À Espada Pelo Sangue escrita por LahChase


Capítulo 40
Capítulo 32 - Força ou Fraqueza


Notas iniciais do capítulo

Oiiee
Gente, eu sei que prometi postar ontem, mas o dia foi muito cheio, então não pude fazer isso. Desculpem-me ^^
E eu acabei mudando de novo o nome, pois precisei dividir o capítulo heheh
Bom, agradecimentos a Leta Le Fay, Phoeniz de Martell e Ary pelos comentários nos últimos capítulos ♥
Sem mais delongas...



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/686033/chapter/40

 

Fomos obrigados a sair apressados do hotel. Quando a luta acabou, os demais hóspedes já haviam chamado a polícia, e sabíamos que ser notícia no mundo mortal naquele momento era a última coisa que precisávamos.

Fora o cansaço de Ian e alguns cortes superficiais, estávamos todos bem. Apesar de o fato de estarmos juntos ter causado a confusão, Izumi decidiu manter o plano original de alugarmos uma van e irmos todos juntos até o ponto de encontro com Taiga Akashi.

— Ian precisa descansar – disse – Assim como todos nós.

Antes que entrássemos no carro, eu chamei por Link. Fazia algum tempo desde que eu o havia chamado até mim, já que tantas coisas vinham acontecendo, e os olhos dele me diziam que ele não estava muito satisfeito com isso.

— Eu sinto muito, garoto. – falei, fazendo carinho em sua cabecinha – Eu também gostaria que pudéssemos passar mais tempo juntos. Mas agora eu tenho uma missão para você.

Tirei do bolso do short um rolinho de papel e o colar do meu pai enrolado em um paninho, e peguei na mochila o equipamento leve que possibilitava que Link carregasse mensagens ou pequenos objetos de um lugar para outro. Eu havia decidido mandar a espada do meu pai para Laura depois de pensar sobre o que fazer com ela. Ao contrário da de Layla, que ainda estava ligada a ela, a do meu pai não tinha mais um dono, e, portanto, estava de volta ao seu estado inicial. Se Quíron julgasse certo, Laura poderia ficar com ela até ter idade para usá-la. Ou talvez aguardaríamos um pouco mais e a daríamos a Luther. Era sobre isso que eu havia escrito no papel.

— Leve para o Acampamento. – ordenei a Link, e então pronunciei a palavra grega de ordem.

Ele abriu suas asas e partiu.

No final, acabamos na estrada, com a líder ao volante, e eu encarregada de tratar as feridas dos meus companheiros.

Hiro estava ileso, e sentou-se no banco da frente, fazendo companhia à irmã. Kess tinha um rasgão na calça e o joelho cortado, mas nem precisou de costura. Pelo menos não na pele. Charlotte havia pisado em falso e seu pé a estava fazendo mancar. Ian quase teve um ataque quando a viu machucada, e queria carregar-lhe nas costas até o lugar onde locamos a van, mas todos no grupo lhe lançaram um olhar que deixava claro que ele tivera a ideia mais idiota do dia, tendo em vista sua própria condição.

— Onii-sama... – Charlotte suspirou, já na van – Eu estou bem, não precisa se preocupar. Agora vá descansar...

Eu o encarei.

— Ela está certa, você precisa recobrar suas forças.

Ele fez uma cara emburrada, mas voltou para o seu assento encostou a cabeça na janela. Sua respiração ainda estava um pouco ofegante, e seus ombros pesados.

Suspirei. “Esse garoto parece capaz de qualquer coisa pela irmã” pensei.

— Ele é... gentil de mais. – Charlotte disse baixinho enquanto eu mexia no kit de primeiros socorros para encontrar uma daquelas faixas que atletas usam para ajudar na dor.

Ergui o olhar por alguns segundos.

— Ele parece se importar muito com você. – respondi.

Ela deu um sorriso.

— Ele se importa. Cuida de mim e faz qualquer coisa para me deixar confortável. Às vezes me preocupo que ele se importe tanto comigo e tão pouco consigo mesmo. – murmurou – Ele sempre coloca a segurança das pessoas com quem se importa à frente da sua. Era assim com Izumi-chan e Hiro-kun também.

Encontrei o que procurava e a fiz colocar o pé em meu colo.

— Era? – perguntei.

Ela assentiu.

— Onii-sama os protegia mesmo que isso lhe causasse problemas com o pai deles... Até que eles provaram que não precisam mais de sua preocupação.

— Eles... Provaram?

— Eles se tornaram fortes por si mesmos. Izumi-chan demonstrou o seu poder logo no início. Hiro-kun... Ele deu um jeito de fazer isso.

Eu terminei o procedimento e a fiz testar o pé novamente.

— E quanto a você? – perguntei – Não quer mostrar que é forte?

Ela sentou de novo e deu um sorriso.

— Ah, não há o que fazer quanto a mim, May-chan. – respondeu – Não importa o quão forte eu fique, para Onii-sama eu sempre serei a irmãzinha que precisa dele. E a verdade é que eu preciso. – seu sorriso ficou um pouco melancólico – Eu posso saber lutar bem, mas não consigo ficar sozinha, dependo dele para muitas coisas... Não sou tão forte no final das contas.

Eu a olhei por alguns segundos, e então abri um sorriso gentil.

— Charlotte, ser forte não significa não precisar de ninguém. Se fosse assim, não haveria uma única pessoa forte neste mundo. Todos nós precisamos de alguém em algum momento, e isso não é uma fraqueza.

Fiquei de pé, equilibrando-me no balanço da van.

— Descanse o pé por enquanto, e coma ambrósia. – recomendei – Não foi nada sério, então você vai se recuperar logo. Eu vou ver se Matt precisa de cuidados.

Matthew tinha um corte nas costas, o que acabou fazendo com que eu o mandasse tirar a camisa para poder limpar e evitar alguma infecção. Ele disse que preferia morrer. Eu disse que isso era possível. Ele insistiu que não ia tirar. Eu falei que ele estava sendo infantil. Ele não recuou. E eu venci a discussão quando mencionei “o bem da equipe”, como ele fazia comigo.

Ele tinha uma tatuagem entre os ombros, abaixo da nuca. Apesar de inserida em uma arte muito bonita e um tanto diferente do usual, era uma inconfundível rosa dos ventos, do tamanho de um punho fechado. Mas estava incompleta, faltando-lhe Norte e Sul, e indicando apenas Leste, Oeste e os pontos colaterais.

— Kess tem a que completa. – ele disse, pressentindo minha pergunta – É uma das representações físicas da nossa habilidade. Kess e eu temos toda a nossa linhagem programada. Cada um dos nossos ancestrais tem alguma ligação com os deuses dos Ventos, e é por isso que podemos controlar o ar.

Ele ergueu a mão, a palma virada para cima. Virou o rosto para mim, e então seu olho esquerdo ficou castanho, enquanto um vento suave atingia meu rosto, balançando meu cabelo. Kess, que estivera cochilando no banco atrás de nós, levantou assustado.

— O que...?! – murmurou.

Olhei para ele, e vi que seu olho esquerdo estava cinza, como o de Matt. Quando ele percebeu que não havia nada acontecendo, murmurou mais alguma coisa e voltou a dormir.

— Nossas habilidades estão interligadas. – Matthew continuou, parando com o vento. Ele virou as costas para mim novamente – Quando eu e ele vamos à batalha, podemos lutar em uma sincronia perfeita. Neste momento, nossas tatuagens ficam completas. É como se nos tronássemos um. Mas é como se queimasse nossa pele, é muito doloroso. Treinamos muito nossa tolerância a essa dor para aguentar mais tempo de luta.

Ergui as sobrancelhas.

— Isso é bem legal. – comentei – Eu realmente pensei que vocês estavam bem sincronizados naquela hora. Mas parece que só é assim em batalha, não é? – soltei uma risada – No restante do tempo vocês não parecem tão conectados.

Ele suspirou.

— Graças aos deuses. – disse – Já é complicado ter um irmão gêmeo, e, quando o laço é tão forte quanto o nosso, a coisa é ainda maior. Se fossemos mais conectados do que isso, eu enlouqueceria.

Eu toquei a tatuagem, e ele ficou vermelho imediatamente, mas não me falou para parar.

— Há algum motivo para a sua ser Leste/Oeste e a de Kess ser Norte/Sul? – perguntei.

Ele levou alguns segundos para responder, até que ergueu a mão e segurou meu braço, afastando o meu toque. Segurei meu sorriso. Eu tinha que admitir que me divertia vendo Matt tão embaraçado por algo tão bobo.

— Leste/Oeste, eu sou o equilíbrio, a lógica e a constância. – respondeu – Norte/Sul, Kess é como uma montanha russa, extremos, o “pensar fora da caixa”. Nós nos compensamos.

Desvencilhei minha mão.

— Vocês, Greno... – murmurei – Conseguem ser bem detalhistas, não?

Ele me lançou um olhar ladeado.

— Do que está falando? Você é uma Greno também, esqueceu? – brincou, e então virou para frente novamente – Mas você está certa. Nós nos preocupamos com os detalhes, porque em uma família com tantas peculiaridades é importante ter cuidado. Nossos poderes são perigosos. Os deuses determinaram que, para manter o mundo e nós mesmos seguros, teríamos que cumprir as exigências: há sempre uma manifestação física quando se ativa a habilidade, e há sempre uma maneira de anulá-la. Eu e Kess, por exemplo, não podemos ativar nossa habilidade principal, a dos ventos, se estivermos a mais de um quilômetro de distância um do outro.

Absorvi por alguns segundos. De fato, eu sempre soube que os deuses eram precavidos quando se tratava de gerar semideuses. O pacto entre os Três Grandes para não terem mais filhos era uma das provas disso. Mas pelo visto, as coisas com os Greno estavam em outro nível. Restrições, regras, treinamento rigoroso... Tudo para garantir a segurança do mundo e da própria família, para manter a ordem e evitar que fossemos corrompidos. No entanto, eu tinha a impressão de que não havia sido suficiente.

Eu só tinha suspeitas. Sem provas, sem fatos e sem ninguém para dividir abertamente minha teoria, eu só podia investigar silenciosamente. Mas eu sentia que algo sombrio estava me esperando no seio da família Greno. E isso ia além da minha aversão aos seus métodos e ideais.

Eu expusera parte do que pensava para a equipe, e, apesar de ter prometido não manter segredo, eu não tinha a intenção de revelar o restante das minhas suspeitas sem antes ter um motivo plausível para apresentar. Para isso, eu tinha que descobrir mais, tinha que investigar mais.

— May? – a voz de Matt me arrancou dos meus pensamentos – O que está esperando? Termine de uma vez para que eu possa me vestir novamente.

Sua expressão desconfortável me fez sorrir.

— E pare de rir de mim. – murmurou, revirando os olhos.

— Ah, Matt, o que eu posso fazer se é engraçado? – falei, pegando o necessário para limpar a ferida.

Ele suspirou, e apoiou a mão na nuca.

— Pelo menos disfarce...

Rolei os olhos, antes de ficar séria novamente:

— Mas então, você acha que o motivo para ser assim é por que cresceu numa casa apenas com homens?

Ele deu de ombros.

— Além da compensação pela minha habilidade, sim. – falou – E eu não cresci numa casa só com homens. Eu cresci em um centro de treinamento apenas para garotos, e depois fui mandado para um internato mortal para garotos por dois anos, e então voltei para casa, com Kess e meu avô.

— E quanto ao seu pai? E a sua irmã?

— Meu pai mora na Alemanha. Minha mãe e de Kess morreu durante o nosso parto, e ele se casou de novo por determinação do Conselho. Deixou nós dois com meu avô nos Estados Unidos quando fizemos dois anos, e voltou para lá. Minha irmã e mais outros quatro garotos nasceram depois.

— Então, você tem uma meia-irmã alemã que nem cresceu com você... E, deixa eu adivinhar, sua madrasta é terrível?

— Na verdade não. – ele respondeu – Nós não nos damos mal nem bem. É só... Normal. De qualquer jeito, eu e Kess só vamos à Alemanha uma ou duas vezes por ano, então não é como se tivéssemos muito contato.

— E quanto à sua irmã?

Ele pareceu sorrir.

— Ela é maravilhosa. Vem nos visitar sempre, é sempre tão animada e enérgica, parece um furacão, e é muito forte também. Suas habilidades são incríveis.

— Então vocês se dão bem? – perguntei – Você não fica embaraçado com ela como fica com as outras garotas?

Ele demorou alguns segundos antes de responder:

 - Bom, eu meio que fui obrigado a me acostumar com ela subitamente me tocando. – sua voz soou estranha – Ela pula em cima de mim e de Kess toda vez que nos encontramos, e tem um estranho conceito do que é espaço pessoal quando se refere a nós dois.

Comecei a limpar o corte. Ao meu toque, vi as orelhas dele ficarem vermelhas.

— Bom, então acabamos de nos deparar com a solução. – concluí – Você só fica assim até se acostumar, certo?

Ele confirmou.

— Então tudo o que precisa é pensar em mim como se eu fosse a sua irmã até se acostumar. – completei – Se conseguir fazer isso, talvez não fique tão vermelho sempre que eu encostar em você.

Ele me lançou um olhar por cima do ombro.

— Isso não faz sentido. – respondeu.

— É claro que faz. – rebati – Bom, pelo menos como uma medida provisória. Uma vez que você estiver familiarizado comigo, não precisa mais ficar pensando assim.

— Isso eu entendi. Mas como eu deveria fazer isso? Não é como se você tivesse alguma semelhança com ela, afinal.

— E isso importa? O cérebro é fácil de enganar, Matt. E essa sua dificuldade é psicológica. Repita para si mesmo que sua pele entrando em contato com a minha não é diferente de entrar em contato com a da sua irmã.

— Eu sei disso. – sua entonação soou aborrecida – E essa é a pior parte. Sendo descendente de Atena, seria de se esperar que eu pudesse ser mais racional quanto a isso, mas eu não consigo. Por mais que eu me envergonhe disso, todo o meu corpo paralisa quando uma garota me toca, e meu cérebro parece ser reduzido a um grão de feijão!

Eu parei minhas mãos, de repente me dando conta do quanto Matt se sentia incomodado com essa dificuldade. Não era apenas o fato de rirmos dele por isso, mas ele mesmo se cobrava e se culpava por ser assim.

Terminei de cobrir o ferimento com um curativo e lhe entreguei um frasquinho de néctar. Ele vestiu a camisa novamente e eu me sentei ao seu lado, em silêncio por alguns instantes antes de falar:

— Você acha que isso lhe trona fraco, Matt? – perguntei.

Ele se encostou no banco e colocou as mãos nos bolsos do casaco que vestira.

— Sim. – respondeu.

— E se culpa por isso. – completei, e ele me fitou, sério – Você acha que por ser descendente de Atena tem a obrigação de ser racional o tempo todo, de nunca ser levado pelas emoções. E, quando não consegue fazê-lo, martiriza-se. Você esconde bem, mas na verdade o que mais lhe incomoda nessa questão não é o fato de Kess e eu rirmos de você, e sim a culpa que sente por ser assim.

O silêncio que se seguiu confirmou minha fala, e Matt soltou um suspiro.

— Você é boa em ler as pessoas, May. – disse.

Dei um sorriso de canto.

— Nem tanto. – respondi, e então fitei seus olhos. Tão parecidos com os meus, quase como se eu pudesse ver-me neles. Percebi que era fácil imaginar Matt no chalé de Atena do Acampamento, junto com todos os meus outros irmãos – Matt, concorda comigo que, sendo filha de Atena, minha ligação com ela é mais próxima que a sua?

Ele assentiu, e eu apoiei a cabeça no encosto do banco, olhando para cima.

— Não é como eu me sinto. – revelei, e percebi sua reação surpresa. Expliquei: – Eu nunca fui uma pessoa equilibrada, sou impulsiva, sempre dependi dos outros para me ajudarem a controlar minhas emoções explosivas. No dia que cheguei ao Acampamento, Dionísio tornou isso ainda pior, de alguma forma. Eu passei a me irritar por qualquer coisa, e a ser incapaz de evitar isso. Passei o último mês lutando para recuperar o controle. Meus amigos me ajudaram, e agora as coisas estão melhores.

Eu o olhei.

— Mas ainda não é fácil. – continuei – Eu ainda preciso contar até cem de vez em quando, e ainda preciso de muita força para não explodir.

Ele colocou a mão na nuca.

— Você parece estar se saindo muito bem nisso, May.

Balancei a cabeça.

— Eu estou me esforçando. – disse – Mas, Matt, quando eu te conheci, fiquei admirada com você. E o fato de você não conseguir lidar bem com garotas não diminui em nada a minha admiração. Se essa é uma fraqueza que te torna indigno de Atena, o que é a minha então?

Ele observava meu rosto, sério e surpreso.

— Sim, se eu seguisse seu pensamento, eu seria a mais indigna dentre os descendentes de Atena. Eu sou impulsiva, desatenta, e às vezes lenta. Por minha causa meu pai está morto, nossa equipe fez uma viagem desnecessária e vocês estão correndo o risco de serem considerados traidores pelo Conselho. Eu tenho todos os motivos para me culpar, e confesso que às vezes eu o faço. – fiz uma pausa, e coloquei meus pés no banco, abraçando os joelhos – Mas minhas discussões comigo mesma estão ficando mais fáceis de vencer, à medida que eu luto contra minhas fraquezas. Eu só tenho uma opção, Matt: ficar mais forte. Não pretendo me contentar com quem sou agora, sabendo que posso ser melhor.

Virei para ele e apoiei minha mão em seu ombro.

— E eu sei que você também pode vencer seus obstáculos.

Ele desviou o olhar por alguns segundos, esfregando a nuca mais uma vez. No entanto, eu percebi, seu rosto não estava tão vermelho como antes.

 

 

— Ele ainda tem um ferimento na mão, e arranhões nos braços. – Charlotte disse, sonolenta, ao me chamar para ver Ian.

Ela estivera dormindo no banco ao lado dele, mas trocou de lugar comigo para que eu pudesse checar a saúde do seu irmão. Eu pensava que Ian havia se curado completamente ainda durante a luta no restaurante, mas pelo visto havia sobrado um ou outro machucado. No entanto, ele ainda dormia profundamente, e eu encarei minha tarefa com desgosto.

“Se ele acordar... Isso vai ser muito estranho” reclamei para mim mesma.

Mas meu senso de dever não me deixava ignorar o bem-estar dele. Afinal, era em parte por minha causa que ele estava tão exausto, já que eu não pudera dividir com ele a carga de ativar o feitiço. Sem contar que Izumi havia me pedido para tomar conta das providências médicas necessárias.

Charlotte dissera que eu só precisava passar água e os ferimentos provavelmente sarariam. “Não é grande coisa” pensei, suspirando e colocando minhas mãos para trabalhar.

Peguei um algodão e o molhei. Dando graças aos deuses por ele não estar usando um casaco, segurei o seu braço e comecei a passar o algodão nos arranhões, desde o ombro até o antebraço. Sua mão tinha um corte mais sério, onde o demônio havia enfiado a faca. Preparei-me para passar água novamente, mas parei ao sentir seu pulso.

Estava absurdamente acelerado. Fitei seu rosto, esperando ver sua face em um sono pacífico, mas seu rosto estava contraído em uma expressão tensa. Gotas de suor surgiam em sua testa. Aos poucos, sua respiração começou a ficar mais pesada, como se ele estivesse correndo uma maratona.

Preocupada, chamei seu nome.

— Ian? – sussurrei, balançando seu ombro – Ian, acorde.

Ele abriu os olhos de repente, quase dando um salto do banco, a expressão urgente. Suas mãos agarraram meus braços com força, e sua voz soou desesperada:

— Lotty! – arquejou – Onde ela está?!

Assustada, percebi que ele estava transtornado. Obriguei-me a responder calmamente:

— Calma, Ian, ela está aqui. – falei – Está dormindo logo ali. Ela está bem, está tudo bem.

Sua respiração pareceu ficar menos pesada, apesar de seus olhos ainda expressarem terror.

— E você? – perguntou – Você está bem?

Pousei minhas mãos nas dele, retirando seu aperto firme dos meus ombros, e disse gentilmente:

— Estamos todos bem, Ian, não se preocupe. Agora, acalme-se um pouco. Respire fundo, vamos.

Soltei suas mãos enquanto ele fazia o que eu dissera. Vi seu peito subir e descer algumas vezes, diminuindo o ritmo. À medida que ele recobrava a consciência, sua expressão foi suavizando, até que seu corpo finalmente relaxou.

Precisei manter a postura tranquilizadora, mas por dentro estava surpresa. Ian estava sempre com aquela expressão de poucos amigos, sério ou apenas neutro, mas aquela era uma face dele que não pensei que veria. Seus olhos assustados, seu aperto tenso e a voz urgente... Eu me perguntei o que o fizera ficar assim.

Eu o observei levar a mão ao rosto e suspirar, agora já reestabelecido. Ele passou os dedos pelos cabelos pretos, e fechou os olhos. Esperei que ele fosse contar alguma coisa, mas ele apenas me lançou um olhar e disse, num tom impaciente:

— O que foi? O que está olhando com essa expressão estranha? – ele virou o rosto para a janela – Eu não vou te atacar nem nada. Não estou louco.

Revirei os olhos internamente. Eu deveria saber que ele não me contaria nada. Mas talvez eu conseguisse fazê-lo falar.

— Charlotte me pediu para cuidar dos seus ferimentos. – disse – Eu já estava no final.

Ele olhou para a própria mão ferida.

— Ah, isso? – falou – Devo ter ficado sem energia para curar-me por completo.

Ele transformou a própria mão em pura água por alguns segundos, e então tornou-a em carne humana novamente. O ferimento havia sumido.

— Ah! – falei – Você não devia ter feito isso. Está gastando a pouca energia que recuperou.

— Daijoubu. Eu já estou bem.

— Você dormiu por uma hora, no máximo. – falei, cética – Não pode ter recuperado tudo com tão pouco tempo de descanso.

Ele me lançou um olhar que dizia claramente que eu o estava irritando. O resultado desse olhar foi que eu também comecei a ficar irritada.

— Você não sabe. – respondeu – Não sabe nada sobre mim.

Cruzei os braços.

— É, tem razão. Mas o que eu sei é que você usou muita energia naquela luta e agora está desperdiçando com algo bobo. Por que não me deixou terminar de tratar?

— Porque eu não preciso. – retrucou – Uma hora é o suficiente para mim, entendeu?

Ele virou o rosto para a janela novamente, e então murmurou quase para si mesmo:

— Não é como se eu fosse capaz de dormir mais do que isso, de qualquer jeito.

Fiquei quieta. “O que isso quer dizer?” perguntei-me.

— Ian, o que aconteceu agora há pouco? – falei, apesar de ter certeza de que ele não me contaria – Você teve um sonho, não foi?

Tive a impressão de que o ar ficou mais pesado, e o vi enfiar a mão no bolso da calça. Ele não respondeu.

— Olha, nós temos que ter cuidado com os sonhos. Eles podem ser avisos dos deuses sobre o futuro e...

— Eu sei disso. – interrompeu, ríspido.

— Então, o que sonhou?

— Me deixa em paz, novata.

— Mas...

— Eu não sonhei com o futuro, entendeu? – ele me fitou, seus olhos ardendo de raiva – Foi algo que aconteceu. Então cala a boca e me deixa em paz.

Fechei a boca, vendo-o dar as costas para mim novamente. “Mas o que diabos...?” pensei, surpresa com sua reação. Eu não esperava que ele fosse revelar alguma coisa, mas o fato de o sonho ter sido algo do passado e não do futuro só me deixou mais curiosa. O que no passado daquele garoto tinha o poder de trazer aquela expressão para sua face? O que havia acontecido que era tão forte a ponto de ainda assombrá-lo hoje? E como assim ele não conseguia dormir...?

Fiquei irritada.

Eu estava agora cheia de perguntas, mas tinha certeza de que ele não me responderia nenhuma. Eu não o entendia, e isso me deixava com raiva. Quem era Ian? Ele era o irmão amoroso e gentil de Charlotte, que sempre a protegia, ou o garoto arrogante que parecia para mim? Ele era o fiel e obediente companheiro de Izumi, ou alguém que lhe escondia segredos? Ele me queria longe dele, ou me protegia como fizera nas batalhas?

“Droga”, senti a curiosidade crescer dentro de mim, e soube que acabaria por seguir meu impulso de descobrir as respostas para as minhas perguntas. Conformei-me com isso, sabendo que seria o jeito mais fácil. Caso contrário, sabia que me torturaria fingindo não me importar, até não aguentar mais.

 “Prepare-se, seu Cabeça de Camarão, eu vou te observar daqui em diante. Vou descobrir exatamente quem você é”.

Parei por um segundo. “Cabeça de Camarão...?” pensei “Acabei de criar um apelido que não soa completamente ridículo?” Eu de repente fiquei muito satisfeita comigo mesma.

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Eu de novo! ^^
Tenho que expressar meus sinceros agradecimentos à leitora Leta Le Fay por suas sugestões de apelidos e por me deixar usá-los. Sério, foi a salvação da pobre May (e dessa escritora aqui também kkkk)
Então, gente, sobre a tatuagem dos gêmeos: eu planejava postar uma imagem para vocês entenderem melhor como elas são. Eu e um amigo meu estamos trabalhando na ilustração, mas não conseguimos terminar a tempo da postagem desse capítulo. Mas vou fazer o possível para terminar até o próximo fim de semana. Caso contrário, uso a imagem que fiz no paint (pior opção .-. )
Booom, mas então? O que acharam do capítulo? Viram algum erro? Gostaram de alguma coisa? Críticas, teorias, pedidos ou preferências?
O que vem por aí é: Capítulo 33 - Medindo Forças. (agora é sério) Posto no próximo sábado ^^
Beijos e até lá ♥