Sem-Coração escrita por Ju Do


Capítulo 8
Capítulo 8: O Dragão


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura! =D



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Capítulo 8: O Dragão

 

No outro dia, o Cavaleiro e a Rainha se encontraram na sala de nobre do Duque, com ele sentado na frente dos dois, como um rei em seu trono. A moça parecia desconfortável. Normalmente, era ela quem sentava no trono, nunca havia estado do outro lado. O Duque os olhava com um sorriso leve, mas seus olhos eram cruéis.

— Bom. Então, acho que devo dizer qual a tarefa que peço que completem para mim. Há uma fera a solta por esta parte do Império, e acho que vocês ficarão muito felizes em eliminá-la. Encontrarão ela numa caverna a algumas milhas daqui.

— Que tipo de fera? - a Rainha perguntou. Aquilo fez os olhos do Duque brilharem.

— Um dragão.

Ela sentiu um frio lhe descer pela espinha com aquelas duas palavras. O Cavaleiro se remexeu ao seu lado e ela o olhou. Ele mal conseguia conter sua animação, os olhos arregalados de entusiasmo.

— Não pode estar falando sério. Levam pelo menos 20 homens para matar um dragão. Não está esperando que nós dois consigamos fazê-lo. - ela falou, tentando manter uma expressão calma.

— É um dragão pequeno. - o Duque encolheu os ombros. - Não tem nem cinquenta anos. Dragões jovens já foram mortos por cavaleiros habilidosos. Vocês dois, uma Rainha treinada e um Cavaleiro real, com certeza estarão a altura deste.

— Sim. - o Cavaleiro respondeu, com toda a confiança.

— Não posso aceitar essa oferta. - a Rainha discordou, firmemente.

— É a única que vocês têm. - o Duque ergueu as mãos. - É isso, ou serei obrigado a entregá-los para o Imperador.

A Rainha trincou os dentes por um momento, tensa. Por fim, deixou escapar o fôlego que estava prendendo e respondeu:

— Como quiser.

— Ótimo! - o Duque falou, com uma falsa alegria. - Vou-lhes entregar um mapa. Aqui estará mostrada a localização da caverna do dragão.

Eles saíram do castelo, voltando pela estrada em que haviam vindo, em direção à caverna. Assim que se viram sozinhos, a Rainha falou.

— Ele está tentando nos matar. - ela apertou as rédeas do cavalo com força. - Está tentando nos matar e fazer parecer que não foi sua culpa.

— Quem se importa? Ele não vai conseguir. - o Cavaleiro retrucou. A Rainha parou o cavalo e o olhou. Os olhos dele brilhavam.

— Você está achando isso bom? - ela estreitou os olhos.

— Claro! É a tarefa clássica de um cavaleiro. A melhor chance que eu tenho de me provar. Matar um dragão! - ele falou, como se não conseguisse acreditar em sua sorte.

— Isso não é uma brincadeira! - a Rainha explodiu, subitamente, assustando os cavalos. - Não é um torneio ou uma caçada onde você vem para provar que é mais homem que os outros concorrentes! O monstro que vamos enfrentar é quase uma garantia de morte dolorosa e violenta! Não estamos falando de um lobo, ou um javali, estamos falando de um dragão! A chance de ele nos matar é dez vezes maior do que a de nós conseguirmos matá-lo! E, se continuar pensando que isso vai ser uma aventura divertida da qual vai poder se gabar depois, ele vai matá-lo!

O Cavaleiro a olhou, surpreso com essa súbita explosão de raiva. Apenas após olhá-la bem, ele percebeu que ela não estava zangada. Estava com medo. Estava mais assustada do que ele jamais a vira.

— Seu pai. - ele percebeu. - Foi morto por um dragão.

— Sim. - ela respondeu, a voz mais baixa. - E ele era o melhor guerreiro no reino, e mesmo assim, foi morto. Não se engane. O que vamos enfrentar agora provavelmente vai ser a batalha mais difícil das nossas vidas. E, mesmo que sobrevivamos, não espero que venhamos a sair dessa sem algumas cicatrizes.

E, com aquela advertência sombria, ela fez seu cavalo avançar. O Cavaleiro a seguiu. Ele tentou levar o aviso da Rainha a sério, mas tudo que aquilo havia feito era deixá-lo mais determinado. Mataria aquele Dragão. Um dragão, o mesmo monstro que havia eliminado a antiga e honrável Ordem dos Cavaleiros. Ele iria vingá-los. E se provaria um cavaleiro digno de servir à herdeira do trono.

Ao longo do caminho, a Rainha lhe passou instruções sobre o que sabia sobre dragões e montou estratégias para derrotar este.

— As escamas do dragão são duríssimas e praticamente invulneráveis. Não adianta, portanto, atacá-lo em qualquer lugar que não seja a parte debaixo, onde elas são mais finas. Mesmo assim, precisamos golpear com toda a força para ultrapassá-las e chegar na carne. O lugar mais seguro para se estar é nas laterais do dragão. Na frente, ele pode morder e soltar fogo; atrás, há a cauda com a qual ele pode quebrar facilmente a coluna de um ser humano. Pelos lados, há apenas as asas, e mesmo que ele consiga nos bater com elas, não conseguirá fazer tanto dano quanto das duas extremidades. Não podemos deixar que ele saia da caverna. Um lugar apertado limitará sua movimentação e nos dará uma chance melhor. Se ele sair, conseguirá voar para fora de nosso alcance e nos assar de longe.

E, finalmente, eles chegaram na caverna. Deixaram os cavalos do lado de fora, puxaram as espadas e entraram, o Cavaleiro segurando uma tocha em uma das mãos.

— Faça o máximo de silêncio que puder. Talvez, muito talvez, ele esteja dormindo, e isso nos dará uma vantagem enorme. - a Rainha advertiu.

Os corredores da caverna eram enormes, grandes o suficiente para quinze cavalos passarem lado a lado. Os dois andaram por quase cinco minutos antes de chegar a um enorme salão. Era da altura de uma sala de um castelo, e estava cheio de tesouros. Pedras preciosas, taças de prata, moedas de ouro, peças de tecido fino e móveis em madeira rara se acumulavam por todos os lados. E, bem no centro, estava o Dragão.

Era uma besta negra reptiliana, do tamanho de uma casa. Ele estava enrolado em si mesmo, e respirava lenta e profundamente. Suas garras pareciam facões, e havia chifres em cima de seus olhos e espinhos ao longo de toda a sua espinha dorsal.

O Cavaleiro permaneceu paralisado, até que a Rainha o cutucou. Ela apontou para o Dragão e colocou um dedo sob os lábios, pedindo silêncio. Ele concordou e os dois começaram a se aproximar da criatura, com cuidado.

Eles pisavam delicadamente no solo com suas botas, chegando mais perto. O Cavaleiro mal conseguia acreditar na sorte dos dois. O Dragão estava mesmo dormindo! Era a melhor chance que eles poderiam esperar. Bastaria chegar perto e enfiar as espadas em sua garganta, e eles teriam matado a maior fera de todas, e poderiam seguir viagem. Ele derrotaria o Imperador e tomaria de volta o coração da Rainha, e ela o reconheceria como um grande cavaleiro e ele a tomaria como esposa e...

Aquele último pensamento o desconcertou. De onde aquilo havia vindo?! Distraído, por um momento, o Cavaleiro perdeu a concentração, e foi aí que tudo veio água a baixo.

Ele perdeu o equilíbrio e cambaleou. A Rainha tentou segurá-lo, mas tudo que aconteceu foi que ele a levou junto com ele em seu desequilíbrio, e os dois trombaram juntos em uma pilha de tesouros.

Cascatas de moedas despencaram no chão com um som metálico estrondoso, e o Dragão abriu um olho. Era vermelho como sangue.

Foi a Rainha que se recuperou mais rápido. Imediatamente, ela pulou na frente do Cavaleiro e ergueu seu escudo inquebrável. Um jorro de chamas foi soltado na sua direção, mas foi desviado para os lados pelo escudo. Mesmo assim, os dois puderam sentir o calor.

Ela abaixou o escudo, só para ver o Dragão se erguendo e avançando na sua direção. Tentando controlar o pânico, ela empurrou o Cavaleiro para um lado e correu para o outro, saindo do caminho bem na hora que o monstro passava como uma carruagem a toda velocidade, rugindo e tentando abocanhá-los.

— Eu vou distraí-lo, você tenta matá-lo! - a Rainha instruiu. Tinha o escudo e armadura, e portanto, estava bem mais protegida. Tinha que desviar o foco do monstro para si, para que ele não prestasse atenção no Cavaleiro, que podia ser morto facilmente.

E, assim, ela gritou um “Ei!” e bateu sua espada com força no escudo, produzindo um som de metal que atraiu a atenção do Dragão. Os olhos do bicho se estreitaram; ele sabia que aquele escudo era a maior defesa contra seu fogo. Rugindo, ele pulou para cima da Rainha, as garras à mostra para tentar empalá-la.

Ela tentou rolar para o lado, mas o monstro era incrivelmente rápido, e conseguiu atingir seu braço direito, na junta da armadura. Um corte se abriu e começou a sangrar, mas ela trincou os dentes e ficou de pé. Não era muito profundo.

A sala agora estava iluminada com objetos pegando fogo por causa do sopro do Dragão, e a luz brilhava nas escamas negras. O bicho a olhava cruelmente, seus olhos vermelhos fixos na Rainha.

— Venha! - ela berrou. O Dragão soltou um jorro de chamas, mas ela novamente ergueu o escudo para se defender e o fogo foi desviado.

Nesse meio tempo, o Cavaleiro não havia ficado parado. Silenciosamente, ele se aproximara do Dragão e, agora, passava correndo por baixo da sua asa esquerda. Ele tomou impulso e partiu para um golpe de espada, bem na barriga do bicho. Mas, para seu azar, o solo era irregular e ele escorregou. Ainda conseguiu ajustar o braço para atingir o dragão e abrir um corte, mas foi muito superficial. Mesmo assim, lhe deu uma enorme satisfação ver o monstro sangrar, e ele soltou um grito de comemoração.

O Dragão rugiu de dor e de raiva e se virou para o Cavaleiro. A Rainha tentou gritar para chamar sua atenção, mas tudo o que a besta fez foi abrir as asas para golpeá-la com a borda, lançando-a para o outro lado do salão.

O Cavaleiro ergueu a espada, pronto para atacar ou se defender. O Dragão tentou atacá-lo com uma das patas, lançando-a em um golpe curvo em sua direção, as garras afiadas expostas na intenção de fazê-lo em pedaços. Mas os treinamentos com a Rainha haviam feito efeito, e o Cavaleiro estava mais rápido. Ele simplesmente pulou por cima da pata do Dragão, se desviando do golpe.

Infelizmente, só a Rainha, de fora da luta, viu aquele ataque como o que realmente era: uma finta. Enquanto o Cavaleiro prestava atenção na pata da besta, ele não viu a cabeça que também se aproximava, rápida como o bote de uma cobra. A Rainha gritou em aviso um momento antes do inevitável acontecer, mas não foi o suficiente.

O Dragão abriu a boca e abocanhou o Cavaleiro, que gritou de dor ao sentir os dentes se enterrando em seu abdômen. Com metade de seu corpo dentro da boca do monstro, ele foi erguido e jogado para cima.

No ar, tudo pareceu ocorrer em câmera lenta. O Cavaleiro viu, lá embaixo, a Rainha correndo em direção ao monstro. Ela nunca chegaria a tempo. Viu o Dragão abrindo a boca e compreendeu. Aquela mordida havia sido apenas uma mordiscada, um jeito de o bicho jogá-lo para cima. Agora, ele iria engoli-lo inteiro, sem nem ao menos mastigar, para depois lidar com a Rainha. A garganta do Dragão se aproximava, e o Cavaleiro decidiu o que faria. Ele ergueu a espada acima da cabeça e caiu com ela, com a ponta para baixo.

Entrou pela boca do Dragão e, com a força de seus braços unida à força da gravidade, enterrou a espada pelo céu da boca do bicho. A lâmina entrou rasgando na diagonal para dentro da cabeça do dragão, enfincando-se até o punho, chegando ao cérebro do animal. E o Dragão despencou.

A Rainha correu para a cabeça do Dragão. O Cavaleiro ainda estava lá dentro, e ela fez força para abrir a boca do animal com os braços. Com muito esforço, conseguiu fazê-lo, e viu o rapaz quase dentro da garganta do bicho, apenas meio consciente. Puxou-o para fora.

— A espada... - ele gemeu.

— Está tudo bem, eu pego depois...

— A espada do Rei... - ele insistiu.

— Depois.

— Me dê a espada! Não posso morrer sem ela. - ele gemeu, alto.

— Você não vai morrer! - ela rosnou de volta. Mas puxou a espada de dentro da boca do Dragão e a entregou para ele.

— Está tudo bem. Está tudo bem. - ela murmurava, freneticamente. - Você está bem.

— Eu matei o Dragão? - o Cavaleiro sussurrou. As coisas estavam estranhamente embaçadas.

— Matou, deu tudo certo, vai ficar tudo bem. - a Rainha respondeu. Ela abriu o corselete dele e encontrou tudo coberto de sangue lá embaixo. Buracos do diâmetro de um dedo médio haviam sido abertos no corpo do Cavaleiro, e ele sangrava profusamente. Ela estremeceu por um momento, e depois pegou todo o pano que tinha à sua disposição e começou a apertá-lo nas feridas, tentando estancar o sangramento. Ela sabia que a única razão pela qual o Cavaleiro já não estava morto era porque o Dragão não mordera com toda a força: tinha querido apenas lançá-lo para cima. Se tivesse querido morder de verdade, o rapaz teria sido partido ao meio. Mas, mesmo assim, a situação não poderia ser mais grave. O Cavaleiro perdia sangue rapidamente, e era possível que aquela mordida, por mais “gentil” que tivesse sido, houvesse perfurado órgãos vitais.

— Você vai sobreviver. Não ouse morrer na minha frente. - ela falou, não sabendo se isso era mais para ele ou para si mesmo. - Segure isso aqui. Vai estancar o sangue.

Ela continuou a se mover o mais rapidamente possível, até que o a mão do Cavaleiro agarrou seu braço, fracamente, e ela parou. Ele tentava olhá-la nos olhos, mas sua visão parecia desfocada. Estava incrivelmente pálido.

— Você está bem? - ele perguntou, fraco. - Se feriu?

Ele não conseguia vê-la direito, mas com aquilo, a Rainha fez um som estranho e o abraçou. O Cavaleiro sentiu algo macio em seus lábios, e então, não conseguiu ver mais nada. Tudo que conseguiu perceber da viagem de volta para o castelo do Duque foi o sacolejo do cavalo e a voz trêmula da Rainha, que repetia sem parar:

— Está tudo bem. Não morra. Está tudo bem. Vai ficar tudo bem.

 


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Notas finais do capítulo

Desastre. Caos. Sim, eu sei, esse capítulo foi do mal. Mas também foi incrivelmente divertido de escrever! Tem dúvidas? Elogios? Críticas? Todos serão aceitos.

Espero que tenham gostado e até próxima semana! o/



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