Lufano sim, alegre também escrita por Maga Clari


Capítulo 2
A vez em que meu coração foi exposto e eu morri de vergonha


Notas iniciais do capítulo

Alô, alô, vocês acharam que não ia ter capítulo hoje, né???



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A história que vou contar pra vocês não é uma história feliz, mas também não é uma história triste.

É apenas uma história sobre adolescentes deslocados, emotivos, filósofos, e cheios de amor pra dar.

A única diferença entre nós e os alunos das outras casas é como essa escola teve a cara de pau de nos por escondidos numa toca. O acesso à Lufa-Lufa não é fácil, e não é como se alguém realmente quisesse frequentar nossa Sala Comunal.

Na verdade, ninguém sequer dá “oi” pra nós no corredor. Só quando algum professor passa por perto, para que pareçam mais educados ou algo assim. Mas na maioria das vezes, torcem o nariz, viram a cara. Soltam risadinhas maldosas.

Às vezes eu sinto que há um manto da invisibilidade sobre nós. Como se a população ao nosso redor nos visse como fantasmas. Mas não os estilosos como o Barão Sangrento. Estamos mais para o Frei Gorducho. Vocês sabem... Loosers.

Não me entenda mal, eu sou super fã do Frei Gorducho. Nós até jogamos uma partida de snap explosivo, certa vez. Mas ele é bonzinho demais. Os outros fantasmas fazem bullying com ele da mesma maneira que os outros alunos fazem conosco.

Mas acho que vocês não querem que eu continue dando uma de vítima e falando que somos discriminados e coisa e tal. Então é melhor começar com a história de uma vez, correto? Pois então...

Foi numa sexta-feira 13 ainda deste mês quando Louis Weasley atirou-se numa poltrona da Comunal com a caixola soltando fumaça de seus ouvidos.

Pensei em ignorar e continuar escrevendo em meu caderninho. Eu estava deitado no carpete de barriga para cima, usando a pena de repetição rápida através do meu pensamento. Um simples truque que mamãe me ensinou dois verões atrás.

Louis continuou soltando ar, irritado, e meu espírito de solidariedade lufana me deixou inquieto até que eu perguntasse:

— Está tudo bem, Lulu?

— Depende do ponto de vista.

— Só responde, cara. O que foi que houve?

— Estou de saco cheio! — Louis então virou a cabeça para mim e esperou alguns segundos em seu silêncio dramático — Hogwarts precisa de uma revolução. 

— Revolução, Lulu? — questionei, realmente desconfiado — Quer dizer o quê com isso?

— Revolução! Não tem como ser mais explícito!

Então ele se levantou e ficou andando de um lado para o outro. E eu continuei absorto em minha escrita.

Não dado por satisfeito, Louis arrancou-me o caderno que flutuava no ar para começar a ler em voz alta algo que eu teria uma piripaque se pessoas erradas lessem. O texto recitado era ainda pior.

Louis começou a rir antes de ler e depois subiu numa mesa. E ninguém nem sequer reclamou que ele podia quebrar a mesa ou mesmo sujá-la com seus pés descalços. E eu só quis me enfiar ainda mais fundo naquela toca, para tão, tão distante e nunca mais voltar.

— Ó, lua! — ele começou, e eu já tinha escondido meu rosto nas almofadas, de tanta vergonha — Quem é você? Quem é você, afinal? Você é a branca, a cintilar no meio do mês? Ou você é a preta, que só me aparece pela metade, de vez em quando? Ó, lua! Você é branca ou negra? Você é as duas? É isso que você é? E por que você muda? Assim, continuamente? Rotineiramente? Lua, Ó, LUA! Me diga! Por favor! Você é a luz ou as sombras? Ou as duas? Conte-me, Lua! Por favor! Como é ser dois polos. Dia sim, dia não. DIGA-ME, LUA! EU NÃO AGUENTO MAIS! Quero ser a parte cintilante e a parte inebriante! Quero ser apenas eu! Como você é. Dia sim, dia não, dia sim, dia não.

E aí, terminada a leitura de meu funeral literário, Louis sorriu para mim e eu senti que todo o meu sangue sairia pelos meus poros.

— Diga-me, Lua. Escrito por H.G. Weasley — foi sua punhalada final, antes de fechar o caderninho e guardar no bolso das vestes — Tem até assinatura de famoso, esse meu primão, hã?

Dito isso, nossos colegas bateram palmas e alguns deram soquinhos em meus ombros. Algumas garotas até mesmo sentaram perto de mim e eu não entendi o porquê.

— Ai, você é tão sensível! — uma terceiranista, Natalie, eu acho, deu uma piscadinha, flertando comigo.

— Melhor do que essas rimas ridículas que o Louis escreve! — foi a vez de Alice, que havia acabado de sair de sabe-se-lá onde.

— Ei! — Louis pareceu se aborrecer — Eu escrevo muito bem!

— Eu gosto do que Lulu escreve — defendi-o prontamente.

— Ah, mas o seu poema foi melhor — Natalie tornou a insistir.

— Olha — Louis interviu, transbordando impaciência — Não dou a mínima se vocês não compreendem minha arte. Além disso, tenho assuntos mais urgentes a tratar — e aí, virando-se unicamente para mim enquanto apontava para o caderninho em suas vestes, Louis sussurrou, com fervor: — Isso aqui, parceiro, isso aqui é o que eu precisava. Não só isso, claro. Mas vai ser muito mais do que importante. Vai ser importantíssimo!

E foi tudo antes que ele sumisse enfaticamente pelo quadro de frutas, deixando não somente eu, mas todos os lufanos presentes cheios de interrogações na cabeça.

Não vou mentir: não estava nem um pouco com vontade de entender Louis. Ou sequer lidar com ele naquele momento. Estava mais preocupado em lidar com minha crise existencial que havia começado desde a semana anterior, para ser sincero.

A questão é que eu estava trabalhando num projeto para a matéria de Poções do quarto ano, e como todo mundo já sabe, a Amortentia tem um cheiro diferente para cada um. Acontece que eu pus meu nariz na estante e todos os frascos tinham o mesmo cheiro: shampoo de flores, biscoitos amanteigados, colônia e pergaminho novo. Estranho, não é? Naquele instante, eu não havia entendido que estava apaixonado por duas pessoas ao mesmo tempo. Eu simplesmente fiquei paranoico, e cada estudante, fantasma ou professor que passava poderia ter o tal cheiro. Por isso, comecei a ficar maluco. Tão maluco que cheguei ao ponto de gritar no meio do corredor e ser mandado para a Ala Hospitalar.

— Está tudo bem com o senhor? — Madame Petúnia quis saber, assim que me empurrou para uma maca.

Não consegui responder nada. Simplesmente chorei. Acho que isso se chama exaustão. Crise nervosa, de histeria. Eu já estava com o rosto escondido entre as mãos quando Madame Petúnia deu tapinhas em minhas costas.

— Seja lá o que for... Vai dar tudo certo, garoto. Agora, vou lhe preparar um calmante.

Até hoje não sei o que aquela enfermeira hippie (e lufana) havia me dado pra tomar. Mas eu apaguei na mesma hora e tive um sono lindo e tranquilo...

Quando já era noite, Madame Petúnia me acordou com a bandeja do jantar.

— Você ficou chamando um nome — ela quebrou o silêncio.

— Hum... — foi tudo que consegui responder.

— Quer saber qual foi?

Esperei ter engolido a sopa antes de cortá-la bem grosseiramente:

— Não. Merlim que me livre de descobrir.

Aí, a enfermeira deu risada e me deixou sozinho de novo.

O pior de tudo é que me sinto realmente sozinho, sem ter com quem conversar. Aquela história de que a Lufa-Lufa é cheia de bons amigos, bons ouvintes, ah! Isso é tudo história da carochinha. Eu sou mais solitário que dementadores sem criminosos pra beijar. E por falar nisso, eu também não beijo ninguém.

Louis diz que não beijo porque passo tempo demais devaneando e filosofando. Mas às vezes acho que fico devaneando e filosofando porque não beijo. Não tem como eu saber a resposta. É um ciclo infinito.

Por isso que comecei a escrever poesia.

E aí agora que meu coração foi exposto, acho que vou cavar um buraco na lareira e me esquentar até morrer.

Ah, quem estou querendo enganar? Eu não conseguiria. Acho que uma crise de riso nervosa apareceria bem na hora. Sabe por quê?

Lufanos não levam nada a sério.

Eu só não sei se não levamos a sério por ignorância dos fatos ou se ignoramos os fatos porque somos lufanos.

Não... Espera um pouco... Acho que me perdi um pouco com esse raciocínio...


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