À Espada Pelo Sangue escrita por LahChase


Capítulo 62
Capítulo 50 - Sobre Poesia e Novas Cicatrizes


Notas iniciais do capítulo

Ooooi, meus amores ^^
Gentee, tô feliz de estar de volta com mais um capítulo que é... triste. Sinto muito se vocês fores atingidos pelos "feels". Recomendo o uso de cilindro de oxigênio (já que uma certa leitora continua tendo problemas respiratórios a cada cap, mesmo eu achando que não tem nada tão grandioso. Vcs me mimam muito).
Bom, agradecimentos a Minoran, Ary e Leta Le Fay pelos comments no cap anterior ❤ Fico besta, do tipo de rir de tudo mesmo. Isso é felicidade.
Bom, tem aviso, então leiam as notas finais pfv
Até lá ^^



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/686033/chapter/62

Fomos mandados a Nova Orleans. Eu e Ian não tínhamos muita bagagem para arrumar, e por isso estávamos prontos antes mesmo do tempo limite. Ele parecia um tanto infeliz com a ideia de se separar de Charlotte, e andava resmungando sobre isso o tempo todo. Foi quando eu já estava prestes a alfinetá-lo sobre isso que ela veio me chamar, e pediu que eu a encontrasse numa sala espelhada usada para dança lá embaixo. Intrigada, dei um jeito de escapar do garoto e fui até ela.

Eu estava evitando com todas as minhas forças não pensar sobre o que poderia ter acontecido no Acampamento, e também sobre Daímonas, então o ócio não era uma opção. Qualquer coisa estava servindo bem para preencher o meu tempo e a minha mente, e para ser sincera não faltavam opções. Havia o envelope vermelho pesando em minha mochila, havia a reflexão sobre minha recente transformação em uma familia, havia um garoto misterioso para observar, havia uma pergunta sobre meu tio a fazer a Matthew, havia coisas no diário de meu pai para ler...  Mas eu não estava esperando aquilo.

Charlotte estava no centro da sala, olhando em meus olhos, quando disse:

— Estou te desafiando para uma luta desarmada. 

Franzi a testa, imediatamente me perguntando se aquilo não era uma brincadeira. Quer dizer, esperaria isso de Ian ou de Hiro, que aparentavam alimentar uma apreciação por lutas, mas Charlotte não me parecia o tipo que te desafia por diversão. Além de tudo, ela ainda estava mancando com o pé torcido.

— O que? - foi o que consegui dizer.

Ela suspirou, e vi que estava nervosa.

— Vou ser simples e clara. - começou - Quero que vença e seja capaz de usar o Past Dream. 

Arregalei os olhos, o que deve ter sido uma expressão cristalina de minha quase incredulidade. 

— Eu sei, eu sei. - ela ergueu a mão antes que eu pudesse falar alguma coisa, e então suspirou novamente - Pela primeira vez desde... desde muito tempo, eu estou desobedecendo Nii-sama. Mas é pelo bem dele. May-chan, meu irmão carrega uma ferida enorme dentro de si, e... Por mais que eu tenha tentado, nunca fui capaz de o curar disso. Mas talvez... Talvez, se você conhecer uma parte do nosso passado, você possa ajudá-lo. 

Fiquei em silêncio por alguns instantes, incapaz de conter a surpresa, até conseguir dizer:

— Lotty, eu... Quero muito entender o que vocês passaram. E também quero ajudar o seu irmão...

"Eu quero?" Pensei comigo, interrompendo minha fala. Desde quando queria isso? Não consegui resposta, mas me obriguei a prosseguir, agora tomando um rumo diferente do que pretendia quando comecei a falar:

— Mas espero que saiba que não é como se eu soubesse resolver os problemas de todos. O Ian, ele... Acho que não me suporta muito bem. E, sinceramente, talvez seja recíproco. Somos parceiros, e isso faz com que ele seja obrigado a me ajudar muito, mas... Não posso garantir que conseguirei fazer o que você não conseguiu.

Ela me encarou por um momento, e então abriu um sorriso.

— May-chan, eu só estou depositando minha confiança em você porque vejo que já o tem ajudado. Eu acho que você se interessa por ele, da mesma forma que se interessa por algo que ainda não entende. - ela fez uma pausa, que ainda não foi longa o suficiente para que eu me recuperasse de sua leitura tão clara de minha personalidade - Há um autor do meu país... Eu e Nii-sama gostamos bastante dele. Um de seus poemas se encaixa perfeitamente em você. "Ela é atraída por gente labirinto; essa gente enigma; ela tem esse tipo de amor que é um exagero pelo desconhecido". 

Ela soltou os versos no ar, dando-me tempo para refletir. No entanto, meus pensamentos não discorriam sobre como aquelas palavras me expressavam bem, e sim sobre como Charlotte conseguira me entender tão facilmente. Perguntei-me como não percebi antes. De fato, Charlotte era boa em entender as pessoas. Não do jeito analítico e frio que eu costumava fazer, observando e sondando. Na verdade, a filha de Deméter era fortemente empática, sensível aos que estavam ao seu redor. Lembrei de quando ela me consolou ao entrarmos em minha casa naquele primeiro dia de missão. Fora como ter um mínimo raio de consolo.

— Você quer entender meu irmão, não quer? - Charlotte continuou.

Apertei os punhos, voltando para a questão chave. É claro que eu queria. Queria desvendá-lo, compreender suas palavras, tirar suas máscaras e conhecê-lo o suficiente para prever seus comportamentos. Ele estava certo: eu o havia transformado em meu mistério pessoal. Então... Uma parte importante de resolver um mistério sempre foi conhecer a história completa.

Com o olhar colado na expressão firme de Charlotte, eu tirei o casaco e me postei à sua frente. 

Ian com certeza agora teria mais motivos para se enfurecer comigo: eu lutaria com sua irmã e descobriria o passado que ele lutou tanto para esconder.

 

 

Olhei por sobre os ombros, verificando se havia mais alguém por perto, e meu ombro reclamou. Ainda estava doendo com a pancada que Charlotte me dera. Sim, ela conseguiu me bater. E sim, ela era mais forte do que aparentava. Ainda estava me perguntando como ela podia se achar fraca. "Na verdade, ela se acha fraca em outro sentido. Provavelmente sabe muito bem de sua força como lutadora" ponderei, dando de ombros, mas então tornei a me encolher com a região dolorida.

Eu havia ganhado, é claro. Mas custara um pouco mais do que eu esperava. Pensei que, devido ao estado do seu pé, Charlotte teria dificuldades para me enfrentar, então comecei pegando leve. Foi um erro, obviamente. E precisei gastar algum tempo me recuperando da surpresa, observando seus movimentos até conseguir identificar seus padrões de luta. Depois disso, o pensamento que cruzava a minha mente era uma pergunta insistente que me aborrecia: por que eu não conseguia fazer isso com Ian? Sempre que eu pensava estar chegando a uma conclusão sobre seu estilo, ele mudava e me confundia o suficiente para me derrotar. Provavelmente foi por causa dessa reflexão que, quando terminamos a luta, eu estava com uma ponta de mau-humor me tomando, e fiquei fitando o chão mesmo depois de Charlotte me agradecer, dizendo algo como "conto com você, por favor, cuide de Nii-sama enquanto estiverem juntos", e sairmos da sala para o jardim, onde ela me deixou só. 

Foi nesse momento que Link chegou com a resposta do Acampamento.

Meu coração acelerou assim que coloquei os olhos nele, e senti uma gota de suor escorrer por meu rosto, a mão direita mexendo na pulseira involuntariamente. Limpei o rosto, só então percebendo que não era suor, e sim uma lágrima ansiosa. 

— Droga. - Murmurei, tentando desfazer o nó em minha garganta e o frio avassalador na barriga.

Estendi o braço protegido pela tira de couro e Link veio em minha direção. Fechei os olhos, querendo me acalmar.

— Domine a si mesma, Mayara. - ordenei - Seja dona dos próprios sentimentos, sempre use a cabeça antes do coração.

Com isso sendo repetido, levei a mão até o frasquinho que carregava o bilhete, tirei-o de lá, liberei Link, e abri o papel com os dedos trêmulos.

"Seus irmãos estão bem. 

Shayla e Michael foram atacados por Formigas. Ele morreu, mas Shay usou uma magia de preservação que mantém o corpo funcionando, embora sua alma já esteja no submundo, ou é o que pensamos. Ela está em coma. Quíron vai discutir hoje o que fazer. 

Como soube que algo estava errado?

Mantenha a calma.

Drake."

 

 

 

Eu agarrei o pescoço de Pandora com tanta força que meus braços chegaram ao ponto de ficar dormentes. Mas não me importei. 

Com o vento frio balançando meus cabelos e o rosto enterrado nos fios castanhos da égua, eu chorei. Chorei compulsivamente durante horas em que viajamos pelos ares até o destino determinado por Izumi. Chorei por Michael, por Shay, por meu pai, por Layla, por Laura e Luther, por Jayden e até por Himeko. Chorei por mim mesma. Porque ali nos ares, com o crepúsculo nos alcançando, e com mais ninguém como companhia fora Pandora e Link, eu podia finalmente colocar tudo para fora, esvair o cansaço insuportável que me invadia. 

Mais gente. Será que nunca ia parar? Por que eles dois? Eles não tinham nada a ver com tudo aquilo, não podiam ter que pagar pelas minhas ações. Mike. Morto. Colocar as duas palavras juntas doía como um flechada. Shayla. Em coma. Faltava-me ar ao imaginar a vida se indo dos olhos vívidos da minha melhor amiga. 

Senti mais lágrimas correrem de meus olhos, e foi como passei mais trinta minutos daquelas horas eternas, até que se esgotaram todas as minhas forças para chorar.

Senti a bexiga cheia, então pedi a Pandora para pousar em uma loja de conveniência em um posto de gasolina, esperando que ali houvesse um banheiro limpo para usar. Vi Ian direcionar sua moto para o mesmo ponto, e tentei novamente limpar o rosto, sem querer deixar que ele notasse meu estado deplorável. 

Depois de ler a resposta do Acampamento, eu havia ficado em um estado pasmo o suficiente para nem mesmo ser capaz de reagir. Na verdade, após minutos lendo e relendo aquelas palavras, simplesmente enfiei o papel no bolso e voltei para dentro do hotel, para a última reunião da equipe. Foi uma despedida ansiosa, cheia de "cuidem-se" e recomendações. Mas não prestei atenção em nada, imersa tão fundo em minha mente que nem mesmo era capaz de entender ou dizer o que pensava. 

Fui despertar quando Ian se dirigiu diretamente a mim e me perguntou se eu queria ir com ele na moto. E foi aí que senti o desespero finalmente tomar conta de mim, percebi as lágrimas começarem a brotar em meus olhos, as mãos voltando a tremer. Chamei Pandora e a fiz alçar voo sem nem mesmo esperar pelo filho das águas, que veio me acompanhando em solo, na estrada. Aquela era a primeira parada que fazíamos em quatro horas de viagem, e portanto, eu estava pronta para ouvir as reprimendas quanto àquilo. Mas não antes de ir ao banheiro.

Desmontei e caminhei até o toilet antes que ele estacionasse, entrando o mais rápido que podia. E me deparei com uma visão triste diante do espelho.

Meus cabelos estavam emaranhados pelo simples motivo de "não se mantém cabelo arrumado quando se voa de Pégasus", mas eu só via ali mais um reflexo do meu desespero decadente. Olhos inchados e vermelhos, ponta do nariz e faces coradas, casaco desalinhado e óculos manchado. Listei mentalmente o conjunto que me fazia parecer nada mais que uma figura encolhida e frágil, e comecei a consertar cada um dos pontos. Apenas para ao final descobrir que, mesmo ajeitando o cabelo, o casaco e os óculos, meu rosto era apenas um fiel retrato do meu estado interior. Esgotada, devastada e mergulhada em tristeza. 

Fechei os olhos lentamente para respirar fundo, mas um vislumbre me fez os abrir novamente em um sobressalto. Fixei o olhar no espelho novamente, o coração ecoando batidas profundas e lentas. Soltei o ar dos pulmões.

"Ele não está aqui" convenci a mim mesma "Está preso à Página".

Resolvi ir ao sanitário logo, lavei o rosto e saí do banheiro querendo esquecer aquela imagem no espelho.

Ian me esperava dentro da loja. Ele havia pedido um chocolate quente com espuma e canela para mim, e bebia alguma coisa escura e cremosa, que reconheci como sendo um daqueles cappuccinos. 

— Por que não pediu café pra mim também? - murmurei, ainda postada ao lado da mesa.

Ele ergueu o olhar para mim, mas evitei fitá-lo. Era incômodo como, apesar de eu não o conseguir entender, ele parecia me compreender muito bem. O suficiente para saber o que se passara apenas por fazer contato visual. 

— Porque a cafeína não vai te deixar dormir. - disse finalmente, voltando a usar uma colher para misturar o líquido e o creme em sua xícara.

Franzi a testa, querendo perguntar mais, mas então perdi a vontade, e me joguei sobre a cadeira. Eu não estava com fome ou sede, não queria ingerir nada. Mas a parte do meu cérebro que ainda suportava ser racional não me deixou ser birrenta, então fiz o chocolate descer pela garganta. Eu provavelmente o teria achado maravilhoso se não estivesse tão imersa em lamentos.

Ian saiu antes de mim, mandando que eu esperasse lá dentro. Fiquei inerte de muito bom grado. Estava me recolhendo novamente ao estado perplexo, e sabia disso. Mas não pude negar esse conforto à minha mente, nem ao meu coração. 

O garoto voltou, trazendo consigo as rédeas de Pandora e minha mochila. Ele não tentou falar comigo, apenas fez um gesto para que eu o seguisse e obedeci prontamente. Havia uma pousada de poucos andares alguns metros depois da loja, e eu vagamente deduzi que ficaríamos ali pela noite, apesar de ainda ser cedo para dormir, mas em algum lugar dentro de mim eu soube que Ian estava fazendo isso para o meu bem. 

Tomei um banho demorado, permitindo-me ignorar um pouco o cuidado com a economia de água, deixando-a escorrer por meu corpo como se fosse capaz de levar junto as preocupações. Depois eu mecanicamente vesti uma roupa, penteei o cabelo, coloquei meias nos pés. E então me olhei no espelho novamente.

A blusa regata deixava exposta minha cicatriz no ombro, e, se eu a erguesse até o busto, veria duas marcas na altura das costelas. Também havia uma mais fina e curta na coxa direita. Observei todas elas como sendo marcos de minhas batalhas travadas até agora, embora estivesse ciente de que a maioria das cicatrizes sumia completamente com a minha cura acelerada. Ainda assim tive a impressão de que lutava há muito tempo. 

Olhando un pouco mais profundamente, fitando melhor meu próprio interior, havia um outro tipo de cicatriz. Dores que não se curavam por muito tempo após a ferida. E agora mais uma sangrava viva, pulsante e dolorosa.

Saí do banheiro sem realmente ter chegado a alguma conclusão.

Ian disse que ia pegar o primeiro turno e eu não tive ânimo para discutir. Ao contrário, deitei na cama e adormeci em pouco tempo.

Como de costume, as portas estavam diante de mim. Agora, uma com o de Charlotte se juntava às de Jayden e Himeko. Encarei-a com um sentimento de uma turbulência quieta e ansiosa, até finalmente estender a mão e abrir a porta sem placa alguma, rumando a um sono sem sonhos.

Acordei sem saber quanto tempo havia dormido, e a visão que me alcançou foi da luz forte da lua cheia sobre a varanda. Ian estava apoiado nas barras de ferro, havia despido a camisa e exibia seu corpo suado. Ele respirou profundamente por alguns segundos, e então começou a desferir chutes e golpes no ar, no mais perfeito silêncio, só interrompido pela breve respiração. Alguma parte de mim discorreu uma análise de seus movimentos, e achou neles perfeição. A outra parte fitou as cicatrizes em suas costas e achou nelas marcos de suas batalhas. Sendo estas muito mais numerosas do que as minhas chegavam perto de ser. Perguntei-me quantas cicatrizes ele carregava dentro de si. Provavelmente também somavam mais do que as minhas.

Virando  costas para ele, voltei a adormecer. Mas desta vez nem o sono me permitiu descanso.

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Eu de novo! ^^
Críticas, opiniões, expectativas, perguntas? Deixa um comment aí me contando seus pensamentos ao ler esse cap! ^^ Super ajuda, mesmo só um "oi".

Bom, primeiro: MANDEM PERGUNTAS PRO JACK ^^ No próximo Cartas Para O Futuro, vou tentar responder o que vocês quiserem saber.

Segundo: Estou mudando (ou melhor ajustando de vez, pq tava uma bagunça) as datas das postagens. Postarei a cada quinze dias. Sinto muito se vai demorar, mas é que agora estou estudando, e tem bastante coisa pra fazer. Espero que entendam.

Bom, era isso. Vou ficando por aqui!
Beijos ❤
~jaa ne!