Dhyosis escrita por Bia Nascimento


Capítulo 4
Capítulo 3 - Mary Ann


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoinhas! Cá estou de volta com um PoV diferente, dessa vez vamos entender um pouco melhor o que se passa pela mente da nossa querida Mary Ann. Espero que gostem e boa leitura!



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Fique sabendo da incursão de Sam e do ataque do Paulo alguns minutos depois da maioria da casa, tinha passado o dia inteiro ajudando Leo a limpar alguns cômodos graças a uma aposta perdida e tínhamos nos mantido afastados da agitação, só soubemos de tudo quando Alice nos procurou para nos contar. Apesar de ser meu amigo, não estava realmente preocupada com Samuel, ele sabia se cuidar e ir até lá era uma escolha que cabia apenas a ele, nunca entendi a preocupação excessiva de Alice.

Quando ela nos levou até o Paulo, com seus cabelos castanhos pulando a medida que quase corria, fiquei surpresa com a situação em que o senhor estava, já que não havia mais que algumas horas desde que eu o vira pela última vez em plena virilidade da terceira idade tentando me acertar com a bengala por estar limpando onde ele pretendia passar. Ele nunca gostou muito de mim e nem eu dele, e tenho que admitir que uma pequena parte de mim não ficou realmente triste com a situação, mas nem mesmo o pior dos seres humanos não se sentiria ao menos incomodado com aquela cena. Ele estava desacordado com vários tubos improvisados — talvez nem mesmo devidamente estéreis — presos à sua pele. Seu peito subia e se afundava tão profundamente que éramos capazes de ver perfeitamente suas costelas se sobressaltando, respirar parecia ser uma tarefa tão difícil quanto carregar 100 kg de arroz nas costas.

Mais gente começou a chegar e se aglomerar ao redor do moribundo e eu, como a boa claustrofóbica que sou, procurei o primeiro espaço vazio e me atirei em direção a ele, fugindo de todas aquelas pessoas que eram atraídas por Paulo da mesma forma que hidrogênio é atraído por oxigênio . Quando finalmente estava longe o suficiente para sentir o ar circulando ao meu redor notei que ainda estava na enfermaria, mas em uma parte mais afastada, onde residia a garota que encontraram na última incursão oficial. Era a primeira vez que eu a via de verdade, reparando em cada detalhe, e não sei por que mas a cada segundo que meu olhar permanecia fixo nela os pelos do meu corpo se arrepiavam.

Ela não parecia real, sua pele era branca demais e suas feições demasiadamente delicadas. Se não fosse pelo fraco movimento de sobe e desce que seu peito fazia eu diria que ela estava morta. Sabia que não deveria tocá-la, mas ainda assim não contive a curiosidade e a segurei pela mão. Sua pele era como gelo, fina e gelada, parecia que eu  podia quebrá-la sem muito esforço. Com muito custo senti seu pulso fraco, quase inexistente. Ela estivera recebendo uma espécie de soro caseiro na veia desde que chegara, mas sua face continuava pálida, sem sequer um mínimo sinal de sangue fluindo em qualquer veia que fosse. Deveria ter observado ela por mais tempo do que percebi, já que quando me voltei para porta não havia mais ninguém com Paulo, exceto Alice e Juan. Percebi que Alice estava rezando com o velho rosário de madeira. Nunca entendi como ela acreditava que algumas estúpidas bolas de madeira poderiam ter algum poder, se realmente existisse um Deus eu o odiava por nos fazer passar por aquilo.

O resto do dia não foi digno de menção, no final das contas todos voltaram a seus trabalhos e eu para cozinha preparar o escasso jantar, mas a apreensão era quase palpável. Todos estávamos preparados para o pior.

Eu  costumava adorar cozinhar antes de toda calamidade acontecer, era meu hobbie favorito, então fui a primeira a me voluntariar para a cozinha. Mesmo que eu fosse a mais nova de lá com meus 19 anos, eu que coordenava as refeições com o auxilio de Joana, que separava a quantidade de comida que poderíamos usar. Em respeito a situação de Paulo não faríamos o Festival enquanto ele estivesse na enfermaria, o que significava que mesmo que tivéssemos mais comida que o normal teríamos de racionar se quiséssemos ter um dia de fartura. Por sorte tínhamos macarrão e só o cheiro dele cozinhando me dava água na boca. Era a primeira vez que comia macarrão desde que entrara no casarão e sabia que isso animaria a casa, mesmo que a felicidade geral da nação não me realmente me importasse, pelo menos não tanto quanto a minha. Estava na minha bagunça de panelas batendo e vapor saindo quando vieram os rumores de que Samuel estava chegando e que tinha conseguido o famigerado remédio.

De repente a cozinha esvaziou e não havia quase mais ninguém lá para me ajudar, todos os infames curiosos haviam me abandonado para fuxicar a vida alheia. “Ótimo”, pensei, “Eles vão aprender que a curiosidade matou o gato… Ah, se vão”.

Samuel iria continuar naquela maldita casa mesmo que eles gastassem 30 minutos da vida deles terminando o jantar, mas já que haviam resolvido me deixar o jantar com certeza não iria permanecer o mesmo, da mesma forma que eu podia fazer a melhor comida do mundo, podia fazer a pior. Separei um pouco de macarrão para mim e o resto da casa, eles não mereciam pagar pelo erro de apenas um grupo. O resto do macarrão coloquei em outra panela, onde adicionei muito mais sal do que deveria e um molhinho especial, com muito mais alho e vinagre do que a antiga OMS recomendaria, mesmo que tais recursos fossem luxo e provavelmente não seriam repostos tão cedo, mas o que posso fazer se a vingança me cega, não é mesmo? Hoje aprenderiam o significado de trabalho em equipe.

Quando terminei vi que uma pequena fila faminta com pratos em mãos já se aglomerava e comecei a servir, deixando a panela do macarrão especial separada para a equipe que me abandonou. Não era servido nada além de uma pequena porção de massa à alho e óleo – para economizar suprimentos  –  mas ainda assim as pessoas saíam radiantes com seus pratos e comiam saboreando cada pedaço, faziam anos que não tinham tal iguaria e provavelmente não comeriam tão cedo outra vez.

Ouvi alguma movimentação na cozinha e quando me virei, os traidores haviam voltado. Eles fofocavam sobre o que tinham ouvido e em cinco minutos soube de tudo o que aconteceu sem sequer perguntar. Samuel e os outros haviam voltado com o remédio em segurança e Paulo estava sendo tratado. Com a voz mais doce que poderia fazer disse a eles que comessem à vontade, que havia feito uma panela especial e guardado para eles. Poucas coisas no mundo me davam tanta vontade de rir quanto a cara de gratidão e esperança deles, e nada, absolutamente nada, pagaria a cara que fizeram quando colocaram a primeira garfada na boca. Bocas se contorceram e várias caretas surgiram daquelas faces inocentes, alguns até mesmo cuspiram a comida por reflexo. Depois de algum tempo perceberam o que tinha acontecido e olhos raivosos pousaram sobre mim, mas sem me deixar intimidar disse apenas “Aprendam a não me deixar sozinha na cozinha da próxima vez”, e fui embora. Poucos minutos depois Dona Zefa me afastou temporariamente da cozinha e disse que eu teria que ajudar com outras tarefas, o que basicamente queria dizer que eu seria a escrava quebra-galho. Mesmo assim havia valido completamente a pena, se eu pudesse voltar para aquele momento no tempo teria feito tudo de novo.

Enquanto fugia de qualquer um que pudesse me dar algum serviço me deparei com Alice e Samuel na enfermaria. Apesar de não ter visto ele por apenas algumas horas, ele parecia mais velho, seu semblante estava duro e seus olhos não estavam brincalhões como antes. Algo havia acontecido durante a incursão, algo perturbador o suficiente para fazê-lo envelhecer em minutos. Mas por mais que tentasse negar, sua versão mais madura parecia mais atraente.

“Hey Sam, como foi?” Perguntei casualmente, ele sequer havia notado minha presença antes.

“Conseguimos pegar o remédio, é o que importa, agora estamos observando ele para ver se há alguma melhora” Mesmo seu tom de voz era diferente, algo estava o preocupando muito, algo que ele provavelmente não queria falar.

“E como nosso querido moribundo está, Dra. Alice?” Perguntei em um tom irônico porém amistoso que apenas Ali entenderia.

“Bem, parece que sua respiração está normalizando, mas o sedativo de Juan era muito forte e agora temos que esperar ele acordar para saber se o medicamento fez tanto efeito quanto parece.” Ela também estava preocupada e eu achava isso fofo nela, o fato de se preocupar com a saúde de outra pessoa. Mas eu também sabia que isso a levaria à morte. Sabia por experiência própria. Desde o dia em que cheguei ao abrigo jurei nunca mais me importar com ninguém além de mim mesma, o egoísmo sempre foi a chave da sobrevivência, agora conseguia compreender isso.

Notei então que os dois seguravam a mão um do outro, mas duvidava que algum deles tivesse notado aquilo. Os dois eram os únicos que não percebiam que sentiam muito mais além do amor fraternal. Parte de mim invejava aquilo, o sentimento de ambos, mas eu havia feito minha escolha e não pretendia voltar atrás. Isso, porém, não impediu que minha parte invejosa comentasse sobre as mãos só para que elas se separassem.

Passamos algum tempo conversando, conversar com eles sempre acabava sendo uma experiência boa, fazia com que eu me esquecesse do passado e parasse de pensar no futuro, tudo o que existia era o agora. Com algum tempo Leo também se juntou a nós. Leonardo tinha a idade de Alice, cabelos longos, lisos, louros e olhos verdes e inocentes. Ele gostava de mim, nunca tinha falado, mas nunca se importou em esconder, desde que chegara, alguns meses depois de mim, me tratava diferente das outras garotas e mais de uma vez percebi como suas pupilas dilatavam quando olhava para mim. Era uma pena que eu não pudesse corresponder, Leo era um menino maravilhoso.

Conversamos tanto que me esqueci que haviam dois doentes na enfermaria e acabei esbarrando no leito improvisado da garota, fazendo com que ela quase caísse, o que resultou em uma bronca vinda de Alice e um sermão sobre os cuidados que se deve ter no cômodo. Enquanto Alice brigada comigo eu fazia algumas palhaçadas, como imitar ela, e todos acabaram caindo na gargalhada, mas subitamente todos pararam de rir e olhavam com espanto em minha direção. Quando me virei minha expressão se igualou a de todo mundo. Os olhos da garota finalmente haviam aberto.


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Notas finais do capítulo

Finalmente nossa Bela Adormecida acordou! Por que será que ela dormiu tanto? Quem será ela? O que devemos esperar do próximo capítulo? TAN TAN TAAAAAAN



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