Caminhando ao Estrelato [HIATUS] escrita por Gabriel Az


Capítulo 3
02. Fome de Bola


Notas iniciais do capítulo

Acho que sempre vou começar pedindo desculpas pela demora, mas ela é maior do que eu. Sempre há algo maior por trás do que faço, mas o capítulo está aqui, saindo do forno e pronto para ser lido.

Pode parecer brincadeira, mas "Fome de Bola" surgiu quando eu estava jogando futebol com meus amigos. Como faço mais a função de zagueiro estava indo com força nas divididas e sem perder uma, porém, por achar que estava sendo um David Luiz da vida, acabei querendo ir ao ataque dar alegria ao nosso povo e perdi sempre a bola, por isso o fominha, já que nas gírias futebolísticas essa é a pessoa que não passa a bola ao companheiro.

João está um pouco problemático nesse capítulo, então novamente venho esclarecer que as opiniões dele não são as minhas sobre diversos assuntos, embora em algumas coisas concorde. Foi citado nomes reais aqui e espero que se por algum acaso, alguma dessas pessoas venha a ler, goste do que está sendo feito.



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"O futebol é o ópio do povo e o narcotráfico da mídia"

O que estava acontecendo era novo para mim, mas não para boa parte deles. Milhares de jovens já haviam passado pela mesma situação que a minha. Todos os jogadores fizeram ao menos um teste antes de se tornarem o que são. Pegaram uma bola de futebol e souberam que era aquilo que iria acompanha-los até o fim de suas carreiras. Comigo não pode ser diferente. Se alguns rapazes aqui só estão pensando no futuro dinheiro, em minha mente eu só quero conseguir tirar mainha da miséria e dar uma vida boa pra essa minha dona Vânia. Caso venha sobrar, já são outros quinhentos.

Em cada segundo em que tudo era conferido a minha ansiedade ficava maior. Chegava um e entrava, mais um e entrava, mais e mais e mais. O senhor chamou o garoto loiro que estava na frente de Diguinho e demorou um pouco mais por uma conversa que os dois tiveram, talvez fossem conhecidos. Se sim, era menos uma vaga, já que sempre que havia alguém familiar para o instrutor, essa pessoa sempre ganhava uma chance. Fiquei com raiva daquele branquelo. Quando entrou voltei a atenção para o zagueiro.

— Vá lá, man. — eu disse, dando um leve empurrão no rapaz, fazendo ele chegar mais perto do barrigudo.

Diego acabou fazendo o que todos os outros fizeram. Entregou os documentos, disse seu nome, e após o gordinho conferir se ele estava realmente inscrito, respondeu à pergunta feita a todos: “trouxe o material?”, geralmente composto de chuteira, meião e mais. Ele trouxe. Lógico que lá dentro aconteceria mais perguntas antes de iniciar o teste, mas aquele era o básico do básico para saber se todos estavam aptos para começar aquilo. Quando foi entrar, acenou com a cabeça para mim e sussurrou um “te encontro lá”, ou algo parecido, já que não sou bom em leituras labiais.

— E você? — o barrigudo perguntou, me tirando de meus pensamentos. — Vai ficar aí parado ou quer que lhe meta a mão?

— Não, não — falei, assustado. Estava sendo um completo afobado, então resolvi apenas ficar calado e seguir o procedimento característico.

— Nome?

— João Silva Carvalho — disse, entregando a identidade. Ele pegou e conferiu, devolvendo-a em seguida.

— Trouxe o material, filho? — repetiu o de sempre. Afirmei com a cabeça e abri a mochila. O velho deu uma bisbilhotada e assinalou alguma coisa em uma prancheta que carregava. Vale lembrar que ele não tinha nada em mãos no momento que apareceu. — Boa sorte, pode entrar.

Devo admitir que minha alegria foi imensa. Poderia acontecer um tiroteio e mais a zorra toda que eu só iria pensar naquele teste. Ontem pra dormir foi um inferno, mas hoje parece que valeu a pena. Caso consiga a profissionalização vai valer ainda mais. Passei pelo portão como solicitado e adiantei o passo para alcançar Diguinho, o que foi falho já que ele estava mais na frente. Não parei para observar o que tinha ao meu redor, apenas me dei conta que subi pequenas escadas e que, agora, o lugar onde estava parecia um centro de treinamento, mesmo eu nunca tendo ido a um. Tinha uma quadra do meu lado, excepcional para jogar futebol, mas também com uma tabela de basquete sobre o travessão, também com o aro. Apesar de meio improvisado, causava o divertimento de vários e várias que vinham aqui, com certeza.

— Sabe o que a gente vai fazer? — o rapaz do meu lado perguntou, contudo, não era o meu companheiro. Só um cara qualquer.

— Tem que descer pro campo com a mochila, disgrama — ouvimos de algum rapaz que passou correndo. Não entendemos o porquê da correria, mas seguimos aquele quase vulto.

Eu e o garoto fomos em frente e de longe já ouvíamos vozes conversando no campo, como aquele cara havia dito. Não soube onde colocar a mochila e realmente pensei na probabilidade de jogar com ela nas costas, porém percebi o quanto aquilo era idiota. Eu primeiro teria que tirar as coisas se quisesse jogar com ela.

Desci mais escadas, que era o que mais aparecia naquele lugar. Aparentavam ser naturais, lembravam uma rocha. Quando abri o portão do alambrado verde, mais olhares foram direcionados a minha pessoa, disfarçados mas ainda assim visíveis. Igual quando estava com Diego. Percebi que tinha algo de errado acontecendo ali, mas ainda não sabia o que era então fiquei quieto, mesmo que as encaradas enquanto eu passava ardessem na minha nuca. Tinha um instrutor ali. Vi quando repreendeu, também com olhares, o que faziam aquele ato comigo. Não soube o que era, então apenas ignorei.

Observei ao longe dezenas de mochilas espalhadas em uma espécie de banco de reservas, improvisado assim como aquela quadra. Talvez por ser do governo estavam cortando tantos gastos. Eram cerca de seis bancos de madeira sem encosto, mas separados por duas portas, uma em cima da outra, na vertical, logo, três bancos de cada lado. Isso não impedia das mochilas ficarem acumuladas mais de um lado do que do outro. Quando coloquei a minha do lado de outra, preta, senti uma mão encostando em meu cabelo. Virei rápido e dei um tapa sem nem ao menos saber quem era. Minha mãe não estaria aqui e ela é a única que não desço o pau.

— Calma aí super-choque — era o garoto loiro de antes que falava. Em um tom claro de deboche. Ele recolheu sua mão e a sacudiu depois de meu tapa. — Eu só fui guardar isso aqui e encostei nisso aí.

Quando disse, mostrou uma bolsa masculina azul e olhou meu cabelo, julgando-o. Encarei aqueles olhos castanhos tentando manter o controle e não agredi-lo, já que a vontade já tava nas alturas.

— Não acha que isso atrapalha no cabeceio? É que achei exótico — ele concluiu sua opinião sobre meu cabelo. Permaneci em silêncio e soltei um longo suspiro. Continuei o observando com desdém até ele deixar seus pertences ali e se afastar.

— Cada um que me aparece — comentei comigo enquanto espirrava a água de uma de minhas garrafa na cara. Esfreguei minhas mãos por ela e me levantei para ir em direção a uma roda que estava sendo formada em volta do instrutor.

Quando cheguei nela vi Diguinho perto de outro cara. Pensei em chama-lo, mas tive medo de atrapalhar a concentração de todos e eles voltarem a me olhar. Por isso permaneci em silêncio até aquele pardinho me notar. O garoto estava amarrando sua chuteira e não parecia muito focado na roda, o que complicava ainda mais o pequeno plano que eu havia feito em mente dele vir e conversar comigo. Ainda assim tomei coragem, mas quando iria pronunciar seu nome, fui cortado pelo professor, que já ia dar início a preparação física.

— Primeiramente, bom dia a cada um de vocês — disse, contemplando em rápidos olhares a face de cada um daqueles rapazes. Alguns responderam com um enorme entusiasmo, outros preferiram ficar calados, como eu. — Agradeço por terem acredito que a equipe do Bahia é digna de receber cada um de vocês para um teste. Já revelamos muitos jovens aqui e esperamos que vocês sejam os próximos. Todos estão se sentindo bem?

Automaticamente vários acenaram com a cabeça, confirmando, outros se ousaram a falar um “sim” ou “eu tô”. Fiz parte da turma que acenou. O frio na barriga era imenso e talvez a ansiedade vencesse tudo ali. Não era medo, era desconfiança. Quando pensei que era bom nisso, foi um talvez que pode ser perdido agora se eu errar. E se errar, nada do que sonhei pode acontecer.

— Os times ficarão separados em dois, como em um jogo normal. Após vinte minutos o apito será acionado e acontecerão as trocas de times, saindo os vinte dois e entrando mais vinte e dois. A atividade será monitorada por eu, Igor, preparador físico e o treinador Aroldo Moreira, da equipe sub-20. Espero que se esforcem. — falou com entusiasmo. Quando citou o nome do técnico, apontou para um senhor com a mesma camisa que ele vestia, a de comissão técnica. O homem era branco e de cabelo meio crespo. Seu rosto possuía linhas de expressão visíveis e seu porte físico era comum, nem gordo nem magro, apenas no ideal.

Apesar de todos estarem forma, os únicos que pareciam um pouco acima do peso eram Igor e o senhor que havia checado as inscrições. Não era um bom incentivo para aqueles jovens. Ninguém quer ser igual Walter ou Ronaldo no fim de carreira. Todos não sabiam o que iria acontecer e eu também não. Um ficou encarando o outro e no final encaramos o instrutor que ficou se perguntando o que estava acontecendo. Até que deu uma risada curta e voltou a nos observar.

— Desculpem — pediu — Não fazemos teste há um bom tempo e acabamos esquecendo os procedimentos. Não contem isso a ninguém que facilitaremos o passar de vocês. — fez a menção de um sussurro, o que deixou todos mais relaxados. — O rapaz que conferiu a inscrição de vocês também é o nosso roupeiro, vulgo Ilmo Costa. Chegue pra cá, brocador.

Boa parte dos rapazes se virou para observar sua chegada a roda. Continuei encarando o chão e me perguntando o porquê de tanta enrolação. Só queria pegar um baba e picá a porra em quem vesse pra cima de mim. Estava ficando com raiva. Queria um teste e não apresentações e apresentações.

— Bom dia a todos vocês — o roupeiro repetiu o que o homem já havia dito — Espero que façam um bom teste. Depois do alongamento que o professor irá fazer vocês receberão o uniforme um por um. Entregarei exatamente após o alongamento, nem antes, nem depois, então recomendo beber água, tirar água do joelho e essas coisas só depois de receberem.

Uma onda de “lá ele” e risos foi dada. Também compartilhei da descontração de todos, e quando o homem se afastou foi dada a partida finalmente para os aquecimentos.

— Vamos lá! — incentivou Igor — Primeiro movimento: entrelacem os dedos e façam um movimento circular com o punho.

Houve vários outros movimentos como polichinelo, girar a cintura, bater o joelho nas mãos estendidas, mas foram várias séries repetitivas de alongamentos. Poderia citar alguns rapazes que não conseguiram fazer algumas das atividades, porém estávamos tão concentrados que a única coisa que importava era aquilo e o teste. Nada de rir, apenas o teste, o teste, o teste!

Ao final, Ilmo entregou os uniformes e o treinador chegou mais perto para junto com o preparador físico designar nossas posições. Em uma rápida seletiva houve a presença de quase um time de atacantes, dez, além disso, o número de goleiros não chegou a servir para os quatro times que seriam separados, dois. Isso significou que alguns deveriam ser improvisados, o que sobrou para os mais altos que resolveram se arriscar.

— Esse é uma das vantagens de ser um zagueiro, Joãozinho — reconheci a voz de Diego e me virei sorridente. Não nos encaramos durante a preparação, um momento de descontração agora seria essencial para aliviar um pouco da pressão sobre as nossas cabeças.

— Véi, minha perna tá perto tremendo, piva — eu comentei. As risadas, entretanto, não foram somente nossa. O garoto com quem eu havia me estranhado também gargalhou. Observei aquele oxigenado e dei uma cusparada no chão, pisando logo em seguida. — Ainda bem que hoje eu tô na bruxa.

— Toma cuidado pra não machucar ninguém, negão — alertou. Não era meu objetivo machucar ninguém. Apenas dar uma pegada naquele zé gotinha pra fazer ele ficar esperto.

— Vou machucar ninguém não, pô — fui sincero. — Só tô falando que não vai ser só eu que vai ficar com a perna bamba, tá ligado?

— Mermão se acalme — Diguinho disse entre risadas. Passou em minha cabeça e deu um sorriso forçado. — Se você por algum acaso quiser quebrar alguém, se jogue no chão também. Aí vão ver que tu só tava com vontade de ir na bola. Palavra de zagueiro nunca falha.

— A minha vantagem é que eu sempre quero ir na bola, lá ele. — deslizei, corrigindo-me logo em seguida. — Diego, eu tenho fome de bola.


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Notas finais do capítulo

Frase dita por Millôr Fernandes, desenhista, escritor e jornalista, falecido em 2012 nunca se profissionalizou como jogador ou se relacionou diretamente com o futebol.

Man - Palavra originária da língua inglesa que significa em português homem e cara no modo informal de se falar. No Brasil o termo é usado como gíria para chamar alguém, geralmente do sexo masculino.

Meter a mão - Pode ser utilizado em dois sentidos. No de roubar, pegar algo sem permissão ou de agredir alguém para deixar a pessoa focada no que está acontecendo.

Walter - Atacante brasileiro famoso por sempre estar acima do peso mesmo com preparo físico e treinamentos. Atualmente joga no Atlético Goianiense, último colocado do campeonato Brasileiro (17/08).

Brocador - Quando alguém se bem em algo e realiza com sucesso. Há o "Brocar" que é quando se faz bem feito, com perfeição.

Picá a porra! - Agir violentamente contra alguém ou alguma coisa.

Piva - Abreviação da palavra "pivete".



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