Time Web escrita por Mabée


Capítulo 17
Capítulo 17 - Segunda Parada


Notas iniciais do capítulo

Muito obrigada, Kagomechan, pela recomendação e pelos comentários! Alegrou meu dia e só tenho a agradecer ♥



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Peter respirou fundo, encarando a entrada da casa com o coração palpitando abaixo das palmas suadas de suas mãos. A casa tinha a pintura branca gasta e um pequeno jardim na parte da frente, não muito bem cuidado, e um banco de madeira que parecia ter sido construído há tempos. Passando pela velha caixa de correio, Peter suspirou ao tentar decorar os detalhes da casa, caso ele fosse voltar sem pedir as coordenadas para Peony.

A casa da família Seagha não era tão grande, mas não tão pequena para uma residência em Forest Hills. Seu telhado era alto, indicando que haviam dois andares e as janelas apresentavam apenas poucos aspectos de dentro, como se tivessem sido projetadas para cuidar da privacidade. Dois dos quartos possuíam sacadas laterais e ele suspeitou que uma delas fosse a do quarto da jovem. Assim que Peter tocou a campainha, ouviu um grito e ruídos de canos, como se alguém estivesse tomando banho, então aguardou.

Abrindo a porta com a respiração ofegante, encontrava-se Peony, cabelos pingando e apenas uma toalha enrolada em seu corpo enquanto pequenas gotículas d’água escorriam da pele exposta. Peter sentiu a região das bochechas ferverem e abaixou o olhar, desviando da jovem em respeito à situação.

               — Peter! — Exclamou a jovem, ajeitando a toalha no torso e abrindo a porta ainda mais, para que o garoto pudesse entrar. — Você chegou mais cedo!

               — Eu não fui para o clube de robótica, então tive mais tempo… — comentou o garoto, adentrando o pequeno hall, ouvindo o estalar de seus tênis no piso de madeira.

               — Certo… vamos para meu quarto, para já adiantar as tarefas.

Peter assentiu e seguiu a jovem que caminhou em direção da escada. Enquanto forçava o desvio de seu olhar — difícil objetivo — ele procurava distrações ao seu redor, notando poucos porta-retratos pendurados na parede, enquadrando rostos de uma família que havia desmoronado. À sua esquerda estava a sala de estar com uma televisão e poucos objetos decorativos, como se ninguém ligasse muito para aquilo, e, à direita, a cozinha com uma mesa redonda, contendo uma caixa de cereal vazia caída e alguns farelos que foram iluminados pelos raios solares que escapavam das brechas das cortinas.

Subindo as escadas, Peter contou quatro quartos e um sótão no centro do corredor, mas seguiram para a esquerda, virando no último quarto e adentrando. O quarto de Peony podia ser comparado com o quarto de uma garota de sua idade; paredes pintadas em azul-marinho, contendo uma escrivaninha abaixo da janela — Peter imaginava se a garota gostava de observar o movimento da rua enquanto escrevia — e a cama ficava do lado de uma cômoda.

               — Eu vou me trocar, pode colocar as coisas no chão, na cama, onde preferir — ela lhe ofereceu um sorriso educado e correu para uma porta que ficava ao lado da penteadeira, fechando-a.

Com o silêncio de um quarto inteiro só com ele, Peter tirou a mochila dos ombros e colocou-a no chão coberto por carpete, encostando-a na cama enquanto retirava o laptop e os cadernos de anotações, cruzando as pernas para que pudesse começar a digitar.

Quando Peony sugeriu que eles estudassem juntos para as provas, Peter aceitou rapidamente, imaginando que poderia ser uma boa ideia para se redimir dos pecados anteriores — os quais ele odiava apenas por se lembrar que havia feito tal atrocidade. Mas ele havia se esquecido do detalhe de que o pai dela era um ex-militar e suas fotos mostravam com clareza os bíceps e outros músculos que intimidariam até o próprio The Rock.

Não demorou muito para que Peony saísse pela porta com um suéter azul-marinho e jeans rasgados, combinados com meias brancas. Seu cabelo não pingava mais, mas seguia molhando um tanto do azul, tornando-o ainda mais escuro enquanto a jovem ajeitava a franja para trás, claramente incomodada com a umidade.

A garota pegou suas anotações e uma caderneta que sempre andava com, puxando uma caneta do suporte e colocando o material sobre a cama, sentando-se acima das colchas enquanto começava a rascunhar.

               — Você prefere começar por matemática ou química? — Questionou ela enquanto colocava um lápis atrás da orelha.

[…]

Após duas horas intensivas de estudos, questionários e videoaulas, Peony e Peter decidiram que um descanso cairia bem. Descendo as escadas, os dois caminharam até a cozinha, onde a garota enfiou-se abaixo do balcão, procurando algo que pudesse cair bem como um pós-estudo, mas falhando miseravelmente.

               — Acho que meu pai esqueceu da compra semanal — comentou a jovem, levantando-se —, mas, para nossa vitória, eu tenho dinheiro e podemos sair ou pedir alguma coisa.

               — Aposto que você quer comer cachorro-quente de novo — Peter abriu um curto sorriso e a jovem revirou os olhos.

               — Eu tava pensando em uma pizza, ou comida chinesa — acrescentou ela. — Tem esse lugar aqui perto que eu costumo pedir, a pizza de aspargo deles é a melhor.

               — Pode ser — comentou o garoto e a jovem assentiu.

A pizza demorou apenas meia-hora para chegar, e assim que estava na porta, os dois pagaram e subiram para o quarto novamente, colocando o material de anotações sobre a escrivaninha e sentando-se sobre o carpete para comer. Abrindo a caixa, o cheiro de gordura e queijo infestou o quarto e fez com que o estômago dos jovens começasse a roncar cada vez mais.

               — Qual o porquê da sua obsessão por aspargos? — Questionou Peter e a jovem deitou-se de bruços, apoiada pelos cotovelos enquanto mordia a ponta de um pedaço.

Peony levantou o olhar, pousado as órbitas de esmeralda diretamente para Peter, e só então ele notou que haviam pequenos fragmentos dourados nas írises. Com a franja jogada para trás enquanto o cabelo semiúmido seguia molhando suas costas, a garota apresentava características que não eram tão visíveis à vista crua do garoto, e agora, ele via com clareza. Havia uma pequena cicatriz na testa, e ele lembrou-se de como ela havia conseguido aquilo, naquele dia nos trilhos que despencavam, quando ela salvou um senhor e esqueceu de se salvar.

Se não fosse por Peter, só deus sabe onde ela estaria.

               — Eu sempre gostei, não tem um motivo realmente. Além do fato de serem muito bons — a jovem jogou um aspargo na boca e sua expressão tornou-se leve, como se compartilhasse de uma paixão pelo vegetal.

Peter mordeu um pedaço da metade que ele havia pedido, pizza havaiana, abacaxi, presunto, azeitonas pretas, formando uma combinação que ele considerava uma das melhores. Enquanto ele saboreava seu pedaço, seus olhos caminharam ao redor do quarto, até notar algumas caixas de papelão com algum escrito que ele não conseguia ler, mas tecidos floridos caíam pelas bordas.

               — São as roupas da minha mãe — comentou Peony, antes mesmo de ter sido feita a pergunta. — Eu achei no sótão e trouxe para cá.

O garoto virou-se de frente para a jovem que já estava no terceiro pedaço — como ela comeu tão rápido? —, ajeitando-se sobre o carpete. A garota tinha um olhar distante e Peter respeitou, sabendo que isso se tratava de algo que era difícil para que a garota se abrisse, mesmo que soubesse pouco sobre seu passado.

               — Você pretende usar?

               — São bonitas, e eu gostei de um vestido… eu estava pensando em usar ele no encontro com o Harry.

               — Encontro com o Harry? — Peter sentiu uma agulhada na nuca e a pressão caindo.

               — Ah, eu não te contei, certo? — A garota pegou outro pedaço de pizza, sorrindo. — Ele me chamou para sair.

Foi então que Peter perdeu o apetite, e a pizza em sua boca pareceu um pedaço de concreto que quebraria seus dentes, mas ainda assim, a dor não seria maior que o vazio que havia sido criado em seu peito. Peony tinha um sorrisinho preso nos lábios e cada olhar pensativo dela se tornava uma flecha que penetrava o coração do jovem, mais e mais, assim, tornando-se apenas um órgão fuzilado pela angústia.

Ele lembrou-se da conversa com Harry, dois dias antes, logo quando ele disse que daria seu jeito e a chamaria para sair. Peter estava contando com o fato de que o garoto demoraria um tanto mais, assim, dando-lhe tempo para curar-se da ferida ainda aberta e exposta para sangrar cada vez mais.

               — Legal — Peter comentou e tentou parecer feliz para a garota, afinal, eles eram amigos. Certo?!

               — Tem um vestido azul que eu encontrei numa das caixas. Eu não uso muitos vestidos, mas esse é lindo e eu gostei bastante… eu tava pensando em usar ele no encontro. Harry disse que vai me levar para jantar, então…

               — Deve ser bonito — Peter fez uma observação e a garota sorriu. — Tudo que você usa fica bonito.

Com isso, o garoto soube que seria um risco, um tiro no escuro, mas a expressão da jovem fez com que ele ficasse confortável, notando as cores vermelhas invadindo a pele das bochechas e os desvios dos olhos de esmeralda. O fato era que, dessa vez, Peter queria que ela pousasse seu olhar sobre o dele, encaixando visões e compartilhando de um mesmo sorriso que significaria algo que o garoto procurava por; reciprocidade. Seus olhos caíram nos lábios da jovem, focando no quão rosados eles eram, e um tanto ressecados, talvez pelo fato de que ela os mordesse muito quando ansiosa — hábito que ele havia notado —, mas não tirava sua atração e, principalmente, vontade de tocá-los.

A jovem voltou a encará-lo, como uma tentativa arriscada de ver se o olhar dele ainda estava focado nela, e, para sua própria confirmação, estava. Sorrindo ainda mais, Peony umedeceu os lábios e resolveu não tirar seu foco dele, fuzilando o escuro, desta vez.

               — Ei — Peony o chamou, tirando o garoto do transe e cortando a tensão com uma tesoura sem pontas —, eu tava pensando naquela conversa de coisas que eu nunca fiz, coisas de turistas mesmo, e lembrei de mais uma coisa.

               — E o que é? — Peter pegou um guardanapo e limpou o rosto e as mãos.

               — Eu nunca andei de balsa.

Peter abriu um sorriso e ajeitou-se sobre o carpete, colocando um de seus braços sobre o joelho.

               — Então temos um novo objetivo.

[…]

Passando pelos portões do cais, Peony e Peter caminharam até uma pequena banca para comprar um pacote de chips para que a viagem fosse mais alegrada com o toque de comidas gordurosas. A balsa estava sendo carregada com carros e bagagens maiores de pessoas que moravam em Staten Island, enquanto alguns turistas compravam camisetas temáticas e preparavam suas câmeras para poderem tirar fotos da Estátua da Liberdade.

               — Nós não podemos embarcar sem camisetas clichês — Peter fez uma observação e recebeu o olhar desdenhoso da garota.

               — Peter. — A morena revirou os olhos e colocou sua passagem no bolso de trás da calça.

               — Eu te prometi uma experiência turista completa, Pey — o garoto enfiou as mãos nos bolsos e apontou com o queixo para uma das bancas. — E eu não posso turistar sozinho.

Cruzando os braços, Peony encarou Peter por alguns segundos, então o garoto fez questão de trabalhar seu olhar de pidão com maestria, fazendo a jovem dar de ombros e soltar um suspiro.

               — Ok, mas eu escolho as camisas.

Foi então que os dois caminharam até uma das bancas e compraram camisetas brancas de gola e mangas pretas com o famoso “Eu amo NY”, Peter pagando pelas duas e insistindo para que a garota o deixasse. Pegando as camisetas em mãos, correram para os banheiros, trocando-se e surgindo com as novas peças, apresentando de braços abertos e risadas estridentes que atraíram olhos de quem passava por perto.

               — Isso precisa ser registrado — comentou Peter, retirando o celular do bolso, a tela rachada sendo colocada de frente para ele, preparando-se para uma selfie.

Peony revirou seus olhos com maior intensidade, mas aproximou-se de Peter, que passou um de seus braços pelos ombros da garota, puxando-a para mais perto de si. Aproveitando o momento, o jovem sentiu seu coração palpitar um tanto acima do normal e pôde ver a coração de suas bochechas pela tela.

Assim que a foto foi tirada, a balsa soou seu sino que ecoou por toda a estação, fazendo com que os dois despertassem da distração e compartilhassem de um curto olhar.

               — Hora de embarcar — comentou Peter, caminhando em direção à balsa e atravessando a pequena ponte que conectava as entradas com o cais.

O garoto ofereceu uma de suas mãos para que Peony pudesse saltar a elevação e a jovem sorriu com o toque, não soltando enquanto Peter a guiava para o andar de cima, afirmando que eles tinham de ficar o mais próximo das extremidades possível, assim eles teriam a vista VIP da Estátua. Rindo — de nervoso —, a garota concordou e o seguiu.

Apoiando-se no parapeito da barca, os dois jovens abriram a embalagem e começaram a comer os chips enquanto observavam o mar que estava calmo pela falta da movimentação. Mais passageiros adentravam o local e apenas turistas se localizavam perto das bordas, preocupados com as fotos que seriam tiradas, e, mais tarde, postadas.

               — Isso é estranho — comentou a garota. — Eu nunca estive num navio, barco, balsa, que seja.

               — É estranho no começo — Peter informou e apoiou-se ainda mais, deixando a brisa leve bater contra seu cabelo, sem se importar com a bagunça que se tornaria. — Parece que você fica caindo de um lado para o outro, mas é tranquilo.

               — Você já andou de balsa antes? — A garota questionou, curiosa.

               — Tio Ben me levou quando eu era pequeno, e andei mais algumas vezes quando fui até a casa de Ned. Ele mora por aqui.

               — Ah, sim — a garota assentiu e perdeu um pouco do equilíbrio, levando um susto assim que a balsa soou novamente, tapando os ouvidos por estar muito perto do som alto. — Puta merda, não estava preparada para isso.

Peter abriu um sorriso por não estar acostumado a ver a jovem assim, nessa posição de despreparo, e colocou uma mão em suas costas para que ela pudesse se sentir mais segura. Peony enrijeceu-se no mesmo momento, logo que sentiu o toque, alarmando o garoto de suas ações espontâneas.

               — D-Desculpe — ele pediu, retirando sua mão, percebendo o desconforto. — Eu não percebi.

               — Não! — A garota exclamou, parando o movimento do braço dele, permitindo que sua mão continuasse em suas costas, e sorriu. — Só me pegou de surpresa.

Com isso, os dois jovens continuaram em silêncio, aproveitando o toque e conforto um do outro como se não houvesse amanhã. Peony se aproximou um tanto mais para que a mão de Peter deslizasse até sua cintura, ficando em uma posição mais confortável enquanto eles dividiam os chips — Peter mal conseguia conter a felicidade que ele estava sentindo naquele momento.

               — Você já sabe como vai chamar a Liz para sair? — Sussurrou a garota, como se fosse algo proibido de ser dito.

Peter pensou em vários meios de responder a pergunta, e sentiu um estranho ar de desconforto vindo da jovem em seus braços, mas sabia que a melhor resposta já se encontrava na ponta de sua língua, e era a melhor que ele poderia dar naquele instante.

               — Não vamos falar disso agora — ele concluiu e o desconforto da jovem pareceu sumir, e a tensão no ar tornou-se invisível.

[…]

Após uma sessão de fotos com a Estátua da Liberdade e uma longa conversa com um casal da terceira idade — ouvindo que eles formavam um belo par e corando como loucos, fingindo que aquilo não havia ocorrido —, Peter e Peony pagaram a viagem de volta e aproveitaram mais um tanto da companhia um do outro, dessa vez, sentados na balsa, pelo simples cansaço de terem passado quarenta minutos em pé anteriormente.

A garota encontrava-se com a cabeça apoiada no ombro de Peter enquanto seus olhos focavam na tinta corroída dos bancos, raspando suas unhas para tirar o laranja de onde era para estar marrom. Peter, por outra via, tinha os olhos para a garota que estava encostada nele, acariciando lentamente o braço dela e brincando com algumas mechas de cabelo que caíam entre seus dedos ocasionalmente.

No silêncio da viagem — já que o horário permitira que a balsa estivesse vazia —, os dois pensavam em mil formas diferentes de como quebrar o silêncio, mas nenhum tendo coragem suficiente para tornar aquilo uma realidade, sabendo que o momento talvez não voltasse novamente.

Levantando o rosto, a jovem encontrou-se por olhares com o de Peter e abriu um curto sorriso, aproximando-se um tanto até que seus narizes estivessem encostando por um toque fantasmagórico, quase inexistente, mas de conexão absurda. Umedecendo seus lábios, a jovem puxou as pernas para perto do peito e cruzou seus braços.

               — Pete? — Chamou-o suavemente, e o garoto pigarreou.

Encarando a jovem e focando os olhos aos dela, Peter levantou a mão que acariciava seu braço e passou a desenhar formatos no maxilar da garota, lentamente e com suavidade para que não fosse algo muito alarmante.

               — Obrigada por tudo — a jovem completou, sorrindo.

Com isso a garota aproximou-se ainda mais, virando o rosto um tanto e depositando um curto beijo na bochecha do outro, afastando-se quase que de imediato, mas não por total, continuando aninhada no peito de Peter, que agora estava em outra dimensão, focado apenas na sensação que foi a dos lábios da garota em sua bochecha.

E nada mais ao seu redor existia, a balsa, o encontro com Harry, Liz, chamas verdes, nada. Só os dois, sentados em um banco que ruía a cada movimento e aproveitando um momento que era deles. De mais ninguém.


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