komorebi escrita por socordia


Capítulo 5
Cinco.


Notas iniciais do capítulo

uma atualização da fic jily a tempo do jilytober! feliz halloween, galera. esse capítulo é dedicado especialmente pros amantes da amizade lily x remus, uma das minhas coisas preferidas de escrever nessa fic. ♥

termos utilizados no capítulo:
bf = abreviação de "boyfriend", inglês pra "namorado".
darling = forma carinhosa de se dirigir a alguém, tipo "querido".



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/748571/chapter/5

James segue Lily no Instagram no dia seguinte, depois de Alice marcá-la nas fotos de Halloween, e ela entra no perfil dele (@prongspotter) antes de segui-lo de volta. Precisa descobrir o quê diabos Potter estuda para que possa encará-lo nos olhos de novo, mas o quê ela vê a surpreende. Muitas fotos de paisagens no exterior tiradas com uma câmera muito boa, várias selfies com Sirius e até mesmo uma de Potter atrás de uma bateria, a capa do bumbo anunciando que a banda é The Marauders em letras garrafais e estilizadas com raios. Sirius está tocando guitarra, apoiado contra um suporte de microfone, olhos fechados e cara de sofrido; um outro rapaz, que Lily não reconhece, está tocando o baixo.

Ela vê a hashtag de throwback mas fica com preguiça de ler a legenda, mergulhando mais no perfil de Potter, com cuidado para não dar like em nenhuma foto muito antiga por acidente. Ele é ridiculamente ativo no Instagram, postando várias vezes por semana: fotos com o time de futebol da Grifinória, de uma mulher mais velha com flores ao redor do pescoço e vestindo um sári de tecido filigranado, de animais. Muitos animais: gatos e cães, sim, mas também cavalos, vacas, cobras e raposas.

Lily arregala os olhos em reconhecimento.

— Veterinária! — exclama, vitoriosa, erguendo os braços no ar para comemorar. Ela provavelmente teria descoberto isso mais facilmente se tivesse se dado ao trabalho de ler alguma legenda das fotos de Potter, mas prefere ignorar essa possibilidade bem real. Lily franze o cenho. — Potter não tem cara de veterinário.

Lily não saberia dizer o quê, exatamente, configura alguém que tenha cara de veterinário, mas James definitivamente não se encaixa na categoria. Ela enrola uma mecha de cabelo nos dedos, decidindo segui-lo também. Ele faz parte do seu círculo de amigos, no final das contas, e seria falta de educação deixá-lo no limbo cibernético. Lily esquece o celular em cima da mesa de cabeceira e vai tirar um cochilo, a música alta da festa ainda zumbindo em seus ouvidos. Quando pega o celular de novo, ao acordar definitivamente, vê milhares de notificações: Potter postou uma das fotos que Alice tirou dos dois caracterizados como Dama Pintada e Espírito Azul. E ainda marcou Lily na foto.

As bochechas de Lily começam a formigar por conta do sangue que sobe até elas. Lily passa pelos comentários elogiosos na foto e algumas pessoas parecem confusas com a escolha de fantasia, até que James explica quem exatamente são aqueles personagens. Ela comenta a foto de maneira muito articulada: apenas emojis, de água e da lua, e a mãozinha fazendo o sinal de vitória. Ela em seguida abre a galeria do celular, analisando as fotos que Alice enviou para ela assim que esteve sóbria o suficiente. As palavras da nova namorada de Emmeline martelam na cabeça de Lily: vocês são um casal bonito.

Um barulho esquisito sai de maneira espontânea da garganta de Lily quando o Instagram a notifica que James curtiu seu comentário e respondeu com seus próprios emojis pouco coerentes. Ela curte a resposta por educação e fecha o aplicativo ao mesmo tempo em que mensagens de Remus chegam em seu celular.

[remmie ☾ 13:21] bom dia

[remmie ☾ 13:21] ou eu tava mt bebado ontem

[remmie ☾ 13:21] ou vc disse q potter fingiu ser seu bf

Lily suspira pesadamente. Remus nem tinha presenciado a cena com Emmeline; Lily poderia ter mantido segredo sobre sua participação no clichê mais batido de comédias românticas e Rem nunca teria ficado sabendo. Mas não é assim que a sua amizade com Remus é; eles não mentem um pro outro. Podem até omitir alguns detalhes — Deus sabe que Lily tem certeza que tem alguma coisa bizarra rolando entre Remus e Sirius —, mas não mentem. Suas respectivas famílias já são horrorosas demais para que Lily e Remus tenham que se submeter a isso em sua amizade.

É por isso que ela mordisca os lábios e, sabendo que já visualizou a mensagem e que esse é um caminho sem volta, ela põe o celular de lado e vai tomar um banho. O cheiro de cerveja e fumaça parece impregnado em seus cabelos e Lily aproveita essa oportunidade para lavá-los com esmero, enquanto se permite avaliar a estranheza da festa. Alguma coisa em James Potter incomoda Lily profundamente; o mais desconcertante, no entanto, é que ela não sabe exatamente o quê. Ele é alto, ridiculamente bonito, obscenamente rico, claramente inteligente — e sabe disso. Sabe tanto disso! É irritante. Seria a combinação de todas essas coisas?

Também há algo perturbadoramente familiar na pessoa de James que Lily não consegue compreender. Ela supõe que eles devem ter se visto no campus em algum momento de suas vidas, ou até mesmo terem feito alguma matéria juntos num passado ligeiramente distante. O irônico é que Lily geralmente toma nota das pessoas que se encaixam no perfil de James: para manter distância delas. E agora ela namorou de mentirinha o tipo de garoto de quem ela se esforçou a vida inteira para manter distância.

O celular de Lily tem novas mensagens que ela só vê quando termina de secar os cabelos.

[remmie ☾ 13:30] lil eu n acredito

[remmie ☾ 13:30] q vc VISUALIZOU

[remmie ☾ 13:30] e n me respondeu

Ela respira fundo e começa a digitar.

[13:45] eu tava no banho, rem

[remmie ☾13:46] ah vc VISUALIZOU a msg no banho é????

[13:46] sjkdhfkajhdsf obvio q nao

[13:47] me deixa viver em negação de que eu tive que fingir q james potter era meu namorado só pra não passar vergonha com a ex

[13:48] eu já não sofri o suficiente???

[remmie ☾ 13:48] ahhhh entao isso aconteceu e eu n delirei

[13:49] sim vc não está louco

[remmie ☾ 13:49] bom saber

Graças aos deuses a conversa evolui a partir daí, e Remus convida Lily para almoçar. Eles vão até o refeitório do prédio mesmo, que ainda está oferecendo refeições especiais por conta do Halloween e conversam sobre nada durante algumas horas. Lily não vê nem Alice nem Sirius, e fica feliz em poder ter só Remus para si por algum tempo. Os dois têm temperamentos menos enérgicos e mais em sintonia; embora Lily ame suas amigas, às vezes precisa descansar.

E é isso que ela faz pelo resto do dia. Talvez não devesse, mas Lily deixa as responsabilidades acadêmicas de lado, jogando umas partidas de Fortnite e se atualizando nas séries atrasadas na Netflix. Vai dormir cedo para acordar mais disposta e faz o seu melhor para esquecer sobre a festa e sobre Emmeline. No dia seguinte, Lily segue com sua rotina normal — mas uma coisa absurda faz com que ela quase atropele um bando de calouros a caminho da aula.

Duas meninas estão andando lado a lado, vestidas com as blusas dos times de futebol de seus dormitórios. A camisa vermelha da Grifinória e seu leão de emblema são visões frequentes o suficiente para que Lily não se espante com a coloração. Afinal de contas, tem havido muito de vermelho nos seus dias, e ela ousa dizer que já está se acostumando. Até mesmo viu a cor da tinta que Alice usou para fazer as marcações da Dama Pintada em sua pele!

O problema é a outra camiseta, a que tem um texugo curioso que parece encarar Lily de maneira inclemente. O tecido debaixo do desenho do animal definitivamente não é vermelho — e Lily sabe que as cores da Lufa-Lufa, o dormitório dos texugos, são o amarelo e negro. Ela pisca os olhos com intensidade, e pressiona-os com as palmas das mãos; está com pontinhos de luz na visão, mas a cor continua presa na camiseta da garota que passou por Lily olhando-a de forma engraçada.

Lily foge para o banheiro mais próximo e respira fundo, jogando um pouco de água no rosto e olhando para seu próprio reflexo no espelho manchado. Quando seu coração volta a bater num ritmo aceitável, ela olha ao seu redor, procurando poças de cor no meio de tons de cinza. Para seu choque, as paredes desse banheiro são tingidas com algum tom de amarelo, que dança instável diante da visão de Lily, da mesma forma que as diversas variações de vermelho naquele dia infeliz, quase dois meses atrás.

Ela engole em seco e ajeita as roupas, por falta do quê fazer, e continua o seu caminho até a aula, sua atenção se fixando intermitentemente nas novas tonalidades que aparecem aqui e ali. Tal qual com a cor vermelha, Lily se surpreende ao conseguir ver que o cabelo das pessoas pode ser amarelo, e fica subitamente consciente de si mesma, prendendo o cabelo num coque, domando-o a fim de não chamar atenção. É bom que ela tenha aula para assistir agora, porque aí consegue se concentrar na voz do professor, na descrição de reações químicas e nas anotações que faz dos diversos compostos orgânicos.

Lily está muito empenhada em ignorar todo o seu processo de colorização, e está ficando craque nisso. Ela tenta não pular, espantada, toda vez que uma pessoa loura passa pelo seu caminho, e consegue se acostumar rápido o suficiente com as cores amarelas no seu livro-texto, tingindo organelas celulares, destacando cadeias de carbono, separando diferentes seções.

Uma coisa é certa: Lily encontrou sua alma gêmea. Apenas uma cor se manifestando, vamos lá, pode ser uma coincidência, um erro, um curto circuito no seu nervo ocular. Pode ser o destino olhando para a bagunça que é Lily e, resolvendo zoar com ela, introduzindo uma cor aleatória só pra deixá-la nervosa, ansiosa, paranoica. Mas, bem, duas cores... Nem Lily é tão azarada assim. E é, afinal de contas, uma cientista: padrões e processos exigem explicações, cadeias de causa e consequência que podem ser seguidas até encontrar-se a origem do problema.

E o problema é claro. Lily não faz ideia de quem é a sua alma gêmea. Mas ela não vai se preocupar com isso agora, não mesmo; ela tem lâminas de microscópio para analisar, anotações para fazer, reuniões dos Resident Assistants para presidir. Lily precisa manter sua rotina se quer continuar sendo a melhor da sua classe, porque é só assim que conseguirá renovar sua bolsa e conseguir um emprego assim que deixar Hogwarts. Não haverá familiares bem-posicionados garantindo entrevistas para Lily, nem alguém conseguindo uma vaga em algum hospital de ponta para ela. Não, Lily precisará conquistar tudo com o seu suor, e não pode se preocupar com coisas tão triviais quanto descobrir quem é que está colorizando com ela.

Se Marlene pudesse ouvir os pensamentos determinados e dolorosamente racionais de Lily, iria sacudi-la pelos ombros até que ela encarasse a realidade, mas Marlene não entende. Ela nunca teve de pular refeições porque os cheques do governo não chegaram a tempo, nem ter que fugir com a irmã para o parquinho do bairro porque os pais não paravam de gritar. Lily tem outras prioridades, por mais que seus pais olhem para ela com pena e desconfiança toda vez que ela volta para casa ainda vendo o mundo em tons de cinza.

Ela lembra-se da ocasião em que apresentou Emmeline para eles, e a revolta que os dois expressaram por ela estar “perdendo seu tempo com quem não se colorizou”. Eles não conseguem entender como Lily podia permitir-se apaixonar por alguém que não sua alma gêmea, como se apenas a conexão com a pessoa que lhe deu cores importasse, como se tudo fosse se resolver uma vez que Lily encontrasse suas cores e a pessoa que lhe completa.

Seus pais são a prova de que isso não pode estar mais longe da verdade. Lily aperta a ponte do nariz, tentando dissipar esses pensamentos catastróficos, e resolve que precisa se esconder de seus amigos pelas próximas vinte e quatro horas, até que se acostume com a paleta de cores que vai se ampliando ameaçadoramente ao seu redor.

O esquisito do amarelo, Lily percebe quando volta ao ar livre, é o Sol, cuja própria luz reflete amarelo em paredes, pessoas, pedras. O vermelho acompanha Lily para todos os lugares que vai por conta de seus cabelos, mas o amarelo rodeia o mundo de forma calorosa, gentil. O mundo é muito mais fascinante agora que Lily consegue distingui-lo em maior detalhe, percebendo nuances que antes lhe escapavam, e o sentimento é tão grandioso que ameaça desfazer Lily em milhões de pedacinhos e jogá-la ao vento.

Alguns dias depois, Lily está se sentindo mais senhora de si mesma. Se seus amigos desconfiaram de seu comportamento meio inquieto, meio inerte, não falaram nada — eles estão acostumados com os surtos de abstinência ou de excesso de cafeína que Lily sofre de vez em quando, e tiram suas próprias conclusões. Lily volta à sua rotina usual sem muita dificuldade, mas fica encontrando Potter em absolutamente todos os lugares, até na vida virtual. Eles comentam nas mesmas fotos do Instagram, se esbarram nas mesmas threads no Twitter, se engajam com os mesmos posts do Facebook.

Lily está ficando cada vez mais desconfiada de que está tendo um stalker de leve, pelo menos na Internet. Não quer ser paranoica ao ponto de acreditar que o cara que mora no mesmo prédio que ela está seguindo-a por todos os lugares. Ele mora na Torre da Grifinória, e é razoável que eles se encontrem em filas e em áreas comuns. Pelo menos sempre que Lily o vê ele está com Sirius a tiracolo, e isso é um alívio, embora Lily não saiba dizer exatamente o motivo disso.

 É no fim da terceira semana de novembro, quando a luz do dia já está durando ridiculamente pouco e afetando o humor de Lily, que ela o vê no refeitório do prédio das Ciências Biológicas, almoçando sozinho. Lily quase tinha se esquecido que ele cursa Medicina Veterinária — assumindo por alguns instantes que Potter está ali porque, afinal de contas, a sua paranoia estava certa e ele está de fato perseguindo-a —, mas lembra-se que a última postagem dele no Instagram foi com uma lhama muito fofa, e isso dá todo um contexto novo à situação.

(Ela nem sabia que existiam lhamas na Escócia, mas aparentemente Hogwarts tem acesso a todo tipo de animal para estudo de seus discentes.)

Lily pondera sobre cumprimentar Potter ou fazer uma saída estratégica pela direita; mas está com fome e resolve que ter que interagir com James é o menor dos seus problemas. Ele está distraído com o celular, mas levanta os olhos ao mesmo tempo em que Lily passa em frente à mesa dele, e abre um dos seus grandes sorrisos, que é pra ser charmoso mas que Lily suspeita que seja um pouco forçado também.

— Evans! — Ele parece um pouco espantado em vê-la ali, mas se recupera rápido. — Senta aí.

E ela se senta, arrastando a bandeja de plástico com um ruído alto pelo tampo da mesa.

— Oi — cumprimenta, de maneira educada mas não exatamente afetuosa. — Fiquei sabendo que trocaram os números do painel do elevador do dormitório da Sonserina. Foram vocês?

James pisca um dos olhos para Lily, e é só aí que ela percebe que ele está usando óculos — daquele tipo em que lente e armação são tão finas e bem feitas que só é possível percebê-las quando se olha pro rosto da pessoa que as usa com afinco. Lily pisca e desvia o olhar para sua lata de refrigerante, já que nem tinha se dado conta de que estava encarando Potter.

— Eu não conto se você não contar — é a resposta que ele dá, uma covinha marcando sua bochecha esquerda. — A melhor parte é que eles demoraram quase um dia inteiro pra perceber o erro.

— Imagina ter que subir tudo aquilo de escadas — Lily comenta, mas seu tom não é de represália. Ela está efetivamente impressionada com James e sua mente genial, que conseguiu elaborar uma pegadinha que não machucou ninguém. Os cadeirantes e demais pessoas com dificuldade de locomoção de todos os dormitórios têm os quartos no térreo, para conseguirem sair com facilidade em caso de incêndio, e provavelmente escaparam incólumes.

— Precisamente. O segredo é fazer alguma coisa que seja um puto inconveniente mas que ainda assim não resulte em processinhos. E, nisso, temos anos de prática.

— Vocês devem ter sido o terror de todos os professores no ensino médio.

— E no fundamental também. A gente começou a aprontar cedo.

— Não posso dizer que tô surpresa. Você e o Sirius parecem ter levado o hábito de pregar peças nos outros a um novo patamar.

— Awww, Evans, assim você me deixa envergonhado.

Lily ri.

— Como se isso fosse possível.

Ele dá de ombros, abrindo um enorme e brilhante sorriso pra ela e aponta para o prato de batatas fritas que ela tem em sua bandeja.

— Posso pegar uma?

Lily, que odiaria que qualquer pessoa negasse junk food pra ela, assente com a cabeça e James sorri em apreciação, estendendo a mão através da mesa e apanhando uma porção de batatas. Ele parece impossivelmente feliz enquanto enfia tudo na boca de uma vez só, arrancando uma gargalhada de Lily.

— Tem certeza que você almoçou? — Ela gesticula para a própria bandeja de James, que só tem as migalhas como testemunha da refeição dele, ainda sorrindo. — Porque ainda faltam, tipo, quarenta minutos pras aulas começarem, acho que dá tempo de voc-

— Lily.

A voz vem de detrás de Lily, e faz com que ela arregale os olhos e quase se encolha em si mesma. James franze as sobrancelhas conforme uma sombra se aproxima da mesa e uma presença se agiganta ao lado de Lily. Ela respira fundo e vira-se para Snape, sorrindo polidamente, mas de forma gelada.

— Oi, Severus.

Ele permanece de pé e ela não o convida para sentar. Lily levanta o olhar para encará-lo mais abertamente. Snape está mais pálido do que de costume, os lábios pressionados um contra o outro, os braços cruzados na frente do peito, e ele está fitando Lily num misto de intensidade e revolta que faz o estômago dela se revirar.

— É com esse tipo de gente — ele gesticula com a cabeça para James, sem se virar na direção dele — que você tem andado agora?

Lily soergue as sobrancelhas e joga qualquer tentativa que faria de ser civilizada pela janela. Ela olha para Potter por alguns segundos e vê em seu rosto quando ele percebe que conhece Snape — James faz, imediatamente, uma careta. Lily arquiva esse conhecimento para lidar com ele depois; agora, a raiva está fazendo seu sangue ferver. Se Severus quer ser um cuzão, que fique à vontade, ela pensa consigo mesma, expirando pela boca e se controlando para manter seu temperamento sob controle. Mas eu que não vou bater palma pra maluco dançar.

— Acho que você perdeu todo o direito a ter qualquer opinião que seja sobre as minhas companhias quando decidiu ser a pessoa mais insensível da Terra e jogar anos da nossa amizade no lixo, Snape, mas vai lá. — Ela gesticula amplamente, por fim cruzando os braços na frente do peito, imitando a postura defensiva de Severus. — Continua julgando os outros e se botando num pedestal, já que você é a régua moral do mundo. Espera só pra ver quantos amigos você vai conseguir desse jeito.

Lily observa com interesse conforme Severus trinca a mandíbula e deixa os braços caírem ao lado do corpo, cerrando as mãos em punhos. Parece que ela ainda sabe pisar nos calos dele, da mesma forma que ele soube a melhor forma de machucá-la, lá no início do semestre.

— Antes só do quê mal acompanhado — é a resposta que Lily ganha, e para qual rola seus olhos dramaticamente. — James Potter. — O tom de Snape pinga de desprezo e Lily precisa descobrir o quê aconteceu entre os dois para que Severus o odeie tão fervorosamente. — Nunca pensei que você seria tão... pateticamente interesseira, Lily.

A isto, Lily arqueja em surpresa, recebendo o comentário como um tapa na cara. James se levanta imediatamente, pondo-se entre Severus e Lily, encarando-o do alto de seu metro e noventa e pouco. Lily esperava que Snape se acovardasse diante do porte ameaçador de Potter, mas ele se mantém firme em seu lugar, ainda que seu pomo-de-adão esteja subindo e descendo alucinadamente.

— Vai pro inferno, Snape — ela rosna, levantando-se furiosa. — Parece que realmente tô melhor longe de você, afinal de contas.

Com apetite perdido, Lily embala seu sanduíche nos guardanapos da forma mais eficiente que pode, e começa a recolher suas coisas para que saia dali antes que arranhe todo o rosto de Snape com as próprias unhas.

— Snape, né? — A voz de James é casual, como se ele estivesse cumprimentando um velho conhecido. Pela visão periférica, Lily vê Severus acenar a cabeça em concordância. Ela desacelera, curiosa para ver como Potter vai lidar com a situação, e também porque tem um prazer sádico em observar o desconforto de Snape. — É, a gente teve Bioquímica juntos há um tempão. Eu me lembro. — James passa os dedos longos pelos cabelos, bagunçando-os nervosamente. — E lembro também que eu fui um verdadeiro imbecil com você. Mas aconteceu um monte de merda desde então, eu aprendi a ser um ser humano melhor, e sinto muito. Não espero que você vá me desculpar, mas eu era mais novo e idiota, e sinto muito. — O tom dele é sincero, quase apaziguador, mas sua postura muda completamente nos próximos segundos. Ele põe as duas mãos nos ombros de Snape, elevando-se sobre ele como uma torre imponente, e sua voz fica mais baixa e grave. — Mas isso não te dá o direito de falar desse jeito com a Evans. Se você tá com raiva de mim, desconta em mim, e não nela. — Ele tira as mãos dos ombros de Snape e continua mantendo o contato visual com ele. — Estamos entendidos?

Snape apenas assente, e, depois de fuzilar Lily com o olhar mais uma vez, gira nos calcanhares e deixa o refeitório, pisando duro.

Lily suspira, largando a bolsa que já tinha posto no ombro com um thump! alto, e atirando-se na cadeira em que estava sentada até há pouco. Ela enterra o rosto nas mãos, sentindo os olhos arderem mas ordenando todas as lágrimas que possui a permanecerem em seus devidos lugares, e por isso não ouve James se aproximar. Ele toca o braço dela com delicadeza, e ela sai de seu esconderijo para encará-lo.

— Você tá bem? — Ele quer saber, com voz suave. Lily só concorda com a cabeça, porque acha que sua voz vai se quebrar em um milhão de pedacinhos se for tentar falar agora, e apanha sua garrafa d’água, bebendo grandes goles. — Desculpa ter me intrometido, mas tava parecendo que o problema do Snape era muito mais comigo do quê contigo, aí...

Ela ri, amarga, o som soando frágil como cristal.

— Não subestima o problema do Snape comigo — ela responde, pressionando os olhos com as palmas das mãos e sentindo os dedos de James traçarem círculos reconfortantes contra a pele do seu braço. — Mas, hm, obrigada. Só Deus sabe se ele sairia vivo desse pequeno show se você não estivesse aqui.

James joga a cabeça para trás e solta uma gargalhada divertida, fazendo com que os cantos dos lábios de Lily se ergam quase imperceptivelmente, numa sombra de sorriso.

— Eu percebi! Você parecia a dois segundos de pular na garganta dele. — Ele volta o rosto para ela novamente, e por algum motivo os olhos de James estão brilhando. — Finalmente entendi porquê você é da Grifinória, tava fazendo jus ao nosso mascote.

Lily sente as bochechas esquentarem e solta um riso involuntário diante da empolgação de James. Suas pernas ainda estão meio bambas e por isso ela permanece sentada, não confiando em si mesma pra ficar de pé sem cair. James senta-se ao lado dela, puxando a bandeja em sua direção.

— Depois dessa discussão imagino que você tenha perdido a fome... — diz, como quem não quer nada, os olhos fixos na porção de batatas fritas à sua frente.

Dessa vez, a risada de Lily é mais melódica e verdadeira, ressoando pelo espaço entre os dois de forma calorosa.

***

 Lily começa a retribuir as interações virtuais de James com mais do quê apenas educação, decidindo ser um pouco mais simpática depois do ataque de Snape no refeitório. Eles até passam a comer juntos, algumas vezes, no intervalo entre aulas e quando os amigos de ambos resolvem se juntar para jogar conversa fora e passarem um tempo juntos. Marlene adora aparecer do nada, mesmo que o seu prédio seja no outro lado do campus, para se certificar que Lily está viva e descansando quando diz que vai descansar.

James e Sirius acabam se encaixando no grupo desajustado de amigos de Lily de forma fácil e tranquila, mesmo que Remus continue agindo de forma menos natural perto deles. Ela tem certeza que é a única que percebe as nuances discretas de comportamento de Rem quando ele está próximo de Potter e Black — especialmente de Black —, mas a diferença está ali, pra quem souber pelo quê procurar.

É no início de dezembro que o comportamento de Rem fica um pouco mais distante de Sirius. É na mesma época em que as olheiras se aprofundam debaixo de seus olhos e seu rosto fica com uma erupção distintamente vermelha através das bochechas. Lily sabe que o humor de Remus piora quando o lúpus resolve atacar, e é por isso que não se espanta quando, numa tarde de sábado, ele manda uma mensagem de texto que consiste apenas em letras aleatórias e emojis de sorvete para Lily.

Ela suspira fundo e salva o artigo que estava escrevendo no laptop, considerando que já fez o suficiente para aquele dia. Ela se levanta, pega o celular e a chave do quarto, e vai até a loja de conveniências do térreo, comprar um pote de sorvete de massa de cookie, o preferido de Remus. Ele precisa se alimentar melhor do que antes quando está em crise, mas, dada a expressão exausta que carregou no rosto no café-da-manhã, Lily decide dar um desconto.

O abuso dos seus privilégios de Resident Assistant seria visto com desprezo pela Professora McGonagall, mas Lily tenta não ligar pra isso conforme usa suas credenciais para pegar o elevador para os andares dos meninos. O corredor do andar de Remus está maravilhosamente vazio, e ela bate na porta dele de forma quase urgente. Ela ouve um gemido vindo de dentro do quarto e consegue quase visualizar a forma pela qual Remus se arrasta até ela, girando a maçaneta de forma lenta, botando a cabeça pra fora da porta com desconfiança.

Mas aí ele vê que quem está do lado de fora é Lily, e que ela tem sorvete nas mãos, e abre um sorriso que até faz seus olhos brilharem. Ela entra no quarto dele, tira os sapatos no desnível da entrada, e depois envolve-o num abraço apertado, descansando a cabeça no peito dele e sentindo os braços de Rem em sua cintura.

— Minha heroína — ele suspira contra os cabelos de Lily, conduzindo-a para dentro do quarto e gesticulando para a cama. Lily se senta, entregando a sacola com o sorvete para Remus e abraçando seus joelhos. — E ainda é de cookie... O quê eu fiz pra merecer o privilégio de te ter como amiga, Lily?

Ela joga a cabeça para trás e ri, os cabelos caindo na frente do rosto.

— Posso perguntar o mesmo. Acho que as forças que movem o universo queriam que a gente tomasse de conta um do outro.

Remus sorri, de forma suave e discreta, esfregando o rosto delicadamente com os dedos. Mesmo de onde está, Lily consegue ver que sua pele está mais lisa, menos avermelhada, embora ainda não totalmente curada.

— Como tá a crise?

Ele suspira pesadamente, abrindo os armários que ficam em cima do seu frigobar e tirando duas tigelas de porcelana e duas colheres de sopa. Lily não faria oposição a comerem o sorvete direto do pote, mas Remus é bem mais cuidadoso com esse tipo de coisa.

— Melhorando.

— Você tem comido direito? — ela pergunta, já entrando no seu modo médica. Ele acena em concordância. — E feito exercícios físicos? Ainda tá tendo insônia?

— Lily. — A voz de Remus é uma espécie de aviso delicado, e Lily pressiona os lábios um contra o outro para não prosseguir com o interrogatório. — Não é por isso que te chamei aqui.

Lily franze as sobrancelhas e solta os joelhos, deixando as pernas livres, os pés batendo delicadamente contra o chão do quarto de Remus. Ele está de costas para ela, enchendo as tigelas de sorvete, mas Lily consegue distinguir com clareza a tensão em seus ombros e o desconforto em sua postura. Seu instinto é ir até Remus e cutucar suas costelas até que ele pare de ser misterioso, mas resolve continuar aonde está, e desfaz o penteado trançado de seus cabelos metodicamente, para se manter ocupada.

— Ah, é? — pergunta, tentando manter o tom neutro, seus dedos brincando furiosamente com seus cabelos numa tentativa de lidar com a energia nervosa que se acumular na boca de seu estômago.

Rem respira fundo e senta-se ao lado de Lily na cama, dando uma das tigelas de sorvete para ela. Ela aceita o sorvete e permanece em silêncio, comendo um pouquinho, dando espaço para Remus organizar os pensamentos e as palavras.

— Tô me colorizando — é o quê ele diz, baixinho, quase sussurrando, e imediatamente enfiando uma colherada de sorvete na boca.

Lily arregala os olhos e sente os lábios formigando — se bem que essa última coisa é mais culpa do sorvete do que da revelação bombástica de Remus.

— Hmmm — é o quê Lily vocaliza, de maneira brilhante, apertando ainda mais a tigela entre os dedos. — Você tem certeza?

Lily sabe que essa é a pergunta mais estúpida que pode fazer, mas é o quê sai de seus lábios mesmo assim. Ela em seguida rola os olhos para si mesma, em resposta ao erguer de sobrancelha de Remus, e põe a cumbuca de sorvete na mesa de cabeceira dele, enxugando as mãos nas calças e virando-se para encarar Remus melhor.

— Não foi isso que eu quis dizer — se corrige, fazendo uma careta e sentando em cima das próprias mãos. — Quando?

Lily não pergunta quem — porque tem quase certeza da resposta, e porque quer dar o espaço que Remus precisa.

— Início do semestre — admite de maneira nervosa, esfregando a nuca e procurando o olhar de Lily de maneira quase febril. — É o Sirius.

À Lily, só resta concordar com a cabeça lentamente.

— Tava tão na cara assim? — Remus pergunta, em voz miúda, os cantos dos lábios voltando-se para baixo.

— É só que eu te conheço muito bem, Remmie. — Lily responde, encerrando a distância entre os dois e abraçando-o pela cintura, de lado, da forma mais desconfortável possível. — Tipo, eu sabia que tinha alguma coisa esquisita, mas não o quê. Agora, tá tudo claro.

Remus fica imóvel, de maneira quase sobrenatural, encarando a parede à sua frente de forma ferrenha. Lily se pergunta quais cores ele está vendo ali — ela só consegue enxergar tons de vermelho e amarelo, mas Remus está convivendo com Sirius muito mais frequentemente do que Lily está convivendo com quem quer que seja sua alma gêmea, e sua colorização pode estar em estágio mais avançado. Ela só pode imaginar a imensidão de cores que ele consegue ver em seu quarto, e como sua vida está se transformando profundamente só por ter conhecido uma pessoa nova.

Lily engole a declaração apavorada que faria em seguida e pega uma das mãos de Remus na sua, apertando seus dedos de forma carinhosa. Ele vira-se para Lily, e seus olhos estão esquisitos, meio vidrados, e Lily consegue ver o medo em seu rosto.

— Remmie... — ela suspira, largando o sorvete pra lá e abrindo os braços pra ele. Remus tem que se contorcer todo para encaixar-se nos braços de Lily, mas ele o faz, enterrando o rosto no ombro dela e deixando que ela passe os dedos pelo cabelo dele. — Vai ficar tudo bem, darling. — Ela beija a têmpora dele, apertando ainda mais o abraço. — É claro que vai!

Ele geme e desfaz o abraço, se jogando na cama, pernas e braços balançando violentamente para fora do colchão, e deita no colo de Lily. Os dedos dela se ocupam logo nos cabelos dele, fazendo um cafuné reconfortante, e Lily quase começa a cantarolar uma cantiga de ninar como Petunia fazia quando elas eram crianças e Lily tinha insônia em noites de tempestade.

— Ele me chamou pra sair.

— Nada mais natural — diz Lily, com um dar de ombros. — Rem, como vocês tão se colorizando, você tem que tentar conhecer ele melhor...

— Eu sei. — Remus suspira longamente, coçando o pedaço vermelho de pele que marca sua maçã do rosto. — Eu só tô com medo.

Lily murmura sua compreensão e continua fazendo seu cafuné, até que Remus fecha os olhos e parece relaxar. Ele parece tão pacífico que Lily quase acredita que ele caiu no sono, mas ele logo abre os olhos, de supetão, sentando abruptamente e dando um baita susto em Lily.

— Você podia ir com a gente. — Ele diz, num tom de voz que é contido, mas que Lily consegue reconhecer as pontinhas de histeria. — E, tipo, dizer se a gente é realmente alma gêmea.

— Rem, como caralhos eu vou conseguir dizer se vocês são almas gêmeas? — Lily pergunta, da forma mais suave que consegue. — E nada a ver, como que eu vou ficar segurando vela pra vocês dois o tempo tod-

— Um encontro duplo — anuncia Remus, interrompendo Lily e pegando as mãos dela nas dele. — Não pensa que eu não percebi a forma que o James olha pra você. Duvido que ele ia se importar.

— Potter? Quê? — Lily sente seu coração se acelerar e os pelos dos braços se eriçarem; Remus poderia ter esbofeteado Lily na cara que ela estaria menos surpresa do que está agora. — Como assim, o jeito que ele olha pra mim? — Mas Remus se levantou e foi até a mesa, pegando o celular e digitando freneticamente. — Rem???

Ele respira fundo — Lily consegue ver seus ombros subindo e descendo — e olha para Lily mais uma vez.

— Lil, por favor.

Lily sente a vulnerabilidade no rosto adorado de Remus como um soco no seu estômago. Sua vontade, na real, é colocar o amigo num pote e protegê-lo de todos os males do mundo, incluindo dramas românticos e estresses sobre almas gêmeas. A angústia que ele sente emana de si em ondas, e Lily, que está acostumada a perceber os humores de Remus com facilidade e senti-los quase como uma extensão de si mesma, não tem outra saída.

— Tudo bem. Um encontro duplo. Topo.

Seu estômago está dando voltas desconfortáveis, mas o quê Lily não faria por Remus?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

e o próximo capítulo vai ser o quê??? o DOUBLE DATE!!! eu tenho essa fic planejada até o próximo capítulo, e depois só uma lista de coisas que têm que acontecer, hehehe. não faço promessas sobre quando o capítulo vai sair porque a minha vida está uma loucura, mas vai sair sim! obrigada por lerem.

comentários são amor! ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "komorebi" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.