Cookies de Laranja escrita por Mychelle_Wilmot


Capítulo 3
Comendo os Cookies


Notas iniciais do capítulo

A primeira parte se passa após Digestivo (3x07) e antes de The Great Red Dragon (3x08). A segunda parte se passa após The Wrath of the Lamb (3x13).



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Quando Will acordou naquela manhã, ele encontrou uma cama vazia.

Franzindo a testa, ele estendeu o abraço através do lado vazio e sentiu os lençóis frios, um sinal de que Molly já estava ausente por algum tempo. Estranho, considerando que Will geralmente acordava sempre que ela saia da cama.

Will se perguntou se aquilo significa que ele finalmente estava adquirindo alguns hábitos não paranoicos.

Foi apenas após ele escovar os dentes e lavar o rosto na pia do banheiro que ele se lembrou que Molly havia lhe avisado que ela ia sair cedo naquele dia, porque Wally precisava ser vacinado cedo naquela manhã. Will havia se oferecido para dar uma carona para eles, mas Molly recusou, acostumada como estava a ser mãe solteira, e disse que Will deveria aproveitar para dormir até tarde em seu primeiro dia de folga em semanas.

Will relaxou um pouco depois que ele entendeu a ausência dela, e tomou um banho mais demorado do que o normal. Ele se secou e se vestiu, e foi até a cozinha para começar o dia sozinho.

Passar o tempo sozinho nunca fora um problema para Will. Estar sozinho era uma rotina desde a sua infância; seu pai estava sempre trabalhando, às vezes em dois empregos de uma vez, e Will aprendera a viver bem em sua própria companhia, e isso não mudou em sua vida adulta.

Mas desde que ele se casara com Molly, todas as suas horas havia se tornado em horas compartilhadas, com ela e com Walter. Will realmente não estava acostumado a sensação de compartilhar todos os seus momentos com outra pessoa, mas Molly nunca impôs sua presença, nunca lhe pressionou para que ele dissesse o que estava pensando quando ele não queria dividir seus pensamentos. Ela tinha seus próprios segredos, e enquanto Will estava ciente de que os segredos dela certamente não eram tão obscuros quanto os seus, ele estava mais do que grato por ela ser tão compreensiva.

Olhando para a cozinha que era praticamente território exclusivo de Molly, Will começou a abrir as gavetas para pegar alguns ingredientes. Não demoraria muito para Molly e Walter chegarem em casa, e ele achou que eles gostariam de encontrar um café da manhã surpresa quando chegassem. Wally provavelmente estaria com fome, e Molly apreciaria o gesto.

Will não pensou muito no que ele estava fazendo, e apenas começou a misturar alguns ingredientes, pensando que Walter adoraria ver que Will cozinhara para ele. Ele e Molly haviam se casado há relativamente pouco tempo, mas o menino já olhava para ele em admiração, como uma criança olharia para seu pai heroico. Isso honestamente apavorava Will na maior parte do tempo, uma criança olhando para ele dessa forma, mas isso também fazia ele querer jamais decepcionar ele, jamais deixar ele conhecer a escuridão que vivia no mundo que Will costumava habitar antes de se casar com Molly.

Ele sorriu um pouco diante do pensamento. Will mal podia acreditar na vida que ele agora vivia, com um emprego normal, um enteado impressionável e uma esposa amável; ele mal podia acreditar que uma mulher como Molly quis dividir sua vida com alguém tão danificado como ele. Toda vez que ele olhava para ela Will sentia imensa gratidão por quão gentil era em deixar Will experimentar a abençoada normalidade do casamento deles, em deixá-lo experimentar o que era viver com alguém tão iluminada como ela era.

Will estava tão absorvido em seus pensamentos que ele só realmente percebeu o que ele estava fazendo quando ele começou a cortar as laranjas, e quando ele o percebeu se assustou e deixou uma faca cair na mesa, dando alguns passos para trás.

Olhando para a massa que ele estava fazendo, Will pode confirmar que sim, ele estava preparando para sua esposa e enteado a agora tão familiar receita de cookies de laranja italianos que Hannibal lhe ensinara, no que parecia ser há uma eternidade.

Respirando fundo, Will fechou os olhos. Quando ele os abriu novamente, ele olhou com raiva para a massa, como se ela fosse pessoalmente responsável por tudo o que ele estava sentindo.

Raiva, por ter uma memória de sua antiga vida jogada em seu rosto sem aviso nenhum. Tristeza de que algo tão pequeno e inocente fosse capaz de conter um significado tão indesejado. Culpa, porque ele sentiu que estava traindo alguém naquele momento, e ele não tinha nem certeza se ele estava traindo Molly ou Hannibal.

Will sentiu um tremor no corpo inteiro quando ele pensou em seu nome. Ele sempre evitava pensar em Hannibal agora, evitava até mesmo pensar em seu nome. Will sabia que ele nunca poderia realmente expulsar Hannibal de sua vida - Hannibal já estava dentro de sua mente, sua alma, e as marcas em seu corpo jamais o deixaria esquecer, mas ele ainda podia fingir, e evitar. Isso era o que ele sempre fazia agora, foi o que ele fez quando Molly hesitantemente lhe perguntou sobre Hannibal, mas era difícil fingir que ele  não estava afetado quando a força de uma memória, mesmo a força de seu mero nome dentro de sua cabeça era capaz de fazer Will se sentir assim.

Engolindo em seco, ele pegou a massa inteira como se ela fosse venenosa e a jogou no lixo, e em seguida ele levou o lixo pra fora, porque Molly certamente iria o reprender se ela visse quanta comida ele jogou fora. Ele mesmo estava se censurando por isso, mas ele não conseguia olhar para aquela massa, nem por mais um segundo.

Quarenta minutos depois, Molly e Walter chegaram e Will tinha café quente e pão fresco, recentemente comprado esperando por eles. Tanto Molly quanto Walter ficaram feliz e olharam para ele com carinho em seus olhos, mas nem isso fora suficiente para que Will parasse de se sentir como um fracasso.

***

Quando Will chegou à cabine durante aquela tarde, ele encontrou uma casa silenciosa.

Assim que ele entrou e não ouviu barulho nenhum ele entrou em estado de alerta, seu coração se acelerando em seu peito. Ele esteve ausente por no máximo cinquenta minutos comprando mantimentos, não mais do que isso.

Fazendo o menos de barulho possível, Will andou pelos cômodos e viu que nada estava fora do lugar, mas ele só conseguiu respirar tranquilamente quando ele se aproximou do banheiro e ouviu o barulho do chuveiro. Aliviado em saber que Hannibal ainda estava ali e que eles estavam bem, Will foi para a cozinha para guardar os esquecidos mantimentos que ele comprara, ainda sentindo seu coração batendo mais rápido que o normal.

Will tentara se censurar por reagir tão dramaticamente, mas ele sabia que era melhor prevenir do que remediar. Eles não estavam mais vivendo nos EUA, mas a quase morte deles ainda acontecera recentemente o bastante para eles serem reconhecíveis, portanto eles tinham que ser cuidadosos o tempo todo.

Mesmo essa ordinária compra de alimentos que Will fizera fora cheia de precauções, com Will usando um chapéu, óculos escuros e pagando dinheiro a vista em um mercado pequeno, que ele já sabia não ter câmeras de segurança. A sua barba estava maior agora, para cobrir a ainda tenra cicatriz em sua bochecha e seus cachos também estavam maiores, dando a ele uma aparência mais relaxada, porém mais jovem. Não era o melhor dos disfarces, mas já ajuda a dificultar um reconhecimento rápido dele.

Colocando as latas nos armários, Will suspirou. Mesmo que ele tivesse ficado tão pouco tempo ausente ele já se sentira estressado; ele achou que iria gostar da oportunidade de estar longe de Hannibal para variar, mas ele só sentiu-se ansioso com a possibilidade deles serem reconhecidos e só sentira uma urgente de necessidade de estar perto de Hannibal novamente.

Era extremamente frustrante pra ele, notar que ele estava mais uma vez vivendo em uma sufocante codependência com Hannibal - ainda mais intensa e perigosa do que a primeira vez que eles fizeram essa dança mortal - mas era também reconfortante. Havia liberdade em desistir de algo que sempre o sufocara, e em aceitar a parte de si mesmo que ele sempre negara existir. Parecia inevitável, e parecia finalmente pacífico.

É claro, havia os dias bons e os dias ruins - não importava quão glorioso fora matar ao lado de Hannibal no penhasco. Ele passou uma vida inteira construindo morais e barreiras contra tudo o que ele se era agora, e essas barreiras ainda existiam em sua mente. Nos dias bons ele podia ignorar ou negociar com a sua consciência. Nos dias ruins… ele ainda estava aprendendo o que fazer nos dias ruins.

Hoje estava sendo um dia bom até então, mesmo com a sua ansiedade ao andar sozinho pela cidade. Nada perigoso acontecera e Hannibal estava bem, e isso era tudo que Will queria nesses dias.

Will estava quase terminando de guardar tudo quando ele notou uma tigela com alguma coisa fresca, que tinha um cheiro vagamente familiar; essa tigela definitivamente não estava ali quando ele saíra mais cedo.

Intrigado, ele pegou a tigela, sentindo seus olhos se arregalarem um pouco quando ele percebeu o que era.

Era uma tigela cheia de cookies de laranja, com a cobertura feita de um modo muito mais organizado e bonito do que ele jamais conseguira fazer em todas as vezes que ele fez essa receita, e ainda quentes ao toque.

Will continuou segurando a tigela por longos minutos, olhando para os cookies como se eles fossem uma forma de vida alienígena, completamente perdido. Era a última coisa que ele esperava encontrar.

— Não era para você ter visto isso antes do almoço.

Will olhou para frente, um pouco assustado em ver que não estava mais sozinho, mas acostumado com Hannibal se movendo silencioso como um gato.

— Você me fez cookies de laranja - Will disse, ainda um pouco atordoado.

Hannibal sorriu, e Will olhou para ele de verdade dessa vez. Seu cabelo estava ainda um pouco molhado do chuveiro, e ele estava usando uma camisa branca simples, com calças escuras informais, uma aparência bem doméstica para Will.

— Sim, eu fiz. Eu me lembro de quando você fez essa receita e me trouxe alguns de seus cookies como um presente. Achei que eu deveria recompensar os seus esforços.

Will balançou a cabeça.

— Isso foi há anos.

— Eu estou ciente. Mas para minha defesa, eu não tive a oportunidade de retribuir esse favor antes.

Hannibal não ofereceu mais explicações, e Will supôs que elas não eram necessárias. Sorrindo um pouco, ele se aproximou de Hannibal, a tigela ainda em sua mente.

— Eu fiz essa receita várias vezes sozinho. Eu nunca esqueci como fazer, e eu vivia me lembrando dela, mesmo quando eu não queria.

— Eu suponho que deve ser uma experiência comparável com uma memória, e memórias tem o hábito de se impor em nós, independentemente se são desejadas ou não.

— Às vezes elas eram desejadas. Às vezes… não.

Hannibal olhou para ele com simpatia.

— Nós temos muitas memórias manchadas entre nós.

— Não parecia exatamente uma memória manchada pra mim, apenas… me deixava triste. Eu me lembro de que na primeira vez que eu fiz eles sozinho, foi uma memória muito boa. Eu pensei em como você gostava o suficiente de mim para me ensinar algo da sua juventude, de que você gostava de mim o suficiente para passar todo aquele tempo comigo. Mas depois… - Will sorriu amargamente - Depois se tornou uma memória triste, amarga, porque tudo o que eu conseguia pensar era que foi um momento sem significâncias para você, apenas mais uma das suas táticas para eu ficar dependente de você.

Hannibal suspirou, e pegou a tigela das mãos de Will, colocando-a na mesa.

— Enquanto eu concordo que as minhas intenções para você eram frequentemente não sinceras durante aquele tempo, esse não foi um desses momentos.

Will revirou os olhos.

— Não foi?

— Foi um momento muito genuíno de minha parte. Eu estava na verdade surpreso quando eu posteriormente analisei minhas ações. Mas foi não foi inexplicável, considerando que você sempre tem a capacidade de me surpreender.

Will não fez nenhum comentário - ele não iria acreditar cegamente em Hannibal, mesmo que ele parecesse sincero o suficiente agora, e mesmo que eles estivessem tentando não mentir um para o outro esses dias.

Hannibal pareceu perceber que Will resistiria, porque ele balançou a cabeça com um pequeno suspiro.

— Will, eu não tenho o poder para desfazer as memórias ruins de nosso passado. Eu não sinto arrependimento por muitas coisas, mas com frequência eu surpreendo a mim mesmo quando penso que eu desejaria ter agido de maneira diferente com você em alguns momentos de nossas vidas. É uma xícara que nunca vai se refazer, não importa o que eu faça.

Will sorriu tristemente, não dizendo nada, mas sentindo o peso das coisas não ditas entre eles.

— No entanto, eu posso tentar lhe dar memórias novas, mais agradáveis.

Com isso, ele pegou um cookie da tigela e trouxe-o para os lábios de Will.

Will franziu a testa, lembrando-se da primeira vez, quando eles fizeram isso ao contrário, mas ele abriu sua boca e deixou Hannibal colocar o cookie inteiro em sua língua.

Mastigando devagar, Will deixou o gosto ser absorvido pela sua língua, dando um gemido involuntário quando ele sentiu o quão bom o gosto de laranja misturado a cobertura parecia em sua boca, melhor do que todas as vezes que ele fizera a receita sozinho. Ele mastigou até não restar nada, e olhou para Hannibal mais uma vez, que parecia estar um pouco faminto.

Com o seu coração batendo um pouco mais rápido, Will sentiu a necessidade de agir em um impulso.

— Eu posso provar outro?

Hannibal não disse nada, mas ergueu as sobrancelhas um pouco enquanto pegava outro cookie.

Dessa vez Will mordeu devagar, seus lábios roçando os dedos de Hannibal um pouco, só o suficiente para fazer os olhos de Hannibal se tornarem mais escuros.

— Eu estou feliz que tenha gostado deles, Will - Hannibal disse quando Will terminou.

— Eles são ótimos - Will disse, lambendo os lábios um pouco, notando o modo como Hannibal olhava para sua boca.

Eles já haviam estado nesse momento antes. Silêncios pesados, Hannibal olhando para ele como se quisesse devorá-lo, e seu próprio coração batendo desenfreado com o desejo absoluto de um sentimento nunca colocado em prática. Eles já haviam estado nesse momento antes, e em todas as vezes Will fugira com uma desculpa esfarrapada.

Dessa vez, ele tentou não pensar muito no que estava fazendo, falando sem pensar:

— Você não quer provar para sentir o gosto?

Hannibal olhou em seus olhos então, ainda com o mesmo olhar faminto, ainda mais agora que ambos sabiam que eles definitivamente não estavam falando sobre o cookie.

Will nunca soube quem se moveu antes, mas no próximo instante eles estavam com os rostos colados, juntando seus lábios em um beijo atrapalhado.

Não habituado a beijar alguém maior e mais alto do que ele, Will não soube o que fazer com suas mãos a princípio, mas acabou colocando-as ao redor do pescoço de Hannibal. Hannibal, por sua vez, parecia saber exatamente o que fazia, suas mãos no rosto de Will enquanto sua língua explorava sua boca como se ele realmente estivesse tentando sentir o gosto do cookie através da boca de Will.

Quando eles se afastaram, Will estava respirando pesadamente, e deixou sua testa descansar contra a de Hannibal.

— Eu não estou reclamando, muito pelo contrário, mas eu admito que estou curioso em saber o que motivou isso - Hannibal disse contra seus lábios.

Will não o culpou - não fora algo planejado, mesmo que ele houvesse pensado nisso antes. Ele nunca se sentiu atraído por homens, mas Hannibal sempre fora a exceção para todas as suas regras, e parecia natural que ele quebrasse essa também. Will havia evita-o nas poucas vezes em que eles chegaram perto demais, mas agora que eles finalmente se beijaram, não parecia que era um passo grande demais para eles - foi como a primeira vez que eles deram as mãos, ou quando começaram a dividir uma cama; era apenas outra forma de explorar a sempre crescente intimidade entre eles.

— Não foi algo planejado. Apenas… parecia a coisa natural a se fazer.

Hannibal não respondeu, mas Will sabia que ele insistiria na questão em alguma outra ocasião; ele nunca gostara de não ter conhecimento total dos fatos.

— Se você precisar de uma explicação, você sempre pode agradecer aos cookies de laranja - Will disse, apenas parcialmente brincando.

Hannibal fez um som baixo com a garganta contra ele.

— Meu querido Will, se isso é verdade, eu vou assar alguns Anginettis para você da próxima vez.

Will franziu a testa um pouco e até abriu a boca em uma pergunta, mas Hannibal aproveitou o momento para beijá-lo mais uma vez, e após alguns minutos Will já havia esquecido o que ele queria perguntar.


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Notas finais do capítulo

Anginetti é uma receita de um cookie tradicional italiano, feito em ocasiões especiais... especialmente casamentos. :D

Era o que eu iria usar como receita principal nessa fic, mas quando eu vi que era algo bem complicado eu desisti, porque de jeito nenhum que o Will faria uma receita tão difícil tantas vezes.

Essa foi a receita que eu usei como base pra fic (em inglês, porque ela foi escrita originalmente assim): http://allrecipes.com/recipe/10107/kathys-italian-cookies/

Espero que vocês tenham gostado da fic, comentários são sempre bem vindos!



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