À Espada Pelo Sangue escrita por LahChase


Capítulo 19
Capítulo Extra – A História de Mais Alguém: Pedaços.


Notas iniciais do capítulo

Oieee
Eu sei que marquei a próxima postagem para Sábado, mas encontrei um tempinho antes, então aqui está um capítulo extra para vocês ^^
Este é especialmente dedicado a Cassie, por seus insistentes pedidos heheh
Agradeço muito os comentários de Alhene Malfoy, Minoran e Leta Le Fay. Sempre fico muito (muito mesmo) animada quando os leio.
Tenham em mente que os acontecimentos a seguir são relatos de fragmentos de lembranças de certa personagem, e nem todos são de conhecimento da May.
Bom, vejo vocês no final ^^



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Olhos grandes e expressivos permanecem bem abertos na noite, apavorados. Mesmo tão alarmados, são lindos: brilhantes, cor de âmbar misturado com um chocolate gentil. A dona dessas joias é uma garotinha, com seis anos, encolhida na cama, com o cobertor puxado até a altura do nariz, os cabelos castanho-escuros espalhados pelo travesseiro e a pele cor de chocolate arrepiada de medo. O pulso acelerado de seu coração soma-se à sua respiração pesada.

O mesmo pesadelo. Há algumas noites ela não é capaz de dormir por causa do mesmo sonho aterrorizante. Depois de acordar sobressaltada, não prega os olhos por nem mesmo um segundo, apesar de a escuridão do quarto ser quase tão ruim quando o pesadelo. Ela, então, encara o nada por horas, até que o tão esperado sol começa a nascer, finalmente permitindo-a se acalmar.

Esta noite será o mesmo sofrimento.

— Alguém me ajude... – ela sussurra, assustada, para o vazio.

— Não tema, pequena. – uma voz soa acima dela.

A voz inesperada é doce, quente, melodiosa... Tão confortável que a garotinha pergunta-se se está sonhando novamente. Apesar de ter sido pega de surpresa, não se assusta. Ao contrário, seus batimentos diminuem o ritmo.

Uma silhueta masculina surge ao lado de sua cama, ficando de joelhos de modo a ficar na altura ideal para que a menina possa ver seu rosto. É um homem jovem, de aparência estrangeira, apesar de estar falando Hindi perfeitamente. Seus olhos prendem totalmente a atenção dela. As cores dançam neles, como se nem precisassem de luz para brilhar, como se o escuro não fosse capaz de apagá-los. Ela os admira, atraída por suas cores, que ela não é capaz de identificar. Só sabe que são lindas. Mal está ela ciente de seus próprios olhos têm o mesmo efeito.

— Você é um deus? – pergunta, hipnotizada.

O homem abre um sorriso brilhante.

— Não sou nenhum dos que você conhece. – diz.

A garotinha não sabe o que dizer a seguir, mas ela também não se importa, desde que possa continuar a olhar-lhe.

— Tem medo da noite, Aditya? – ele pergunta.

— Não tenho medo agora que está aqui. – Aditya responde – Mas se você se for, ficarei com medo de novo.

— Prefere o dia?

Ela assente.

— Prefere o sol?

Ela confirma.

O homem estende a mão, tocando seu rosto delicadamente. Sua mão é quente e macia, em contraste com o frio do ambiente.

— É natural. Está no seu sangue assim como está no seu nome. Mas vou te contar um segredo, Aditya. Dizem que gêmeos se completam, não é?

A menina faz que sim.

— A noite é a irmã gêmea do dia. Um não existe sem o outro, são dois lados de uma mesma moeda. Não precisa temê-la, minha pequena. Assim como todos nós precisamos de muita luz, às vezes um pouco de escuro também faz bem. Você pode não entender agora, mas lembre-se disso até que seja capaz de compreender: a escuridão aguça os sentidos, assim como a dor nos faz amadurecer.

O homem direciona o olhar para a janela aberta do outro lado do quarto.

— E quando o sol não está, podemos ver a beleza da lua e das estrelas. – completa, com um sorriso – Elas não são lindas, Aditya?

A garota observa o céu brilhante do lado de fora. Ele tem razão, é uma visão incrível. Não há calor, não há muitas cores e nem tanta vivacidade quanto o céu do dia, mas a majestade da lua, somada à delicadeza e frieza do mar de estrelas à sua volta formam um quadro belíssimo. Os olhos da garota estão tão presos à janela que nem notam que o homem já não está mais ali.

 

 

Os lápis na pequena mão de Aditya colorem um papel no chão. Ela está pintando uma paisagem tão colorida quanto os tecidos que viu no mercado mais cedo com sua mãe e sua irmã. Os tecidos balançavam com o vento, e faziam as cores parecerem tão livres e esvoaçantes que ela tinha a impressão de que caso alguém os tocasse seria contagiado por tonalidades vivas e intensas.

— Adi! – chama a voz aguda de sua irmã, Kali – O que está pintando?

— Estou pintando o mundo inteiro misturado com todas as cores que existem!

 

 

Olhos sem cor fitam a garota por baixo do chapéu. Enquanto observa apavorada, ela os vê serem preenchidos por um escarlate intenso. Tudo a sua volta fica em preto e branco antes de ser manchado em vermelho.

Ela sente um peso em cima de si: há algum tipo de escudo entre seu corpo e o homem com a faca na mão. O chão de repente fica ensopado de sangue, mas Aditya não sente dor. Seus olhos buscam entender o que a protege dos ataques e ela então encara a face retorcida de dor de sua mãe.

Os passos apressados em fuga do homem ecoam em seus ouvidos, enquanto o pensamento desesperado passa por sua mente: “é exatamente como o sonho”.

 

 

Aditya e Kali observam acuadas a porta do novo orfanato. Dez meses desde a tragédia. Quinto orfanato desde então.

A porta é bem comum, de madeira marrom-clara, e uma paquinha branca desgastada com o nome do lugar escrito em rosa e azul.

— Adi. – Kali chama e estende a mão para a irmã.

A outra segura sua mão e abre seu sorriso radiante de sempre.

— Vamos ficar bem.

 

 

Aditya e Kali seguram as risadas para não acordar as demais crianças do dormitório.

As duas dividem a mesma cama estreita e cobrem, com um lençol fino, as cabeças apoiadas em trouxinhas de roupas dobradas e amassadas que lhes servem de travesseiros. A cama, de estrutura bamba e de uma madeira de péssima qualidade, range ruidosamente a cada movimento brusco que qualquer uma das garotas possa vir a fazer. A situação claramente não é das melhores, isso sem precisar mencionar os cupins, mas elas não se importam. Estão em seu próprio mundo agora, sussurrando e rindo entre si.

Kali, com seus cabelos escuros como a noite caindo em seus olhos de mesma cor, solta um som esganado de quem não vai conseguir segurar a gargalhada por muito tempo. Aditya está na mesma situação, mas consegue sussurrar para a irmã:

— Shiu! A “Vossa Majestade” pode ouvir e vir nos castigar!

“Vossa Majestade” é o apelido, dado pelas crianças do orfanato, da senhora autoritária que é responsável pelo quarto onde as duas dormem.

A outra faz mais uma tentativa de se controlar, que é frustrada diante da visão do rosto da irmã, contorcido em uma careta na intenção de evitar um sorriso. A risada sussurrada escapa-lhe.

— Kali! – Aditya chama novamente, mas também está rindo – É a sua vez agora!

Kali, com as bochechas doloridas, respira fundo e começa:

— Muito bem! O fato estranho sobre mim de hoje é...

 

 

— Eu não vou antes dela. – Aditya disse aquelas palavras tantas vezes que a diretora do orfanato já está acostumada.

— Minha pequena, já falamos sobre isso. – ela insiste apenas pelo bem do protocolo, pois sabe que a menina não vai desistir. “Para uma garotinha de oito anos de idade, ela é muito determinada” pensa. – Kali vai ficar perfeitamente bem aqui conosco até que chegue sua vez de ser adotada. Ela é mais nova, será fácil agora que há tantos estrangeiros querendo, mas para você, cada oportunidade é uma raridade.

— Eu não vou antes dela. – repete, os olhos firmes. A menina não sabe como explicar para os adultos, mas sabe que não pode ir antes de sua irmãzinha. Há um ano acabaram suas expectativas de serem adotadas juntas, e elas desperdiçaram muitas oportunidades antes de Adytia finalmente se dar conta de que ninguém queria duas garotas já crescidas. O mínimo que ela pode fazer agora é cuidar de Kali até que ela seja adotada.

A mulher suspira.

— Certo, então. Vou ver se eles não preferem levar Kali, está bem?

A garota assente.

— Se ela for, aceito a próxima proposta.

 

 

A cama ao lado da janela é algo que Aditya dá muito valor. Ela pode ver as estrelas dali, e repetir para si mesma as palavras que ela manteve para si como um tesouro só seu. Romanceava em sua imaginação os olhos daquele homem que a visitou, e que ela presume ser um deus. Desde aquela noite, ela manteve-se lembrando constantemente das palavras dele, repetindo-as até que seja grande o bastante para entendê-las. Enquanto ainda não é capaz, ela gosta de olhar para o céu salpicado pelas luzes das estrelas e admirar sua beleza, confortando-se nelas. Mas não esta noite: está nublado. Não, não é o céu que está nublado. São seus olhos.

Aditya está sozinha na cama, lençol cinza cobrindo a cabeça apoiada em trouxas. O cobertor ainda é fino, a cama ainda range, lá fora ainda faz frio, e ainda há cupins na madeira. Nada mudou, exceto por uma coisa: Aditya finalmente se dá conta de tudo isso.

Com uma lágrima silenciosa escorrendo pela face, ela sussurra para a noite:

— Fato estranho sobre mim de hoje: ...sinto sua falta, Kali.

 

 

Dois anos e cinco meses de orfanato em orfanato têm um fim agora. Com oito anos de idade, Aditya pisa em solo americano pela primeira vez em sua curta vida. Seus olhos percorrem o ambiente à sua volta, frenéticos com a quantidade de cores neon e com o movimento intenso do aeroporto.

— Tudo bem, minha querida? – pergunta carinhosamente sua nova mãe adotiva.

— É bonito! – a garota exclama, com seu sotaque acentuado. O inglês que sabe deve-se ao fato de a língua ser muito falada em seu país e ensinado nas escolas.

A mulher sorri. Ela é bonita, com cabelos tingidos de loiro e olhos naturalmente claros, ao redor dos quais pode-se ver marcas de expressão. Marcas de sorrisos.

— Está pronta para conhecer sua nova casa? –  seu novo pai pergunta.

Aditya o olha. Ele tem cabelos grisalhos, e seus olhos gentis brilham. A mão calejada pousa delicadamente no topo da cabeça da garota.

— Sim! – ela responde, animada.

— Temos algo para você. – ele diz e tira algo do bolso.

Ele lhe mostra um pedaço de papel plastificado, com sua foto e algumas coisas escritas ao lado.

— O que é? – pergunta.

— Sua nova identidade. – a mãe responde – Você agora é uma cidadã americana.

— Você agora tem tudo novo: um novo país, uma nova família e um novo nome. – o homem completa.

Aditya parece hesitante por um momento.

— Isso quer dizer que tenho que esquecer a Índia, Kali e meu antigo nome? – pergunta, assustada com o pensamento.

Sua mãe adotiva balança a cabeça.

— Claro que não, minha querida. – diz – A Índia, Kali e seu antigo nome sempre farão parte de você. Ter coisas novas não quer dizer que tem que jogar fora as velhas. Só significa que você agora tem mais do que tinha antes. Você agora tem dois países, duas famílias e dois nomes. Entendeu?

A garota dá um sorriso radiante, e assente animada.

— Então, qual é o meu novo nome?

Os dois também abrem sorrisos.

— Shayla.

 

Aos onze anos, Shayla ganha um irmãozinho: uma criança naturalmente gerada por sua mãe adotiva. Sua nova família tem um novo membro. Apesar de seus pais afirmarem com toda força o contrário, ela tem lentamente a sensação de que não é mais necessária ali, de que é uma intrusa.

 

Aos quinze anos, Shayla dá de cara com um par de olhos cinzentos faiscantes. Naquela mesma noite, ela sussurra em seu quarto:

— Fato estranho sobre mim de hoje: este é o meu adeus. Finalmente achei alguém que precisa de mim de verdade, e que pode me tirar de minha dor. Estou pronta para te deixar ir, Kali. Fique bem.

 

Em sua cama no Chalé de Apolo, Shayla se levanta no meio da noite. Ela se dá conta de que seu rosto está molhado de lágrimas.

"Mas por que eu estou lembrando disso agora?"

Com o coração apertado em uma melancolia nostálgica, ela se esgueira até a cama de Michael, mais uma vez sendo acolhida pelo abraço sonolento do irmão. 

— Está tudo bem? - ele pergunta baixinho. 

— Estou bem. - ela sussurra de volta, encolhendo-se debaixo do cobertor dele. É tão bom ser a irmã mais nova e poder se apoiar nele, como Kali fazia com ela... Um pequeno sorriso de alívio surge em seus lábios. Ultimamente, qualquer coisa é motivo para ir até ele, mas não importa se é sério ou não, ele sempre está lá por ela. 

"Um dia eu vou precisar parar de depender a força dos outros, mas até lá..." ela deixa o pensamento pairando no ar, antes de adormecer novamente.

 

 


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Notas finais do capítulo

Eu de novo ^^
Então... Eu vinha pensando em um jeito de narrar um pouco do que a Shay viveu antes de a conhecermos como ela é agora, e de mostrar como isso a influenciou. Espero que tenha dado para entender mais um pouquinho sobre ela neste capítulo.
O nome Aditya é indiano, e significa Sol. Coincidência? Acho que não.
Bem, o que acharam? Algum erro? Algo que preciso melhorar? Alguma teoria sobre quem é o homem no meio da noite? Este capítulo confirmou ou mudou a opinião que vocês tinham sobre a Shay? Deixa aí nos comentários ˆㅅˆ
Bom, o próximo capítulo sai no Sábado, então até lá!
Beijos ♥