.

Quando Katherine se deitou, sentia-se estranhamente vazia.

Pegou no sono depois de encarar o teto por um tempo, pensando em tudo que havia acontecido naquela noite. Teve sonhos tão perturbadores que quase agradeceu quando o despertador tocou, acordando-a.

— Noite ruim?

Carla estava saindo do banho, com uma toalha enrolada na cabeça.

— Você nem imagina – Katherine respondeu, levantando da cama com um suspiro.

Foi escovar os dentes enquanto Carla passava sombra escura nas pálpebras diante do espelho no quarto. Sentia-se zonza e nauseada. Pensou em pular o café da manhã para ganhar mais tempo de sono, mas provavelmente acordaria pior ainda, então desceu com Carla para o refeitório.

Enquanto os amigos conversavam, Katherine olhava para os ovos mexidos no prato. Sentia inveja dos colegas que riam e viviam suas vidas sem ter ideia do que podia estar por vir. E sentia uma culpa crescente por ter colocado Evan no meio daquilo.

Era um jogo perigoso que ela estava jogando. Colocando todos os sentimentos por ele de lado, por mais complicado que isso fosse, pensou que não o achava a pessoa mais confiável do mundo, porém era improvável que ele contasse para alguém o que descobrira sobre o governo e Serpente. O medo de saber que Serpente podia estar à espreita era maior. Pronto para acabar com qualquer um que entrasse em seu caminho.

E isso levava à segunda preocupação incessante de Katherine, que era colocar Evan em risco. Ele podia ser um babaca egocêntrico, mas não merecia estar naquela situação de medo e insegurança por causa dela.

Katherine parou por um segundo ao perceber o estranho olhar de Kristen, tão alheia à conversa quanto ela. Kristen olhava para algum ponto fixo com um brilho de rancor nos olhos. Katherine se virou para trás, para saber o que provocara aquela reação dela, notou que Kristen encarava a mesa do time de futebol.

Ver Evan causou um frio desagradável no estômago, mas ela tentou ignorar. Endireitou-se na cadeira, pensando no que poderia ter acontecido entre Kristen e qualquer um daqueles garotos.

Katherine voltou a observá-la com preocupação, mas nesse momento seus olhares se encontraram e as duas os desviaram rapidamente. Depois disso, Katherine se despediu deles e saiu da mesa. Estava agitada e desconfortável, e ficar no meio de todo aquele barulho do refeitório não ajudaria em nada.

 Ela imaginava se alguém poderia estar observando-a de perto. Não gostava de admitir, mas era provável que sim. Se a haviam escolhido para ser uma das cobaias da Substância, aleatoriamente ou não, ela se tornara valiosa. Se Serpente estava se arriscando para desviar doses da Substância, ele iria querer saber quais estavam sendo os resultados dos seus experimentos.

Pensou em Kristen, com aquele olhar frio na mesa. Não, era besteira. Embora ela sempre parecesse um pouco distante, não havia nada no comportamento dela que justificasse ser chamada de espiã.

Katherine não saberia apontar ninguém como espião, na verdade. Nem mesmo Melanie merecia essa acusação. Apesar do caráter questionável, Melanie agia em benefício próprio exclusivamente. Era difícil de imaginá-la recebendo ordens de alguém.

— Acho que eu não sou o único que precisa de um descanso, hein?

Katherine sorriu ao ouvir a voz de Jack, sentindo uma onda de conforto atravessá-la. Ao encará-lo, notou olheiras tão escuras quanto as dela.

— É segunda de manhã – disse ela, sorrindo. – Ninguém parece disposto de segunda de manhã.

— Sei – Jack respondeu, sem muita animação na voz apesar do sorriso caloroso. Parecia preocupado com ela.

Katherine engoliu a vontade de contar a Jack tudo aquilo que a afligia. Ele seria compreensivo, e com certeza saberia o que dizer. Provavelmente se ofereceria para tomar conta dela, garantindo que ninguém se aproximaria para levá-la ou machucá-la. Era muito tentador.

Mas ela jamais faria aquilo. Katherine sabia que era a vez dela de proteger Jack.

Jack franziu a testa.

— Que cara é essa? – perguntou ele, de repente. – No que está pensando?

Katherine ficou desconcertada com a pergunta. Baixou os olhos, e tornou a encará-lo quando se recompôs.

— Ah, você sabe – murmurou ela, lançando um olhar para o refeitório, na direção de Evan. – Muitas coisas na cabeça. Ainda é tudo muito recente.

Jack relaxou um pouco a expressão. Parecia ter acreditado.

— Pode deixar, Kate. Vou colocar esse garoto para dar cem voltas no campo hoje.

Katherine começou a rir, e Jack a acompanhou.

Os jogadores de futebol costumavam se sentar juntos nas aulas que tinham juntos. E era exatamente naquela direção que Kristen olhava durante a aula de Sociologia. Novamente com aquele olhar pesado, de mágoa.

Katherine olhou para eles também, sem entender. Queria perguntar, mas não sabia se deveria. Também estava com muito sono para prestar atenção às aulas da tarde, então deu de ombros e cutucou Kristen, que estava sentada à sua frente.

Kristen se virou, e os longos cabelos pretos caíram sobre a cadeira como uma cascata. Ergueu as sobrancelhas para Katherine indagativamente.

— O que você tem com eles? – Katherine perguntou de uma vez, olhando para o grupo. – Aconteceu alguma coisa? Com você?

A princípio, Kristen arregalou os olhos de surpresa. Mas seu rosto começou a ficar vermelho e ela fechou a cara. Virou-se para frente bruscamente.

Katherine ficou encarando a parte de trás da cabeça dela, incapaz de interpretar o que havia sido aquilo, até que Kristen jogou um bilhete na mesa dela. Katherine abriu o bilhete e ergueu as sobrancelhas.

“Não é da sua conta”

O rosto de Katherine ficou vermelho e ela amassou o bilhete, ainda mais intrigada.

Kristen saiu da sala depois de lançar um olhar frio na direção de Katherine, como aviso. Ela achou que Kristen estava na defensiva, mas Katherine preferia que ela a tivesse ignorado. O olhar de Kristen era assustador.

Subindo as escadas para o quarto, ela se decidiu sobre Dionora sem nem pensar muito no assunto. Katherine iria para lá imediatamente, e Evan que se virasse. Se ele não se dignaria nem a olhar nos olhos dela, isso era decisão dele. Mas ela que não ficaria correndo atrás dele, implorando por sua atenção.

Pegou um casaco no quarto e se concentrou na casa de Dionora, imaginando se haveria problema que a única lembrança que tinha da casa era mergulhada na noite escura. Quando fechou os olhos, porém, sentiu a já familiar sensação de eletricidade correndo pela pele e soube que havia dado certo.

Apesar do calor, os pelos dos seus braços se arrepiaram quando Katherine sentiu a mudança de ar. Abriu os olhos e se viu na calçada de pedra, diante da casa. Cruzou o jardim rapidamente e alcançou a porta.

Dionora abriu a porta quase que em resposta imediata às batidas dela. Tinha os olhos arregalados, mas não parecia de surpresa.

— Você não deve ser vista na rua! – exclamou, empurrando Katherine para dentro. – Pode se teletransportar para o sótão, a sala, a cozinha, não importa. E cadê o outro?

Katherine encolheu os ombros.

— Ele não quis falar comigo hoje de manhã – falou, um pouco envergonhada por mencionar a briga. Mas não se arrependia de não o chamar.

Dionora estalou a língua, brava, e estendeu a mão.

— Me empreste o seu celular, então – falou, ansiosa. – Vou ligar para ele.

Katherine selecionou o contato de Evan e ofereceu o celular para Dionora a contragosto. Esperou para ver se Evan desligaria na cara dela.

Dionora ficou esperando Evan atender, resmungando sobre brigas de adolescentes.

— O quê? – perguntou ele, com a voz mal-humorada, quando finalmente atendeu.

— Boa tarde, Evan – Dionora replicou, calmamente. – Gostaria de saber se pode vir à minha casa agora. Se não for incômodo. É Dionora quem fala.

Katherine ergueu as sobrancelhas, querendo rir. Ela ainda ouvia o som da ligação terminada quando alguém bateu à porta. Dionora olhou para ela, piscou e foi abrir a porta.

Evan irrompeu na sala procurando Katherine, e fechou a cara quando os olhos a encontraram.

— Por que você não foi me chamar? – perguntou, com a voz alta e acusatória. Apontava o dedo para ela.

Katherine sentiu muita raiva, mas deu de ombros e tentou manter a face tranquila.

— Não tenho filho desse tamanho – respondeu simplesmente.

— Vai ser assim, então? – perguntou ele, colocando as mãos na cintura. Parecia tão irritado quanto ela. E o fato de ele ter dito a mesma coisa que ela, no estacionamento mais cedo, a tirava ainda mais do sério.

— Eu que te pergunto – Katherine replicou. – Vai?

— Chega – Dionora interrompeu antes que Evan tivesse a chance de retrucar, e ele ia. – Chamei vocês dois porque tenho que ensiná-los a se proteger. Podem brigar outra hora.

Katherine encarou Evan com ousadia. Não era do feitio dela, mas ela admitia que gostava mais disso que de baixar os olhos e fugir. Um sorriso de triunfo surgiu nos lábios dela quando Evan desviou os olhos.

— Venham, vamos para o sótão – Dionora chamou, já subindo as escadas. Katherine a seguiu e Evan foi atrás. Dionora fez um gesto para que se sentassem nos sofás, e ela se sentou também enquanto explicava. – Esse procedimento que eu vou mostrar é feito na escola, quando os estudantes já estão mais próximos de atingir a maturidade como vampiros.

O ar estava pesado com as fragrâncias de incenso e flores, essas mais próximas das pequenas janelas. Katherine observou as flores negras de cheiro doce, que traziam memórias desconfortáveis para ela. Elas brilhavam refletindo os reflexos alaranjados do pôr do sol.

— Vampiros podem invadir seus pensamentos e suas lembranças, como também compartilhá-los. Não damos esse poder aos jovens vampiros imaturos porque, bem… - Dionora sorriu, achando graça. – Estou vendo um bom exemplo bem na minha frente de por que é uma má ideia.

Katherine cruzou os braços e viu Evan desviar os olhos. Dionora soltou outro risinho.

— Esse é um processo profundo de autoconhecimento – ela começou a explicar, e o riso se transformou em um sorriso suave. – Trata-se de encontrar o ponto seguro no interior da mente, que vai servir de apoio para o uso das suas habilidades. Fechem os olhos, por favor.

Evan fechou primeiro. Dessa vez, Katherine não soube distinguir o seu nervosismo do dele, porque se misturavam como dois líquidos em uma bacia. Ela estremeceu antes de fechar os olhos também.

Siga a minha voz.

Katherine franziu a testa. Era a voz de Dionora e soava alta e clara, mas não era normal. Não parecia que ela estava falando. Sentiu a inquietação estranha que vinha de Evan inundá-la e se mexeu, desconfortável, mas manteve os olhos firmemente fechados.

Sim, estou falando na sua mente. Siga o som e encontre a fonte.

Os braços e pernas se arrepiaram, mas Katherine se concentrou. Visualizava um tipo de túnel disforme. As paredes eram feitas de luz, e ela via através delas, apenas para encontrar um mundo branco, vazio. Ela começou a andar pelo túnel, querendo seguir a voz, para encontrar apenas o vazio infinito.

Venha buscar.

Katherine parou. Ela queria ir buscar, mas uma parede de luz surgiu diante dela. As mãos formigaram e cederam sob um peso invisível. Quando ela olhou para baixo, surgiu um gancho de metal que ela segurava com as duas mãos. Olhou em volta, sem entender.

Siga o som.

Continuava vindo além da parede. Ela estendeu a mão para a parede de luz, para tocá-la, e onde a tocou surgiu uma espécie de argola. Era macia, feita de pano. Olhou para baixo, para o gancho de metal, e estendeu a mão. Quando encaixou o ganho na argola, as paredes de luz do túnel foram se solidificando ao redor dela.

Sigam a minha voz.

Dionora soou de novo, e dessa vez não havia mais parede. O túnel agora era feito de concreto, mas havia grama no chão. Katherine nunca estivera a pé em um túnel, mas aquele lugar era assustadoramente familiar. Ela não gostava de lá.

Venham, venham me encontrar!

A voz soava com urgência, e Katherine começou a correr. De repente, tinha os pés descalços. Esmagava com eles a grama e sentia um ar pesado de maresia soprando contra o rosto. Não sabia por quanto tempo correria, pois não parecia sair do lugar, com o fim do túnel sempre longe e ofuscante.

E então ela irrompeu para fora, e a luz a cegou por um instante.

Havia parado de correr. Quando voltou a enxergar, não existia mais túnel e a mão dela estava firmemente fechada sobre o gancho, mas o gancho agora estava preso a uma… árvore? Um coqueiro.

E o coqueiro, junto com ela, estava em uma minúscula ilha paradisíaca.

Katherine ainda sentia o pano do sofá sob suas pernas. O cheiro saturado de incenso invadia suas narinas, e o ar quente e abafado da sala a rodeava. Mas em outro plano, em outro nível de consciência, a maresia beijava seu rosto e os pés afundavam na areia.

A ilha devia ter em torno de cinquenta metros de diâmetro, somente para ela, um paraíso particular. Katherine olhou à sua volta, assombrada. Tinha consigo uma sensação de sonho, e não queria acordar.

Notou um longo pano no chão, ao lado do coqueiro. Aproximou-se e o pegou nas mãos, e só entendeu que se tratava de uma rede quando o estendeu. Ela pendurou um dos lados da rede, a agora familiar argola de pano, no gancho do solitário coqueiro. Simplesmente porque sabia tinha que fazê-lo.

Um movimento perto da praia chamou a atenção dela. Katherine virou a cabeça e, a princípio, pensou estar vendo David. Era um homem de pele escura, alto e meio musculoso, e sorria, o mesmo sorriso torto e fácil de David, sorria somente para ela.

O coração de Katherine se acelerou quando Roberto ergueu a mão salpicada de areia dourada e acenou. Ela largou a rede no chão e começou a correr para ele, com a visão embaçada pelas lágrimas que brotavam. No último segundo, temeu que fosse apenas uma ilusão. Temeu atravessá-lo direto, como a uma névoa.

Mas Katherine soube que estava errada quando afundou o rosto no peito do pai. Sentiu os braços dele que a envolveram e a apertaram contra si, e esqueceu de tudo por um segundo. Ele a protegeria de qualquer coisa. Ele estava ali.

— Meu deus, pai – Katherine lançou sussurros trêmulos entre as lágrimas. – Você voltou. Está aqui comigo de novo.

Roberto sorriu para ela e a afastou do abraço. Começou a caminhar na direção da água.

— Não! – gritou Katherine. – Você não pode! Acabou de voltar…

Ela caiu de joelhos na areia, que de repente virara grama. Katherine olhou para aquilo com raiva, sem entender. Roberto tinha água até a cintura.

— Por favor… – suplicou ela, derrotada. Sabia que não havia como recuperá-lo, mas a dor ainda era grande demais. A ferida para sempre seria recente.

— Vou estar sempre aqui – Roberto disse antes da cabeça submergir na água e ele desaparecer.

A voz dele a atingiu como um soco. A dor da perda era avassaladora, e estava ouvindo a voz dele pela primeira vez desde que… desde que ele se fora. Katherine apertou o próprio peito, tentando sufocar a agonia que a partida dele lhe causara.

— Você acabou de chegar… – murmurou ela, mas já não falava com mais ninguém. Limpou as lágrimas e colocou as mãos na grama, em busca de apoio. Sentiu as palmas pinicarem e sentiu falta da areia.

Já estou aqui há um tempo, na verdade. Você que acabou de chegar.

Katherine se sobressaltou ao ouvir a voz dele. Virou o corpo para encontrar Evan sentado na rede, que agora se apoiava perfeitamente em dois coqueiros. E, atrás dele, uma casinha se erguia em meio a algumas árvores de copas largas carregadas de frutos.

A raiva a atingiu como fogo, e Katherine encarou Evan com um olhar assassino. Estava de volta ao sótão, e enterrou os dedos no braço do sofá para não saltar sobre Evan e matá-lo. Mas o olhar de Dionora sobre ela era quase um conselho silencioso, tão sutil e compreensivo que Katherine se obrigou a respirar fundo. Ao fechar os olhos e se concentrar, a ilha lentamente se reconstruiu diante dela. E Evan também.

O sorriso afetado desapareceu do rosto dele quando Katherine se aproximou e ele viu as lágrimas. Evan não disse nada, limitando-se a observá-la. Ele queria uma explicação para aquilo tanto quanto ela.

— Você escolheu o gramado? – perguntou ela, por fim. A voz ainda estava trêmula.

A ilha tremeluziu e o sótão apareceu por um segundo. Evan se apressou a falar.

Sim. Eu gosto do cheiro.

— Você está… na minha cabeça! – Katherine exclamou, e novamente estava no sótão. – Está falando na minha cabeça!

Dionora olhou de Katherine para Evan com um olhar estranho. Parecia assombrada. A ilha reapareceu antes que Katherine pudesse perguntar.

Precisamos falar assim aqui. É só pensar. Se falar alto, volta para a vida real.

Como sabe disso?, perguntou ela, desconfiada. Surpreendeu-se com as palavras sem som. Para a vida real…

Katherine pulou. Não queria falar… não, pensar, não queria pensar a última parte em voz alta. E pensara mesmo assim. Os pensamentos pareciam correr livres naquele lugar.

Evan deu de ombros.

Sei lá. Eu tentei.

E o que tem na casa?, Katherine quis saber.

Não sei, Evan respondeu, fazendo uma careta. Não sei se quero entrar. Não gosto da sensação.

Katherine olhou para a casa e entendeu o que ele queria dizer. Não havia entrada ou saída. A casa parecia uma caixa de cimento com telhado.

Imaginem as portas, a voz de Dionora soou. Katherine olhou para Evan e notou que ele também havia escutado. Evan se levantou da rede e manteve os olhos fixos na casa, como ela.

Lentamente, portas e janelas começavam a surgir. Algumas, como Katherine havia imaginado, e outras eram uma surpresa. Através delas, Katherine podia ter um vislumbre do interior da casa, que parecia tão simples como era o exterior. E apesar de parecer agradável, a casa tinha um ar de desconforto. Trazia lampejos de memórias aleatórias que bombardeavam Katherine. Ela colocou a mão no peito novamente, sentindo-o doer.

Fechem todas as portas e janelas, Dionora instruiu. Mas por fora! Não devem entrar!

Katherine se agitou ao começar a fazer o que ela dizia.

Meu pai deve ter saído daí, pensou ela sem querer que fosse em voz alta, mas não importava. Ele deve ter saído da casa de memórias.

A tristeza a abateu, e Katherine se apoiou na parede da casa. Nem ao menos tivera a chance de conversar com Roberto. O pai novamente a abandonara com promessas vazias. Era insuportável vê-lo ir embora pela segunda vez.

Evan se aproximou dela com hesitação.

Eu sinto muito, disse ele. Consigo sentir a sua dor. Sinto muito.

Katherine o olhou. Sabia que era verdade. Não tinha nenhuma resposta para dar a ele, então abaixou a cabeça e chorou. Nem se importou, exposta a Evan como já estava. E ele não se aproximou e nem a tocou, só ficou ali parado. E era suficiente.

Dionora os chamou de volta, em voz alta, e Katherine abriu os olhos para encontrar novamente o sótão. Notou que o rosto estava seco e havia choro preso como um nó em sua garganta, e tudo aquilo parecia ter sido somente um sonho. Um sonho real demais.

Mas pela reação chocada de Dionora, Katherine sabia que não havia sido sonho nenhum.

— Deu certo – Dionora declarou, olhando de um para o outro. – Não posso mais ouvir os pensamentos dos dois. Por enquanto, isso vai bastar. E o mais assustador é que eu nunca… bem, não sei se já aconteceu antes, mas… a criação desse lugar privado da mente em conjunto é algo totalmente novo para mim.

— Como assim? – perguntou Evan. Katherine enrolou uma das tranças no dedo nervosamente.

— As pessoas não criam esse lugar conscientemente – Dionora explicou. Parecia ansiosa com a nova descoberta. – Ele vai surgindo na sua mente, sempre partindo de um encaixe. Comigo, é um cabide que eu pendurei em um armário. Já vi quadros sendo pendurados em um prego, e um brinco na orelha de uma pessoa querida. O fecho de um colar… mas com vocês foi uma rede. Uma rede tem dois lados. E criaram um pequeno paraíso em conjunto.

Katherine e Evan se olharam pela primeira vez desde a ilha. Katherine não conseguia desviar o olhar. Apesar de não estarem falando ou pensando, aquele olhar estava carregado de significado. Refletiam juntos, silenciosamente, sobre o que haviam vivido.

— Aquela casa guarda as lembranças – Dionora explicou, quebrando a estranha conexão dos dois. Katherine desviou os olhos para ela, tentando ouvir com atenção embora estivesse desconcertada. – Precisam de autorização para serem libertadas, e por isso mandei que fechassem as portas. E é a mesma coisa com os pensamentos. Se quiserem que ninguém tenha acesso à mente de vocês, precisam manter tudo fechado.

— E não podemos proteger nossos pensamentos um do outro? – Evan perguntou, incomodado.

Katherine o encarou, desafiando-o, embora estivesse tão desconfortável quanto ele. Evan ergueu as sobrancelhas para ela em resposta.

— Temo que não, Evan – Dionora respondeu. – Criaram esse lugar compartilhado, e agora seus pensamentos e emoções são compartilhados. A menos, talvez, que…

— Que você morda outra pessoa – Katherine completou, provocando-o.

— Vou ver se tenho alguém disponível – rebateu Evan, olhando para Katherine com frieza.

Dionora não respondeu a nenhum deles. Ela somente se colocou de pé, mostrando que era hora de ir embora. Katherine e Evan agradeceram a Dionora e se despediram somente dela, mas não um do outro. E se teletransportaram, cada um para o seu rumo.

Quando Katherine se deitou na cama, suspirou ao pensar no pai. Mas agarrou-se à casa das lembranças. Roberto era apenas uma das lembranças dela que escaparam da casa antes que ela tivesse portas que pudessem trancafiar tudo lá dentro. Ela poderia vê-lo de novo. Se Dionora a ensinasse, poderia ver o pai sempre que quisesse.

A ideia pareceu apaziguar a dor profunda que Katherine carregava no peito, que sentia como se fosse um buraco. Um vazio que a perturbava e a machucava intensamente. Tentou dormir, mas os olhos de Evan não saíam da sua mente. Era pior ainda quando fechava os olhos.

Sentia ira quando encarava aqueles olhos. Sentia fogo, raiva, indignação. E, depois daquela noite, sentia agora uma espécie de pertencimento. Fosse bom ou fosse ruim, Katherine e Evan agora podiam pensar e sentir praticamente como um.

E ela se lembrou de Logan dizendo que o pacto de sangue ampliava os sentimentos. Fosse bom ou fosse ruim, Katherine iria senti-los mil vezes mais intensos.


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Notas finais do capítulo

aiaiai sera que sao os bons ou os ruins que vao ficar por cima?



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