Crônicas Mitológicas escrita por Elias Franco de Souza


Capítulo 7
Pirítoo


Notas iniciais do capítulo

A princípio, este personagem não receberia capítulos com o foco narrativo nele. Mas ao revisar capítulos mais adiantados que ainda não publiquei, percebi que ele merecia mais profundidade. Então criei este capítulo para já começar a apresentar a relação dele com suas discípulas. Espero que gostem tanto deste grupo de cavaleiro e amazonas quanto eu gostei de criá-los.



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No meio do bosque, o homem de cabelos morenos e olhos negros penetrantes já estava cansado de esperar pelo retorno de Orfeu. Até quando o bardo brincaria com aquele garoto? Por que não simplesmente matá-lo para retornar logo à missão principal em Iolco? Pirítoo fora retirado de Atenas por Orfeu para auxiliá-lo na investigação do Cavaleiro de Therion, que estaria supostamente traindo o Santuário, e não para perder seu tempo investigando a família desse rei arrogante. Pirítoo ainda não havia aceitado que Orfeu, um cavaleiro de ouro, tivesse acatado esse pedido de Pélias, um cavaleiro de bronze. E embora o próprio Pirítoo fosse um cavaleiro de prata e respeitasse a hierarquia do Santuário para não questionar Orfeu, já estava ficando impaciente. Antes que desse outra mordida na maçã que comia, acabou partindo-a entre os dedos – apertou o punho com tanta força que o fruto explodiu.

  — Mestre, por que você está tão irritado? — era Electra quem perguntava, a mais jovem de suas sete discípulas, que o acompanhavam. Todas irmãs, de cabelos e olhos com diferentes tons de castanho, as amazonas lutavam sob a alcunha de Plêiades[1], em alusão às sete estrelas que a constelação de Órion[2], a guardiã de Pirítoo, seguia no céu.

  — Me perdoem. Eu não deveria transparecer minha irritação dessa forma imprudente. Não é um bom exemplo para vocês — respondeu secamente, tentando conter suas emoções.

   — Mas você é incorrigível nesse sentido, mestre. Até a Alcíone consegue esconder melhor a TPM dela.

  Pirítoo tentou não rir quando as irmãs começaram a brigar. De fato, Alcíone era a mais zangada delas. Outros mestres teriam repreendido Electra, mas Pirítoo achava graça nesse jeito debochado da pupila. Ela sempre aliviava as tensões.

 — Eu só não entendo por que Orfeu precisa da minha ajuda aqui — respondeu finalmente, para interromper a briga. — Eu deveria estar em Atenas ajudando Teseu a defendê-la, lutando, como um guerreiro, e não brincando de espião no meio da floresta.

 — Além disso, mesmo que brevemente, nós nos desviamos da missão para a qual ele nos trouxe. — Mérope, a mais velha das irmãs, parecia partilhar da mesma inquietação quanto a essa postura de Orfeu. — Mesmo que o garoto seja filho de Esão, não sei de que forma isso ajudaria o Santuário. E Orfeu não compartilha as conjecturas dele conosco... Mesmo ele sendo um Cavaleiro de Ouro, tenho meus receios em relação a ele.

 — Eu tenho o mesmo sentimento — concordou Asterope. — Mestre, a escola de virgem deveria estar extinta. Como é que esse sujeito que ninguém nunca ouviu falar surge do nada? — Realmente, o último herdeiro da escola de virgem havia sido morto pelos generais marinas há mais de 12 anos e, com ele, todos os segredos de suas técnicas milenares haviam se perdido. Realmente, era suspeito que um novo Cavaleiro de Virgem surgisse.

 — Mantenham-se focadas na missão — repreendeu. — Não importa como ele se tornou um cavaleiro. Ele veio a mando do Santuário, e a armadura de virgem o reconhece. Esta armadura é a própria justiça. Ela jamais aceitaria alguém menos digno que Academo ou Sufax.

Embora Pirítoo acalmasse o ânimo de suas aprendizes, ele próprio não confiava totalmente em Orfeu. Ouviu dizer que nem mesmo o Grande Mestre conhecia esse homem, quando ele se apresentou ao Santuário e levou a armadura de virgem consigo. Haviam boatos de que ele era um cavaleiro renascido de outra era, que retornara agora para ajudar o Santuário. Mas Pirítoo considerava essa suposição um absurdo. Tirou outra maçã da bolsa e voltou a comer, enquanto meditava sobre essas questões.

— Mestre, por que você gosta tanto de maçãs? — questionou Electra, abraçando seu braço entre os seios e apoiando-se nele. Pirítoo cerrou os olhos ao encará-la, e confirmou que ela lançava um olhar sedutor. Embora fosse a sua pupila favorita, Pirítoo odiava quando a adolescente testava seu comedimento e tentava flertar com ele.

— Foi Teseu quem me recomendou para acalmar os nervos. Ajudou ele quando ele próprio tinha vontade de matar seus discípulos mal-educados — respondeu rangendo os dentes. Ainda que só quisesse tirar com a cara da menina, não pode evitar que uma parte do instinto violento de seu cosmo se manifestasse na forma de uma aura assustadora, levando-a a crer que Pirítoo realmente estava se segurando para não dar-lhe um corretivo. Consternada, a adolescente ficou pálida e se afastou devagar.

— Então não se esqueça de comer, por favor — retorquiu com um sorriso amarelo, enquanto as irmãs seguravam a risada.

Todas as irmãs tinham entre 16 e 22 anos de idade, enquanto Pirítoo tinha 31. Da mais nova para a mais velha, eram elas Electra, Maia, Taigete, Alcíone, Celeno, Asterope e Mérope. Para o cavaleiro, foi necessário muita disciplina para manter uma relação mestre-pupilo adequada com as aprendizes que lhe foram designadas, não correspondendo aos sentimentos amorosos delas durante todos esses anos. No papel de tutor delas desde que elas ainda eram crianças, Pirítoo naturalmente foi o primeiro amor de todas as irmãs, tendo que ter tato em dispensar o interesse de cada uma delas, de acordo com suas personalidades, para não magoá-las demais. Finalmente era a vez de Electra, a mais nova, nutrir uma paixão juvenil pelo mestre.

— Vejam, Orfeu está de volta — avisou Taigete, avistando o jovem loiro retornando por entre as árvores.

Finalmente a espera havia terminado. Pirítoo e as demais amazonas reverenciaram Orfeu quando ele os alcançou, e receberam seu relatório do que ele havia descoberto até ali. Segundo o dourado, era difícil aceitar, mas Jasão não era filho do antigo cavaleiro de áries. Apesar de todas as evidências, a assinatura de cosmo dele não mentiria. Se fosse filho de Esão, os cosmos seriam idênticos. Mas havia algo de interessante, ao menos, que Orfeu descobriu ao conhecê-lo. No momento em que tocou a testa do rapaz, fez uma rápida leitura de suas memórias. O garoto estava se dirigindo para a encosta leste do Monte Pélion onde encontraria seu tio, um homem chamado Mentes e com conhecimentos fora do comum a respeito dos Cavaleiros de Zeus. Na opinião de Orfeu, não podia ser coincidência que um homem como este fosse tutor de um garoto que em muito se assemelhava com o herdeiro de Esão. Ele merecia ser investigado.

— Sigam o garoto e descubram quem é esse homem — ordenou Orfeu, após explicar-lhes a investigação até ali.

— E o senhor? Vejo que não pretende nos acompanhar — questionou Pirítoo.

— Eu descobri outra coisa mais interessante e que quero investigar pessoalmente. É apenas uma mera suposição – a probabilidade dessa minha hipótese estar correta é menos que 1%. Mas se ela se confirmar, é algo que pode mudar todo o destino dessa guerra. — De novo Orfeu fazia mistério em torno de suas suposições.

— E o senhor Orfeu não vai nos informar o que é? — retrucou, esforçando-se em não demonstrar irritação com seu superior, que mais uma vez escondia o jogo. Orfeu sorriu.

— Se for o que eu estou imaginando, devemos agir com toda a cautela — explicou. — Investigue Jasão e esse tal de Mentes, e depois dê a eles o julgamento que achar necessário. Há ainda uma pequena chance do garoto ser filho de Esão, mas não o mate até que ele o leve para esse homem misterioso. Há uma boa chance dele ser alguém importante...

— Sim, senhor... — Pirítoo resignou-se em ficar sem a resposta que queria, e afastou-se para buscar duas enormes urnas de metal que estavam atrás de um arbusto. Uma delas, dourada, possuía a figura de uma donzela adornada em relevo, a deusa Têmis que representava a constelação de virgem. A outra, prateada, possuía a de um caçador, um homem com uma pele de leão em uma das mãos, uma maça na outra e uma espada na cintura, representando o gigante caçador Órion, da constelação de mesmo nome. — Já que vamos nos separar, aqui está a sua armadura — afirmou Pirítoo, devolvendo a urna dourada a seu dono.

— Nos vemos no ponto de encontro. — Orfeu vestiu as alças da urna sobre os ombros e a carregou nas costas, separando-se do grupo. O bardo seguiu em direção oeste, enquanto Pirítoo e as Plêiades rumaram em direção norte, com destino a encosta leste do Monte Pélion. Ao que parecia, sua tediosa missão se seguiria por mais algumas horas.

 


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Notas finais do capítulo

[1] Plêiades são as filhas do titã Atlas e da oceânide Pleione. Devido a sua beleza, foram perseguidas pelo caçador Órion por sete anos, até que Zeus, compadecido por elas, apontou-lhes um caminho no céu, e elas formaram as sete estrelas da cauda da constelação de Touro.

[2] Órion foi um gigante caçador a serviço da deusa da caça, Ártemis. Após morrer, foi colocado por Zeus entre as estrelas.



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