Meus sonhos foram perturbados, mesmo eu tendo passado pela porta sem placas.

Michael estava de pé no escuro. Sua camisa laranja estava estraçalhada, deixando seu peito nu e exibindo ferimentos profundos e sangrentos. Ele tinha cortes espalhados por todo o corpo, mas seu rosto estava preservado, sem nenhum arranhão. Seus olhos brilhavam. 

Já os meus, foram preenchidos por lágrimas. Meu primeiro impulso foi correr até ele, mas descobri que não conseguia. Tentei falar, mas fui impedida por uma voz feminina que ecoou, sonolenta e profunda, arrepiando minha pele:

— Está pronto para conversar agora, meu pequeno?

A terra aos pés de Michael tremeu, e à sua frente uma forma começou a se levantar. Ele observou, inexpressivo, enquanto a terra assumia o corpo de uma mulher jovem, de cabelos longos e corpo bem torneado.

— Já falei da última vez, Gaia. - Mike falou uma vez que a jovem estava de frente para si - Não tenho a intenção de participar de seus planos insanos. Não perca seu tempo e deixe-me partir de uma vez.

— Ora, ora. - ela caminhou ao redor dele e pude ver seu rosto. Os olhos estavam fechados - Temos  garotinho resistente aqui, posso dizer. Quanto tempo será que você vai suportar contra mim? 

— O quanto for necessário. - respondeu - Você sabe que seu filho já tentou isso, certo?

Ela abriu um sorriso.

— Ah, é mesmo. - disse - Você foi torturado durante dias, não foi? Bravamente resistindo a fim de jamais entregar seus amigos. Ah, isso é lindo! Diga-me, Mike, como é a sensação de receber uma medalha de honra?

Michael franziu a testa.

— Não há esse tipo de coisa no Acampamento.

Gaia forjou uma expressão confusa.

— Ah, não? - falou - Mas então você foi reconhecido como herói?

Ele franziu ainda mais o cenho.

— Ora, também não? - Gaia disse, surpresa - Então você sofreu tanto por nada?

— Não é verdade. - ele replicou, firme, mas transparecendo uma ponta de confusão - Eu protegi meus amigos. 

Gaia deu uma volta ao redor dele novamente, abraçando-o por trás. Ele arregalou os olhos.

— Ora, meu pequeno garoto ingênuo, e de que isso serviu? - falou sem seu ouvido - No fim, seus amigos ainda seguiram em frente ou morreram, sem você. Passaram o título de Conselheiro-Chefe para aquela criança do Will. Seu posto de melhor médico também. Você sofreu tanto... E no fim só saiu perdendo. Toda a glória foi deixada para Percy Jackson, nem mesmo o mérito do plano você recebeu.

— N-não é verdade...

— Ah, você sabe que é sim. - ela fez carinho em seu rosto - Pode admitir pra mim, meu pequeno. Eu sou a única que entende realmente os seus sentimentos.

Mike sacudiu a cabeça para afastá-la.

— Não, não! - gritou - Vá embora! Deixe-me ir!

Gaia voltou a ficar de frente para ele. 

— Não se preocupe. - falou em tom maternal - Logo eu o libertarei. Libertarei o verdadeiro você que está preso aí dentro.

Dito isso, ela se inclinou para beijar sua testa. Seu corpo então se dissolveu e Mike ficou sozinho na escuridão, o rosto transformado em uma máscara de horror.

Limpei uma lágrima solitária em meu rosto, e respirei fundo mais uma vez, decidindo que esta seria a última. Não podia ficar remoendo aquilo para sempre. Ainda tinha uma missão a cumprir, pegaria estrada em breve... A ideia que tive para me distrair com as cartas de meu pai foi péssima, só me deixara mais pra baixo. Sentia o ânimo e o objetivo se esvaindo, minha força de vontade morrendo. 

Talvez tenha sido o horror ao notar este fato que tenha me levado a abrir aquele envelope. 

Alvo 1: K. Smith

Especificações: 

O alvo é diretor do FBI. Suas investigações estão chegando a um ponto perigoso para os governos Indiano e Russo. Localizado em NYC.

Ação ideal:  Eliminação Imediata. Incêndio na residência. Sem necessidade de resgate de inocentes.

Observação: ordem enviada pelo Chefe de Gabinete do presidente russo.

Aprovado

Alvo 2: Helen Juarez 

Especificações: Pirrian, líder de esquadrão de caça. Cometeu assassinato de três Greno. Localizada no Novo México.

Ação ideal: Captura imediata para extração de informações e julgamento perante o Conselho. Se inviável, morte. 

Observação: o mesmo deve ser feito à sua família.

Aprovado

Alvo 3: The Beast

Especificações: Assassino de aluguel possuído por um eidolon, recentemente atacou o Quarto General da geração anterior e o matou. Localização desconhecida. 

Ação ideal: o Shinigami Jay Kill deve ser enviado. 

Aprovado

Alvo 4: Woon Nam, Shinigami anterior.

Especificações: seu tempo acabou. Localização desconhecida.

Ação ideal: o Shinigami Jay Kill deve ser enviado.

Adiado 

Esta Red Mission voltará a ser discutida após o fim da Guerra.

A lista continuava, com inúmeros alvos, alguns deles com instruções para tortura e formas cruéis de assassinato.

Dobrei o papel com força, sentindo o peito subir e descer em uma fúria retida. E de repente eu já não precisava me preocupar com falta de motivação. 

Os Greno matavam mortais, atacavam inocentes, conspiravam com governos. Haviam descido tão baixo a esse ponto... Jayden havia sido treinado especialmente para isso, então? Woon Nam, "shinigami anterior"? Seria aquele a quem Jayden chamava de "papa"? Jayden ia ser enviado para o matar? Será que Izumi e os outros sabiam sobre estas missões? Será que eles já as haviam realizado? As perguntas começaram a engolir umas às outras como ondas em um oceano bravio. 

Não importa. 

Eu me concentrei no papel em minhas mãos mais uma vez. De fato, esse não era o ponto principal agora. 

Ouvi os passos de Ian se aproximarem, e ergui a ele um olhar ardente. O garoto franziu a testa ao fitar os papéis com letras carmesim.

— Ian...

Ele mordeu o lábio inferior e me olhou. Fechei os punhos.

— Isso tem que parar. - decidi - Eu não vou mais deixar...

Não consegui terminar a frase, mas Ian meteu as mãos nos bolsos, encarou-me por alguns segundos e então, para minha surpresa, disse:

— Hai.

De certa forma, se fosse para pontuar, acho que foi a partir deste momento que minha saga ganhou uma nova direção, pois agora meu alvo definitivamente não era mais apenas os eidolons, mas também minha própria família. Se fosse para pontuar, eu diria que foi ali, com o coração em frangalhos, na companhia de um garoto misterioso, e sem nenhum plano de verdade, que eu aceitei de corpo e alma o desafio que me era proposto. Se fosse para pontuar, eu daria uma certeza: foi ali que a parte mais difícil começou.