Registro Panorâmico escrita por Titi


Capítulo 27
Minha frustração


Notas iniciais do capítulo

Desculpa, pessoal, eu fiquei tentando postar esse capítulo, mas deu fail. Perdão, se fiz alguém esperar.



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Fatos psíquicos de Quésia

Quando terminou o intervalo, nós tivemos aula de Ciências. Fomos levados até o laboratório. Quase no final da aula, o professor começou a falar sobre corpo humano. Enquanto falava, ele parou perto do Hebrom e disse:

—Ora! Se não é o menino que se alienou no fim do ano passado! Bom dia pra você! Não sabia que estava nessa sala.

—Bom dia, professor. –o garoto respondeu num constrangimento.

—Já que você está aqui... –o homem voltou à frente di local. –Chega mais!

Salamander ficou olhando os próprios pés. Impressão minha ou o ele estava sendo zombado?

—Ô, propenso a câncer de pele, vem pra cá! Estou te chamando. Vai servir de exemplo pra turma, já que o nosso esqueleto não está mais aqui.

Pois é, ele estava sendo zombado. O professor começou a apontar alguns ossos do corpo do rapaz e nomear. Logo depois, disse que o ser humano se desenvolveu através de muitos anos e começou a fazer referências a uma tal de “teoria do evolucionismo”. E pelo o que eu entendi, ela contrariava completamente o que o Hebrom acredita.

Muito interessante essa infantilidade do professor... Ficar jogando indireta... Isso daí foi o cúmulo. Eu tinha que me levantar pra falar alguma coisa, não importava se eu tinha vergonha. Afinal, era do meu único e melhor amigo que ele estava caçoando.

—Isso daqui não era uma aula sobre o funcionamento do corpo humano? –Folk se levantou primeiro do que eu. Foi um choque ver que ele estava por ali, já que geralmente mata aula...

—Sim, mas eu estou fazendo o favor de explicar como surgiu o...

—Detenha-se ao que eu te perguntei.

A interrupção do Folk deixou o professor com cara de “E desde quando eu sou tuas negas?”. A tentativa de bad boy continuou:

—Eu já conheço o livro que a gente está usando. Não é novidade pra ninguém o fato de eu ser repetente. E até onde eu sei, não tem nada sobre evolucionismo nele. E você também estava tentando dizer que todos nós somos descendentes dos primatas... Certo? Mas eu diria que algumas pessoas da sala poderiam te processar por chamá-las de parentes de macacos. Tá ligado que isso é racismo, né? –os estudantes começaram a rir do comentário final dele.

—Pois bem, senhor Folker. Pelo menos dessa vez eu fiquei feliz por você interromper minha aula pra soltar uma de suas diarreias orais. Vejo que alguma coisa você aprendeu. –o professor falou, colocando o Hebrom um passo à frente. –Volte pro seu lugar, floquinho de neve.

Preciso falar com a diretora... Aquela humilhação parecia ter deixado o Salamander triste de novo. Nossa, quando tá tudo bem demais sempre entra uma pedrinha no sapato pra estragar. A vida parece até cobradora de impostos... Quando conseguimos momentos felizes, ela nos exige com juros. Tem gente que chegou ao ponto de não conseguir sorrir nem tentando lembrar as coisas boas do passado, porque as coisas ruins sobrepõem. Isso parece tão exagerado quando é dito... Mas não passa da realidade de muitos. Na teoria, aparenta ser superdramático, só que na prática é uma das coisas mais comuns. O mundo se acostumou com o trágico e ele já não é novidade pra ninguém.

Alguns minutos depois, fomos liberados pelo professor. Hebrom se despediu do Jamal e foi andando comigo e com o Wendel. Nenhum deles parecia preocupado com a chacota que o professor fez com o garoto. Será que o Salamander não quer que ninguém diga nada à diretora? Preciso perguntar isso pra ele... Fiz quando chegamos ao ponto de ônibus:

—Hebrom...

—Sim?

—Hm... Sinto cheiro de DR. Vou beber água, depois eu volto. –Yamada saiu dali.

—Aquilo na aula de Ciências... Por que deixou aquilo acontecer? –continuei.

—E o que você queria que eu fizesse? Aquele professor já conhece meu ponto de vista em relação ao evolucionismo.

—Não é bem isso... É que você deixou o cara zoar você o tempo todo.

—O que há?

—Como assim “O que há?”?!

—Você queria que eu revidasse? Isso vai contra o que eu acredito, sabe? Deixa ele falar mal, deixa ele desgostar... Porque isso não vai mudar a minha fé. Todo mundo precisa viver por algo que vale a pena morrer... Se você não tem esse “algo”, você não tá vivendo direito. E cada um acredita no que deseja. Eu respeito a crença dos outros, mesmo que elas não respeitem a minha. Vendo de outro modo, é uma honra ser escarnecido por causa do que eu amo. –ele sorriu de canto.

—Sei... Você é tão afável.

—Eu não sei o que isso significa. –ele riu.

—Gentil.

—Ah, sim! Obrigado... Só que eu não me considero isso. Do que adianta pensar desse jeito e não fazer, não é?

—Olhando como segunda pessoa, eu acho que você faz sim... E você não pode ficar se criticando dessa maneira. Se você pode aceitar os defeitos dos outros, também poderia aceitar os teus... Mas sempre tentando melhorar.

—Eu gosto do seu jeito de pensar, Quésia Cortês. Você também é muito arfa... afa... afra... Ah, você é fofa, gentil, sei lá, coisa boa. –sorriu.

—Amor?! –Zacur deu um berro. Ele estava acabando de chegar, segurando a mão da Dileã.

Não entendi o motivo dele gritar aquilo, até ver que uma certa menina de cabelo verde vinha correndo e quase se jogou em cima dele.

—Sentiu a minha falta, namorado? –Judith perguntou.

—O QUÊ?! Eu quase morri sem você aqui! Te proíbo de viajar se continuar assim.

Namorados... Sinceramente, por essa eu não esperava. Eles seriam bonitinhos juntos se a Dileã não estivesse perto dos dois, fazendo cara de nojo... Essa menininha é demais.

—Por que você não me disse que eles estavam juntos? –perguntei ao Hebrom.

—Pensei que você já soubesse... Espera... Você gostava do meu irmão?

—Não! Caramba, você só pensa em gostar!

—Ah... Menos mal. É que eu já estava com um pouco de ciúmes de você sendo amiga da namorada dele na verdade...

—Você não quer que eu tenha amigos além de você, não é?

—Muito pelo contrário...

—Ai, garoto, não dá pra te entender...

—Você pode ser amiga de quem quiser... Mas eu não quero que se esqueça de mim.

—Achei que a gente já tivesse conversado sobre isso.

—Desculpe. –ele suspirou. Nesse sentido, o Salamander é bem mais medroso do que eu.

O ônibus chegou quase vazio e nós subimos. Foi meio tosco ver o Zacur dando tchau pra Judi até perder ela de vista. Era como se cada metro fosse uma facada nele... Depois sou eu quem faz drama.

—Sinto que estou esquecendo... –Hebrom comentou, sentando ao meu lado no ônibus.

—Esquecendo o quê?

—AH! WENDY! ESPERE, POR FAVOR! –ele saiu correndo, todo desesperado.

A sorte dele foi que o motorista já o conhecia... E se dava bem com ele. Yamada estava correndo atrás do transporte e entrou nele bufando.

—Correr... Atrás... De ônibus... É... O cúmulo... Da... Pobreza... –o asiático botou as mãos no joelho. Mal conseguia respirar. Depois disso, se atirou em um banco qualquer e pegou seu vídeo game.

—Nem me lembrava dele... –falei com Salamander, que ia vindo até o fundo do ônibus pra retornar ao seu lugar.

—Coitado, Qué! –sentou-se de novo.

—Mas... Por que de manhã ele não foi com a gente?

—É que o pai dele o trás, mas trabalha de tarde... O lado bom é que ele vem com a gente! Na maioria das vezes.

O mais interessante é que nós não temos assunto... E mesmo assim o Hebrom não desiste de ficar perto de mim. Até que ele disse alguma coisa:

—Olha... Não é porque eu sinto ciúmes que eu não confie em você, tá bem? É que... Ah, eu não sei explicar direito... Quer dizer, eu sei... Só que dá medo de você ficar com medo de eu contar.

—Aham... Sei. –balancei a cabeça, assentindo. Eu nem sabia com o que eu havia concordado.

—Você entendeu mesmo?! –ele ficou vermelho.

—Não.

—Ah... É que... Tipo... Eu gosto de você.

—Sim... Você já me disse isso algumas vezes.

—Não é isso... Sabe daquela vez que eu disse que não era pra você pensar no que estava pensando? Então... Eu quero que você pense isso agora.

—Do que você está falando?

—Eu... Eu não sei explicar!

—É, isso eu entendi.

—Sim... Ah, ao menos você entendeu alguma coisa. –ele riu. –Eu te amo!

—Eu... também?

—Sério?! Então...

—Fala.

—Melhores amigos pra sempre?

—Ah... Claro...

Não entendi nada mesmo. Se eu tivesse gráfico de sentimentos, ele seria patético, com certeza.

Pois é, a vida tem dessas coisas... Depois disso, ele pegou o celular e perguntou se eu queria ouvir música com ele. Aceitei. Hebrom meio que afastava o aparelho de mim, como se não quisesse que eu visse o que tinha ali... Suspeito.

A música que ele colocou falava sobre Deus e ajudar as pessoas... Não esperaria uma coisa diferente vinda dele, mas, cá entre nós que adolescentes “normais” não costumam ouvir esse tipo de coisa... Não que a melodia seja ruim... Ah, sei lá. Eu me voltei pro Salamander e ele estava olhando a janela e fazendo mímica da letra da música. Quando ele percebeu que eu o fitava, virou e começou a dublar. Era engraçado ele gesticulando daquele jeito.

—Corta! –Zacur falou e quando eu fui olhar para ele, vi que o garoto estava com a câmera do Hebrom nas mãos.

—Poxa, Zac, eu já pedi pra você não mexer nas minhas coisas... –o de olhos verdes levantou e foi pegar a câmera de volta.

—Não fui eu. O chinês ali que estava vasculhando a tua mochila!

—Tem umas coisas bem legais aqui dentro. –o rapaz bem alto disse na cara de pau, ainda pegando os pertences do garoto. Dileã estava perto dele, olhando. Parecia se dar muito bem com o japa, diferente da maneira que lida com seu irmão.

—Wendy! –Hebrom foi em direção a eles.

E eu fiquei ali... Com o celular... Sozinha... A música tocando... Mas ela não combinava com a situação. Deveria ser uma trilha sonora de suspense... Eu queria descobrir o que tinha naquele aparelho... Uma vez me disseram que se você quer descobrir os segredos mais obscuros de uma pessoa, se você tiver posse do celular dela, oitenta e sete por cento do trabalho já está concluído. Ele disse que confia em mim... Por que será que ele não me deixa ver então?... Ah, não, eu não posso fazer isso... Ele vai se aborrecer. Eu acredito que ele vá me dizer o que tem ali quando estiver à vontade comigo. Sim. E não deve ser nada demais... É. Não posso mexer. Nem o botão de bloqueio eu devo apertar.

Bem na hora que meus devaneios acabaram, Hebrom voltou e disse:

—Obrigado por não ter ficado usando meu celular sem me pedir... Certas pessoas têm educação, sabe? Diferente de alguns otakus geeks e gamers que vasculham as mochilas alheias.

—Isso foi uma indireta pra mim, senhor Hebrom Salamander? –Yamada levantou, como se fosse fazer um barraco.

—Não, senhor Wendel Yamada Matsumura, isso foi uma DIRETA mesmo! –o garoto disse rindo.

Às vezes aqueles garotos até me faziam esquecer que tinham outras pessoas no ônibus além da gente. Os amigos do Hebrom são bem extrovertidos... Extrovertidos até demais.

Enfim, chegou o nosso ponto e nós descemos. Quando eu ia atravessar a rua, Hebrom me segurou pelo braço e me chamou:

—Quésia...

—Pois não?

—Não esquece do trabalho de Artes, por favor... –tá certo, não deu pra evitar de fazer uma  cara meio que de repulsa depois dessa.

Eu sei que ele não fez por mal, eu sei. Além do mais, ele não tem a obrigação de gostar de mim do jeito que eu gosto dele só porque é meu amigo. Cada um fica com quem quiser e as outras pessoas deveriam respeitar isso, mesmo que não concordem... Mas... Na moral... “Trabalho de Artes”?

Quando eu estava no meio da rua, ele apareceu atrás de mim, me virou, disse “Tchau.” sorrindo e saiu correndo. Bem... Menos pior, né? Eu acho...


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Notas finais do capítulo

Pô, Hebrom! Não ferra!



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