Os Deuses da Mitologia escrita por kagomechan


Capítulo 137
ANÚBIS - Amigos e Roubo


Notas iniciais do capítulo

no momento, estão nos EUA os grupinhos:
— Nova Roma: Frank, Lavínia, Hazel, Annabeth, Kayla, Grover, Percy, Piper,
— NY: Cléo, Paulo, Austin, Drew, Carter, Meg, Apolo e Zia
no momento, estão voando, os grupinhos:
— Indo para Europa: Reyna

no momento, estão na África, os grupinhos:
— Brasil : Leo, Calipso, Magnus, Jacques, Alex, Festus, André (Br q n sabe jogar futebol)

no momento, os grupos que estão na EUROPA são:
— Indo para a Irlanda: Caçadoras de Ártemis (Thalia, Ártemis, etc), Clarisse
— Inglaterra: Sam, Blitzen, Hearthstone, Anúbis, Sadie, Will, Nico.
— Indo para a Alemanha: Mestiço, Mallory // Maias-Astecas: Victoria, Micaela (a menina q parece Annabeth) e Eduardo (guri chato que o Mestiço deve estar querendo esganar), Ciara



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ANÚBIS

Não sei se Nico pretendia de fato conversar sobre algo ou fingir que conversamos, como tinha sugerido. Só sei que fomos até uma parte mais distante da biblioteca, onde os outros não poderiam ouvir qualquer conversa (ou conversa de mentira) que aconteceria ali, e ele ficou andando de um lado pro outro, olhando para o chão, por alguns segundos, como se tentasse criar coragem de realmente conversar.

Ele bufou, e sentou no chão. Parecia meio emburrado e estava de braços cruzados, mas ainda assim não parecia 100% confiante de que queria só fingir que conversamos para tranquilizar Will. Então… sei lá, decidi imitá-lo e sentar no chão também, na frente dele, fechando assim aquele corredor quase completamente.

— Então… - experimentei dizer, e Nico só desviou o rosto e suspirou.

Maledetta biblioteca. - resmungou ele em italiano.

— Tenho que concordar. - respondi suspirando e ele finalmente olhou para mim, mesmo que por um segundo.

— O resto do pessoal teve memórias bem normais e sem graça, a gente que se ferrou nessa. - resmungou ele.

— É… - concordei, pensativo.

Ficamos em silêncio alguns segundos mais, até Nico repentinamente perguntar:

— Aquela… - disse ele com cautela - era sua ex-namorada?

— Ahm… não exatamente… - admiti, meio sem graça sabendo já o quão não normal para a época iria soar o status verdadeiro de Anput - “Namoro” não era um conceito.. existente… já que os mortais tinham uma expectativa de vida ainda meio… baixa…

— Então… - disse Nico lentamente montando sua conclusão - Ela então… era sua esposa?!?!

— Não me olhe com essa cara… as pessoas se casavam até com 13 anos! Comparativamente, eu demorei bastante para a época! - me defendi - Tutancâmon tinha 10 quando casou com a irmã dele!

— Não vou nem comentar sobre o tanto de coisa errada que tem nessa última frase… - resmungou Nico.

— De toda forma… não fui eu quem disse que estava precisando conversar ou fingir que conversava. - falei, realmente tentando fugir do assunto, admito.

— Certeza? - perguntou ele - Sua cara não tava das melhores lá na hora.

— Certeza. - confirmei - Foi só a surpresa do momento.

— Hmm… - resmungou Nico, não aparentando ter tanta certeza assim de se confiava na minha resposta ou não, mas ficou quieto.

Sinceramente, eu obviamente não esperava ver Anput hoje, ainda mais nessas circunstâncias. Felizmente tive vários séculos para lidar com tudo, mas… prefiro, ainda assim, não pensar muito no assunto. Deixar essa porta de memórias muito bem fechada lá no fundo, afinal foi difícil colocar tudo dentro dela e então fechá-la.

—Você… - disse Nico eventualmente, me fazendo notar, com um pouco de susto, que eu havia ficado focado demais em memórias por alguns segundos - … deixa pra lá. 

— Eu o que? - perguntei. 

— Deixa. Me toquei que era uma pergunta burra. - justificou Nico - Ia perguntar se você se lembrava da sua mãe mas aí me toquei que ela provavelmente está viva. Esqueci que por um segundo que você não é o único velhote imortal na família e sim que sua família toda é um bando de velhote imortal. 

— Eu não sou tão velho assim… - rebati - Tá imitando a Sadie me chamando de velhote agora?

— Aquele deus lá no México falou 5123 anos né? - perguntou Nico retoricamente - Isso é MUITO velho. E você mesmo disse que era mais velho que meu pai. 

— Eu não me sinto velho… - justifiquei suspirando - Afinal, foram séculos demais sem envelhecer absolutamente nada. Mas sim, minha mãe também é uma “velhota imortal”. 

— A árvore genealógica divina egípcia também é cheia de problema que nem a grega? - perguntou ele. 

— Ah é… - confirmei - Mas acho que não temos ninguém como Zeus que gosta de sair engravidando qualquer mulher que vê pela frente. 

— Se fosse “só” engravidando seria menos ruim. - resmungou Nico - Foi ele que matou minha mãe. 

— Eu sei… - admiti, para evidente surpresa de Nico, então justiquei - Hades me contou na época. Ele estava meio … desesperado, acho. 

— Ele, desesperado? - perguntou Nico, claramente sem acreditar. 

— É. Até tentou ressuscitar ela, pelo o que ouvi falar. - comentei - Os deuses relacionados de alguma forma à morte deveriam ser os últimos a tentar contrariar essa norma específica da vida. Não é fácil. Apesar de sermos um bando de "velhotes imortais", também sofremos perdas e ver ou lidar com o caminho da vida após a morte tão de perto pode se tornar tentador tentar alterá-lo.

— Queria que ele tivesse tentado mesmo assim. - admitiu Nico - E com minha irmã também. Que regra inútil. Ele não tentou burlar com o cara lá nas histórias gregas que tudo o que precisava fazer era não olhar pra trás e não falar com a mulher?  

— Orfeu? - perguntei - Ali Hades não estava totalmente consciente do que fazia. A música de Orfeu o distraiu, mas não o suficiente para não dar à Orfeu uma condição bem difícil que o torturou até o fim de sua vida por não conseguir cumprir. 

— Ainda assim… - resmungou Nico, falando cada vez mais baixo conforme se encolhia mais onde estava - Se ele tivesse feito mesmo que por um tempo… talvez… talvez, eu lembrasse mais da minha mãe. Notei hoje que eu não lembrava mais direito do rosto dela, ou da voz dela … 

O silêncio voltou mais uma vez enquanto eu pensava no que era melhor falar. Provavelmente era isso que mais tinha incomodado Nico na visão de sua mãe. 

— Lembrar pode trazer tanto conforto, como dor. - eu disse, eventualmente - Embora imagino que iria preferir, mesmo assim, lembrar-se o máximo dela. 

— Óbvio. - resmungou ele - Não gostei de notar que minha memória dela estava tão ruim. Eu já tinha uma sensação, claro, mas constatar isso… não foi legal. Mas ao mesmo tempo, foi como se eu lembrasse de mais coisas junto e eu ainda tava com o que rolou lá no barco na cabeça. Mais outro problema pra encher minha cabeça agora.

— O que rolou lá no barco? - perguntei.

— Aquela hora que eu matei Cortez de vez e desmaiei. - disse Nico. 

— Ah… - disse sem dar muita importância e acho que ele notou.

— Não é a primeira vez que faço isso. - explicou ele - Acabo com outra pessoa sem perceber, desmaio depois e mal lembro do que aconteceu.

— Cortez mereceu. A outra pessoa mereceu? - perguntei.

— Bem… acho que sim… - respondeu ele.

— Então pronto. - disse dando de ombros.

— Certamente isso é um discurso bem menos pacifista que o do Will de só me controlar, respirar e ser feliz. - disse Nico me encarando depois de uns segundos.

— Posso dizer isso também se você quiser. - falei - Certamente é melhor se controlar e respirar para não acabar matando alguém que não merece ou que você vai se arrepender depois. Mas tem gente que merece.

Ele me encarou por mais alguns segundos, claramente não esperando esse tipo de discurso, e eu suspirei.

— Não conte pra Sadie que eu disse isso… - pedi - Sei que ela não gosta tanto assim desse meu lado não tão legal.

— Se eu contar, rapidinho chega no Will e ele também não vai gostar. - disse Nico - Notou que os dois estão virando amigos também?

— Notei. - respondi.

— Já que a gente está virando… amigo… também, essa conversa então vai ser nosso segredo então. - sugeriu Nico, usando a palavra ‘amigo’ com cautela e admito que eu gostei de ouvi-la, mas tentei disfarçar.

— Pode ser. - concordei.

Ficamos em silêncio mais uns segundos, mas esperei, pois senti que Nico ainda tinha mais para dizer.

— Você já perdeu o controle alguma vez? - perguntou ele.

— Já. - respondi - Muito tempo atrás.

— Você… matou alguém…? - perguntou ele, bem cauteloso.

— Vários “alguens”. - admiti - Não me arrependo, antes que pergunte. Mas foi perigoso, tinha gente inocente por perto… 

— Como fez então? - perguntou ele.

— Não importa qual o tanto de ódio que você fique que te faça perder o controle, é importante preservar ao menos uma fagulha de consciência. Não pode desgarrar dela. - expliquei, fitando os meus coturnos - Especialmente com poderes perigosos que facilmente podem causar um desastre.

— Como? - perguntou Nico, curioso.

— Depende… - respondi - Pode ser aquela migalha de esperança de que o motivo do seu ódio é passageiro ou reparável, ou o senso de responsabilidade de que você não pode simplesmente se dar ao luxo de perder o controle porque é perigoso demais. 

Nico parou alguns segundos para processar tudo aquilo e parecia suficientemente satisfeito depois de alguns segundos, mas não inteiramente. Contudo, tive a impressão de ter notado no olhar dele um pouco de dúvida, como se não acreditasse na própria capacidade de se controlar.

— Você consegue. - falei.

— Veremos… - disse Nico depois de uns segundos - De toda forma, é um problema para o Nico de amanhã. Por hoje, estou com tudo que aconteceu para entrarmos aqui passando na minha cabeça de novo e de novo.

— Eles disseram que as memórias ficam guardadas aqui para guardar o que tiver de informação relevante nelas, certo? - perguntei, tendo uma ideia. 

— Sim. - confirmou Nico - Provavelmente só queriam aquela reportagem da Segunda Guerra Mundial e minha mãe e Bianca na memória foram meras consequências. Eu nem sabia que eu tinha aquela memória também. 

— E se procurarmos pela biblioteca sua memória? - perguntei, e Nico pareceu apavorado com a ideia - Acha que iria gostar de revê-la para guardar a memória de sua mãe de novo ou prefere nem ir atrás dela para enviar a dor que a memória possa trazer?

Nico ficou um tempo em silêncio, um bom tempo, tentando decidir o que queria. Imagino que era uma escolha difícil. Ele abraçou os próprios joelhos pensando no que queria e, não tão longe dali, pelo pouco que eu ouvia, parecia que o pessoal tinha sido convidado por Hipátia a desfrutarem de um pequeno lanche. 

— O que você faria? - perguntou Nico repentinamente.

— Sinceramente, se eu estivesse na mesma condição que você, eu não sei o que faria. - admiti - Todas minhas memórias, desde o dia que eu nasci, estão frescas em minha mente. Não é um problema que eu consiga me relacionar tão bem. 

— Aff… - reclamou ele - Deuses e suas vantagens. 

— Isso também é ruim. - admiti, repentinamente achando o zíper da jaqueta extremamente interessante - Também significa que parece que foi ontem que minha mãe me largou no Saara recém-nascido, ou que os amigos mortais que fiz morreram, ou que…

Travei, sem conseguir dizer em voz alta a última memória dolorosa. 

— E-Eu vou então… - disse Nico, embora não sei se imediatamente ou depois de uns segundos de silêncio em que eu tenha ficado focado demais na escuridão dentro de mim.

Ele levantou sem ter muita certeza se era isso o que ele queria mesmo, eu levantei logo em seguida enquanto ele olhava para mim aparentemente torcendo pra eu dizer algo para ele desistir daquela ideia. Mas eu não disse nada, então Nino eventualmente disse:

— Biblioteca idiota! Mostre-nos onde você guardou a minha memória! - pediu Nico, nada gentilmente.

Tal como quando procurávamos os livros, o chão brilhou para nos indicar o caminho. Nico respirou fundo três vezes e só então, com certo receio, seguiu o caminho indicado pela biblioteca. Não precisei de muitos passos para notar que o caminho nos levava para longe de onde os outros estavam.

— Vai querer chamar Will… ou talvez ir sozinho…? - perguntei, notando no meio da pergunta que nem tinha certeza se minha presença era bem vinda.

— Não… e não… - respondeu ele lentamente depois de uns segundos pensando.

Continuamos seguindo o caminho, que ia para o andar de cima da biblioteca. No andar de cima, havia várias outras estantes, cheias de papiros, livros e eventualmente, notei que também as bolinhas de memória, tal como as nossas memórias viraram. Paramos então diante de uma prateleira que, pelo título dos livros que estavam ali, parecia inteiramente dedicada à Segunda Guerra Mundial na Itália. Dentre livros grossos e até jornais antigos, estava a bolinha de memória, agora do tamanho de uma bola de sinuca.

A bola emitia um brilho dourado e, em sua superfície, a memória de Nico que vimos se reproduzia silenciosamente. Eu achei melhor ficar alguns passos para trás, e me questionava até se deveria ficar de costas enquanto Nico fitava a esfera com receio e dor.

— Pensando bem… - disse ele, com a voz bem pesada - Acho que vou querer ficar sozinho.

— Certo… - eu disse lentamente, para ter certeza de que ele não iria mudar de opinião - Vou ver como o pessoal está indo na busca por informações.

— Ok. Depois eu vou lá… - disse ele sem tirar os olhos da mãe refletida na memória.

Fui me afastando devagar, logo dei as costas e voltei pelo caminho que fizemos. Quando passei por apenas dois corredores, o corredor onde Nico estava se iluminou e ouvi o barulho de várias vozes em italiano falando ao mesmo tempo, parecia ser o começo da memória. 

Deixei ele ter seu momento e fui até onde os outros estavam, sentados numa área fora da biblioteca com comida e bebida enquanto conversavam com Hipátia. Era uma área meio estranha pois era do lado de “fora” mas o “fora” não incluía céu, ou horizonte, mas sim uma escuridão sem fim.

Mas, mais do que isso, apesar dos detalhes de influência grega, foi gostoso ver um local de descanso com uma influência tão egípcia. Não era como a arquitetura, que ainda dava para se ver nas ruínas espalhadas por aí, era uma verdadeira área de descanso com comidas e bebidas familiares.

— Cadê o Nico? - perguntou Will assim que me viu, cortando toda a conversa que acontecia antes.

— Ele tá… bem… - respondi sem ter muita certeza - Estava precisando de um momento sozinho.

— Tá bem mesmo? - perguntou Will, não muito seguro.

— Suficientemente, mas acho que vai melhorar. - admiti - Dê um tempo para ele. Logo deve estar aqui.

— Mas… - disse Will, preocupado.

— Melhor verem isso depois… - disse Sam gentilmente - Nico está precisando de um tempo sozinho, depois vamos atrás dele ou ele vem até nós. Deixe Hipátia terminar de contar do gênio.

— Gênio? - perguntei, olhando para Hipátia, que afirmou com a cabeça.

— Conheço um gênio confiável, o que é raro para gênios, em Istambul. - explicou Hipátia - Às vezes eu peço algum livro raro para a biblioteca através dele e ele me manda. É um bom negócio. Afinal, tenho muitos séculos de história para compensar nessa biblioteca. Pena que a maior parte dos recursos vai para mantê-la.

— Isso resolve a parte dos três pedidos. - disse Sadie empolgada.

— É… - respondi ainda sem conseguir acreditar direito no que isso poderia significar, então, ainda pensando sobre, sentei ao lado de Sadie.

— Bem que podia ter uma saída dessa biblioteca lá em Istambul né? - disse Sam.

— Só aqui em Londres e em Alexandria, infelizmente. - disse Hipátia.

— Se estivéssemos com o barco do Magnus poderíamos ir até Alexandria e continuar de barco até Istambul. - sugeriu Blitzen.

— Ou… se a gente fosse rico poderíamos simplesmente ir de avião. - disse Sadie dando ombros - O que infelizmente não é muito o caso.

— Vai que tem algum deus louco também com raiva da gente e decide derrubar o avião? - perguntou Will.

— Exato! - disse Sam - Eu passei por isso e não recomendo! Gosto de aviões e tudo mais, mas acho que é melhor ficarmos em terra firme o máximo possível a não ser que tenhamos mais garantia de que vamos chegar vivos em Istambul.

— O que pode não acontecer com o Asag te seguindo… - lembrou Will.

— Putz…. ainda tem isso… já tinha esquecido. - resmungou Sadie - Atena não falou para procurarmos aqui no Museu? Agora que ele está fechado, podemos aproveitar. Ou tem muita câmera por aí? Se bem que nada que uma magia não ajude. Eu cansei de ler por hoje.

— Também não aguento mais. - concordou Sam.

— Se sairmos da biblioteca, quando voltarmos, teremos que pagar a taxa de entrada novamente? - perguntou Sadie.

— Só se demorarem mais de 48 horas para voltar. - explicou Hipátia - Caso contrário, entendemos que estão ainda utilizando os serviços iniciados na mesma visita e talvez até se hospedando aqui… Não seria anormal.

— Uma pausa então para trocarmos de objetivo… - sugeriu Sadie - Pensarmos em como chegar em Istambul e procurar pelo Sharur aqui no museu… ou para simplesmente fazermos nada por alguns minutos. Porque minha cabeça já tá pifando aqui.

— Pode ser. - concordou Sam - De toda forma, não conseguimos sair da Inglaterra enquanto não encontrarmos o Sharur, pois logo o Asag vai vir atrás de nós.

Sadie então pegou um copo, pousado na mesa que estava no centro de onde todos sentavam, repleto de chá de hibisco, e colocou na minha mão. Ela então ergueu o copo dela, com o chá já na metade.

— Então… Aos 30 minutos de descanso. - disse ela.

— Aos 30 minutos de descanso. - repeti e brindamos nós dois com os nossos chás.

Senti Sadie me observando com cautela enquanto eu tomava o chá. Acho que ela ainda duvidava da minha capacidade de tentar me alimentar com alguma frequência normal, dada a falta de necessidade para isso.

— É muito difícil achar esse gênio em Istambul? - perguntou Blitzen.

— Não. Eu tenho o endereço. - garantiu Hipátia - Vou pegar. Fiquem à vontade.

Hipátia nos deixou sozinhos descansando. Hearthstone deitou no chão, ou melhor, no tapete do chão, o que era fácil já que estávamos sentados em almofadas. Blitzen o acompanhou e Sam ficou degustando da comida e do chá. 

— Vai comigo procurar o Sharur? - perguntou Sadie - Podemos nos esconder com magia.

— Hey… - disse Will se aproximando de nós e falando baixinho - Como o Nico está?

— Está revendo a memória com a mãe que fez a gente entrar aqui. - expliquei - Pediu para ficar sozinho. Deixe-o lá. Ele vai sobreviver.

— Hmm…. - resmungou Will, pensando um pouco sobre aquilo por uns segundos - Onde? Queria esperar ao menos por perto, para caso ele precise de um abraço ou sei lá. Não queria pedir para a biblioteca… é meio chamativo demais. Não vou até o corredor que ele estiver. Só até o meio do caminho.

— No andar de cima. - expliquei - Tem uma parte sobre a Segunda Guerra Mundial lá. Sobe pela escada que tem desse lado de cá da biblioteca mesmo. Pra lá.

— Valeu. - disse Will dando um breve tapinha no meu ombro e se levantando, indo para onde eu falei.

— Não quer também… rever a memória? - perguntou Sadie, cautelosa e aos sussurros.

— Por Rá! Com certeza não! - respondi, tremendo a ideia.

Ela então deu os últimos goles no seu chá de uma vez só, deixou o copo na mesa de centro e se levantou, estendendo a mão para mim. Fiz o mesmo com o meu chá e dei a mão para ela, que logo foi me puxando de volta para a biblioteca.

— Fosse sabe o que pode acontecer quando encontrarmos esse gênio né? - perguntou Sadie, segurando minha mão mais forte, enquanto cruzamos as prateleiras em direção à entrada -  Pode pedir para ficar mortal…

— Percebi… - eu disse, sentindo o peso daquela percepção.

— Você tem realmente certeza disso? - perguntou ela enquanto passávamos por Alexandre, chegando na entrada da biblioteca - Seja sincero.

— Tenho. - eu disse - Já disse. E em toda a sinceridade eu só estou com medo mesmo.

— “Só”. - disse ela, fazendo aspas no ar com a mão livre - Nós, mortais, somos muito mais matáveis, afinal de contas.

— Demais… - admiti, suspirando pesadamente.

Agora vendo a entrada do ângulo que Hipátia e Alexandre viram quando nós chegamos, notei que havia dois corredores mais além. Ambos os corredores eram limitados por colunas egípcias e gregas, mas notei que no alto da primeira coluna de cada corredor, estava escrito algo. Em uma, estava escrito Alexandria em grego, árabe e inglês, e também estava escrito “Rhakotis” em egípcio, o nome da cidadezinha que já existia onde Alexandre decidiu construir Alexandria. No outro estava escrito Londres e Londinium, o nome antigo de Londres quando os romanos a construíram.

Seguimos o caminho que identificava Londres e logo o outro caminho desapareceu, como se fosse um segredo para quem quer que estivesse no corredor para cada cidade, que o caminho para a outra existisse.

— Acha que saberemos reconhecer o Sharur se o virmos? - perguntou Sadie repentinamente - Isso se ele estiver aqui. Se eu fosse uma maça falante suméria, não tenho muita certeza se eu estaria mesmo num museu.

— Vi Hórus lutando uma vez, meio que de brincadeira, com Ninurta. - expliquei - Ninurta estava usando o Sharur. Espero conseguir reconhecê-lo.

— Espero, especialmente depois de todos esses anos. - completou Sadie parando quando chegamos diante da porta que nos levava de volta para o British Museum - Você acha que consegue fazer um pano de linho preto para eu fazer o feitiço do I’mun pra esconder a gente? Tenho umas shabtis aqui também.

— Não precisa. - disse estendendo a mão pra ela.

Ela entendeu na hora e pegou minha mão. Escondi então nós dois no Duat, seria o suficiente para passar pelas câmeras totalmente despercebidos. 

— Pronto. - falei.

Ela abriu uma fresta da porta devagar e espiou a sala antes de continuar andando, me puxando atrás dela. Estávamos de volta para a sessão egípcia do museu, e Sadie claramente ainda não queria me deixar ali esperando muito tempo, pois logo continuou me puxando rapidamente para fora.

— Você vai ficar me puxando da sessão egípcia toda vez que a gente passar por ela? - perguntei quase achando graça dela.

— Vou. - insistiu ela, achei fofo.

— Devo me preocupar com quão sensível você parece achar que sou? - perguntei para implicar mesmo.

— Não acho. - garantiu ela - Nem por isso vou deixar você se magoar com um bando de coisa que sei que não gosta de ficar vendo.

Repentinamente, ela parou de andar e colocou a mão livre na minha boca (embora fosse ela que estivesse falando). No nosso caminho surgiu o guarda do museu com sua fiel lanterna, passando checando, preguiçosamente e com um copo de café na outra mão, se as exposições estavam como ele deixou.

Deixamos ele passar. Mesmo quando ele colocou a lanterna na nossa direção, ele não viu nada. Simplesmente bocejou com sono e continuou a andar.  Só quando ele ficou mais longe, descendo as escadas para o que a placa dizia ser a sessão africana (que sinceramente parecia meio excluída por ser uma escada escondida que levava ao subsolo, como se tudo da África que importasse já estivesse em cima e se resumisse ao Egito), foi que Sadie soltou minha boca e suspirou aliviada.

— Tô me sentindo no Uma Noite no Museu. - admitiu ela enquanto continuávamos a andar para a parte suméria - Já te mostrei esse filme né?

— Já. - respondi.

— Ah! Sim! Você até falou que não existiu um faraó chamado Akhmenrah. De toda forma… Tenho que achar mais filmes com Antigo Egito pra ver com você. - disse ela, parecendo estar pensativa.

— Por favor, não. - implorei e ela riu - A maioria é tão… ruim. 

— A Emma disse que o irmão dela gosta muito de animes, esses desenhos animados japoneses, sabe? - perguntou Sadie - Parece que Yu-Gi-Oh!, um que ficou famoso uns anos atrás, tem bastante coisa egípcia e um filme que você é o vilão… e é loiro.

— Viu? Ruim. - respondi e ela riu novamente.

Chegamos na sessão suméria logo em seguida. Felizmente, ela não era muito grande, mas era dividida em dois corredores. Não queríamos ligar a lanterna do celular ou usar nenhuma magia de luz para não atrair o guarda, então continuamos contando com nossos olhos se acostumando à escuridão.

Olhando rapidamente, não tinha nada que parecesse o Sharur. Na verdade, quase nada parecia sequer uma arma. Só que então eu parei repentinamente ao notar algo meio esquecido, no fundo de uma prateleira de vidro com vários objetos e envolta de portas de vidro trancadas. O algo parecia remotamente familiar e fez os pelos da minha nuca se arrepiarem. 

— Que foi? - perguntou Sadie olhando para onde eu olhava, sem ver nada que parecesse uma maça.

— Aquela bola ali no fundo… - falei, puxando ela para mais perto do armário de vidro.

O objeto era, para todos os efeitos, uma simples bola com um buraco na base. A bola tinha um pouco mais que o dobro do tamanho de um punho e nela havia vários escritos em sumério desgastados e parcialmente ilegíveis. Ao lado da bola, havia uma pequena placa escrito, “Cabeça de maça com inscrição suméria. Terceira Dinastia de Ur (2112-2004 aC), Iraque.”

— Eu acho que é isso. - falei. 

— Tem certeza? - perguntou ela, parando também para ler a placa - Certeza que não é só uma maça qualquer? Consegue ler o que está escrito nela?

— Não tenho certeza. Nunca cheguei perto o suficiente do Sharur para ver o que estava escrito nele… O texto parece bem genérico, pedindo proteção divina e força e etc… - admiti tocando no vidro - Mas ainda assim, ela parece familiar e… parece ter magia ali. Fraca, mas ainda ali.

— Senhor Sharur? - tentou Sadie batendo de leve no vidro com o dedo, claramente com medo de fazer qualquer estrago que fosse com os objetos milenares - Senhor Sharur, a maça do deus Ninurta?

A bola pareceu se mexer levemente dentro da prateleira de vidro. Tão leve que poderia ser um movimento simplesmente causado por qualquer vibração na caixa, mas Sadie tinha batido leve demais para isso.

— Viu? - perguntou Sadie meio surpresa - Por favor diz que viu.

— Vi… - disse.

Era tudo o que Sadie precisava. Ela pegou a varinha, apontou para a tranca da porta de vidro que protegia os objetos, e sussurrou:

— Espero que nenhum alarme ative… - pediu ela antes de proferir o feitiço - Sahad.

Ficamos tensos e em silêncio quando a porta de vidro se destrancou lentamente. Esperamos algum alarme, o segurança, qualquer coisa, mas o silêncio da sala continuou. Ainda assim, com muito cuidado, Sadie abriu a porta, ameaçou tocar no que achávamos ser uma parte do Sharur, mas mudou de ideia no meio do caminho.

— Você é o Sharur? - perguntou ela de novo - Por favor, diga que sim para eu não parecer uma doida conversando com um objeto inanimado. Sou Sadie, uma das líderes do Nomo 21 da Casa da Vida e estou aqui também com o deus Anúbis. 

— Acha que vale a pena desfazer a magia que nos esconde um pouco? - perguntei procurando por câmeras.

— Talvez… - respondeu ela, sem ter mais do que outro leve movimento do resto de maça.

Como havia uma câmera na nossa direção, não queria arriscar que nós aparecer na gravação. Então decidi ser criativo. Encarei a câmera, concentrado, e decidi que a nossa melhor opção seria obscurecer totalmente a visão dela com uma quantidade bem densa de névoa negra bem na lente da câmera. Ela não era um ser vivo, não iria putrefazer em contato com a névoa, mas o guarda, se não estivesse dormindo, com certeza notaria algo de errado e talvez, assim eu esperava ao menos, só acharia que a câmera teve um defeito momentâneo.

Com a câmera tampada, desfiz a magia que nos escondia e a maça se movimentou levemente mais uma vez e, dessa vez, ela também falou:

— Eu lembro de você… Eu acho… - disse a maça, com uma voz fraca e quebrada, como a de um velho no leito de morte provavelmente (ou assim espero) se referindo a mim.

— ISSO! UMA MAÇA FALANTE! - comemorou Sadie.

— Cuidado para não atrair o guarda… - lembrei.

— Ah é… - disse ela, abaixando a voz de novo - Senhor maça, você por acaso é o Sharur?

— Sim… um dia fui chamado assim. - concordou ele - Anúbis… você disse que tinha um Anúbis… lembro de um Anúbis.

— Eu sou Anúbis. Ninurta, seu dono original, treinava com Hórus, meu primo. - expliquei, aparentemente a memória do Sharur não estava tão boa mais.

— Ah! Sim! Sim! Hórus… lembro de Hórus… - disse o Sharur.

— Senhor Sharur… estamos precisando de uma ajuda para derrotar o Asag que está perseguindo nossa amiga. - explicou Sadie.

— Ah… Asag.. meu velho inimigo. - disse o Sharur - Será que ainda sirvo ao menos para bater? Estou apenas pela metade.

— Se fizermos um cabo para você, será suficiente para usá-lo contra o Asag? - perguntei. 

— Bem… provavelmente… eu acho… - disse o Sharur - A parte principal sou eu aqui. O cabo perdi a muito tempo… é triste como essas coisas de madeira duram pouco, deve entender…

— Podemos levá-lo então para nosso esconderijo? - perguntou Sadie.

— Claro. - respondeu o Sharur.

— Licença… - disse Sadie antes de pegar o Sharur gentilmente nas mãos e então olhar pra mim - Conseguimos substituir por alguma coisa para não notarem que estamos roubando algo do museu?

Não era uma maça suméria, mas usei minha magia para criar um bando de linho de múmia e enrolá-los no formato de uma bola. Na melhor das hipóteses, demorariam para perceber que algo sumiu ou talvez só achassem que a maça estava no lugar errado e alguém tinha colocado linho da sessão egípcia no lugar errado.

Coloquei meu linho no lugar da maça, deixamos o armário de vidro e a câmera tal como encontramos, e novamente escondidos pela magia que nos escondia dos olhos dos mortais, voltamos para a biblioteca. Torcendo para alguém por lá saber onde e como fazer um cabo para uma maça.

 


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Notas finais do capítulo

Nossos emos já são BFFs e ngm me convence do contrário ♥



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