Meiko

—É uma loucura! Como podes testar um jogador neste jogo?- concordava com a Haruna. Este jogo decidia algo importante e ele colocava-nos a jogar?

Fui rapidamente ao balneário vestir o equipamento tal como o treinador mandou. Observei-o detalhadamente enquanto os vestia, sentido o meu coração acelerar como um louco e quanto mais me aproximava do campo já equipada, parecia que ele me queria sair pela boca a toda a velocidade. Mal cheguei ao campo, vi que o Tenma já estava pronto para entrar. Corri até ele vendo-o engolir em seco de tão nervoso que estava. Já eu tentava controlar-me. Os dois jogadores da Raimon passaram por nós, visivelmente chateados com a situação, apenas o numero dez olhou para nós enquanto o mais baixo nem isso fez. E assim que saíram, ambos entramos a correr.

—Ah... Bem...- mal chegou junto ao capitão, curvou-se Só queria dizer muito obrigado por nos teres ajudado. É uma grande honra jogar a teu lado.

—O mesmo.- Curvei um pouco para agradecer pelo que fizera no campo exterior. Claro que também era uma honra para mim jogar na Raimon, mas estava demasiado nervosa para dizer o que fosse.

Sempre desejei estar na Raimon como jogadora da equipa de futebol, tal como a minha mãe e conseguir feitos tão grandes quanto os dela, estando na equipa que tanto admirei, mas sentia que era cedo de mais. Tinha abandonado o futebol e acabado por perder as minhas habilidades, nem a minha parte celestial podia ajudar-me... O que o treinador teria em mente ao colocar-nos em um jogo tão importante? A meu lado o Tenma mostrava uma expressão séria e determinada. Gostava de saber o que estaria a pensar.

—Agora temos que fazer alguma coisa.- Tornei a olhar para ele ao ouvi-lo falar- Ou então irão tirar-nos o clube de futebol... Não. O próprio futebol. Temos que fazer alguma coisa, Meiko.- Sorri. Estava admirada com a sua coragem. Suspirei. Ele estava certo. E eu? Desde quando sou uma pessoa cobarde ou pessimista? Não me reconhecia.

—Sim.- Toquei na marca que desde sempre adornou o meu rosto... O relâmpago amarelo.

Inspirei e expirei. Eu era um anjo do futebol. Era a "Filha do futebol", e a Raimon era muito importante para mim. Não ia deixar que tirassem algo que fazia parte de mim.

—Outra vez vocês?- ri-me.

—Não te livras de nós assim tão facilmente.

O árbitro apitou para começar de novo o jogo onde um dos nossos adversários a ter a posse de bola, começando com ela na linha, antes de passar para o capitão deles. O Tenma foi o primeiro a atacar, mas não conseguiu tirar-lhe a bola, e quando corri até ele para fazer o mesmo, saltou e sem hesitar rematou contra um dos defesas da Raimon. Tentei tirar-lhe a bola, mas o mesmo aconteceu. O Tenma fez também o seu intento, mas resultou em nada. Como é que ele podia fazer aquilo?!

—Vocês vão defender o futebol?- os jogadores eram acertados pela bola uns atrás dos outros, sem parar. Ele recuperava rapidamente a bola e acertava-lhes com ela com toda a força que tinha, derrubando-os um a um- Não me façam rir.

Estava cansada... Estava extremamente cansada de andar a correr de um lado para o outro sem conseguir nada, deixando o outro a rir-se da minha cara.

—O que se passa? Esse é todo o vosso amor pelo futebol, loirinha?

—Maldito!

Como ele me irritava! Sem hesitar corri até ele deixando o Tenma para trás. Mais uma vez o meu intento foi em vão e sem forças nas pernas, caí no chão, ofegante. Nesse mesmo instante, o árbitro apitou para o final do primeiro tempo.

Os jogadores da Raimon, pouco a pouco, foram-se levantando para caminharem lentamente até ao banco, sentando-se no chão, extremamente cansados. Ninguém dizia nada, todos se limitavam a beber água e a ter expressões de completo derrotismo.

—Lamento capitão.- Olhei por cima do ombro, vendo o Tenma junto do capitão da Raimon que ainda bebia água. Voltei o olhar para a frente encarando os meus ténis- Não... Não fui capaz de fazer nada desde que entrei no campo.- Sorri voltando-me para eles. E ele achava que eu tinha feito alguma coisa? Sentia-me um completa inútil- Mas... Mas não quero que nos tirem assim o clube de futebol.

—Acalma-te. Eu também não quero entregar-lhes o nosso clube. Mas esta gente está muito séria. Dá-me raiva saber que tem poder de sobra que nos esmagar.

—É assim que atua o Quinto Setor.- A meu lado já estava o goleiro da equipa. Era realmente alto.

—O quê?- não estava a perceber- O Quinto Setor?- eles não tinham falado disso momentos antes, mas continuava sem entender do que se tratava.

—Ah, claro. Vocês são novos e ainda sabem.- Entreolhamos e encolhemos os ombros- Já passaram vinte anos desde que o Japão ganhou o torneio mundial.- Eu sabia disso! Os meus pais estiveram lá! Era um orgulho para mim dizê-lo- Graças a isso, a popularidade do futebol disparou. Chegou até ao ponto em que o prestigio nos institutos se decidisse pela seu futebol. Quanto pior jogam, mais se afundam.

—Isso é absurdo.- Nunca imaginei que algo assim aconteceu após aquele torneio. Nos vídeos que vi após essa vitória, todos pareciam bem... Pareciam felizes com o futebol atual, mesmo quando já eram adultos. Seria mentira?

—Sim. Agora mesmo o valor de um instituto e dos seus alunos só depende do seu futebol.

—Do seu futebol?- o Tenma estava tão espantado quanto eu. Ao estado que o futebol tinha chegado...

—Vocês devem ter decidido vir para a Raimon porque somos bons, não?

—Porque são bons?- fiquei um pouco atordoada com as palavras do capitão- Não foi por nada disso! Eu vim porque queria jogar aqui. Admiro a Raimon desde que me lembro e sempre quis vestir este equipamento. Queria jogar aqui, aprender e ser um dia tão boa jogadora como os meus pais na mesma escola onde eles um dia foram campeões.

—Partilho do mesmo sentimento que a Meiko.- Ambos olhamos para o Tenma- Sempre sonhei jogar na Raimon e continuar o legado da equipa!- sorri, mas não fui a única. O capitão parecia ter achado piada às nossas palavras.

—Sempre quiseram? Sempre sonharam?- mas o sorriso logo se desfez após o tom sarcástico daquelas palavras- Vocês devem ser os únicos que pensam assim.- O Tenma desanimou logo com a palavras dele, e eu tentei manter-me firme- O resultado é tudo. Despreza-se aqueles se dão mal no futebol. E para nos salvar dessa situação, criou-se o Quinto Setor, a organização de futebol regulado.- E ele dizia aquilo assim... Sem sequer ficar minimamente chateado?

—Mas por muito que haja o Quinto Setor, o futebol agora...- agora era o quê? Uma mentira? Gostava de saber o fim da frase da Haruna.

—Dizem que é futebol, mas no final só o estão a controlar, e quem se enfrenta a eles é castigado.- Tive que abrir as mãos. Sentia as unhas querem perfurarem-me a carne de tanta força que tinha a palma fechada- Neste momento o Quinto Setor controla todos os aspetos das equipas de cada instituto, incluído como devem formar os seus jogadores.- Cerrei os dentes ao escutar o treinador. Como raio nunca havia dado com algo como o Quinto Setor? A pessoa que controla tudo aquilo deve ser alguém horrível... Será que odeia o futebol? Sim... De certeza que é isso.

—Achas que alguma vez conseguiremos recuperar o futebol esse futebol apaixonado que nos trouxeram o Endou-kun, a Malina-chan e os outro nos trouxeram?- o futebol da minha mãe, do meu tio, do meu pai, de todos... Ele estava...

—O futebol desse tempo já não existe.- Estava extinto- Poderia dizer-se que é futebol domesticado.

Lutei contra a raiva que acendia dentro de mim. Todas as lutas, tudo o que a antiga Raimon passou, o que lutou, tudo o que venceu e conquistou, a alegria de cada jogador, o suor, o esforço, tudo... Tudo tinha sido para nada. Tudo aquilo para que após vinte anos chegasse alguém e destruísse o verdadeiro futebol. Tentei controlar a minha respiração. Sentia o meu poder fluir pelo meu corpo com toda a raiva que tinha. Sabia que o devia manter em segredo, que não o devia mostrar para ninguém e muito menos usar o meu poder para ganhar. Eu não era igual ao Quinto Setor.

—Mas de vez enquando conseguimos jogar partidas limpas.- Fiquei admirada com as palavras do capitão. Era aquilo possível?- E então podemos jogar futebol livremente.

O futebol estava aprisionado. Queria ser ele, queria ser livre, mas havia quem lhe pusessem correntes em cima e o impedisse de voar. Apertei o símbolo sobre o equipamento e fechei os olhos...

O que farias tu, mãe?