Um pedaço de echarpe.
E eu sabia exatamente de quem era.
A echarpe tinha um bilhete grudado. Pensei por um minuto se aqueles dois estavam se vangloriando por ter matado meu lacaio. Abri o bilhete e me surpreendi com as primeiras palavras.

"Cristina,
Acho que se eu fosse o Diego, queria te deixar algo que te fizesse se lembrar de mim. Sei que não ligava pra o que ele sentia por você, mas sei que ele se importava com você. Mais até do que você imaginava.
Deixo com você uma parte do Diego. Eu espero que isso faça você ver o quanto ele gostava de você.
Isa."

Terminei de ler o bilhete e me senti esquisita, como se estivesse vazia por dentro, como se meu peito doesse. E senti algo quente e úmido no meu rosto. Pela primeira vez na minha vida, eu senti tristeza.
E pela primeira vez na minha vida, eu chorei.
De início, fiquei confusa. Por que raios eu estava chorando? Quer dizer, Diego não merecia nenhuma das minhas lágrimas, ele falhou em sua missão. A morte era mais do que merecida pra ele. Mas aí vi tudo o que aconteceu por uma perspectiva nova. Uma perspectiva que nunca tinha passado pela minha cabeça até agora.
Diego, que tantas vezes eu pisara, que tantas vezes chamava de estrupício. Diego, que fora invocado por meu pai para me proteger, estava sempre ao meu lado ajudando a derrotar Isa e Alex, mas até aquele momento, achei que fosse só a obrigação dele que o impelia a prosseguir com sua missão. Nunca tinha pensado que fosse algo mais. Quer dizer, confesso, já pensei que fosse alguma coisa antes, mas tinha descartado tão depressa a oportunidade... Ok, pra quem não sabe do que eu tô falando, vou explicar isso da forma mais prática possível: FLASHBACKS!!!

----Momento Flashback----

Eu já estava saindo da Torre Gótica, deixando Alex com seu eu-demônio ativado, pronto pra matar Isa (ou pelo menos era o que eu achava que ia acontecer) e indo direto para a festa do colégio antes que alguém desse pela minha falta. Na entrada do colégio, Diego estava a minha espera, naturalmente.

-E então, Cristina?
-Está tudo certo. Logo a alma de Alex será nossa e eu finalmente poderei espalhar a destruição!!!
-Assim espero, princesa, assim espero...

Enquanto eu cantava vitória antes do tempo, Diego parecia pensativo, coisa que é rara para um demônio quando tem uma subconsciência ativada te dizendo o que fazer...

-"Eu ouvi isso, hein?"
Cala a boca! O flashback é meu, não seu!!!
-"Tanto faz, nós duas somos uma só, esqueceu?"

Como eu estava dizendo antes de ser interrompida, Diego estava pensativo, e logo se virou pra mim de um modo misterioso.

-Ahn, Cristina, eu posso conversar com você em particular?
-Por quê?
-Só preciso conversar com você, por favor.

Não fiz nenhuma objeção enquanto Diego pegava meu pulso e me arrastava para a quadra abandonada da escola. Chegando lá, ele estava de costas pra mim, mas ainda segurava meu pulso.

-Ahn, Cristina, bem... -Eu não tinha percebido como Diego estava esquisito. Ele nunca hesitou antes pra falar comigo- Eu queria te dizer que... Desde que fui conjurado pra te ajudar, você tem sido a melhor mestra que um demônio poderia ter...
-Puxa, obrigada, Diego, mas... -Eu sempre estava acostumada a ouvir elogios de todo mundo, mas nunca esperava um elogio do estrupício- Mas eu não entendo. O que...?
-Calma, princesa, vou chegar lá. Bom, desde então, senti algo por você... Algo maior que minha lealdade a você. Algo que eu nem sabia que podia sentir..
-Diego... Do que você tá falando?
-Cristina... -Diego respirou fundo. Nem em meus sinistros pensamentos eu imaginava o que estava por vir- Cristina, eu te amo. Estou apaixonado por você e quero que me aceite mais do que somente um simples lacaio pra você. Mas se não for isso que você quer, eu entendo. Não quero que um mal entendido nos atrapalhe.
-Como assim, "me ama", Diego? -Eu estava completamente em choque- De onde você tirou isso? Como você pode...?

Eu não estava nem um pouco preparada pra minha reação.
Num minuto, Diego estava na minha frente, com um olhar quase suplicante. No outro, ele segurava meus braços com força, enquanto me beijava furiosamente.
Eu queria poder gritar, empurrá-lo pra bem longe, incinerá-lo de vez, mas vi que não tinha como. Meus lábios se encaixavam de uma maneira estranha nos dele. Minhas mãos, ao invés de empurrar, puxavam o rosto de Diego pra mais perto do meu. Podia sentir um calor me invadir, mas era um calor muito diferente das chamas que eu podia manipular.
Eu sabia, pelo que meu pai vivia dizendo, que demônios não podiam amar. Somos, essencialmente, criaturas obscuras e malignas, e não podemos ter o luxo do amor. É algo que é quase proibido a qualquer demônio. Claro que, quando soube que Alex seria o executor da filha de Gabriel, senti o impulso básico de controlar a alma dele, sugar até a última gota de humanidade que restasse nele, mas não passava disso. Até fiquei feliz quando soube que ele não poderia se apaixonar, pois isso estragaria os planos de um possível Apocalipse, mas ele teve que se apaixonar. E foi logo pela Isabella! Claro que fiquei com raiva, quer dizer, ele tinha descoberto o amor em sua inimiga, mas depois de tanta coisa ter acontecido, ficava me perguntando se a regra criada pelo meu pai teria uma exceção, uma brecha. A mesma brecha que Alex e Isa acharam pra manter seu amor vivo contra a vontade do céu e do inferno.
Então eu também poderia amar alguém.
Eu podia amar Diego.
Mas até lá, eu teria que me contentar com a solidão.
Reencontrei minhas forças e empurrei Diego pra poder respirar.

-Ah, Diego... Eu... Eu...
-Eu sei, Cristina, é muita coisa que tô despejando em cima de você agora. Por isso, te dou um tempo pra pensar. E quando se decidir, quero ser o primeiro a saber... -Diego me deu outro beijo antes de sair da quadra- Eu te amo, Cristina...

E enquanto Diego saía da quadra pra voltar pra festa, eu ainda estava paralisada, com uma decisão difícil a tomar e sem saber o que fazer com ela.

----Fim do Momento Flashback----

Se antes eu tinha alguma dúvida do que se passava em meu coração, agora eu tinha certeza. Uma certeza assustadora e triste. Peguei a echarpe e a abracei, deixando que minhas raras emoções humanas tomassem conta de mim.

-Diego, eu te amo... -Sussurrei entre soluços e lágrimas.

Diante daquela revelação, senti meu coração doer mais ainda. Era uma ironia hedionda do destino eu declarar meu amor depois de tanto tempo e ele não estar vivo pra ouvir.
E tudo por culpa daquele projeto de anjo e daquele traidor.
Ergui meu rosto da echarpe de Diego. Meus olhos estavam irritados e eu sabia que deviam estar vermelhos. Se eu estivesse de frente para um espelho, nem me reconheceria. Meu reflexo seria a imagem do desespero. Desespero, raiva, tristeza, milhões de emoções passavam por mim naquele momento, mas a mais poderosa se manifestou em mim: vingança.
Minha decisão estava tomada.

-Te prometo, Diego. Vou fazer aqueles dois pagarem caro pela sua morte...

Estava meio ensandecida pela dor, mas isso não importava. Por Diego, a única pessoa que me amou e a única pessoa que eu amei, Alex e Isa tinham que morrer.

----POV Cristina OFF----