Poderes das Profundezas escrita por M Schinder


Capítulo 2
Capítulo um: A única briga (Suyen)


Notas iniciais do capítulo

Dois capítulos em um dia não é o normal, mas como o prólogo é bem curtinho, deixarei ambos disponíveis para que possam fazer uma leitura maior :3.
Espero que gostem e aproveitem!

Boa leitura!



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Minha história começou há, exatamente, cinco anos. Tinha apenas quatorze anos na época e havia acabado de me mudar para Huntington Beach, uma cidade litorânea na Califórnia. Meu pai, Nakayama Akihito, era um famoso pesquisador de lendas marinhas e se dedicava ao seu mais novo estudo – um peixe pré-histórico que diziam viver escondido dentro das águas salgadas da praia da cidade. Muitos acidentes haviam acontecido e as autoridades locais mandaram chamar os melhores no assunto para descobrir o que ocorria.

Meu pai estava mais que animado para começar suas pesquisas e deixou que nossa empregada, Takeshi Naomi, organizasse todos os preparativos – que iam de escolas para mim e minha irmã e um estúdio de dança para ambas até a casa em que moraríamos – para que pudesse se concentrar em localizar os pontos da praia em que o peixe poderia estar. Entrevistas seriam feitas; informações falsas seriam dadas; mas ele não desistiria até conseguir algo.

Enquanto ele se dedicava a parte de entrar em um barco e viajar pelas águas à procura de um peixe que poderia, facilmente, ser um tubarão perdido por aquelas águas, Naomi deixou a mim e minha irmã mais nova, Nakayama Shinju, em nossa nova escola.

Era um local agradável, com pessoas de todos os tipos e personalidades. O prédio possuía três andares e ficava perto da praia. Fui recebida com honrarias pelos professores, pois minhas notas eram excelentes, e com carinho pelos alunos, pois, diferente deles, podia falar duas línguas fluentemente e muitos queriam aprender um pouco mais sobre o Japão e a cultura única do meu país. Fiz muitos colegas e poucos amigos, mas não faltaram convites para me sentar à mesa dos populares e participar da equipe de líderes de torcida da escola – como descobriram que eu dançava, na época, não faço a menor ideia.

Contudo, nunca era uma boa ideia me apegar a qualquer uma das pessoas que me rodeavam. Muito provavelmente, após o término da pesquisa, meu pai iria querer voltar para o Japão e para perto de sua família.

Imagino que esteja se perguntando: onde está a mãe dessa garota?

Lembram o que eu falei sobre nascer sobre as ondas? Anos antes, quando eu ainda tinha apenas oito anos, minha mãe saiu para nadar e nunca mais voltou. Foram necessários muitos dias e várias equipes de bombeiros, pagos com o dinheiro da multimilionária empresa da família do meu pai, para que seu corpo fosse encontrado em um grupo de corais a uma boa distância da costa. Levada pela correnteza, fim.

O tratamento que deram para o caso de minha mãe me fez, ainda muito jovem, evitar a água o máximo que podia e, mesmo assim, nada impediu meu pai de colocar a mim e minha irmã em aulas de natação dentro da água salgada. Sempre dissera que era importante para nossa mãe que aprendêssemos a nadar e assim aconteceu.

Entretanto, ainda hoje evito adentrar qualquer tipo de meio líquido e me aproximar do mar, por motivos completamente diferentes dos antigos, mas logo irão compreender.

Se eu achei a escola boa, o estúdio de dança foi a parte mais perfeita que veio com a mudança. Lindas paredes espelhadas; chão de madeira polida; barras para o balé; espaços para a prática de acrobacias e tudo que uma dançarina poderia pedir. Imaginei aprender lindas coreografias dentro daquelas paredes e muitas vezes, ao ir para as aulas, sorri para o nada – como se aquilo fosse o suficiente para me deixar feliz.

***

Creio ter sido em uma noite nublada, quando todos os navios foram proibidos de velejar porque uma tempestade muito perigosa se aproximava, que tive a primeira e única conversa com meu pai sobre a pesquisa que fazia.

Estávamos eu, Shinju e ele sentados à mesa enquanto Naomi terminava de colocar os pratos de ensopado a nossa frente. Uma coisa muito interessante sobre nossa pequena família: nunca comíamos qualquer forma de vida marinha. Meu pai tinha asco de quem podia sequer engolir um de seus amigos marítimos.

— Como foi seu dia, papai? — perguntou Shinju curiosa.

Minha irmãzinha era uma doce garotinha de cabelos castanhos e olhos extremamente negros, quase tão escuros quanto as profundezas do mar. Muitos diziam que nossos olhos se pareciam com pérolas negras e essa era a característica marcante de nossa família. Minha mãe sempre dissera que foram presentes dos antigos deuses japoneses para mostrar nossa grandiosidade e eu sempre achei uma parte desnecessária e que chamava muita atenção, mas não faria nenhum sentido em esconder – ainda era uma coisa preciosa para mim.

— Foi complicado, minha pequena — Ele mexia a colher bem devagar pelo ensopado, eu não sabia se era para que esfriasse ou se estava apenas "brincando com a comida". Olhei para ele tentando chamar sua atenção. Shinju fez o mesmo, não se contentando com a resposta que o pai lhe dera.

— Por que complicado, papai? — Meu pai largou a colher, fazendo com que ela submergisse pelo ensopado. Ele não notou, ou não pareceu se importar. Depositou os cotovelos em cima da mesa, ignorando as regras de etiqueta, e pousou seu queixo por suas mãos que estavam entrelaçadas.

— O que vocês querem saber? — Sua voz saíra com tanto desânimo que eu quase me assustei, era muito difícil vê-lo sentir-se daquela maneira e ainda mais raro que demonstrasse. Shinju abaixou sua cabeça e fixou os olhos no ensopado morno a sua frente.

— Eu gostaria de saber sobre o seu diário, pai — Antes que eu pudesse perceber as palavras já tinham alcançado os ouvidos dele e o olhar que me lançou foi tão cortante que recuei hesitante.

Talvez tivesse sido uma péssima ideia e, pensando hoje, foi mesmo.

— O que exatamente, Suyen? — Ele soltou um suspiro pesado e me olhou tentando controlar a paciência. Eu sabia que tinha feito uma burrada enorme, mas já que eu começara o único caminho possível era terminar.

— Eu vi algumas anotações suas... — Minha garganta arranhava, como se eu tivesse comido areia. Bebi um pouco de água, tanto para relaxar quanto para desviar o olhar da expressão decepcionada que lançava para mim.

— Desde quando você mexe em coisas que não suas?

Deixem-me explicar uma coisa: quando se tem quatorze anos e um pai que não deixa claro o que faz quando sai de casa, é muito aceitável que eu houvesse tido a curiosidade – e a ousadia – de procurar algumas respostas em suas coisas.

— Desde quando você as esconde? — Shinju endureceu ao meu lado e eu senti um chute por baixo da mesa. Olhei-a e ela balançava a cabeça desesperadamente, sem ao menos tentar disfarçar.

— O que você está querendo dizer? — Seu olhar ficava cada vez mais duro e eu levantei meu queixo, pronta para desafiá-lo.

— Quero dizer, papai, que você esconde coisas de nós. Ou vai me dizer que aquelas anotações não eram suas? Não minta mais para nós, sei que não está procurando por peixes pré-históricos — Ele afastou a cadeira e bateu as duas mãos na mesa, fazendo com que seu ensopado balançasse e espirrasse algumas gostas para fora do prato, inclusive em sua mão. Shinju soluçou enquanto Naomi apareceu a porta, tentando entender o que acontecia.

— Você não sabe do que está falando. Você mal entende o que está escrito lá. É algo do meu trabalho e você não tem o direito de tentar intervir, entende, mocinha?

Neste momento, eu me lembrei de todas as vezes que ele nos deixou para partir em suas expedições para tentar descobrir lendas que nunca seriam verdades. O sangue subiu por minhas faces. Eu sempre fui uma pessoa muito calma e nunca, antes, ousaria desafiar meu pai. Todavia, alguma coisa me impeliu a continuar aquela discussão. Até hoje não sei explicar o que aconteceu naquele dia.

— Você está sempre mentindo sobre isso. Por que não pode confiar em nós? Tudo bem! Se é assim que quer, fique com sua mentira! — Dei meia volta, sem realmente pensar no que estava fazendo, e subi as escadas em direção ao meu quarto.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Deixem seus comentários o/



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