Melinyel escrita por Ilisse


Capítulo 19
Capítulo 18




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Foram recebidos com toda a pompa que Rivendell podia oferecer. Além de ser o primeiro casamento a ser oficializado ali em cinquenta anos, aquela seria a primeira visita do rei de Mirkwood em dois séculos.

Após as trompetas anunciarem a aproximação do rei e dos noivos, pétalas de flores jogadas ao vento coroaram a comitiva visitante enquanto um grupo de músicos os saudava com uma melodia formal. 

Elrond estava parado no meio da escadaria de pedra branca, rodeado pelos filhos gêmeos. Atrás deles, a maior parte dos os elfos de Rivendell esperavam para saudar os visitantes. A longa comitiva aguardou enquanto Thranduil e Elrond aproximavam-se, após trocarem algumas palavras inaudíveis para os demais, viraram para o casal de noivos. 

Lindir e Emel ostentavam sorrisos longos e radiantes, caminharam de mãos dadas até aos soberanos. Thranduil pegou a mão de Emel e Lindir posicionou-se ao lado de Elrond. 

— Saúdo sua nova casa com prosperidade e abundância. Seu futuro, com paz e felicidade. - Thranduil disse para Emel, entregando uma caixinha prateada em sua mão livre. - Que isto a lembre de suas origens. Que una seu passado e futuro, e nossos reinos. 
Elora observava ao longe Emel recolher a caixa e fazer uma reverência completa ao seu antigo rei. Thranduil então entregou a mão da elfa à Elrond que a colocou sobre a de Lindir. 

— Bem-vinda ao lar, Emel de Rivendell! - Elrond saudou-a em uma leve reverência, sendo seguido pelos outros. 

Emel e Lindir se abraçaram, afastando-se em seguida do centro do grupo para cumprimentarem os outros presentes. 
A caravana dispersou-se, indo descarregar as bagagens e levar os cavalos aos estábulos para um merecido descanso. Elora entregou as rédeas de Randír para um dos ajudantes e aproximou-se do tio a passos lentos. 

Os gêmeos cumprimentavam Thranduil quando perceberam a menina, indo correndo ao seu encontro. 
Antes mesmo que pudesse cumprimentá-los, Elora já estava sendo erguida no ar por Elladan. E em seguida, abraçada até sentir os ossos doerem por Elrohir. 

— Como se atreve a nos preocupar desse jeito? - Elladan sorriu abraçando-a. 

— Como se atreve a sair caçando wargs por aí sem nos convidar! - Elrohir cruzou os braços no peito, com um falso ar de ressentimento.

— Não foi bem uma aventura planejada. - Elora afagou o braço do primo. - Na próxima estarão ao meu lado, os dois. Prometo.

Seu olhar seguiu para onde Elrond e Thranduil estavam. Ambos encaravam os três com um ar sério. Elrond permanecia impassível, enquanto Thranduil tinha o cenho franzido e a boca fechada em uma linha reta.

— O quanto devo me preocupar? - Ela dirigiu-se aos gêmeos sem desviar os olhos do tio. Teve sua resposta quando nenhum dos dois disse nem uma palavra. - Tão ruim assim?

Virou-se para Elladan, recebendo um sorriso não muito tranquilizador. 

Seguiu a passos firmes e com a cabeça erguida, sendo escoltada pelos primos. Se aprendera alguma coisa em Mirkwood era afundar seus reais sentimentos bem fundo e não deixá-los transparecer em sua voz ou no fundo os olhos. 

— Meu senhor. - Parou em frente ao tio fazendo uma longa reverência. Quando ergueu-se, Elrond a puxou para um abraço ao qual ela retribuiu um pouco surpresa. - Sinto muito por tê-lo preocupado. 

Elrond a afagou na bochecha mas ainda tinha um olhar triste, distante. 

— Mas não por ter ido embora. - Ele afirmou. Elora desviou os olhos. 

— Não, isso não. - Elora disse. Viu pelo canto do olho os gêmeos entreolharem-se.

— Thranduil me enviou um relato completo e isto basta por hora. - Tomou o braço de Elora ao redor do seu e o grupo começou a subir os degraus. - Descanse, conversaremos mais tarde.  

Elora olhou de soslaio para o rei ao seu lado, sem lhe dirigir a palavra. O que ele havia dito à Elrond? Teria contado sobre suas dúvidas quanto à viagem para Aman? Não. 

Ele podia ser presunçoso e rude quando queria, mas nunca antes havia quebrado sua confiança. E alguma coisa lhe dizia que ele não o faria, mesmo agora... com essa animosidade entre eles.  

Separou-se do grupo sem ser notada e seguiu para sua vivenda. 
Apesar do local ter sido limpo, seus aposentos estavam da mesma forma em que os deixou, até mesmo seu robe. Que ainda estava em sua cabeceira. 

Teria de agradecer a Amyna por isso. 

Jogou a capa de viagem pelo chão e deixou-se cair na cama. Chutou as botas para fora dos pés e enrolou-se confortavelmente no colchão macio. 

Suas pernas doíam, suas costas doíam, tudo doía. Não entendia como uma viagem daquela, longa e sem paradas para descanso, não afetava os outros da mesma forma. Os elfos desceram de seus cavalos quase levitando, com as vestes sem amassados e os cabelos perfeitamente penteados. 

Enquanto ela certamente parecia ter corrido a plenos pulmões pelo caminho todo. Por Eru, havia um pedaço de grama em seu cabelo! Como isso era possível? 

Viu Nárë entrar pela porta entreaberta e correr por entre os móveis, cheirando o chão e as cortinas até que por fim escondeu-se embaixo do sofá. 

Fechou os olhos com um longo suspiro, as duas mereciam um longo descanso.



Elora foi despertada por batidas em sua porta, pela janela viu que o sol ainda brilhava forte em sua cortina. Não havia dormido tanto assim então. 

Sentou-se preguiçosamente, talvez mais cansada do que antes, vendo a cabeça de Nárë aparecer por entre as almofadas do sofá no momento em que Amyna entrou no quarto acompanhada de mais duas elfas.

— Minha senhora. - As três falaram juntas.

— Olá Amyna! Tulce, Almare. - Elora cumprimentou-as. 
Parecia que anos haviam se passado desde a última vez em que viu Amyna, a elfa curiosa que era como sua dama de companhia ali na cidade. 

Não havia passado tanto tempo com Tulce e Almare mas as poucas conversas que tiveram foram proveitosas. As elfas eram irmãs mas não se pareciam nem um pouco, Tulce era esbelta e tinha os cabelos castanhos, um rosto longo e nobre, com o nariz arrebitado. Já Almare era um pouco mais baixa e curvilínea, sempre amarrava os cabelos negros em duas longas tranças e passava a maior parte do tempo praticando o arco com seu filho, que era tão agitado quanto a mãe.

— Como se sente? - Amyna falou com preocupação nos olhos. - Os ferimentos ainda doem?

Elora abraçou a barriga por reflexo.

— Estou ótima. Os machucados já estão curados, já até recebi alta para retomar ao meu treinamento. 

— Isso é um alívio. - Amyna respondeu. 

— Parece um pouco fraca. - Almare aproximou-se, examinando-a fundo nos olhos.

— É apenas o cansaço da viagem. 

— Você foi mesmo enfrentar um grupo de wargs sozinha? - Tulce perguntou de ímpeto, com o olhar borbulhando de curiosidade.

— Tulce! - Almare repreendeu-a, mas a outra estava muito ansiosa para importar-se com a irmã. 

— Não precisa responder, minha senhora. - Amyna adiantou-se, dirigindo um olhar zangado à Tulce. - Certamente repetir o ocorrido não a ajudará a esquecer mais rápido. Além do mais todos já sabem.

— Mas não dos detalhes! - Tulce resmungou.

Elora agradeceu silenciosamente. 

Não aguentaria repetir tudo de novo, ainda mais que Elrond certamente esperaria um relato mais que detalhado. 

— Trouxemos algumas pomadas e sais de banho, eles ajudam na recuperação do corpo. - Almare indicou os frascos que colocaram sobre a mesa, ia sentar-se no sofá quando Nárë saiu em um pulo e foi parar embaixo da cama.

Elora riu discretamente do susto das elfas.

— Esta é Nárë. - A menina disse apontando para o vão abaixo da cama. - Ela ainda está se acostumando ao novo ambiente. 

A raposa resmungou e Elora revirou os olhos. 

— O que ela disse? - Almare olhou-a curiosa.

— Consegue mesmo entendê-la? - Tulce ajoelhou-se no chão, encarando a escuridão embaixo da cama. - Isso é incrível. 

— Não a entendo como entendo vocês. Não ouço uma voz... é mais como um sentimento, uma sensação. - Elora explicou-se sentando na cama. - Ela reclamou que aqui está muito claro. Em Mirkwood vivíamos quase à meia luz entre as árvores, é sempre o entardecer por lá. - Disse saudosa.

— Como é lá na floresta? - Amyna perguntou. 

Elora abriu e fechou a boca, tentando responder. 

— Os bosques são refrescantes e o povo caloroso, mas meio arisco no início. Possui uma aura misteriosa, como se cada canto do palácio e cada árvore na floresta tivessem segredos...  - Sorriu de lado. - Não acho que eu consiga descrever mais do que isso. 

Conversaram mais um pouco até que, por fim, Amyna e Elora ficaram sozinhas. 

Ela apreciava as irmãs, mas Tulce tinha a curiosidade de uma criança descobrindo o mundo, e Elora não estava com ânimo suficiente para prolongar suas respostas por muito tempo.

Amyna ajudava a menina a guardar seus pertences enquanto Nárë finalmente criava coragem de sair de seu esconderijo conforme a noite caía. 

— Amyna. - Disse Elora em certo ponto, parando de dobrar uma camisa. - Que tipo de presente é oferecido em um casamento élfico? 

— Geralmente são oferecidas especiarias, tecidos finos, jóias... Não há uma regra pré estabelecida. - Amyna pendurou outro vestido no armário. - Você pode dar aos noivos algo que simbolize o que deseja a eles no futuro. Como abundância e prosperidade.

— Hnm... - Elora olhou pensativa para a camisa em seu colo. 

A elfa sorriu ao ver a concentração da menina. 

— Vou deixá-la pesando suas opções e lhe preparar um banho com os sais que Almare trouxe. - Amyna entrou para o banheiro carregando os potes. Quando saiu, Elora permanecia na mesma posição. - Não se esqueça do jantar, começará em um par de horas. Quer que eu venha trançar seu cabelo?

— Não Amyna, obrigada. Já me ajudou muito. - Elora virou-se para ela. - Pode deixar que dou um jeito nele.

A elfa afastou-se com um aceno e Elora foi banhar-se. 

Escolheu um modelo branco e dourado com mangas longas, o inverno já os estava alcançando e uma brisa gelada arrepiou-lhe os braços. Penteou o cabelo, prendendo os fios em um coque trançado. Era o melhor penteado que conseguia fazer sozinha. 

Quando ficou pronta, pô-se a procurar o embrulho que tinha em mente dentro do baú no canto afastado do quarto. Tivera uma ideia de presente e esperava que Emel gostasse, afinal ela não usaria uma tão cedo. Quando o achou, colocou-o em segurança em cima da cama e dirigiu-se para o grande salão.

Sentada ao lado direito de Elladan, Elora passou grande parte do jantar olhando para o espaço a sua frente sem realmente prestar atenção a nada. 

Elrond estava ao centro da longa mesa com Thranduil à sua esquerda e Elrohir à direita, seguido por Elladan e Elora. A menina não fez menção de ouvir do que se tratava a conversa naquele outro lado da mesa, queria apenas que a sobremesa chegasse para dar seu presente à Emel. 

Tinha que fazê-lo hoje, assim se a elfa não gostasse teria tempo de substituí-lo na manhã seguinte. Elora a procurou pelo salão  encontrou-a com Lindir, estavam sentados próximos a varanda com os braços entrelaçados. Conversavam entre si e sorriam apaixonados um para o outro. 

— Se quiser tanto um podemos pedir que Ada (papai) lhe providencie. - Elladan lhe disse com um sorriso zombeteiro enquanto levava seu cálice aos lábios.

Do que ele estava falando? Seria do bolo de frutas? 

Elora desviou sua atenção do casal e focou no primo. 

— Providencie o que? - Elora franziu o cenho.

— Um noivo, oras. 

Elladan sorriu, recostando-se na cadeira no momento em que Elrohir engasgava com seu vinho. 

Elora olhou para os primos e riu.

— Sim, claro. - Falou irônica, bebendo um gole de seu cálice. 

— Não precisa ser tão descrente, prima. - Elladan falou. - Dizem que o casamento é uma das grandes maravilhas da vida. 

— Se é tão bom assim talvez eu deva falar com Lord Elrond sobre vocês. - Ergueu a sobrancelha. 

— Devemos focar em um membro da família por vez. - Elrohir entrou na conversa, já recuperado do susto. Aparentemente assuntos como laços eternos o deixavam com os nervos a flor da pele. 

— Exatamente. - Elladan concordou, olhando ao redor do salão. - O que acha do Lelyo?

Apontou discretamente para um elfo vestido de verde presente no centro do salão e rodeado de pessoas. Elora franziu o cenho, refletindo sobre o elfo.

— Hnm, não. - Inclinou-se para frente unindo as mãos sob o queixo, concentrando-se em seu alvo. - Muito espalhafatoso. Seria cansativo demais disputar espaço em uma conversa com alguém que sempre quer ser o centro das atenções.

— Ele está fora então, anote Elrohir. - Elora sorriu com o tom profissional do primo. - Vejamos... que tal... Toron!

— Ele olha para cima quando fala. 

— Apenas quando está nervoso. - Elrohir intercedeu pelo amigo. 

— Isso é realmente um defeito? - Elladan adicionou.

— É, quando me irrita. - Elora riu. - É impossível ficar por perto muito tempo quando a outra pessoa parece achar o teto mais interessante do que você. 

— A situação está pior do que pensávamos. - Elrohir sorveu mais vinho. 

— Precisaremos de alguém com mais experiência se vamos precisar driblar toda essa atitude. - Elladan assentiu, concordando com o irmão. - Falaremos com Ada (papai) e voltaremos ao tópico depois. 

— Ou, podemos esquecer tudo isso e nos deliciarmos com a sobremesa que já está chegando. - Elora espiou sobre seu ombro e viu os elfos aproximando-se com as bandejas de doces nas mãos. 

 


.o0o.

 

Ajeitou novamente o embrulho em mãos e bateu na porta do quarto de Emel. Não demorou e a elfa a abriu com um enorme sorriso. Quando Elora entrou viu o vestido fluido prateado com uma faixa mais escura na cintura.

— Que lindo! - Elora disse boquiaberta. - Foi você quem o criou? 

Aproximou-se até tocar o tecido frio com a ponta dos dedos. 

— Dei alguns retoques apenas. Foi o vestido de minha mãe. - Emel aproximou-se abraçando-se. - Desde pequena eu dizia que me casaria com ele, então, antes de partir para a Aman, ela o deixou para mim. 

— Sinto muito, eu não queria... - Elora não pretendia tocar em um assunto delicado. Era uma época de celebração, não queria vê-la triste.

Emel já havia lhe contado sobre a partida da mãe, após o pai ter sido morto em combate contra as forças de Sauron. 

— Tudo bem. Voltarei a vê-la quando for a hora. - Emel deu de ombros, colocando outro sorriso no rosto ao sentar-se no sofá verde musgo. 

Procurando um saída rápida do tópico sensível, Elora colocou o embrulho na frente da elfa sobre a mesa de centro. 

— Vim trazer pessoalmente seu presente. Espero que goste! 

A menina aguardou com ansiedade enquanto Emel abria delicadamente o pacote, ruborizando enquanto puxava a camisola para fora. A peça branca possuía minúsculas flores da mesma cor, que seguiam espalhadas por todo o tecido, dos ombros ao chão. O robe fazia o conjunto perfeito, de um tecido translúcido com os mesmos bordados. 

Emel colocou as peças no colo, sentindo o tecido. 

— O que achou? - Elora indagou. - Você amou? Odiou? 

— É... perfeito. 

Elora encostou-se nas almofadas, aconchegando-se aliviada.

— O recebi em meu enxoval quando cheguei aqui na cidade. - Disse. - Mas sempre o achei precioso demais para ser usado assim, em qualquer dia. Ele merecia uma ocasião especial. 

— Sim, como o seu casamento. Não posso aceitá-lo, Elora.

— Claro que pode. Estou dando-o a você. Fui informada que o presente é como uma representação do que desejamos ao casal. E isto é o que desejo a vocês, - Elora apontou para as peças, piscando para a elfa. - muitos e muitos filhos! Para eu poder mimá-los e ensinar coisas erradas. Como roubar biscoitos das cozinhas ou sair da cidade sem serem vistos.

— Ó céus. - Emel gargalhou. - Vou deixá-los bem longe de você. 

— Você pode tentar. - Elora deu de ombros rindo. - Agora me conte: como está se sentindo?

— Não sei bem descrever. - A elfa fez uma careta. - Meu coração está martelando em meu peito e sinto que a qualquer momento eu vou vomitar. 

— Não sabia que elfos faziam isso. 

Emel bateu com uma almofada no ombro da menina. 

— Se eu tiver um colapso a culpa será sua. - Emel concluiu.

— É normal sentir-se nervosa. 

— Eu só... quero que tudo seja perfeito. - Confidenciou-lhe.

— E será! - Elora juntou as mãos em frente ao peito, falando em tom solene. - Então, de acordo com meus poucos conhecimentos sobre matrimônios, agora eu deveria aconselhá-la a ir dormir para descansar plenamente até amanhã. Porém como não acredito que conseguirá fechar os olhos devido a sua ansiedade, eu pergunto: o que quer fazer agora?

— Não precisa ficar acordada comigo. Deve estar exausta da viagem.

— Posso estar. - Elora concorcou, não adiantava mentir para Emel. - Mas é melhor você aceitar de uma vez por que eu não vou embora. 

Emel sacudiu a cabeça rindo enquanto Elora levantava-se para pegar pentes e enfeites de cabelo. Iriam testar penteados até encontrarem o perfeito. 

Na manhã seguinte, quando elfas entraram no quarto para ajudar a noiva no início de seu dia nupcial encontraram Emel e Elora dormindo em almofadas no chão, rodeadas de vestidos e caixas abertas.

Após acordar com uma leve batidinha em seu ombro, Elora despediu-se de Emel e seguiu para seu quarto. 

Deixaria as elfas cuidarem dos preparativos enquanto dormia mais algumas horas. A cerimônia se iniciaria somente com a lua alta no céu, então teria tempo de sobra para descansar e voltar para o ritual da noiva. 

Levantou-se novamente no início da tarde, banhou-se e colocou um conjunto confortável. Amyna trouxe uma bandeja com pães, frutas e queijos, avisando que Lord Elrond gostaria de vê-la naquela tarde. 


.o0o.

— Porque seguiu-os? - Lord Elrond a interrompeu novamente. - O aviso já havia sido dado. 

Elora contava o desenrolar dos eventos para o tio, mas era interrompida repetidamente por seus questionamentos. Até mesmo Thranduil, que estava sentado na poltrona ao seu lado, parecia já saber que seria uma longa e pausada tarde. 

Elora havia surpreendido-se quando entrou mais cedo naquela sala e percebeu que o tio não a aguardava sozinho.  Thranduil preenchia a sala inteira com sua presença, mesmo que estivesse em pé em um canto afastado enquanto folheava um livro. No momento não havia conseguido esconder sua surpresa, mas agora já ostentava um semblante calmo e concentrado.

— Eles não iriam deixar para lá. Entrariam novamente na floresta assim que eu lhes desse as costas. - Elora cruzou as mãos no colo. - Fiquei a uma boa distância do grupo, no caso de estarem realmente voltando para suas aldeias. Por isso quando percebi o que estava acontecendo já era tarde demais. 

— Deveria ter dado o sinal de perigo ao palácio. - Elrond disse.

— Eles ainda estavam vivos quando cheguei... Os homens. Não consegui me mover por alguns momentos, nem desviar os olhos. - Elora deixou-se vagar para as lembranças longínquas. Os gemidos e barulhos de dilaceração ainda vívidos aos seus ouvidos. - Eu paralisei.
Elora remexeu-se na cadeira. 

Envergonhava-se de seu despreparo na ocasião e falar sobre isso era ainda mais desconcertante. 

— O ataque de Wargs é brutal. - Thranduil falou. - Ter o primeiro contato com essas criaturas em tais circunstâncias desestabilizaria até mesmo um guerreiro treinado.

Elora encarou o elfo diretamente pela primeira vez desde que saíram de Mirkwood. Não podia acreditar que ele a estava defendendo... Não, não defendendo. Confortando. 

Ele havia sentido seu incômodo ao evidenciar suas falhas. 

Quando o elfo cruzou seu olhar, Elora franziu os lábios e voltou a atenção ao tio, sentado à sua frente. Queria que o rei percebesse que essa pequena intervenção não o inocentaria da forma como a havia tratado em seu palácio. 

Elora aproveitou o silêncio e continuou a explicar como os anões a capturaram e como Kili a havia ajudado, de seu encontro com Nárë e da chegada ao palácio da floresta. 

— Posso concordar com Thranduil, - Elrond olhou pensativo para Elora, com as mãos cruzadas embaixo do queixo. - mas não posso deixar de imaginar se os fatos se transcorreriam da mesma forma se tivesse respeitado minhas ordens. 

— Nunca saberemos tio. - A menina encarou as mãos por um segundo, reunindo sua coragem antes de olhá-lo novamente. - O que podemos afirmar com toda a certeza é que estou aqui. Mesmo depois de tudo isso... eu estou aqui.

— Por pura sorte. 

O tom de Elrond a feriu, havia certa decepção velada. Não podia culpá-lo por isso, não depois de tudo. Sabia o quanto o havia magoado por ter fugido e preocupado com sua captura. 

Elora sabia a história de Celebrían, esposa de Elrond e filha de Galadriel, como ela havia sido capturada por Orcs nas Montanhas Nebulosas. O quanto ela havia sido ferida e atormentada antes que Elladan e Elrohir a encontrassem. 

Só podia imaginar o que havia passado pela mente do tio quando informaram-no de seu desaparecimento. 

Sentiu o estômago revirar. 

— O que teria acontecido se houvesse mais um warg em seu encalço? - Elrond continuou. - Se algum dos orcs tivesse seguido seu rastro pela margem do rio? Se Thorin estivesse na montanha e decidisse fazê-la um exemplo para os elfos de Mirkwood? Ou se o príncipe anão não a tivesse ajudado?

Elora senti-a o olhar de Thranduil sobre si, mas não ousou olhá-lo. 

Veria aqueles olhos azuis cristalinos e então ele saberia, enxergaria toda a angústia que corria por suas veias no momento. Não importa o quanto tentava enganá-lo, Thranduil sempre conseguia alcançar sua alma. 

Elora trincou o maxilar, mantendo o rosto firme. 

— Entendo o que está dizendo, meu senhor. - Ela falou, surpreendendo-se com a serenidade da própria voz. - Compreendo a gravidade dos riscos que corri, mas não me arrependo das decisões que tomei. 

— É tão parecida com ele que as vezes me assusta. - Elrond a encarava fundo nos olhos. - Seu pai costumava me proporcionar o mesmo grau de aflição. 

O elfo suspirou, levantando-se. 

Thranduil e Elora seguiram seu gesto. 

— Depois do dia de hoje não irei mais impedi-la de seguir seu caminho, assim como Estel você é livre para trilhá-lo por conta própria. E enfrentar suas consequências. - Elrond caminhou até parar na frente dos dois. - Mas sempre estarei aqui para aconselhá-la, caso queira. 
Elora assentiu e dando a desculpa de precisar preparar-se para a cerimônia deixou os elfos sozinhos. 

Após fechar a porta atrás de si, margeou a varanda até alcançar a saída para as vivendas. Mas não podia ir até Emel com os nervos agitados, precisava acalmar-se antes. 

Parou imóvel com as mãos firmemente seguras na madeira polida do guarda-corpo, fechou os olhos inspirando e expirando repetidas vezes.   

— Minha senhora, está tudo bem? 

Elora foi despertada por um jovem elfo de olhar preocupado. Elora o conhecia de vista, seu nome era Ristar. Ou seria Ayster? De qualquer forma seria indelicado perguntar, então ela apenas abriu um leve sorriso garantindo que estava tudo em ordem. 

O elfo respondeu ao sorriso, visivelmente mais alegre. Lhe perguntava se gostaria que ele a acompanhasse pelo caminho à vivenda da noiva quando silenciou-se, olhando por sobre o ombro da menina. 

Ristar, ou Ayster, fez uma longa reverência e foi embora sem lançar-lhe outro olhar. 

Elora agarrou-se mais firme à madeira, sentiu os nós dos dedos reclamarem mas não soltou. 

— Não foi sorte. - Ouviu a voz profunda de Thranduil bem às suas costas. Respirou fundo, inalando seu cheiro familiar. 

Sentiu o arrepio de prazer correr por seu corpo. Ele estava tão próximo... 

Balançou a cabeça, recobrando a fachada calma. Um riso de descrença escapou de seus lábios.

— Está me vendo novamente? - Disse sarcástica sem se incomodar em fitá-lo. - Achei que tinha apagado minha existência de sua mente. 

Viu pelo canto dos olhos Thranduil parar ao seu lado, o corpo virado em sua direção. Viu a mão dele erguer-se para tocar em seu braço e abaixar-se sem completar o movimento. 

Sentiu o coração acelerar, imaginando como seria o toque dele. 

— Eu sinto muito. - Thranduil falou, juntando as mãos firmemente nas costas. Temeroso, talvez, de tentar tocá-la novamente. - Meu comportamento não foi adequado e de forma alguma aceitável. 

— Antes ou depois de sua majestade insultar todos os reinos dos homens? - Elora finalmente encarou-o. Thranduil endireitou a postura, em silêncio. - Entendo que o assunto possa ser delicado, mas não tinha o direito de falar daquela forma...

— Não estava preparado para ouvir... - Thranduil fechou os olhos por um momento, recordando-se das palavas que tanto lhe desesperaram. - O que não justifica meus atos. 

Quando ele falou, ela viu a sinceridade em seus olhos. 

Elora relaxou as mãos. 

Estava cansada de brigar, principalmente com ele. Isso a exauria além dos limites. 

— Minha mãe pertencia ao reino dos homens e é até hoje a pessoa mais doce e altruísta que já conheci. Não a desonre novamente igualando-a à ladrões e golpistas. 

— Não irei. 

Viraram-se ao mesmo tempo para o gramado a oeste conforme vozes se aproximavam. Elora reconheceu os tons de Elladan e Lord Elrond, falavam sobre os últimos arranjos para a cerimônia daquela noite e outros detalhes sobre o banquete que ocorreria apenas na noite seguinte.

Elora e Thranduil estavam protegidos pelas sombras na varanda e não foram vistos. O crepúsculo iniciava-se enquanto Elora observava o tio atravessar o pátio ao longe. 

— A partir de hoje ele me olhará daquela forma, não é? - Elora disse a quase um fio de voz. - Com amor, mas sempre com um pouquinho de decepção...

— Levará alguns anos para que ele lhe perdoe totalmente. - Thranduil seguiu seu olhar até o Senhor de Rivendell. 

A verdade nas palavras a desestabilizou por um momento, mas apreciou a sinceridade do elfo.

— Disse antes que não foi sorte. - Elora disse virando para ele e encostando as costas no guarda-corpo. Buscava em Thranduil a resposta que nem mesmo ela possuía.

— Se as adversidades tivessem mudado, você as enfrentaria da mesma forma. Encontraria um jeito. 

Ela vasculhou o rosto dele a procura de dúvida, mas não encontrou qualquer sinal. Estreitou os olhos, focando no elfo que tinha mais fé em suas habilidades do que ela própria.

— O que o faz ter tanta certeza? 

— Por que, ao contrário do que pensa, eu a vejo. - Thranduil disse pura e simplesmente.
Elora ficou sem reação, podia apenas encará-lo de volta. Naqueles olhos azuis tão frios e cristalinos, que a faziam contar coisas que não diria a mais ninguém.  

— Eu tive medo. - Elora confidenciou-lhe. - Tanto medo de morrer naquela cela... sozinha. 

— Não está mais lá. Nem está sozinha. 

— Eu sei. - Elora sentiu um leve sorriso brotar nos lábios. 

Outro grupo de elfos aproximava-se, todos já trajavam o tom prateado para a cerimônia. Um reflexo da luz da lua e das estrelas. Após o grupo sumir entre as construções, Thranduil e Elora despediram-se com um aceno de cabeça. Naquele momento as palavras não eram mais necessárias. 

Seguiram seus próprios caminhos satisfeitos, apesar de tudo, em como a noite havia começado.

Quando Elora voltou ao quarto, seu vestido já a esperava sobre a cama. O tecido fluido e macio, que entre os dedos parecia prata líquida, não possuía nenhum brilho ou bordado. 

Vestiu-o rapidamente e escovou o cabelo, deixando-o solto. Correu de volta à vivenda de Emel com a energia renovada, chegou a tempo de presenciar os últimos rituais. 

Colocava mais uma flor no penteado da elfa quando leves batidas na porta indicaram que havia chegado a hora. 

Todos os elfos de ambas as cortes estavam reunidos no topo da colina, brilhantes e reluzentes, coroados pela lua. 

Elora seguia ao lado de Emel na comitiva da noiva; quando Lindir chegou com seu próprio grupo e aproximou-se de Emel, Elora percebeu em seus olhares que naquele momento haviam apenas os dois. 

Todos os outros deixaram de existir enquanto eles caminhavam lado a lado, com sorrisos e olhares apaixonados até pararem em frente à Elrond. 

Sob as palavras do Senhor de Rivendell eles beberam da mesma taça e uniram as mãos com uma fita branca, tão pálida quanto à luz da lua. Falaram seus votos e trocaram alianças.

Quando passaram novamente entre a multidão de elfos, receberam cumprimentos e desejos de boa fortuna. 

Os noivos seguiram para seus aposentos, onde passariam todo o dia seguinte em reclusão. Conforme os costumes, após a saída do casal todos retiraram-se para seus próprios lares. 

O dia seguinte passava-se calmo e preguiçoso para Elora, que finalmente sentia-se livre de todo o cansaço. 

Estava deitava na cama com Nárë ao seu lado, encarando o teto. 

Repensava a cerimônia da noite anterior, como tudo fora tão etéreo. Se não estivesse aguardando o banquete desta noite, juraria que tudo não passara de um sonho.  

Já havia presenciado casamentos em Alórien, mas nunca lhe despertaram sentimentos tão profundos. 

Olhou para o traje separado em cima do sofá, era seu melhor vestido. O veludo possuía um tom de vermelho profundo e bordados brilhantes pelas saias. As mangas compridas eram transparentes e abertas, facilitando o movimento. 

Se Elora tinha um objetivo naquela noite era dançar! 

Aproveitaria tudo o que não pode no banquete das estrelas em Mirkwood. 

Ao lembrar-se da floresta desviou o olhar para o guarda-roupa, onde havia guardado há tanto tempo o presente que Thranduil lhe enviara.

Estreitou os olhos, pensativa. Ela não deveria...

Engatinhou pela cama até colocar os pés no chão e abrir o armário, vasculhando as caixas amontoadas no fundo até encontrar a que procurava. 

Com ela entre as mãos, voltou para a segurança da cama. Olhou para Nárë antes de abri-la, esperando que a raposa lhe encorajasse ou dissesse qualquer bobagem sobre sua covardia, mas a bola de pelos estava muito concentrada em sua própria pata para prestar atenção na menina. 

Fechou os olhos e abriu a caixa de uma vez. 

Segurou o objeto frio entre as mãos, fitando-o. A tiara era ainda mais exuberante do que se lembrava: tiras brilhantes entrelaçadas, ornamentada com folhas de cristais e pequenos rubis. 

Rubis da mesma cor de seu vestido. 

Elora mordeu os lábios, seu coração estava acelerado e suas palmas suavam. Foi tomada por uma ansiedade súbita. 

Queria que a noite chegasse logo para poder ver o rosto de Thranduil quando aparecesse com a tiara. Colocou-a sobre a cabeça, sentindo seu peso. 

Sim, a usaria naquela noite. 


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Notas finais do capítulo

Pazes feitas entre Elora e Thranduil!
Momento mais fofo: sim ou com certeza?! ;)



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