Through Outsider's Eyes escrita por Mychelle_Wilmot


Capítulo 7
S'chn T'gai Spock & James T. Kirk


Notas iniciais do capítulo

Último capítulo pessoal! Demorei, mas concluí essa história.

Esse capítulo funciona como um epílogo, o ponto de vista dos dois envolvidos na situação, já que o POV em todo o resto da história foi com outros personagens.



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Após tantos anos inserido no meio de Humanos, fosse em departamentos profissionais ou pessoais, Spock podia admitir para si mesmo que ele gostava de trabalhar entre eles.

A constante convivência com Humanos costumava ser uma dificuldade em seus primeiros anos servindo a Frota Estelar. Essa dificuldade fora um fator inesperado, pois a sua estimativa era de que a convivência desde a infância com uma mãe Humana proporcionaria uma aptidão mais natural na hora desse contato, mas nenhum daqueles Humanos possuía as maneiras e o controle que ele costumara associar com a conduta e comportamento de sua mãe.

Essa convivência fez Spock admirar sua mãe ainda mais. Em seu planeta, Vulcanos costumavam julgar sua mãe como uma mulher inexplicavelmente emocional e volátil, como eram todos os Humanos. Será que entre seus semelhantes Humanos, sua mãe era considerada uma mulher fria e excessivamente racional? Ele se perguntava se sua mãe costumava sentir a mesma dualidade que Spock aprendera a viver, pois os outros Humanos que ele conhecera em sua vida profissional em nada se assemelhavam a Lady Amanda.

Eles eram barulhentos e bagunceiros, inapropriados de maneira que eles nem percebiam ser, e repletos de hábitos irracionais que simplesmente não faziam sentido para o raciocínio de Spock.

E um desses hábitos era a inexplicável necessidade da criação daquilo que eles vulgarmente se referiam como ‘fofocas’.

Era um hábito bastante surreal para Spock. Qual era a necessidade do segredo, da obscuridade que eles engajavam enquanto praticavam tal passatempo? Por que eles preferiam conspirar em segredo sobre a vida de terceiros ao invés de perguntar diretamente e cessarem suas dúvidas? Por que a preferência por essa incerteza de rumores que em grande parte das vezes eram falsos ao invés da confirmação de uma curiosidade?

Spock não sabia explicar, muito menos conseguia entender. Em diversas ocasiões, ele perguntara a colegas qual era o apelo de tal atividade, mas todos eles tiveram respostas diferentes. Alguns até pareceram embaraçados diante da questão, o que fez Spock parar de indagar e apenas aceitar aquilo como mais uma das muitas peculiaridades pertencentes aos Humanos.

E aceitar ele fizera. Fosse servindo ao Capitão Pike ou fosse à atual missão sob o comando do Capitão Kirk, Spock testemunhara e presenciara a presença de fofocas em todos os cantos da nave, entre alferes recém-saídos da Academia e entre respeitados almirantes, entre todas as divisões e cadeias de comando. 

Diante dessa popularidade, ele aprendera a aceitar e a ignorar esses comentários. Sua convivência com Humanos era largamente baseada nesses dois princípios, e não era um esforço monumental aplicar essa mesma regra para um hábito que, para todos os efeitos, era inofensivo.

No entanto, Spock se viu diante de um dilema moral e pessoal quando ele notou que ele havia se tornado o mais novo alvo de tais fofocas dentro da Enterprise.

A noção era seriamente preocupante. Spock não era estranho à hostilidade vinda de Humanos ou Vulcanos, mas nunca era uma dinâmica desejada ou almejada em um ambiente de trabalho. A maior parte das fofocas que ele testemunhara não eram maliciosas em natureza, mas ainda assim era preocupante para ele se ver como um dos principais alvos das intrigas da nave.

E Spock era apenas um dos principais focos, porque o outro alvo das fofocas era Jim.

Jim e ele serem o foco de comentários cuja natureza Spock não entendia por completo lhe era preocupante, mas Spock tinha de aceitar a realidade dos fatos. Era ilógico continuar a negar para si mesmo diante das 22 vezes onde tripulantes pararam subitamente de falar conforme eles se aproximavam, ou as 42 vezes onde risadas puderam ser ouvidas tão logo ele e Jim deixavam o ambiente ao mesmo tempo, ou os incalculáveis olhares que ele e Jim pareciam receber de cada tripulante da Enterprise.

A princípio os olhares eram apenas discretos e furtivos, mas aquilo também mudou com o passar do tempo. Ele se lembrava de ver a Tenente Uhura junto à enfermeira Chapel os observando de uma maneira estranhamente intensa enquanto ele e Jim faziam os arranjamentos necessários para revezar a custódia de Kah'hir, o animal de estimação que a Tenente generosamente lhe ofertara, e ele se lembrara de ver o Tenente Sulu discretamente passar algum tipo de pagamento para o Alferes Chekov após ele e Jim voltarem juntos após uma reunião, como se alguma aposta houvesse sido perdida.

Acontecimentos como esse se tornaram cada vez mais comuns na nave, mas Spock só teve a absoluta certeza de que aquele assunto necessitava ganhar atenção quando ele notara que o doutor McCoy, que nunca tratara Spock e Jim de maneira diferente, começara também a lançar estranhos olhares para eles.

Diante desses fatos, a solução lógica seria procurar Jim e conversar sobre a situação, e que juntos eles procurassem uma solução, e se necessário, que eles conversassem com a tripulação sobre essa conduta irregular. Aquilo poderia se tornar um problema grave, e quanto antes eles reconhecessem a existência disso, melhor.

O único problema nessa solução era o mesmo problema que existia quando um assunto envolvia Jim; as reações de Spock diante de seu Capitão.

Spock havia começado a procurar evitar discutir assuntos de natureza pessoal com o Capitão justamente devido a suas inapropriadas reações ao Capitão Kirk. Por mais que Jim encorajasse um laço de amizade entre eles, Spock se via cada vez mais incapaz de se contentar com apenas aquilo. Nos sonhos que Spock nunca admitiria ter, era o rosto de Jim que ele sempre via, seu corpo como um banquete para seus olhos, o sorriso de Jim como um sol, como um astro brilhante e poderoso que fazia Spock sentir impulsos irracionais e inapropriados que ele resistia diariamente para reprimir.

O Capitão Kirk era seu comandante oficial, seu colega, seu amigo; qualquer outro desejo que Spock nutria nos cantos mais primitivos de sua alma era indesejado e não correspondido, e Spock faria de tudo para que Jim nunca percebesse.

Por isso Spock nutria certo receio em discutir o assunto com o Capitão, receio em colocar entre eles um assunto tão potencialmente pessoal; Spock receava o rumo daquela conversa de um modo irracionalmente intuitivo.

No entanto, aquele receio não era o suficiente para fazer Spock desistir de trazer o assunto à tona, não diante da potencialidade gravidade que ignorar tais acontecimentos poderia trazer.

Diante desses fatos, Spock saíra de seus aposentos naquela manhã com a resolução de que ele chamaria a atenção do Capitão para aquele assunto ainda naquele dia.

*

Quando Spock lhe dissera que tinha um assunto importante para conversar com ele, não lhe passara pela cabeça em nenhum momento que Spock tencionava falar sobre as fofocas que circulavam sobre eles pelos corredores da Enterprise.

É claro que Jim estava ciente de que ele havia se tornado um foco para as fofocas de seus tripulantes. Ele não tinha como ter certeza do assunto ou seus detalhes, pois as conversas eram sempre interrompidas no instante em que ele pisava no ambiente, mas ele sabia o assunto era sempre ele e Spock.

Por essa razão, ele procurou não focar nesse assunto e ignorar as fofocas quando podia. Ele sabia que a principal razão era provavelmente o tédio da tripulação; ele não podia imaginar nada deliberadamente malicioso ou antiético sendo discutido.

Sendo assim, foi um choque perceber que ele não considerara a ideia de Spock pensar que as fofocas eram um problema a ser resolvido.

— Bem, Spock... eu não posso dizer que não estou ciente. É difícil não perceber – ele comentou, evitando olhar para Spock.

— Eu presumi que sim, Capitão. Eu mesmo tive minhas reservas com o assunto, mas após uma análise pessoal, eu achei melhor abordarmos esse assunto o quanto antes.

Jim finalmente olhou para Spock; sua expressão estava neutra, nem um sinal de como ele se sentia sobre o assunto.

— Eu entendo sua preocupação Spock, mas eu não imagino muito que possa ser feito. Se a natureza desses... rumores – Jim desviou o olhar por alguns segundos – Fosse em um tom de rebelião ou de motim seria uma coisa, mas isso é apenas a tripulação entediada buscando algo pra se distrair.

Spock franziu as sobrancelhas.

— Eu confesso não ter um plano ou uma abordagem planejada, Capitão, mas me parece descuidado não investigar o assunto mais a fundo. Eu já percebo que esse comportamento afetando até a tripulação da ponte, e acredito que não é um problema a ser ignorado.

Spock ainda tinha as sobrancelhas um pouco franzidas enquanto falava, o único traço em seu rosto demonstrando sua confusão com tal descaso. Jim teve que se controlar para não sorrir, algo que era sempre difícil ao redor de Spock.

E realmente, não era por isso que eles estavam envolvidos naquela conversa embaraçosa?

Se apenas Jim tivesse mantido seus olhos e suas palavras para si mesmo, talvez não houvesse fofocas a bordo da nave do quão estranhamente próximos o capitão e seu Primeiro Oficial Vulcano eram.  Como ele iria explicar isso pra Spock?

Porém, antes que Jim tivesse que forçar uma explicação difícil, Spock e ele se distraíram com a chegada de Bones na mesa onde eles estavam sentados.

— Bones – Jim sorriu ao vê-lo; ele sabia que o turno de Bones acabava mais cedo naquele dia, mas ele não esperava vê-lo tão cedo na sala de recreação, já que Bones não era sempre do tipo sociável.

— Doutor – Spock o cumprimentou – Acredito que o senhor chegou em um bom momento.

O sorriso de Jim congelou – Spock não pretendia comentar do assunto com Bones, pretendia?

— E por que, Spock? Do que vocês estavam falando? – a voz de Bones era genuinamente curiosa a princípio, mas ele pareceu se alarmar um pouco ao olhar para Jim, o que fez ele se perguntar que tipo de expressão ele tinha no rosto.

— Eu estava abordando um assunto com o Capitão que eu acredito que o doutor tenha alguma experiência.

— Spock, não há necessidade de envolver o bom doutor nisso – Jim tentou interromper, ainda na esperança do assunto ser esquecido.

— Nisso o que? – Bones estava começando a ficar impaciente, Jim pode perceber.

— Com as chamadas ‘fofocas’ no ambiente profissional. Embora eu não tenha conhecimento pleno do conteúdo dessas, eu sei que eu e o Capitão somos o foco de várias delas a bordo da Enterprise. O doutor deve estar ciente disso, também.

Depois das palavras de Spock, um grande silêncio se instalou na mesa; Jim percebeu que Bones olhou para baixo, e que seu rosto pareceu corar por alguns momentos.

— Por que, entre todas as pessoas dessa nave, vocês me escolheram para ter essa conversa? Eu?

— A enfermeira Chapel recentemente me informou que o senhor teve esse mesmo problema dentro da equipe da enfermaria, e que o senhor conseguiu achar uma solução.

— Eu vou matar aquela mulher – Bones resmungou, fazendo Spock erguer uma sobrancelha, e Jim comentar que ameaçar seus subordinados era contra os princípios da Frota Estelar, em uma fraca tentativa de humor.

— Escute, Spock, Jim... eu consegui parar isso na minha enfermaria porque eu sou um velho rabugento que não se importa em ser temido pela sua equipe. Não é nada que nenhum de vocês deveria tentar.

— Eu totalmente concordo – Jim disse imediatamente – Você devia esquecer isso, Spock.

— Eu não entendo a sua relutância em abordar esse assunto, Capitão – Spock balançou a cabeça – Eu não compreendo totalmente a necessidade que seres humanos sempre encontram em participar de fofocas, mas me parece que o que se passa na nave está além do que é considerado normal.

E bem, como Jim podia ter uma resposta para aquilo?

Bones, por sua vez, começava a massagear a cabeça com os dedos, parecendo querer estar em qualquer outro lugar naquele momento.

— Eu não acho que existe um jeito de fazer essa fofoca parar, Spock. Não quando vocês dois são o alvo, e quando vocês sempre dão mais motivos para a tripulação falar.

— Bones – Jim protestou diante da ideia de que eles sempre davam motivos para a tripulação falar; Spock não demonstrava absolutamente nada, e Jim tentava ser discreto sempre que podia.

Talvez se vocês dois confrontassem a verdade desses rumores vocês poderiam diminuir eles, mas vocês estão prontos para isso?

— Não há nada pra confrontar, Doutor – Spock imediatamente negou, e Jim teve que se esforçar para não deixar seu desapontamento aparecer.

— Ah, pelo amor de deus! – Bones jogou as mãos para o alto, exasperado – Eu não aguento mais dançar ao redor desse assunto. Vocês dois gostam um do outro!

— É claro que gostamos um do outro, Bones – Jim foi rápido em dizer, reagindo em pânico – Nós somos amigos, afinal.

— É claro – Spock assentiu, igualmente rápido.

— Isso não é o que eu quero dizer, vocês dois sabem disso! Eu quis dizer num sentido... romântico! E quer saber?

Bones se levantou da mesa

— Eu estou velho demais pra esse tipo de situação. Por favor, nunca mais me procurem pra uma conversa dessas.

Com isso, ele saiu quase correndo da mesa. Seria uma visão cômica, se a trágica realidade do que ele acabara de dizer na frente de Spock não estivesse bem na frente de Jim.

— Eu não tenho a menor ideia de onde o bom doutor tirou aquilo. Quer dizer, você é um Vulcano – porque você jamais pensaria em algo assim – eu não faço a menor ideia de como ele ou qualquer um nessa nave possa pensar o contrário, e...

— Jim, por favor, pare de falar – Spock o interrompeu sem nem olhar para ele; ele olhava para o corredor onde Bones tinha ido, talvez contemplando se devesse sair correndo também.

— Oh. Tudo bem – Jim disse, mais do que um pouco magoado. Ele já se resignara de que quaisquer sentimentos além da amizade e do companheirismo de trabalho que sentia por Spock eram não correspondidos, mas isso não impedia que ele se magoasse com cada invisível rejeição que Spock lhe dava.

Aquilo tudo era sua culpa, essa situação constrangedora na qual estavam. Era culpa de Jim e de sua inabilidade em conciliar melhor como ele se sentia em relação a uma pessoa que nunca sentiria a mesma coisa por ele.

— Eu sei que o Doutor estava errado, Capitão. Que o senhor não nutre por mim quaisquer sentimentos que não sejam amizade e companheirismo, Capitão, e foi impróprio do Doutor sugerir o contrário.

Jim teve coragem de olhar firmemente para Spock naquele momento, e notou que sua compostura não estava o que normalmente era – não havia nada de sua frieza ou de sua expressão neutra. Havia lá uma emoção que Jim nunca havia visto antes, e não sabia o que era, mas que fez seu coração palpitar em esperança.

— Ele... ele não estava realmente errado, Spock.

Spock visivelmente tencionou ao seu lado – não lhe parecia um bom sinal, mas Jim já tinha ido longe demais para parar.

— Eu não pretendia falar disso com você... bem, nunca. Eu sei que pode ser um assunto delicado para Vulcanos, ainda mais na nossa situação profissional, mas diante disso, me parece desonesto não falar nada. Eu... eu tenho sentimentos por você, Spock.

Jim demorou vários segundos para criar coragem de levantar a cabeça, e então ele desejou não tê-lo feito; Spock o fitava com a mesma expressão neutra e sem emoções que ele vira em seu rosto dezena de vezes, e Jim sentiu seu coração despencar em seu peito.

Incapaz de continuar aquela conversa, Jim se levantou.

— Eu acho que é melhor nos falarmos depois.

Jim se moveu para sair, mas ele fora interrompido pela mão de Spock em seu pulso, um aperto simultaneamente firme e delicado.

— Jim – a voz de Spock era baixa, mais rouca do que o normal – Eu nunca... eu não pensei... nós não...

Era tão estranho ouvir Spock nervoso, dizendo frases incompletas daquela maneira, e quando Jim olhou em seu rosto, havia uma expressão ali dessa vez – uma tão familiar que Jim não tinha como não identificar.

Esperança.

Jim moveu sua mão também, colocando-a sob a mão de Spock em cima de seu próprio braço, em um gesto lento e deliberado. Spock pareceu se assustar um pouco diante do gesto inesperado, mas ele não cessou contato.

— Eu acho que... nós deveríamos conversar, Capitão.

Jim abriu a boca para responder, mas naquele instante ele foi interrompido pelo barulho de metal sendo derrubado no chão, um garfo julgando pelo barulho; o som fez com que Jim desviasse seus olhos, e que voltasse a perceber o mundo que existia além dele e de Spock.

A sala de recreação não estava completamente cheia, mas todos os tripulantes que ali estavam encaravam Jim e Spock, alguns de forma mais discreta enquanto outros observavam descaradamente, como que esperando o desfecho daquele momento.

Jim não pode se refrear de revirar os olhos, e se voltou para Spock.

— Eu concordo que deveríamos, senhor Spock... mas devíamos conversar  em um lugar com mais privacidade, concorda?

Spock imediatamente entendeu e concordou de imediato.

— É claro, Capitão. É um assunto privado, afinal de contas.

Conforme eles saiam da sala de recreação, Jim pode perceber alguns olhares decepcionados dirigidos a e ele e Spock, e nem tentou esconder seu riso. Seus subordinados teriam que se contentar com as fofocas; ele amava sua tripulação e faria de tudo por seus tripulantes, mas Jim não estava disposto a dividir certos momentos com eles.


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Notas finais do capítulo

E é isso aí pessoal! Obrigada por ler, comentários são bem vindos como sempre. :))



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