À Espada Pelo Sangue escrita por LahChase


Capítulo 18
Capítulo 16 - Partida


Notas iniciais do capítulo

Oieee
Bom, aí está o capítulo 16 ^^
Até que enfim a May está partindo!!
Como será que ela vai se sair?
Vejo vocês no final ^^



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— Ei, May. – Uma voz me tirou de minha meditação.

Eu estava ajoelhada em um pequeno tatame que havia montado em uma das saletas do primeiro andar inferior do chalé. Praticar Karate sempre me ajudava a clarear os pensamentos, mas eu não havia feito muito isso desde que chagara ao Acampamento, fora as lutas nas aulas de esgrima. A ginástica vinha sendo mais frequente. Esta noite, no entanto, precisei mesmo descontar as confusões e medos no saco de pancada.

Mike e eu nos beijamos. Foi lindo, e foi a melhor sensação que já tive na vida. Mas depois do momento, eu não sabia mais o que pensar. Não contamos a ninguém, mas corávamos toda vez que nossos olhos se encontravam, durante o dia inteiro. Estava estampado na cara dos dois que alguma coisa havia acontecido, mas eu não tinha tempo para gastar com isso. E ainda havia a viagem logo cedo no dia seguinte. Eu não podia me dar o luxo de ficar confusa sobre sentimentos e mimimi.

“Nem esses conflitos merdas de adolescente eu posso ter” Reclamei.

De qualquer jeito, esvaziar a mente era o melhor jeito de estar preparada. Não havia plano para fazer, se eu nem mesmo sabia o que estava para acontecer, e desperdiçar meu tempo preocupada sobre isso só me deixaria mais nervosa e cansada. Depois das pancadas, ajoelhei-me e exercitei minha mente a ficar em um estado tranquilo, sem pensar em nada. Com minha hiperatividade satisfeita com o tanto de energia já gasta, não foi muito difícil.

— May. – A voz chamou de novo e eu olhei.

Minha irmã, Katlyn, estava à porta.

Ela usava um óculos de grau enorme, que escorregava de seu nariz a cada dez segundos, escondendo seus olhos cinzentos. O cabelo castanho-claro fora recentemente transformado para o estilo rastafári, que lhe dava uma aparência mais despojada, destoando um pouco do restante dos filhos de Atena, que geralmente sempre parecem mais responsáveis e um pouco mais nerds. Eu gostei.

— Oi, Kat. – Respondi – Algum problema?

— Annabeth convocou uma reunião. – disse ela, ajustando o óculos – Por causa das missões. Começamos em quinze minutos.

Ela saiu e fechou a porta.

Desmontei o tatame e subi as escadas estreitas que levavam ao chalé. Depois que o dispositivo de transporte de Annabeth ficou louco, acabamos tendo que improvisar uma escada em espiral para transitar entre os andares. Corri para tomar um banho rápido e esperei a reunião começar, sentada no beliche com Link empoleirado em meu ombro.

— Então, todos aqui? – Annabeth começou e eu levantei.

Eu a observei com cuidado. Ela estava menos cansada devido à noite de sono, mas os ombros ainda pareciam estar carregando o peso dos céus novamente.

— Pois bem. Todos sabem o quanto tem sido difícil esses últimos dias. Tudo indica que algo muito sério está por vir. Os sonhos estão com cada vez menos sentido e não temos notícia de Rachel. Todos também já estão cientes sobre o aviso de Hera. Estarei partindo amanhã, pela manhã, com a esperança de encontrar algo útil. Eu sei que já procuramos nos arredores do Acampamento mais de uma vez, por isso vamos aumentar o perímetro. – Ela apontou no mapa – Grupos de três, usem tudo que estiver ao alcance de vocês. Peçam ajuda aos sátiros e aos espíritos da natureza.

Ela fez uma pausa, ponderando sobre o que diria a seguir.

— Escutem, - começou – Há a possibilidade de que ele esteja no Formigueiro.  

Todos estremecemos.

Eu só ouvira histórias sobre as formigas da Floresta, mas eram suficientes para deixar qualquer semideus amedrontado.

— Mas, Annabeth, se ele estiver lá... – Alguém começou.

— Eu sei, - interrompeu – que é quase impossível que tenha sobrevivido todo esse tempo lá, mas... Já vimos Percy fazer coisas impossíveis antes, não? E não esqueçam que ele tem a maldição de Aquiles, o que quer dizer que, a menos que as Formigas descubram seu ponto vulnerável, ele não pode ser ferido. Mas isso não quer dizer que ele não pode estar preso. De qualquer jeito, eu não pediria a nenhum de vocês para ir lá, se não se oferecessem. Eu tracei um plano, mas eu mesma não posso ir. E não dá pra adiar até quando eu voltar, ou pode ser tarde de mais. Pensem sobre isso, mas não demorem. O plano está aí pra quem quiser se arriscar.

Murmúrios encheram o chalé. Eu guardei para mim mesma o impulso de me oferecer para ir, mas, 1: Eu tinha uma missão. E 2: Eu era inexperiente demais para entrar no Formigueiro, só atrapalharia. Os olhos inquietos de Annabeth pareciam rezar aos deuses que alguém resolvesse ir.

— Bem, além disso, há mais uma coisa. – ela continuou, estendendo a mão e me puxando para perto de si – Nossa irmãzinha também partirá amanhã.

Meus irmãos arquejaram. Até agora, poucas pessoas sabiam sobre minha situação, mas depois de amanhã, não haveria mais como esconder. Annabeth provavelmente julgou que seria bom explicar logo. Só queria que ela tivesse me dito isso.

Corei.

— Partirá? – Katlyn exclamou – Em missão?!

Annabeth assentiu gravemente.

— Mas que missão? – Jake perguntou.

— Quem vai acompanhá-la? – Alguém ajuntou.

— Vou sozinha. – Resmunguei, sabendo que haveria protestos.

Os murmúrios cresceram.

— Sozinha?! – Jake exclamou – Quíron aprovou isso?

— Aprovei. – A voz grave e suave de Quíron veio da porta.

Os murmúrios se calaram. Os campistas que estavam sentados se apressaram para ficar de pé. O chalé era alto o bastante para que o centauro entrasse sem precisar da cadeira de rodas, e quando ele o fez, nós respeitosamente nos curvamos em uma reverência.

— Quíron, - Jake se apressou – está falando sério? Vai mesmo enviar Mayara em missão, e sozinha? Com todo respeito, isso seria insensato visto que...

O centauro ergueu a mão, interrompendo a fala do garoto.

— A primeira coisa que devem saber é que a missão dela não foi designada pelo Acampamento. – Começou – Mayara tem para com sua família uma responsabilidade maior que para conosco. Não é da minha alçada impedir que ela vá. Como muitos de vocês já sabem, ela é uma Greno. A maldição de sua família retornou, e a tarefa de restaurar a aliança com os deuses está sobre a geração mais jovem. Não temos garantias de que eles a enviarão junto com os outros, então ela pode estar de volta logo.

Abaixei minha cabeça, secretamente desejando que isso não acontecesse. Embora eu estivesse com medo de ser enviada, não suportaria ficar sem fazer nada enquanto a vida é sugada do corpo do meu pai.

— Conto com vocês para manter tudo isso em segredo. – Quíron continuou – É importante que essa história não venha a público, por motivos que apenas os Greno poderiam dizer. Expliquei para vocês, por que, bem, como dizem, não se esconde segredos de Atena.

Nós rimos, quebrando o clima pesado que havia se instalado no ambiente.

— Muito bem. – Disse Annabeth – Vamos à oferenda.

Nós nos reunimos ao redor da grande estátua de Atena e, acendendo o fogo do pequeno altar, jogamos nas chamas nossas oferendas, juntamente com nossas orações.

— Mãe...

Havia tanta coisa para pedir que mais nada saiu da minha garganta. Saí da fila com o coração apertado. Tinha a leve impressão de que não estaria reunida com todos os meus irmãos novamente nem tão cedo. Ou talvez nunca mais.

 

Shayla, Kyle e eu fizemos nossa despedida no horário do jantar. Ao invés de irmos ao pavilhão do refeitório como todo mundo, nós pedimos permissão para comermos no campo aberto próximo à floresta, de onde eu havia soltado Link no dia de sua primeira caça. Sentamos sobre uma toalha que estendemos na grama e os dois abriram uma cesta com doces e guloseimas.

— Muito bem! – Kyle anunciou – Você precisa de energia para a missão, portanto... Pode comer gordices!

Eu ri. Shayla ergueu o dedo indicador.

— Mas é só por hoje.

Kyle juntou as mãos e falou alguma coisa em outra língua, como sempre fazia antes de comer. Sempre que eu perguntava o que era, ele simplesmente dizia que eu não entenderia e mudava de assunto. Eu tinha a impressão de que ele se divertia deixando-nos confusas.

Shayla e eu reviramos os olhos, sorrindo, e começamos a tirar os doces de dentro da cesta. Comi até enjoar, com os dois fazendo o mesmo.

Ao final da comilança, nós deitamos na grama e observamos as estrelas.

— Vocês dois... – comecei, sentando e quebrando os infinitos minutos de silêncio – Sabem que prefiro não me despedir, não é?

Shayla se ergueu e me lançou um sorrisinho.

— Claro. Estamos cientes da sua incapacidade de lidar com a vontade de chorar.

Revirei os olhos.

— É sério. – falei – É que despedidas soam como um ponto final, como se não fossemos mais nos ver. Então, isso aqui é só uma reunião de “boa sorte e até mais”, não é?

Kyle se apoiou nos cotovelos.

— Isso é óbvio. – disse, lançando-me um olhar divertido – A não ser que esteja planejando fugir.

Sorri e voltei a encarar o céu.

— Nunca nem cogitei isso.

— Ótimo. – Shayla falou – Porque, se bem me lembro, fizemos uma promessa.

Eu a olhei. Sua expressão era séria, e ela sustentou meu olhar.

— Prometemos que o trio Y não vai nunca abandonar uns aos outros, e que nenhum de nós vai ficar sozinho novamente. Portanto, não ouse não voltar, entendeu?

Deixei um sorriso brotar em meu rosto, pensando em como seu irmão havia me dito as mesmas palavras mais cedo.

— Você está com ela nessa, Kyle? – perguntei, fitando-o. Ele tinha a mesma expressão que Shayla.

— Sim, estou. – afirmou – E mais: se você demorar de mais, eu mesmo vou te buscar.

Eu ri.

— Ótimo. – falei – Eu não poderia pedir mais nada.

— May.

Shay ainda estava grave. A intensidade de seus olhos fez meu sorriso desvanecer, compreendendo a seriedade de suas palavras, e os sentimentos por trás delas. Ela não estava pronta para me deixar ir.

Estendi a mão e toquei seu rosto com a ponta dos dedos, sustentando seu olhar firmemente. Eu lhe daria a certeza, e a força. Era esta a nossa promessa. Eu era a força, a proteção e a certeza. Shayla era a luz, os sentimentos. Kyle era o riso, e a esperança. Nossos papéis uns para com os outros haviam mudado desde que chegamos ao Acampamento: Shayla me deu a força, Kyle a proteção. Mas agora eu retomaria meus deveres para com eles, e seria novamente seu porto seguro. Eu havia crescido, e ficado mais forte. Agora eu seria capaz de retribuí-lhes tudo o que fizeram por mim. Eu agora seria força, seria esperança, seria luz, proteção e certeza.

— Eu prometo que vou voltar. – falei, resoluta – Eu não vou te deixar sozinha. Você não vai me perder, nem vai perder Kyle, nem mais ninguém querido. Você não é mais uma criança indefesa como foi um dia, Shay, e nem eu sou. Nós agora temos o poder para proteger aqueles que importam para nós. Não vamos perder mais ninguém, entendeu?

Vi sua expressão se determinar.

— Sim. – disse.

Kyle sorriu e colocou a mão no bolso, tirando de lá alguma coisa.

— Tenho algo para você. – disse e abriu a mão.

Em sua palma, estava um vidrinho tampado por uma rolha, como uma garrafa em miniatura. Dentro, havia um paninho vermelho, e uma corrente estava presa à tampa.

— Sabe, você pode precisar ficar longe por um tempo. – falou – Então, quando sentir saudades, pode fechar os olhos, destampar o vidro e sentir o cheiro dos morangos do Acampamento. Não sei se é verdade, mas ouvi dizer que você esquece primeiro os sons das vozes de seus amigos, e então suas aparências, mas a fragrância é mais forte. Onde quer que esteja, o cheiro de morangos vai estar permanentemente ligado ao Acampamento em sua memória. Então espero que isso ajude a se lembrar de casa.

Ele passou a corrente por meu pescoço e ficou de pé, antes que eu tivesse tempo de reagir.

— Muito bem! E assim encerramos o momento sentimental, oficializando o nosso “boa sorte e até mais”. – falou – Agora vamos dormir.

Eu o observei partir a passos rápidos, ainda estupefata.

— Mas o que...?

Shayla riu ao meu lado e então se levantou também.

— Ele não quer que vejamos suas lágrimas. – comentou, dando as costas e caminhando também – E nem eu quero. Até mais, May.

Em um segundo eu estava sozinha, piscando, sem saber muito bem o que havia acontecido.

— Até mais, pessoal. – sussurrei para a noite.

 

Minha despedida do Acampamento certamente não seria completa sem que acordasse cedo e passasse um tempo na praia. Cavalguei com Pandora pela areia, sem alçar voo. Depois de passar meia hora só sentindo a ansiedade crescer em meu peito, fiz uma rápida prece ao deus dos mares pelo seu próprio filho e desmontei.

— Ei, garota. – Falei, pousando a mão em seu pescoço – Vou sentir sua falta.

Ela deu um relincho baixo. Observei seus olhos escuros, afastando de um deles os cabelos quase brancos de sua crina. A expressão deles era triste.

Antes de vir ao Acampamento, eu jamais imaginaria que cavalos eram tão inteligentes, mas Percy me ensinara a reconhecer a linguagem corporal de Pandora, mesmo sem poder traduzir o que falava como ele podia.

Abracei a égua, sentindo os músculos poderosos de seu pescoço, e acariciei seu pelo.

Pandora relinchou novamente, e eu desejei poder entendê-la. Ela então deu sua típica lambida em minha face, deixando-me grudenta. Mas não fui capaz de reclamar, sabendo que era uma demonstração de seu carinho. Dei um beijo em seu focinho e retirei as rédeas e a cela, deixando-a livre para voltar ao estábulo ou voar por aí. Ela galopou alegremente para os pastos, e eu fiz meu caminho de volta para o Acampamento.

Annabeth estava montando a biga voadora. Mais ninguém estava acordado, e ela murmurava consigo mesma em um Grego Antigo que eu não compreendia.

— Annabeth. – Chamei baixinho e ela se virou para mim – Estou indo.

Ela colocou a mão em meu ombro.

— Que os deuses lhe deem sorte, irmã.

— E a você também. – respondi – Cuide-se, ok? Não exija demais de si mesma.

Com isso, fiz minha caminhada solitária até os limites do Acampamento, onde o dragão se esticava preguiçosamente, ajeitando-se ao redor do Pinheiro de Thalia. Argos me esperava com a minha carona até a mais próxima estação de metrô. Ele aproveitaria a viajem de volta para procurar por Percy com suas centenas de olhos. Chamei Link com um assovio alto e ele voou até mim. Ele não gostava de carros, então acompanharia a van de cima e me localizaria através do som do pequeno sino que eu levava comigo.

Dizendo a palavra de comando para “seguir”, eu o fiz alçar voo e observei-o planar em círculos logo acima.

— Ele está bem treinado. – uma voz atrás de mim disse.

Virei em sua direção e dei de cara com Drake. Meu irmão tinha um olhar divertido.

— Não acredito que não ia me dar nem um beijinho de despedida.

Eu ri, rolando os olhos.

— Você não pode ser tão carente a este ponto.

Ele deu risada.

Nós nos encaramos por alguns segundos, em silêncio. Observei a face de Drake. Ele havia sido para mim um professor maravilhoso durante um ano, e então se tornou um irmão em quem eu podia confiar e me apoiar. Havia me ensinado tanto, e compartilhado tanto comigo. Mesmo na escola, quando eu me metia em brigas e ele não fazia nada para ajudar, ele estivera de olho em mim, ensinando-me a crescer, arrastando-me para suas aulas, e sendo paciente com meus devaneios. Ele acreditara em mim quando eu mesma não acreditei, e viu em mim potencial.

Resolvi abraça-lo de uma vez antes que começasse a chorar. Apesar de todo o meu esforço para não fazer daquilo um momento melancólico, ali estava eu.

— Acho que você merece pelo menos um abraço. – resmunguei, enterrando meu rosto em seu peito.

Ele me envolveu com seus braços.

— Se cuida, maninha. – ele beijou o topo da minha cabeça, e então me segurou pelos ombros, fitando meu rosto. Sua expressão não era de tristeza, como eu esperava, mas seus olhos tinham um brilho de expectativa – Vai lá e arrasa em sua missão!

Eu ri.

— Você é o melhor, Drake.

— Eu sei. – ele me empurrou em direção à van e caminhou de volta para o Acampamento.

Argos deu partida e começamos a nos distanciar.

Eu observei, pela janela, a infinidade de campos que ficavam para trás, a grama ainda orvalhada, e as plantações de morangos sumindo a medida que nos afastávamos. De longe, o Acampamento parecia tão sereno que ninguém diria que estava passando pelos problemas e tensões que enfrentava. Tentei imaginar se Annabeth encontraria Percy no Grand Canyon e se Rachel teria alguma profecia sobre o que quer que estivesse acontecendo. Shayla e Michael haviam dito que suas visões não estavam fazendo sentido algum, então as preocupações apenas se intensificavam. Certamente isso era só o começo.

Meu coração se apertou quando o Acampamento finalmente sumiu de vista. Aquele lugar era meu segundo lar, e eu desejava demais poder ficar e ajudar a enfrentar tudo o que estava por vir, mas, como Quíron, Layla e quase todo mundo estava dizendo, a questão da minha família era maior.

Senti um desconforto ao pensar nisso. Eu sabia que o assunto era sério, mas não podia deixar de encará-lo como uma certa ironia. Havia uma benção dos deuses sobre a minha família, que agora fora, de alguma forma, transformada na antiga maldição novamente, e cabia a um bando de adolescentes desfazer essa bagunça toda.

— Benção idiota. – resmunguei, e um trovão se fez ouvir.

Argos direcionou a mim um dúzia de olhos, numa advertência explícita, mas eu dei de ombros. Os deuses não estavam ligando muito para o que vem acontecendo aqui no mundo mortal de qualquer forma. Seria quase uma honra ser destruída por um raio de Zeus agora. Mas não se vence Argos numa disputa de olhares desafiadores, então tive que admitir que atrair a atenção furiosa de qualquer deus agora não era exatamente o que eu precisava.

Suspirei, deixando os ombros caírem, resignada.

Meus pensamentos voaram de volta para a minha tarefa, e eu revisei mentalmente o que precisava. Os deuses têm uma aliança com a minha família: todo Greno tem algum sangue olímpico correndo pelas veias, e alguns, como eu, têm mais sangue divino que mortal, e isso confere dons, como a minha cura. Repassei minha árvore genealógica: meu pai era filho de Apolo. Minha avó era filha de um filho de Hermes com uma filha de Eos (personificação do amanhecer), cuja mãe era filha de Nyx com um neto de Selene, a titã que personifica a Lua. Havia ainda uma imensidão de nomes na lista dos meus antecedentes, mas isso era tudo que eu havia decorado. E talvez fosse mais que suficiente, já que a probabilidade de eu ter uma única gota de sangue titã provindo de Selene correndo em minhas veias já era mínima.

“Ok” pensei “Então agora é se concentrar na tarefa”. O plano era pegar o metrô até em casa, receber as instruções do meu pai, e de lá seguir para o local de encontro, seja lá onde for.  Lá, não posso deixar que não me enviem, seja lá pra qual missão, seja lá com quem for. Preciso estar entre os que vão reestabelecer a ligação com os deuses, ou não terei paz.

“Então isso é tudo” Respirei fundo “Posso fazer isso”.

Tirei do bolso um pequeno embrulho e o abri. Dentro havia o frasquinho de vidro em forma de garrafa com o paninho vermelho enfiado dentro. Retirei a rolha atrelada a uma correntinha e cheirei. A doce fragrância de morangos preencheu o ar.

“Ouvi dizer que o cheiro é a última coisa que a gente esquece” Kyle havia me dito ao entregar a mim o embrulho “Espero que isso ajude a se lembrar de casa”.

A mim parecia o cheiro de esperança.

 

 

Tudo começou a dar errado cedo de mais.

Eu já havia esquecido daquela sensação: os pelos dos meus braços se arrepiaram, frio percorreu minhas entranhas, um hálito gélido pareceu tocar minha nuca, ar faltou aos meus pulmões. 

Eu ainda estava sentada no banco do metrô, e minhas mãos trêmulas deixaram cair o livro que estivera lendo.

Olhei ao redor, procurando por qualquer sinal de perigo. Além de mim e de um velho, não havia mais ninguém no vagão.

— Merda. – murmurei.

Eu devia ter prestado atenção nisso antes.

O velhinho me censurou com o olhar, provavelmente pensando em me mandar lavar a boca, mas então seus olhos se arregalaram, os músculos enrijeceram e sua expressão corporal nitidamente inofensiva mudou. Ele se levantou, o corpo estremecendo, e disse:

— Mayara Jacobs – Aquela voz personificava perfeitamente a sensação desesperadora em minha pele. Era áspera e fria, de tal modo que a temperatura parecia cair cinco graus quando soava. – Você servirá à nossa causa.

Com as mãos atrás do corpo, apressei-me para alcançar Prostátida, mas nesse momento, senti meus ossos congelarem, meus músculos ficaram rígidos. O frio penetrou minha pele, instalando-se de uma forma que parecia abraçar minha alma. Então, para meu completo desespero, minha boca se mexeu sem que eu ordenasse, declarando:

 - Eu servirei à sua causa.


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Notas finais do capítulo

Oiee
Entããão... A coisa já está tensa o.o
O que acharam? Viram algum erro? Acham que preciso melhorar alguma coisa? Alguma teoria sobre o que está acontecendo? Deixa aí nos comentários
Próximo capítulo sai no Sábado.
Até lá ^^