Olhei para a casa à minha frente. Estava exatamente como eu me lembrava. Fazia dois anos e quatro meses que eu não entrava nela. Parece que não tinha sido vendida. Mas também, uma casa na qual cinco pessoas foram assassinadas e duas sumiram misteriosamente não deve atrair muitos possíveis compradores.

Fui até os fundos, procurando a pedra falsa. Não foi difícil de encontrar, como não foi difícil abrir a porta da frente. Abaixei o capuz do meu casaco e olhei em volta. A casa estava exatamente igual por dentro também, só que sem os cadernos, livros, papéis, brinquedos e latas de cerveja espalhados pela casa, que estava mais arrumada do que nunca.

Subi as escadas até o meu antigo quarto e olhei em volta. Estava igual ao que era antes do acidente. Ao contrario da sala, nossos quartos sempre foram muito bem arrumados. Fui até minha cama e levantei a tábua do assoalho, a terceira à esquerda, a contar da cabeceira da cama. Lá guardava um tesouro que era proibido em minha casa: minha Bíblia. Meus pais eram ateus e odiavam qualquer coisa que tinha a ver com qualquer religião. Eu comprara aquela Bíblia com onze anos, só por curiosidade e até o acidente não parara mais de lê-la, na maioria das vezes trancada no armário com uma lanterna. Era o meu livro, ou melhor, os meus 66 livros favoritos. Não lia por nenhuma questão religiosa, ou como confronta aos meus pais. Lia pois adorava ler e reler sobre Moisés, Abraão, Jó José, Davi, Daniel, Jesus, Paulo e outros. Lia e tirava algumas lições de vida desse livro maravilhoso.

Guardei-o dentro de uma mochila velha e revistei o quarto, em busca de mais tesouros. Abri meu álbum de fotos e peguei todas as que eu e minha irmã estávamos juntas, parando um pouco para olhar uma foto. Eu estava junto de todos os meus antigos amigos, sorrindo. Fazia um bom tempo que não sorria. Procurei mais algumas coisas e guardei-as em minha mochila.

Já estava indo embora quando ouvi uma voz muito conhecida, mas que eu não ouvia há muito tempo. - “Eowyn? Eowyn, é você mesma?”

Virei-me e deparei com o rosto rosado de minha melhor amiga, Lucy.

“Lucy? O que você está fazendo aqui?”

Lucy veio a mim e me abraçou. Lagrimas escorriam pelo seu rosto - “Eowyn! Que saudades! Pensei que estava morta!”

Lucy separou o abraço e olhou para mim.

“Foi isso que você pensou? Que eu estava morta?”

“Claro! O que mais eu poderia pensar? Que você e Sarah tinham matado sua família e fugido? Não, vocês nunca fariam isso! Pensei que ou os assassinos tinham matado você ou vocês tinham fugido.”

Uma lágrima escorreu pelo meu rosto. - “Obrigado por acreditar em mim.”

“Muitos acharam que eu estava louca, mas meu irmão concorda comigo e... Ai meu Deus! Josh vai amar saber que você está viva!”

Congelei. Josh, irmão de Lucy, era o meu namorado. Apesar de durante muito tempo ter sentido falta dele, não queria nem podia vê-lo. - “Você não pode contar a ele! Você não pode contar a ninguém! Lucy, isso é para a sua própria segurança!”

“Mas o que poderia acontecer de errado? Por que eu arriscaria a minha segurança? Eowyn, o que realmente aconteceu naquela noite?”

Respirei fundo e falei a primeira coisa que veio a minha cabeça, com um fundo de verdade. - “Minha mãe era uma traficante de armas. Um dia, ela cometeu um erro e um cara morreu por causa disso. O irmão dele ficou furioso e contratou alguns caras para a matarem. Mataram todos lá em casa, mas eu e Sarah conseguimos fugir para outro país. Vivemos lá pelos últimos anos, mas eu tive que voltar, pois senão ariscaria a segurança da minha irmã. Moro fora de Londres, não muito longe daqui.”

“E a Sarah?”

“Continua fora do país. Lucy, você não pode contar a ninguém! Por favor!”

“Tá bom, eu não conto. Mas me deixe te ajudar!”

“Não preciso de ajuda Lucy. Agora tenho que ir.”

“Não! Você não pode! Eu não quero te perder de novo Eowyn!”

“Lucy, mesmo se eu ficasse, a Eowyn que você conhecia morreu, e não vai mais voltar.”

Me desvencilharei de Lucy e sai correndo. Voltei para a mansão e fui até meu quarto.

Deitei na cama e li minha Bíblia pela primeira vez em mais de dois anos.

Fazia muito tempo que eu não me sentia tanto a Eowyn de dois anos e quatro meses atrás.