ANÚBIS

O clima ficou muito pesado por causa da morte de Aaron, especialmente considerando que Mallory e Ciara não saíam do lado dele. Ninguém sabia bem o que fazer além de deixarmos elas lidarem com o pesar delas ao menos enquanto cuidávamos dos feridos. 

O resto das caçadoras se uniram a nós enquanto Artemis curava a todos. Quanto a Micaela e Sadie, tudo que dava para fazer era esperar elas acordarem, assim como Victoria que também tinha desmaiado e agora tinha sido curada e estava razoavelmente bem. Ninguém gostava da ideia de deixar Micaela e Sadie largadas no meio do nada na grama onde antes estava o castelo, mas infelizmente as tendas do acampamento celta desapareceram junto com o castelo.

Todos estavam exaustos, então ficamos lá uns minutos para todos recuperarem a força. Todo mundo estava sentado ou deitado na grama em algum lugar, mas alguns, como Mallory, Ciara, Mestiço, Clarisse, Thalia, Artemis e algumas das caçadoras, estavam ao redor do corpo do Aaron. Sam, Blitzen e Hearthstone não estavam tão longe assim e estavam também olhando para a triste comoção.

Apesar de nem todos estarem lá perto, todos mantinham uma certa forma de silêncio triste em seus cantos de descanso ou olhavam preocupados para as lágrimas de Ciara.

Eu queria me juntar naquela comoção? Não muito. Mas considerando que tínhamos um corpo que tínhamos que lidar de alguma forma, me senti na obrigação de ir até lá. Então deixei Sadie lá dormindo com Micaela, e a companhia de Victoria, que se sentou depois ao lado da amiga, e me aproximei lentamente da comoção tentando primeiramente entender melhor qual era o clima.

— E-eu… deveria ter.. c-cuidado dele melhor… - resmungou Ciara chorando e soluçando.

— Digo o mesmo. - disse Mallory que podia não estar chorando como Ciara, mas sem dúvida estava com lágrimas nos olhos - Nem conhecia ele direito mas… mal conheci vocês dois na verdade mas… sei lá. E ele era o mais novo entre nós três.

— Vamos encontrar um jeito de levá-lo para casa. - disse Ártemis gentilmente agachada ao lado de Ciara - Sabe onde ele mora?

— D-Dublin. - respondeu Ciara.

Notei que, nesse tempo todo, Mestiço ficava ao lado de Mallory aparentemente nervoso, esfregando uma mão na outra. Ele tinha ficado tão preocupado com o sequestro dela, e agora ela não tinha nem notado muito a presença dele. Era triste de se ver.

Artemis se ergueu e uma caçadora se aproximou de Ciara tentando a consolar. Ciara claramente precisava de um ombro amigo, e prontamente abraçou a caçadora que provavelmente nem conhecia e começou a chorar em seu ombro. Artemis então me encarou, como se me julgasse, e indicou com a cabeça para que eu a acompanhasse.

Já tinha um chute do que ela poderia querer falar, mas ainda ficava um pouco receoso de ela ser ao menos um pouco… irritante e… preconceituosa… , como Zeus, apesar de até agora ela ter se mostrado o oposto. Ainda não sei como Hórus se controla ao lidar com Zeus. Acho que ela também não sabia ainda muito o que esperar de mim.

— O garoto que morreu, Aaron… - disse ela quando estávamos longe o suficiente para Ciara não ouvir a conversa - Sabe que tipo de enterro ele iria gostar?

— Ele é romano. - respondi dando de ombros - Mas cresceu na Irlanda com a mãe. Talvez algo romano ou simplesmente o normal da Irlanda. A Irlanda faz uma festa na casa do falecido com uma janela aberta para a alma poder partir. Algumas tradições mais locais mas, no final das contas, é um enterro cristão já que a maioria do país é cristão. Imagino que saiba bem como é um enterro romano já.

— Sei… - respondeu ela me encarando por uns segundos - Só por curiosidade, você… por acaso sabe todo ritual funerário possível?

Eu respondi só confirmando com a cabeça.

— Hm… - resmungou ela me encarando (de novo) - Por acaso também sabe alguma coisa mais do Aaron, já que ele morreu? Tipo endereço da mãe em Dublin? Vou levá-lo de volta. Não tem como Ciara levá-lo sozinha e, pelo o que entendi, vocês precisam seguir para Londres.

— Sei sim. Acha que consegue chegar lá em no máximo uma semana? - perguntei, não é como se tivéssemos uma geladeira gigante ou mumificação fosse uma opção que qualquer um aceitaria tão fácil assim se eu fosse sugerir.

— Acho que conseguimos. - respondeu ela - Pensei em cremar mas, imagino que a mãe talvez prefira ter a prova com os próprios olhos. Não vai ser uma visita fácil.

— Posso fazer um sarcófago, pelo menos. - ofereci - Deve ser mais fácil de carregar assim.

Não estava falando necessariamente quanto ao peso, mas sobre a dificuldade em ter visão do corpo constantemente até o caminho. Isso podia não ser fácil de aturar. Ela pareceu ter entendido, eu acho. Artemis me encarou levemente por um segundo, de um jeito diferente das anteriores, o que foi estranho, mas depois afirmou com a cabeça. Parecia que algo tinha mudado na cabeça dela naquele momento.

— Um não tão pesado, por favor. - resmungou ela antes de sair caminhando de volta para ao redor de Aaron.

— Espera… - disse interrompendo o caminhar dela - só.. se a Ciara perguntar, não fale para ela de que eu sou deus, ou talvez nem que eu sou um.

— Porque? - perguntou Ártemis se virando para mim.

— Porque já perdi as contas de quantas vezes já pediram para eu trazer alguém de volta à vida. - expliquei.

Ela afirmou com a cabeça e continuou a andar de volta para Aaron. Logo, eu a segui e, quando cheguei no ponto central do luto, uma das caçadoras gentilmente afastava Ciara do corpo novamente. Artemis se aproximou das duas, e gentilmente murmurou para Ciara:

— Vai ficar tudo bem, ok? Vamos proteger o Aaron com um caixão e vamos levar ele para casa. Certo? Pode vir conosco.

Ciara afirmou com a cabeça, sem tirar os olhos de Aaron. Artemis então olhou para mim e afirmou com a cabeça. Arrumei então o corpo de Aaron no chão, para que ficasse reto, e ergui meus braços sobre ele. Magicamente, um sarcófago simples de madeira se formou ao redor dele. 

— C-Como você fez isso? - perguntou Ciara meio surpresa.

— É só uma magia simples. - respondeu Artemis prontamente.

— Obrigada. - disse Ciara olhando para mim.

— De nada. - respondi.

— Talvez seja interessante sairmos daqui antes que fique muito tarde. - sugeriu Thalia, parecendo extremamente exausta - Podemos encontrar um lugar melhor para descansar e dormir.

— No caminho eu vi uma placa de uma área de acampamento. - comentou uma das caçadoras - Acho que não era muito longe. Deve ter chuveiros e banheiro.

— Alguém falou em chuveiro? - perguntou Will de longe.

— Vamos para lá então. - disse Artemis.

Com tanta mistura de chuva e neve, todos estavam ao menos um pouco sujos de lama e com o estado de cansaço de todos, talvez algo com um pouco mais de estrutura seria realmente mais do que bem vindo. 

Alguns, como Nico e Will, estavam juntando o resto de forças para conseguir ir se arrastando de volta para o ônibus, um ajudando o outro. Já Mallory, Mestiço e Ciara ajudavam algumas caçadoras a levar o sarcófago de Aaron e era um pouco agoniante ver Mestiço claramente querendo falar algo com Mallory mas não conseguindo falar e ela ignorando ele completamente.

Bem, voltar pro ônibus também significava que tínhamos que ajudar as nossas pessoas desmaiadas ou fracas demais. Então, fui até onde Sadie e, ao mesmo tempo, Victoria foi até Micaela. Eu comecei a pegar Sadie e ela acordou um pouco, levemente sobressaltada, mas ainda mais parecendo estar dormindo do que acordada, com os olhos só meio abertos.

— Sou eu. - respondi.

— Hmm…. - resmungou ela fechando os olhos de novo - Cabou?

— Acabou. Os outros estão bem. - respondi, mas ela não deu sinais de ter ouvido, estava exausta.

Me ergui com ela nos braços enquanto, ao lado, Victoria sofria para conseguir levantar Micaela.

— Eduardo não ajuda nem nisso… - resmungou Victoria conseguindo levantar a amiga.

Ela tava falando comigo? Era pra eu falar algo? Achei mais fácil só pegar Sadie e seguir caminho com os demais. Especialmente já que Clarisse apareceu para ajudar Victoria a carregar Micaela de uma forma mais prática do que Victoria estava tentando.

Quando viemos salvar Mallory, o caminho parecia bem mais curto (e isso considerando todos os problemas que tivemos), agora parecia muito mais longo. O pessoal mais cansado estava com muita dificuldade em avançar, especialmente quando tivemos que entrar na pequena floresta que rodeava o lugar.

O avanço era lento, paramos várias vezes, o pessoal carregando peso se revezava e Ártemis seguia liderando o grupo inteiro apesar de seguir a velocidade dos demais. Todo mundo suspirou aliviado quando chegamos no ônibus. Aposto que teriam corrido para ele se tivessem forças para isso, mas na verdade uns mal conseguiram subir.

Eu fui deixando Sadie no mesmo assento que tínhamos vindo enquanto Ártemis, as caçadoras (com exceção de Thalia), Mallory, Ciara e Mestiço colocavam o sarcófago no porta malas do ônibus. Com as horas passando, a temperatura ia baixando, então deixei minha jaqueta para servir para Sadie como cobertor e inclinei a cadeira dela e enfim, foi isso. Não tinha mais nada para fazer além de esperar todo o resto do pessoal subir, especialmente considerando que assim que subiam, todos logo caíam no sono. Bem, eu só não contava com, repentinamente, ouvir um tapa vindo do lado de fora.

Admito que fui curioso. Fui para a janela e abri-a para ver o que acontecia. A primeira coisa que vi foi Mestiço chocado e magoado, com a mão no rosto e Mallory dando alguns pequenos passos para longe dele.

— O que aconteceu?- perguntou Blitzen que estava prestes a entrar no ônibus com Hearthstone.

— E-Ele me abraçou, do nada! E começou a choramingar algo. - reclamou Mallory apontando para Mestiço - Tarado! Eu nem te conheço!

— Está tudo bem, foi só um mal entendido. - disse Ártemis se colocando entre os dois enquanto Mestiço, Blitzen e Hearthstone pareciam totalmente derrotados pela tristeza, Sam já estava dormindo no assento logo atrás de mim.

— Como isso pode ter sido um mal entendido? - questionou Mallory.

Artemis suspirou, aparentemente cansada, e olhou para mim, na janela.

— Sabe como funciona o Lethe em detalhes? Tipo, como reverter. - perguntou ela e neguei com a cabeça.

— Hades. - acrescentei a minha resposta  - Mas… Não foi literalmente no Lethe que ela caiu, pelo o que falaram. Quero dizer, não foi no submundo de fato.

— Isso deve tornar mais fácil reverter, não? - questionou uma caçadora - Deve ser mais fraco.

— Não fique com raiva dele. - disse Blitzen se colocando entre Mallory e Mestiço - Era um dos mais preocupados em salvar você. Talvez o mais preocupado.

— E-Eu… não entendo… minha cabeça está tão estranhamente leve demais e ao mesmo tempo dói. - disse Mallory.

— Vamos por partes então, certo? - perguntou Ártemis e Mallory afirmou com a cabeça - Seu nome é Mallory. Lembra-se disso?

— Não sei se lembrar é a palavra certa. - respondeu Mallory abraçando o próprio corpo - Ouvi alguém gritando esse nome mais cedo e me pareceu certo, me pareceu… meu.

— Ótimo. É um bom começo. - disse Ártemis - Todos aqui são seus amigos e querem seu bem. Alguns são de mais longa data do que outros e estavam muito preocupados com você, então não culpe o Mestiço por querer te abraçar assim, meio do nada. Já estávamos temendo o pior.

— Não… - resmungou Mestiço - Meu comportamento não foi nada aceitável. Eu já tinha notado que ela não parecia nos reconhecer e, mesmo assim, deixei minhas emoções tomarem conta.

— Seja lá o que foi, já passou. - interrompeu Ártemis - E estão todos bem. Então entrem no ônibus para que possamos sair daqui e encontrar um lugar melhor para todos descansarem. Resolveremos isso aos poucos.

Mallory ainda não parecia ter certeza de que entrar no ônibus com todos era a escolha certa a fazer, mas mesmo assim entrou, mesmo que tenha preferido ficar com Ciara, evitando Mestiço e os demais. Quanto a Mestiço, obviamente, pareciam que tinham esmagado o coração dele ali mesmo.

— Hey. Tá tudo bem. - ouvi Blitzen falando para Mestiço, que se isolou de todos também - Ao menos ela parece saber o nome dela. Vamos descansar, recuperar os ânimos e aí vamos vendo como ela está e tentando recuperar as memórias dela.

— Uhum… - resmungou Mestiço.

Ártemis foi a última a subir no ônibus, que estava bem silencioso já que todos iam logo caindo no sono. Ela conversou um pouco com a caçadora que disse ter visto a placa de um acampamento, para que conseguisse achar novamente, mas quando Ártemis ligou o ônibus e começou a fazer o caminho de volta, provavelmente só nós dois estávamos acordados.

Foi um caminho chato e silencioso, mas também foi bem curto. Quando vi a casa central de uma área de acampamento se aproximando, me levantei e fiquei de pé ao lado da nossa motorista. Ela voltou o ônibus no sentido que vínhamos e saiu da pista invadindo um gramado que claramente não fazia parte da área de acampamento.

— O que está fazendo? - perguntei meio perdido.

— Melhor nos escondermos e usarmos os banheiros e tudo mais daqui sem eles saberem que estamos acampando aqui. - explicou ela.

Sendo ela com certeza mais acostumada com esse tipo de rotina do que eu, nem questionei. Sem dificuldade alguma, ela logo escondeu o ônibus entre as árvores de uma pequena mata não muito longe do acampamento. Era um lugar calmo, dava para ouvir um rio passando por perto. Mas claramente a prioridade dos outros era recuperar um pouco de energia, e não um banho, então continuaram dormindo.

— Amanhã voltamos para a cidade onde começamos. - disse Ártemis se erguendo da cadeira do motorista e indo para o lado de fora, eu a segui - Felizmente é perto. Chegamos lá bem rápido e já pegamos o barco da Clarisse para Dublin, que felizmente também é perto.

— Então nos separamos na praia. - conclui - Temos que ir para Londres e provavelmente vai ser melhor ir com esse ônibus do que de barco já que Dagda vai estar protegendo contra o Asag que segue Sam. Mas os mexicanos precisam seguir para a Alemanha.

— Não conseguiram matar o Asag? - perguntou ela.

— Só é possível matar o Asag com uma maça falante chamada Sharur. - expliquei.

— Hm… - resmungou ela. 

Por estarmos igualmente entediados, sem nada o que fazer além de esperar o pessoal descansar o suficiente para achar um banho mais válido do que dormir, ficamos do lado de fora parte em silêncio, parte conversando sobre a situação enquanto as horas se passaram. Quando ficou escuro, ela acendeu uma fogueira, nos sentamos ao redor dela e então os primeiros começaram a acordar.

Hearthstone, Blitzen, Sam, Mallory, Ciara e algumas caçadoras foram os primeiros a irem em busca de usar o chuveiro do acampamento… sem pagar. Ártemis mostrou brevemente onde ficava a sede do acampamento, e então voltou para a fogueira.

— Vai na reunião no Olimpo? - perguntou Ártemis, de repente, depois de um tempo em silêncio.

Eu estava quase pra responder, mas parei por alguns segundos para ter certeza de que tinha ouvido certo. Eu não fazia ideia de nenhuma reunião no Olimpo.

— Que reunião? - perguntei.

— Osíris não te convidou? - perguntou ela genuinamente surpresa e estranhando a situação tanto quanto eu - Hermes deve ter levado o convite para ele ou para Hórus estenderem aos outros deuses egípcios. 

— Não… - comentei parando para pensar.

— Certeza que Osíris e Hórus devem ter sido convidados. - respondeu ela - Pelo o que ouvi falar, vários panteões foram. Sei que Zeus… e muitos de nós, admito… tem mania de excluir boa parte do mundo, principalmente a África, mas acho que ouvi de uma diversidade suficiente de panteões para considerar que não faz sentido não convidar o egípcio.

— Realmente não sei de nada… - admiti suspirando e ainda pensando no motivo disso.

— É para discutir toda essa situação. - explicou ela - Imagino que Zeus finalmente queira não só ficar quieto deixando os outros resolverem o problema. Eu já disse que não vou. Estava muito em cima e tinha que salvar Mallory. É amanhã se não me engano.

Não acho que Ártemis estava mentindo e nem estava tentando esfregar na minha cara que eu não tinha sido convidado. Então parei para pensar. Osíris de fato deveria ser o que me passaria o convite e, apesar de tudo, Hórus com certeza teria me passado também. Nunca houve uma ocasião importante assim que, se Osíris era esperado, eu não fosse no lugar.

Estava me perguntando o que poderia ter mudado, quando Sadie desceu do ônibus, vestindo minha jaqueta, dando um grande bocejo e esfregando o olho, acompanhada de Thalia.

— Bom dia. - disse Sadie, apesar de ser noite.

— Boa noite. - respondi.

Foi aí que descobri o provável motivo. Osíris estava fundido, já a algum tempo, com o pai de Sadie… o que com certeza me deixa em uma situação esquisita. Mas, no final das contas, acho que talvez eu já estivesse no lugar que ele… eles… queriam.

— Acho que sei o motivo… - comentei em voz baixa para Ártemis.

— Onde está o resto do pessoal? - perguntou Sadie.

— Eles foram tomar banho.  - respondi.

— De chuveiro? - perguntou Sadie subitamente acordada - Também quero! Eu tô podre! Toda suada, suja de lama, com frio, sangue e fedida. Quero um bom banho de chuveiro, se for quente, melhor ainda.

— Eu te mostro onde é. - respondi me levantando,

Ártemis não era a melhor das companhias, mas não era culpa dela, ela apenas não parecia saber do que falar e eu não era nem um pouco melhor, então os momentos de silêncio eram meio desconfortáveis. Então foi um grande alívio para mim Sadie ter acordado. 

Esperei uns segundos enquanto Sadie voltava para o ônibus, pegava uma muda de roupa em suas coisas e voltava. Então, seguimos caminho deixando Thalia para trás falando com Artemis sobre algo.

— Eu dormi muito? - perguntou Sadie no caminho.

— Algumas horas. - respondi - Mas se sente melhor agora?

— Bem melhor. - respondeu ela - Mas ainda consigo dormir bastante e me sinto meio mole ainda. Mas desculpa abusar assim de você, teve que me carregar né?

— Tive… mas tudo bem. - respondi dando de ombros.

— Não era como se fosse me deixar pra trás né? Ou eu espero ao menos. - disse ela rindo - Mas obrigada.

— Hm… verdade, eu poderia ter feito isso… - disse fingindo considerar a possibilidade enquanto cruzamos o rio, que separava nosso esconderijo do acampamento, que felizmente era bem raso e tinha várias pedras para pisarmos em cima - Perdi a chance, droga.

— Não ia ter feito isso não. Besta. - respondeu ela em tom de brincadeira, já do outro lado do rio.

— Será? - perguntei falsamente e ela prontamente se agarrou ao meu braço firmemente.

— Não ia. - disse ela, super séria teatralmente fazendo aquela discussão parecer séria.

Eu parei de andar e encarei ela, achando a expressão dela um pouco engraçada e fofa, e pra piorar ainda mais, ela decidiu, debochadamente, me dar língua. Eu quase comecei a rir ali mesmo. Mas me segurei e respondi dando língua pra ela também e aí foi ela quem começou a rir.

Só que esquecemos que já estávamos na área do acampamento e que haviam hóspedes ali. Repentinamente uma porta se abriu de um trailer próximo e nós saímos correndo em direção ao banheiro fugindo da luz do trailer enquanto Sadie ainda ria, e tentava esconder isso com a mão na boca.

Ao entrar na área dos banheiros, demos de cara com Blitzen e Hearthstone, ambos aparentemente de banho tomado, mas encolhidos de frio, ainda só de calças.

— Qual a graça? - perguntou Blitzen.

— É que acabei de ver o grande deus Anúbis me dando língua e fugindo de ser pego por um mortal como um adolescente aprontando onde não devia. - explicou Sadie ainda rindo.

 Certeza que eu fiquei vermelho. E se eu tinha alguma dúvida quanto a isso, Sadie acabou com elas colocando as mãos nas minhas bochechas e disse:

— Não precisa ficar vermelho não. É que eu achei fofo e engraçado. Desculpa.

— Você é uma terrível influência. - comentei e ela riu de leve até repentinamente se virar para Blitzen e Hearthstone.

— Esqueçam o que ouviram! - disse ela - Entenderam? E aliás, porque estão só de calça?

— Tem lavadora e secadora ali! - disse Blitzen com os olhos quase brilhando apontando na direção das máquinas.

— Sério!? - exclamou Sadie me puxando para elas - E tem máquinas de venda também! Mas não trouxeram ao menos uma camiseta extra?

— Pena que não tem uma que venda toalha e coisas assim. Tivemos que improvisar. - disse Blitzen aparentemente traduzindo Hearthstone - Mas pelo menos sabonete de graça tinha aos montes. E sim, trouxemos uma camiseta extra mas estão todas suadas. Resolvemos aproveitar. Sei lá quando outra oportunidade surge.

— Sei que temos a comida que o Dagda deixou… - disse Sadie admirando os chocolates das máquinas de venda - Mas um chocolate seria bem vindo. Acho que eu vou colocar as minhas roupas para lavar também… aliás, você se limpou com mágica foi? Não dá pra estender essa magia não? Deve ser bom poder gastar magia com coisa besta. Mas não deve ser a mesma coisa…

— Até posso mas acho que você ainda vai preferir um banho. - respondi.

— Mudando de assunto… - disse Blitzen - A gente estava falando com a Mallory no caminho pra cá e, parece que reconhecer o nome dela mesma ajudou a desbloquear algumas memórias. Memórias que o nome aparece, mas algumas memórias ainda. Até o apelido dela, Mack, acabou surgindo nessas memórias e consequentemente algumas vozes familiares pra ela. Isso é um bom começo né?

— Parece ser. - respondi.

— Talvez possam ir reativando as memórias delas com coisas e momentos especiais ou cotidianos… - comentou Sadie dando de ombros - Não custa tentar.

— Hearthstone disse que temos que tentar. - disse Blitzen - Nem que seja só pro Mestiço tirar aquela cara de depressão total.