APOLO

Mesmo eu tendo feito o percurso entre Phoenix e São Francisco em tempo recorde, ainda foi bastante demorado. Já estava bem escuro quando chegamos… e com certeza não ajudou sermos atacados por uma Cockatrice quando estávamos chegando. É um bicho feioso meio galinha, como se as galinhas fossem intimidadoras. Mas enfim, elas só passaram de um pequeno empecilho pois meu incrível grupo formado por mim, Percy, Piper e Meg era muito bom. Bem, tenho que dar créditos para meu carro também. Ajudou muito ele ser um conversível.

Apesar de preocupados com a possibilidade de o resto da galera também ter sido recebida por uma comitiva de boas-vindas tão mal-humorada quanto a nossa, chegamos diante do túnel que nos levaria para o Acampamento Júpiter. Como sempre, a entrada estava protegida, dessa vez, por três pessoas, uma delas tinha cabelo rosa.

— LAVÍNIA! - gritei acenando com uma mão enquanto a outra segurava o volante ao reconhecer aquele cabelo rosa.

Sinceramente, eu não conhecia os outros dois guardando a porta e, como eles mal se mexeram ou olharam para a gente quando chegamos, decidi que também não estava não inclinado a conhecer no momento.

— Não conseguiu ficar muito tempo sem a gente? - perguntou ela quando parei o carro diante da entrada.

— As coisas aqui são menos complicadas. - admiti.

— Essa bagunça toda é “menos complicada”? - perguntou Meg.

— A Annabeth e os demais chegaram? - perguntou Percy apressadamente interrompendo toda a conversa de boas vindas entre mim e Lavínia.

— Ah! Sim! - disse ela - Exatamente por isso que estou aqui. Pediram para eu ficar esperando vocês já que talvez não fossem demorar muito. Todo mundo chegou bem cansado e a Hazel bem machucada e aquela menina nova meio arranhada também. Mas tá todo mundo bem descansando. Ainda bem que tinham uma filha do Apolo lá para curar o pessoal antes que ficasse mais feio.

— Eles foram atacados no caminho? - perguntou Piper.

— Sim. Pelo o que disseram, um bicho feio galinhoso que eu não lembro o nome. - respondeu Lavínia - Pelo menos foi quase já chegando aqui.

— Todo mundo para fora do carro. - declarei - Não vou deixar meu carrinho perder os retrovisores tentando passar por esse túnel.

Percy foi o primeiro a sair. Estava claramente com pressa. Eu e as meninas saímos logo em seguida e me preocupei em transformar o carro em algo mais passável por um túnel daquele tamanho, como uma moto. Uma bicicleta podia até ser mais fácil de empurrar por causa do peso, mas acho que já era humilhação demais pra carruagem do sol. Então achei que uma moto Kawasaki Ninja vermelha estaria mais do que boa o suficiente.

Uma vez tentei fazer todo o percurso de levar o sol pelo mundo numa moto daquelas. Não é tão confortável. Lá pra metade do planeta um encosto faz falta.

— Onde os outros estão? - perguntou Percy olhando para Lavínia.

— Nos quartéis. Vamos? - chamou Lavínia. 

Lavínia guiou o caminho, seguida por Percy e então por Meg. Eu seguia atrás com Piper empurrando minha moto até que memórias não muito agradáveis vieram até mim. Lembrei de quando Frank lutou naquele mesmo túnel e, por um momento, todos achamos que ele tinha morrido. O túnel foi reconstruído completamente, pelo o que conseguia ver. Não havia nenhum sinal de que ele tinha sofrido bastante há pouco tempo atrás. Mas, mais importante que isso, a memória mais dolorosa que tive ali, foi de quando chegamos ali com o caixão de Jason.

Olhei rapidamente para Piper, e pela cara dela de quem iria vomitar a qualquer momento, acho que a memória dela tinha ido pelo mesmo caminho que a minha. Eu até queria ajudar mas, o que raios se fala nessa situação? 

Passamos em silêncio pelo túnel e voilá! Lá estava o acampamento Júpiter. Como estava de noite, estava tudo muito quieto e bem escuro. Só vi um ou outro vigia andando por aí. Quando chegamos na parte da Via Principalis onde ficavam os quartéis, vi que poucos do nosso grupinho estavam acordados ainda. 

Annabeth era um dos acordados. Foi só Percy chegar perto o suficiente para ela distinguir ele na escuridão que ela pareceu suspirar aliviada lá sentada num círculo formado por cadeiras e pessoas diante da tenda da Quinta Coorte. Fazendo companhia para Annabeth, também estavam Grover, Tyson e Ella. Tyson e Ella claramente tinham resolvido se juntar às conversas e esperar por Percy também. Ou talvez Ella estivesse apenas fazendo companhia para Tyson enquanto ele esperava o irmão.

— Onde está Kayla e… o resto do pessoal? - perguntei em meio ao meu eterno processo de me redimir pelo passado de pai ausente enquanto deixava a minha moto no espaço vazio ao lado da barraca do quartel da Quinta Coorte.

— Dormindo. - respondeu Grover.

Tanto Grover como Annabeth, mas principalmente Annabeth, pareciam bem cansados. Com certeza já teriam ido dormir se não fosse a expectativa de Percy chegar logo.

— Não tinha espaço para todo mundo nessa barraca. - disse Tyson - Mas tinha na Quarta Coorte também e a Primeira Coorte praticamente insistiu para a menina egípcia ir para lá. Mas ela não parecia muito afim não… 

— E ela foi? - perguntou Piper - Ou conseguiu escapar?

— Não conseguiu fugir. - disse Ella.

— Pobre Zia… - resmungou Percy suspirando lentamente - Com certeza eles só a convidaram para dormir lá por algum interesse.

— Também achei. - opinou Annabeth.

— É provavelmente a primeira vez que alguém egípcio entra aqui. - disse Lavínia - Devem estar pensando nos contatos que ela pode trazer ou algo do tipo. Eu sinceramente ainda tô tentando processar isso tudo. Ou será que ela pode contar parcialmente como romana já que o Egito fez parte do Império Romano?

— Romana honorária? - perguntou Piper rindo.

— Algum dos Lares já ficou encarando ela e murmurando algo? - perguntou Percy.

— Agora que você falou… - disse Ella - Ouvi uns Lares chamando ela de “Aegyptia”...

— Mas falando sobre o que é importante, descobriram algo interessante em Phoenix? - respondeu Annabeth.

— Algo que valha a pena vocês terem ficar acordados esperando? - perguntou Meg - Não sei se a informação é tão cara assim.

— Tinha uma naiade lá que fingiu lutar com a gente se não iam fazer algo com ela. Ela nos contou bastante coisa na nossa luta fingida. - expliquei - Ela disse que alguns indígenas e shamans estão aparentemente fazendo o mesmo que nós, ou pelo menos só a parte dos rios. Ela mencionou que “estão até no norte do Canadá interferindo” e que “impediram parte do exército de Nyx de chegar até ela até Las Vegas”.

— Talvez por isso então o tanto de monstros em Las Vegas não era tão preocupante quanto no México… - disse Annabeth - Ou talvez seja apenas um dos motivos já que claramente estavam esperando por nós tanto aqui no Acampamento Júpiter, como na Casa do Brooklyn. Não me surpreenderia se também estiverem de olho no Acampamento Meio-Sangue. Tiveram que dividir as forças para tentar impedir a gente de continuar lidando com tudo isso.

— Se é assim… talvez tenha gente na China também né? - disse Lavínia do nada deixando todos perdidos.

— China? - perguntei.

— É… passou no jornal hoje de manhã que uns rios lá inundaram. - disse Lavínia dando de ombros - Lembrei de vocês. Mas também pode ser só a natureza com raiva da gente.

— O rio em Phoenix parecia bem mais cheio do que o normal… - disse Percy.

— Não necessariamente tenha então na China… mas será que é possível? - questionou Annabeth.

— A naiade também disse que Quetzalcoatl cuida das coisas desde a fronteira do México até acho que o Equador e o Caribe. - disse Meg - Tanto que rapidinho uns monstros vieram do sul, já que estávamos perto da fronteira, e aí fomos embora. Nyx ficava com a parte da fronteira do México para cima.

— Então os monstros que encontrarmos por aqui estão desorganizados. - concluiu Annabeth - E temos potencialmente outros deuses cuidando da América do Sul e provavelmente de outros continentes também, caso eles estejam mesmo um problema global.

— Temos que contar isso pro resto do pessoal que está indo pra Europa e para a África. - sugeriu Grover - Eles podem acabar encontrando seja lá quem está responsável por trazer problemas para lá.

— Descobriram algo mais? - perguntou Annabeth.

— Ahm.. não… foi basicamente só isso. - respondeu Percy.

— E que a naiade é amiga dos indígenas da reserva que tem perto então por isso ela não necessariamente tá concordando taaaaanto assim com as ideias da Naunet. - acrescentou Meg.

— Ella vai continuar a procurar informações na biblioteca. - declarou Ella.

— E eu vou ajudar! - exclamou Tyson levantando o braço.

— Mas vamos deixar isso para amanhã. - pediu Annabeth suspirando - Eu particularmente estou doida para dormir até bem tarde.

— Amanhã eu vou para Nova York. - declarei interrompendo o começo da busca por uma cama do pessoal - Tenho que estar a tempo lá para a reunião no Olimpo e é uma viagem longa. Sabe se alguém vai querer ir também?

— Zia provavelmente. - comentou Grover - Talvez a Kayla?

— Eu também vou! - exclamou Meg.

— Ok. Podem ir dormir então…Eu acordo vocês duas se não tiverem acordado. E não toquem nem deixem ninguém tocar na minha moto! - eu avisei, eles estavam com uma cara horrível e realmente precisando de uma boa noite de sono.

Conforme o pessoal ia dormir e se dividiam nas camas que sobravam nas barracas do quartel, eu notei que estava surgindo diante de mim a promessa de uma noite terrivelmente solitária. Eu nunca tinha parado para pensar muito nisso antes de toda a minha aventura como mortal que resultou em fazer amizade com o pessoal, mas agora eu via como havia muitos pontos ruins em ser um deus imortal. 

Não bastava eu constantemente lembrar que eu podia me distrair ou sei lá e aí, sem notar, passaram centenas de anos e todo mundo já teriam morrido, agora tinha que aguentar passar a noite sozinho fazendo nada. Tá, tá, eu podia ficar de olho para ter certeza de que ninguém iria atacar o acampamento, mas já estavam tomando conta disso!

Fiquei andando sem rumo pela Via Principalis pensando nisso até chegar diante dos Banhos. Com exceção dos sentinelas, todos os outros dormiam então foi uma caminhada muito solitária. Cheguei diante dos banhos, completamente vazios, e olhei não para o interior deles, mas para uma pequena fonte d’água feita na pedra. Tal como muitas cidades romanas, a água potável jorrava da pedra com uma torneira só que com um design mais antigo. Nessa, a água saía pela boca de uma pequena cabeça de leão esculpida na pedra como se leões cuspissem água potável.

E sei lá. Eu tava entediado. Todo mundo ali estava dormindo e, se minhas habilidades de fuso horário adquiridas enquanto levava o sol pelo céu estivessem corretas, o pessoal que estava em alto mar, seja o pessoal indo pra Europa ou o pessoal indo para a África, provavelmente já estavam aproveitando a maravilha que era o sol ou ao menos o espetáculo inicial do nascer do sol. Segundo eu entendi dos outros falando e me explicando até ali, o Will estava no grupo indo para a Europa enquanto Leo e Calipso indo para a África.

Ver como estava Will me pareceu uma boa ideia. Então virei eu mesmo minha fonte de luz e usei a fonte para tentar enviar uma mensagem de Íris para Will. Para meu total desespero, ninguém atendeu do outro lado. Tentei não entrar em desespero. Talvez ele só estivesse no banheiro, né?

Seguindo minha ansiedade que agora sim PRECISAVA fazer alguma coisa, decidi tentar irritar Calipso e Leo um pouco para me distrair. Fiz tentei fazer outra mensagem de Íris e dessa vez, pelo bem da minha sanidade mental, Calipso respondeu do outro lado.

— Olha só quem resolveu descer do Olimpo e se juntar a nós! - disse Calipso soltando um bocejo logo em seguida.

Vi que ainda estava escuro lá para ela e que ela estava deitada com cara de sono e os olhos semi-abertos, então claramente eu tinha subestimado onde no mundo eles já estavam.

— Droga, achei que vocês já iam estar pra leste o suficiente para o sol já ter amanhecido. - respondi - Tipo.. já quase na África.

— Não. Fomos os últimos a sair do México. - explicou ela - Estamos… ahm…. perto da América do Sul ainda, acho.

— Deixamos finalmente o Caribe para trás há algumas horas. Só tem mar ao nosso redor mas o país mais perto deve ser o Brasil. Mas por “perto” ainda é longe. - respondeu uma voz que eu não conhecia em algum lugar fora do campo de visão da chamada - Quem é?

— Eu ia perguntar a mesma coisa. - eu disse vendo uma… um… erm… uma pessoa… pronto. 

Ao mesmo tempo que parecia uma menina, também parecia um menino. Achei melhor não chutar nenhum dos dois. Só sei que a pessoa respirava a estranha combinação de cores que era o verde e o rosa. Não sou exatamente especialista em moda, mas acho que ambas as cores ficariam melhores acompanhadas de outras cores, como talvez o preto, mas enfim… 

— Alex, esse é Apolo. Apolo, Alex. - disse Calipso.

— Pronomes do momento, ela/dela. - completou e num piscar de olhos eu não estava mais perdido.

— A filha de Loki… - falei lembrando de toda a explicação que ouvi no carro no caminho de Phoenix até aqui.

— O filho de… - disse Alex me imitando mas parando um pouco - quem? Ze..

— Não fala o nome dele, por favor! - pedi desesperado cortando ela - O cara grego do raio. Ele mesmo. Meu pai.

— Você tem medo do papai? - perguntou ela rindo um pouco de mim.

— Tenho sim! Tá?! Não tenho medo de admitir! - resmunguei cruzando os braços - Também teria no meu lugar!

— Porquê ligou. Tá tudo bem aí? - perguntou Calipso com muito sono aparentando meio mal humorada.

— Estava entediado. - respondi dando de ombros - E vocês, porque estão acordadas às… 3 ou 4 da manhã ?

— Deve ser mais ou menos isso mesmo… - resmungou Calipso com um bocejo - E estou acordada porque ALGUÉM me acordou com uma mensagem de Ìris enquanto eu poderia estar dormindo muito bem igual o resto do pessoal.

— Bem, eu já estava acordada. Era minha vez de ficar de olho no barco. - explicou Alex - Sempre tem alguém de olho desde quando tivemos problemas perto de Aruba. Mas tá tudo bem agora. Ninguém se machucou mais do que o Magnus consegue curar.

— Será que Will e o resto do pessoal com ele estão com problemas? - perguntei nervoso mordendo a unha do dedão direito - Ninguém atendeu…

— Não sei… - disse Calipso - Mas relaxa. Tem muita gente lá com ele.

— É. Relaxa… - disse Alex - Pensa em outra coisa. Tipo… compartilha com a gente como você, como deus, consegue dinheiro?

— Dinheiro? - perguntei estranhando a pergunta.

— É. - insistiu Alex - Vocês têm salário no Olimpo?

— Algumas vezes eu recebia oferendas de objetos com ouro e jóias e ainda tenho alguns mas, tirando ouro e outros metais e pedras preciosas, porque são bonitos, a maioria dos deuses não realmente liga para dinheiro. Pergunta estranha…

— Curiosidade. - respondeu Alex dando de ombros.

— Que tal assim, a Alex ainda tem algum tempo para ficar de olho no barco. - disse Calipso - Fica matando seu tédio com ela e depois dela acho que é o Leo aí você mata seu tédio com ele. Eu quero dormir!

— Ok ok. Foi mal. - falei.

E foi assim que eu tive uma longa conversa com Alex enquanto ela matava o meu tédio e me impedia de ficar preocupado com Will e eu ajudava ela a ficar acordada o resto do turno dela. Ela é legal apesar da insistência em saber se os deuses tinham condições financeiras de bancar os heróis que mandam em aventuras. E fazer o quê? Falei a verdade. Provavelmente até têm, mas tão cagando ou não entendem que recursos financeiros são necessários também.