komorebi escrita por socordia


Capítulo 6
Seis.


Notas iniciais do capítulo

esse update saiu mais cedo que o esperado. motivo: dividi o encontro duplo em duas partes. assim temos mais fluff. ♥

introduzindo minha personagem secundária favorita nesse capítulo!!!



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— E você só concordou? — quer saber Marlene, incrédula, as unhas amarelas faiscando contra sua pele escura. — Fácil assim?

— Eu achei que você nem gostava do Potter — interpela Dorcas, dando um copo de refrigerante pra namorada e deslizando pelo sofá da sala do apartamento das duas.

— Também não é assim — defende Alice, de pés e braços abertos e jogada no tapete felpudo. — O Jay é legal.

Jay, de novo, Lily pensa, mordiscando as cutículas. Ela só ouviu Alice se referindo a Potter como Jay e tem alguma coisa engraçada na maneira que Alice pronuncia a sílaba simples. Ou Lily só está sendo paranoica.

— O Rem me pediu por favorzinho com aquele olhar de filhote que caiu do caminhão da mudança em dia de chuva — Lily diz, num dar de ombros que é pra ser casual e demonstrar que ela não tá nem aí pro fato de que vai ter um encontro com James Potter. — Eu não tive como recusar.

O quê importa é que Remus vai ter um encontro com Sirius, é o quê Lily diz para si mesma, de novo e de novo. Ela vai ser só um acessório, sugerindo novos tópicos de conversa e providenciando alguma desculpa convincente para fugirem de lá se necessário. Mas Lily sabe que não vai ser necessário — Rem está apavorado sem motivo. Tudo vai dar certo.

Tirando o fato de que ela tem um encontro com James Potter. James Potter esse que, pasmem, parece que olha pra ela de alguma forma específica que Remus nunca se preocupou em esclarecer, e que tá deixando Lily meio maluca. Fazem dois dias que ela concordou em ir num encontro duplo com Rem, e desde então Lily tem revisitado mentalmente todas as suas interações com Potter, pra ver se consegue decifrar como é o tal jeito pelo qual ele olha pra ela.

Lily não conseguiu lembrar-se de nada, é claro, mas Remus é perceptivo, e nada mentiroso ou manipulador. Ele não jogaria uma informação dessa na cara de Lily sem embasamento empírico.

“Sem embasamento empírico”, a mente de Lily repete, e ela tem vontade de soltar um grunhido de frustração e enterrar o rosto numa almofada. Olha como você pensa na sua vida amorosa, Lily.

— Mas você sequer gosta do James, Lil? — pressiona Dorcas, passando a bacia de Doritos para Lily, que a aceita sem nem pensar no quê está fazendo.

Ela afunda o salgadinho no guacamole que Marls fez — onde ela arranjou abacates na Escócia no início de dezembro, Lily não faz ideia, mas também não questiona — e usa o tempo em que está mastigando pra pensar numa resposta. Um mês antes, Lily faria uma careta e tentaria mudar de assunto, mas ela tem convivido mais com Potter desde então. E teve toda a coisa com o Snape no refeitório, em que James foi paciente e compreensivo. Ele até pediu desculpas pra Snape, muito embora Lily não saiba exatamente o motivo.

Mas ela não tem certeza se importa. Pedir desculpas é coisa de gente adulta.

— Gosto. — É a resposta que ela dá pras amigas, e se surpreende ao perceber que é uma resposta verdadeira. — Tipo, eu não sei se iria num encontro com ele se não fosse o Rem, mas ele não é o cara arrogante e mimado que achei que ele era, à primeira vista.

— Bom gosto pra animações a gente sabe que ele tem! — Alice replica, dando uma piscadela pra Lily, que sente as bochechas esquentarem.

— E imagino que ele também esteja indo pra esse encontro duplo sabendo que não são vocês dois a atração principal — pondera Dorcas, virando o seu chá gelado.

As sobrancelhas de Marlene ainda estão franzidas.

— Não sei. Essa história toda de encontro ainda me parece séria demais.

Lily volta a cutucar as cutículas, porque, afinal de contas, concorda com Marlene. As pessoas não saem em encontros casuais — pelo menos não frequentemente. O entendimento que você só deve se envolver romanticamente com sua alma gêmea é bem difundido, e Lily cresceu acreditando nisso, até se apaixonar por Emmeline.

Mas Alice bufa em discordância.

— Eles só vão sair uma vez. E, conhecendo Sirius e Jay, aposto que vai ser divertido.

Depois dessa declaração bem final, Lily proclama uma mudança de assunto e as quatro amigas passam a discutir os últimos episódios de How To Get Away With Murder. As maquinações legais de Annalise Keating — embora resultado de má prática, segundo uma série de vídeos do YouTube que Lily assistiu, em que um advogado criminal de verdade analisava a série — são o suficiente para distrair a todas, que procuram teorias na internet e ainda discutem o mérito do crossover que a série forçou com Scandal.

— A Shonda ainda vai ser proprietária de Hollywood inteira — profetiza Dorcas, arrancando risadas de concordância das outras, e a cabeça de Lily consegue se desligar do seu futuro imediato por alguns segundos.

Mas a distração não dura muito tempo, porque assim que volta ao dormitório, Lily percebe que recebeu uma mensagem de Sirius.

[sirius black 22:07] evans! sexta-feira, 18h00, no saguão. Use roupas confortáveis.

[22:10] devo me preocupar diante do fato que nosso encontro duplo possui código de vestimenta?

[sirius black 22:11] evans, sempre séria… vc vai se divertir.

[sirius black 22:11] Eu prometo.

Ela responde com um gif de alguém estreitando os olhos e tenta parar de pensar no fato de que sexta-feira vai em seu primeiro encontro desde que terminou com Emmeline.

Apesar disso, o resto da semana de Lily discorre sem maiores problemas. Ela interpreta isso como uma folga que está recebendo das Parcas, que com certeza estão rindo malignamente de Lily onde quer que elas se sentam enquanto fiam o destino das pessoas. Nenhuma cor nova vem desorientar Lily, à exceção de que agora amarelo e vermelho se misturam em algumas ocasiões, dando origem ao que Lily descobre, graças à Pantone, serem tons de laranja.

Ela prefere acreditar que não é realmente uma cor nova, mas sabe que Marlene não concordaria.

É também por alguma espécie de milagre divino que Lily não encontra com Potter por aí. Ela não sabe como iria reagir tendo que interagir com ele antes do encontro, e estava disposta a fugir na direção oposta toda vez que reconhecesse sua silhueta pelos corredores, mas isso não foi necessário.

Lily teve alguns dias de paz, e isso significou muito tempo para pensar. Entretanto, ela ocupou todo segundo livre que teve com seus estudos, adiantando leituras, finalizando artigos, revisando textos. Só foi se preocupar com o quê vestir quando saiu da aula na sexta, levando em consideração o aviso ominoso de Sirius.

Ela lavou e secou os cabelos, vestiu-se de maneira confortável mas apropriada para um encontro e levando em consideração a neve, passou aquela maquiagem básica cujo único propósito é fazer parecer que não está usando maquiagem, pegou sua bolsa e desceu. É só no elevador que Lily tem a oportunidade de pensar no quê está prestes a fazer. E seu estômago enche-se de borboletas que atrapalham sua concentração.

Quando chega no térreo, os três já estão esperando por ela, conversando entre si. Remus parece exasperado, e Lily já ergue as sobrancelhas em alerta.

— Oi.

Os três viram-se em sua direção e o olhar de Lily vai direto para Potter. Os cachos em seus cabelos estão mais definidos, e ele usa um outro par de óculos, diferente daquele de lentes e armação quase invisíveis. Esses outros óculos são de lente redonda e armação escura, repousando na ponte de seu nariz com alguma graciosidade. Ele sorri, de maneira quase tímida, e Lily sorri de volta.

Sirius, no momento seguinte, puxa Lily pra um abraço. Ela ri e retribui, abraçando Remus em seguida e James por último, sentindo o cheiro amadeirado da colônia dele grudar-se em seus cabelos. É a primeira vez que ela fica tão próxima dele quando está sóbria, e sente-se agudamente ciente da distância entre os dois e do quão alto ele é.

— Nós temos um problema — já começa Sirius, fazendo uma careta.

Lily lembra-se que estava desconfiada quando desceu do elevador e imediatamente soergue as sobrancelhas novamente.

E é um problema que apenas Black e Potter poderiam ter. A mais nova pegadinha contra a Sonserina está pronta — mas os responsáveis por executá-la, hoje, quando os meninos têm o controle das câmeras de segurança do dormitório estão com intoxicação alimentar.

— Então, o quê eu queria saber, é se vocês topam fazer um pequeno desvio nos planos da noite. — Sirius diz, casualmente, mas está analisando as expressões de Lily e Remus com cuidado, a apreensão criando uma linha de tensão em seus ombros.

Remus e Lily trocam olhares. Lily consegue perceber que Remus está pronto para fugir e se esconder no próprio quarto, enterrando-se em seus cobertores para nunca mais ver a luz do dia. Lily trinca a mandíbula e toma a decisão pelos dois, mesmo que Remus a odeie temporariamente.

— Vamos.

Remus arregala os olhos ao mesmo tempo em que James e Sirius se iluminam e abrem enormes sorrisos. Lily sorri e gesticula com a cabeça pra que Remus siga os outros dois amigos, que estão quase saltitando para fora do dormitório.

A noite está agradável, à medida que noites de dezembro na Escócia podem ser agradáveis — há neve, mas não vento, e a caminhada até o dormitório da Sonserina é feita enquanto conversam amigavelmente sobre assuntos diversos. Lily conduz a conversa com maestria, apesar do dia exaustivo, direcionando-a para tópicos do interesse de Remus, para impedir que ele fique em silêncio taciturno.

Ela conhece Rem bem demais, porque ele cai em todas as armadilhas que ela arma para ele participar da conversa, e não demora para que ele e Sirius estejam discutindo o quão horrorosa ou brilhante teria sido a adaptação cinematográfica de O Senhor dos Anéis feita pelos Beatles. Lily troca um olhar com James, que estava encarando os dois como uma passarinha orgulhosa quando seus filhos começam a se alimentar sozinhos, e os dois sorriem.

Dorcas está certa. Ela e James não são a atração principal desse encontro: eles estão aqui para fornecer suporte para Remus e Sirius. Lily, especificamente, tem como único objetivo fazer com que Remus não saia fugido e aproveite a noite. Deus sabe que ele está precisando se divertir, e encontrar sua alma gêmea é coisa séria.

Lily engole em seco diante desse último pensamento e treme debaixo de seu casaco.

— Tá com frio? — pergunta James, franzindo as sobrancelhas. Antes que Lily possa responder, ele já parou na frente dela e esfrega seus braços efusivamente, arrancando uma risada de surpresa dela. Ele dispara seu brilhante sorriso, o mesmo sorriso que, Lily tem certeza, ele se utiliza toda vez que precisa se livrar de uma multa de trânsito. — Pronto.

— Muito obrigada — Lily diz, porque não sabe o quê mais dizer, e enfia uma mecha de cabelo atrás da orelha pra não pressionar as mãos contra as bochechas na tentativa de conter o rubor que está se espalhando por seu rosto. — Muito cortês da sua parte.

— Eu ofereceria meu braço, mas acho que não te impressionei o suficiente.

A respiração sai da boca de Lily com um silvo agudo, e agora ela não tem opção a não ser esconder o rosto nas mãos enquanto ri silenciosamente — nada dos barulhos de porquinho que ela faz involuntariamente, graças às entidades que tiveram piedade de Lily —, os ombros sacudindo de forma violenta. Potter parece muito satisfeito consigo mesmo, o sorriso de antes ampliando-se ainda mais e fazendo seus olhos brilharem mesmo na meia-luz do inverno.

Lily percebe, quando consegue voltar a respirar direito, que Sirius e Remus continuam andando, sem sequer perceber que ela e James pararam. As coisas vão indo bem, então.

— Vou tentar não me abalar com o seu ataque de riso em resposta às minhas técnicas de sedução, Evans.

Ela põe-se ao lado de James e entrelaça o braço no dele, fazendo com que ele arregale os olhos e pigarreie alto.

— Continue tentando — é o quê ela responde, e os dois apertam o passo para alcançarem o outro casal.

Lily não pode acreditar que está efetivamente flertando com James Potter. Pior: ela não consegue acreditar em como tudo parece estranhamente natural.

— Mas e aí, qual o plano? — pergunta Lily, apontando para o dormitório da Sonserina que se aproxima com a cabeça. — Qual é o grande inconveniente da vez?

— Sequestro — responde James, sorrindo de orelha a orelha, fazendo o queixo de Lily cair.

Ele esquiva-se com maestria dos outros questionamentos de Lily, apenas provocando-a a esperar e ver. Lily fica inquieta e preocupada — mas lembra-se das pegadinhas anteriores, bastante inocentes e nada perigosas, e prefere acreditar que James está sendo apenas dramático. Ela já percebeu que esse é um traço que ele e Sirius compartilham.

Quando alcançam os degraus da Sonserina, uma mulher alta e esguia, com o mesmo nariz e queixo de Sirius, passa pelos portões, estalando a língua em desaprovação.

— Vocês estão atrasados! — ela sibila, segurando os portões de ferro para impedir que eles batam atrás de si. — Vamos ter só quarenta minutos.

— É mais do que o suficiente, Andy — tenta acalmar James, soltando seu braço de Lily e tomando o lugar da tal Andy nos portões. — Damas primeiro.

Ela e Andy entram para o saguão do dormitório da Sonserina — rico em mármore e tons cinzentos, que Lily não sabe dizer se são coloridos ou não — e Lily acha o silêncio do piso térreo muito estranho. Ela fica na ponta dos pés e tenta ver se há alguém nas lanchonetes, loja de conveniência, refeitório. Não estão completamente sozinhos, mas há bem pouca gente por ali, a maioria cochichando baixo, olhando para seus equipamentos eletrônicos de forma muito concentrada. Lily acha o ambiente incrivelmente destoante daquele da Grifinória, onde tudo é barulhento e caloroso, e sempre se encontra algum conhecido no hall. Talvez as pessoas da Sonserina sejam mais reservadas.

Mais provavelmente, talvez James e Sirius tenham arquitetado algum evento que tenha levado grande parte dos sonserinos para fora do dormitório.

Enquanto estuda a recepção da Sonserina, o olhar de Lily desvia-se para Andy, e ela não demora para perceber, agora que está mais perto, as semelhanças e diferenças entre a mulher e Sirius. Ela tem o mesmo tipo de porte bem-criado dele, e suas roupas, embora simples, têm caimento perfeito. Diamantes faíscam em suas orelhas e Lily consegue ver o brilho do ouro do relógio de pulseira graciosa em seu pulso. Enquanto Sirius tenta fazer pouco caso do seu manto privilegiado, usando cabelo bagunçado e roupas destruídas de designer que alguns acreditam serem apenas roupas puídas, Andy porta seu privilégio com a perfeição de quem foi criada para isso. Muito embora a expressão cheia de malícia infantil em seu rosto seja completamente destoante do resto de sua imagem.

— Oi, eu sou Lily.

Andy sorri, as linhas em seu rosto se suavizando e aproximando-a ainda mais de Sirius, e estende uma das mãos para Lily.

— Andromeda Black. Prazer em conhecê-la.

— Você e o Sirius são...? — Lily não sabe como completar.

— Primos. De primeiríssimo grau.

Lily franze as sobrancelhas e abre a boca pra perguntar o quê isso quer dizer quando Sirius estala os dedos e chama a atenção das duas para si.

— Andy, a sala de segurança.

Andy bate uma continência e gira em seus calcanhares. Lily se prepara para segui-la, mas uma mão encaixa-se na sua, dedos entrelaçando nos seus.

Ela levanta o olhar e encontra os olhos brilhantes de James, que a encara com expectativa.

— Você vem comigo.

Lily está abalada demais pela carga elétrica que subiu pelo seu braço quando a mão de James tocou na dela pra responder, e por isso só o segue, sem dizer nada. Eles passam pelos elevadores e pegam as escadas, descendo ao subsolo ainda de mãos dadas; Lily sente seu coração batendo em seu peito como um tambor, estendendo-se vermelho para além dos cantos de sua visão.

Ela engole em seco e espera que James não perceba.

Os dois chegam ao subsolo e viram à esquerda. Onde ficaria a lavanderia no dormitório da Grifinória, aqui fica o quê Lily só pode descrever como um aquário gigante: três paredes de vidro com a última, mais distante, feita de alvenaria e com um enorme brasão da Sonserina pintado. No centro da sala, numa mesa de metal tal qual as mesas de operação que já viu em suas horas de estudo e residência, está um aquário de verdade, com uma enorme luminária com luz incandescente apontada para ele.

E, dentro do aquário que está dentro do aquário, está uma cobra.

Lily arregala os olhos, vidrada no réptil esguio e que parece refletir a luz ao seu redor. James a deixa em frente à sala que é um aquário e desaparece por alguns segundos, voltando com uma caixa de plástico de tampa furada, com algumas pedras no fundo.

Um sequestro, Lily lembra-se de ouvir James falando, e sua boca se abre numa perfeita letra O.

Era hábito os dormitórios, quando Hogwarts ainda era concentrada no prédio administrativo, abrigarem representantes de seus mascotes. Lily não gosta nem de imaginar o cheiro da Grifinória quando um leão vivia por lá, mas nessa época Hogwarts ainda era uma universidade exclusivamente masculina então ela pondera que é muito bem feito e que os alunos elitistas sofreram foi pouco. Mas manter um leão no meio dos alunos começou a se tornar perigoso — acidentes com estudantes bêbados eram rotina, e algumas mortes chegaram a ser registradas —, nada prático — o preço da manutenção era exorbitante — e cruel. A Grifinória abriu mão de seu leão, mas os outros três dormitórios não o fizeram. A Corvinal tem vários corvos rondando o bosque que cerca um dos lados do prédio, a Lufa-Lufa abriga uma família de texugos no zoológico de Hogwarts, e a Sonserina...

Lily percebe, naquele exato momento, que não fazia ideia do quê os sonserinos tinham feito com seu mascote. Bom, agora ela tem a sua resposta.

Ela encosta sua mão contra o vidro da sala-aquário, observando a cobra deslizar pelo tronco em seu cativeiro com preguiça. Essa é uma cobra estranha — os tons de amarelo e vermelho dançam na frente dos olhos de Lily apenas momentaneamente, e em diferentes lugares do corpo escamado. Lily supõe que a cobra seja perolada e que suas escamas interagem com a luz de forma diferente dependendo do jeito pelo qual a luz incide sobre elas.

É claro, ela não pode dizer isso com certeza até que complete o seu processo de colorização.

Lily só nota a câmera de segurança quando ela se mexe, e James acena com a cabeça em resposta, deslizando a mão pela maçaneta da porta e digitando um código de segurança. Com um estalido alto, ele empurra a grande porta de vidro, mantendo-a aberta e gesticulando para que Lily entre.

Ela respira fundo e entra.

Há um ar condicionado no canto da sala, que mantém a temperatura no cômodo controlada. Lily está usando camadas demais para o clima agradável e está começando a sentir seu corpo esquentar debaixo dos suéteres e casacos, mas não reclama. Ela se aproxima da cobra com cuidado, como se o barulho dos seus pés contra o piso fosse assustar o bicho e ele fosse dar o bote em Lily; ela ouve James rir atrás dela.

— Tá tudo bem, Evans. O Sal tá acostumado com gente.

— Sal? — ela pergunta, de forma estúpida.

James deposita a caixa de plástico — que Lily sabe, agora, se tratar de uma caixa de transporte — na mesa de metal ao lado do aquário da cobra e abre seus braços na direção do réptil, como quem apresenta uma obra de arte.

— Salazar, a muçurana.

Lily franze as sobrancelhas e se aproxima ainda mais, tocando o aquário da cobra com a ponta dos dedos. De onde está, ela consegue ver a língua de Sal bruxulear no ar, e um de seus olhos de pupilas verticais virar-se em sua direção.

— Muçurana? — repete Lily, a palavra soando incerta e desastrada em sua língua.

— A muçurana escocesa não era originalmente o mascote da Sonserina — começa James, calçando luvas grossas e botando-se ao lado de Lily. — Ela não é verde. Mas essa espécie em particular — e James enfia uma das mãos enluvadas dentro do aquário, fazendo Lily prender sua respiração —, foi descoberta aqui nas Terras Altas por um aluno da Sonserina que pediu à diretoria uma mudança no mascote.

A cobra ergue sua cabeça, agita a língua para James, e então desliza pelo braço dele. Como estava enrolada em seu próprio corpo, Lily não conseguia ter noção do cumprimento total de Sal, mas, conforme ele vai se enrolando pelo braço de Potter ela avalia que a cobra mede quase dois metros. James afaga a cabeça de Sal com um dos dedos e a cobra fecha os olhos, como se estivesse apreciando o carinho.

— Quer segurá-lo? — pergunta James, com um sorriso brilhante.

Lily dá um passo pra trás, botando as mãos atrás do corpo.

— Não, muito obrigada.

Lily pode jurar que, quando Sal põe a língua pra fora da boca de novo, é para desdenhar de Lily.

— Sal é muito dócil. — Acalma James, fazendo com que a cobra deslize para a caixa de transporte, o quê ele faz sem muitos problemas. — Muçuranas não são ameaças para humanos. — Ele tampa a caixa e vira-se para Lily, e a expressão no rosto dele faz o coração dela pular uma batida. — São perigosas só pra outras cobras.

Lily pisca, estupefata.

— Ele come outras cobras?

— O termo científico é “ofiófaga”.

— Essa parece uma palavra inventada.

— Evans, todas as palavras são inventadas.

Ela avalia essa última colocação e por fim acena em concordância. Finalmente tem coragem de se aproximar de Sal de novo, agora que ele está numa caixa. Ele parece tranquilo, aninhando-se em si mesmo de novo, sua cabeça repousando no próprio corpo, os olhos se fechando. Lily nunca esteve tão próxima de uma cobra antes, e embora esteja apavorada tem que admitir que uma parte sua está igualmente fascinada. Sal é um animal bonito e muito bem-comportado, embora seu corpo seja longo demais e Lily não confie em nada que não tenha patas.

— Mudei de ideia — ela se ouve dizendo. — Posso segurá-lo?

O sorriso que James dá em resposta ao pedido dela é, até então, o mais brilhante da noite. Ele a ajuda a calçar as luvas grossas, de material pesado, e dá instruções sobre como manusear Salazar. Lily ouve tudo com atenção, sem querer se envolver num acidente ofídico, embora James explique que a muçurana escocesa não tem veneno. Ela imagina que uma mordida de Salazar deve doer absurdamente, ainda que não faça seu sangue coagular nas veias.

A coragem de Lily se solidifica quando Salazar se aninha confortavelmente em seu pulso esquerdo, o resto do seu corpo sendo sustentado pelos esforços conjuntos de James e Lily. Ela olha no fundo dos olhos estranhamente inteligentes de Sal e decide que já teve emoção o suficiente para uma noite só. Eles acomodam a cobra na caixa de transporte, se asseguram de que a tampa está bem fechada, e saem da sala-aquário sem olharem para trás.

Os dois não voltam ao térreo, no entanto: James, as duas mãos ocupadas segurando a caixa de Salazar, indica a placa de saída de incêndio com a cabeça. Lily concorda e abre a porta anti-fogo com facilidade, apenas empurrando a barra que a põe no lugar. A diferença de temperatura é gritante, mas Lily não reclama, pois a brisa fria serve para acalmar o rubor em seu rosto.

— Para onde vamos? — ela pergunta, pondo-se ao lado de James.

— O prédio de Biológicas. Salazar vai participar de uma festa do pijama na Sala dos Répteis.

— Isso... — ela começa, olhando para James de lado, percebendo que as lentes dos óculos dele estão embaçadas. — Isso foi uma referência a Desventuras em Série?

James dá de ombros mas Lily consegue notar que ele está segurando um sorriso.

Mais uma vez eles têm que se esgueirar pela noite. Os dois conhecem o prédio das Ciências Biológicas muito bem, mas James pede que ela fique do lado de fora, de olho nos seguranças e outras surpresas desagradáveis, e avise James caso necessário. Ela concorda mas é só quando ele está lá dentro há pelo menos cinco minutos e vozes são carregadas até os ouvidos de Lily que ela percebe que não tem o número dele e não vai ter como avisá-lo de qualquer coisa. Ela engole em seco e está prestes a entrar no prédio e deixar a saída de emergência bater atrás de si quando reconhece as vozes.

São Sirius e Remus. Falando sobre álbuns emo do início dos anos 2000. Lily revira os olhos mas ri baixinho, feliz por Remus ter alguém com quem conversar sobre música emo, já que Lily nunca entendeu o apelo de músicas tristes. Quando ela sente vontade de chorar, ouve algo tão animado que faz com que ela não tenha escolha a não ser cantar junto, dançando no ritmo da música, e as lágrimas acabam junto com a melodia.

— Evans, cadê o Prongs?

Lily pisca, desorientada. Ela demora alguns instantes pra perceber que Sirius está perguntando de James.

— Lá dentro. Ele já deve...

E nesse momento a porta que Lily mantinha aberta com a ponta do pé para aproveitar o calor que vem de dentro do prédio se escancara e James sai, quase empurrando Lily no chão. Ele arregala os olhos e a segura pela cintura, estabilizando-a e impedindo que ela dê de cara na neve. Lily pressiona os lábios um contra o outro para não gritar, e suas mãos agarram os braços de James para se equilibrar.

Ela olha para cima, para ele, e por dois segundos acha que consegue perceber a tal maneira pela qual Remus diz que James olha para ela.

— Lily, você tá bem?

A voz cheia de preocupação sincera de Remus faz com que Lily perceba que ela e James não estão sozinhos e ela o solta com rapidez, dando um passo para trás. Ela enfia uma mecha de cabelo atrás da orelha e respira fundo antes de se virar para o melhor amigo.

— Tô sim, foi só o susto.

Borboletas estão esvoaçando pelo estômago de Lily e ela consegue sentir o rosto pegando fogo — espera que as pessoas que estão se colorizando a sua frente não consigam perceber, no entanto. Ou que assumam que é o frio. Ela ouve James pigarrear atrás de si e Sirius abrir um sorriso afiado, que só pode ser descrito como malicioso.

— Que bom. Porque precisamos do time em perfeito estado para a próxima fase da Operação Encontro Duplo.

Remus grunhe audivelmente, mas Lily sente as borboletas intensificarem seu voo dentro de seu estômago — da melhor forma possível. Ela tinha se esquecido que sua noite está apenas começando.


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Notas finais do capítulo

a muçurana escocesa não existe, falando nisso. chamem o controle de zoonoses pra lidar com répteis desconhecidos, ainda que eles pareçam fofos. (eu morro de medo de cobras e nunca teria a coragem da lily.)

espero que tenham gostado da primeira parte do encontro duplo! comentários são amor. ;)



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