Arregalei os olhos de forma que eu sabia que eles estavam enormes e incrivelmente redondos. Senti minha garganta fechar automaticamente e o pânico subir pelo meu corpo, tomando toda a minha mente. Minhas pernas perderam a força e eu tive que me apoiar na parede que por sorte tinha atrás de mim enquanto encarava Laiara que sobre a luz precária parecia incrivelmente assustadora. E aquela tesoura na mão parecia ainda pior. Deus, onde essa tesoura esteve que eu não vi?

–Desculpe, o que a senhora disse? –Falei tentando parecer calma, mas quando na verdade meu coração batia tão forte contra o meu peito que eu mesma podia o ouvir sem problemas.

–Não se faça de sonsa garota, que sei que disso não tem nada. Aliás, nem eu, como você pensou. –A morena começou á andar lentamente em minha direção, sem pressa alguma. –Acha mesmo que isso ficaria escondido de mim? Ruiva, eu tenho olhos e ouvidos em todos os lugares.

–Como?

–Fácil, fácil. Quando eu cheguei aqui já percebia como o príncipe olhava pra você. Sou uma mulher vivida Atena. Reconheço olhares, reconheço relações veladas. A principio achei que fosse só um caso. Nada demais. Afinal, que marido, que homem na verdade, não tem seus casos por aí? Não era uma ameaça para Sky. Afinal, apenas uma serviçal. –Ela segurou nos meus ombros e empurrou, me obrigando a sentar numa pequena banqueta que eu nem havia sentido a presença. –Mas com alguns dias eu reconheci algo no olhar do príncipe Felipe. Era amor, não havia dúvidas. Ele amava essa pequena ratinha ruiva e isso, isso sim poderia ser muito perigoso pra mim e minha filha.

As mãos passaram pelo meu rosto levemente e pousaram em meus cabelos, os acariciando em uma delicadeza tão profunda que contrastava com o sorriso branco e terrivelmente maléfico pousado em sua face:

–Você também ficou amiga de Beatrice. Aquela garota, sempre arranjando as piores companhias. –Os olhos dela foram revirados. –Pensei que era um jogo seu, se aproximar dela pra saber mais sobre Sky. Pensei que você só era mais uma das pobres iludidas que pensam que ser amante de um nobre significa que ele se casará e assumirá você. Mas logo eu também percebi que você só era uma garotinha tola. Uma garotinha tola que poderia me atrapalhar se eu não tomasse cuidado. Então passei a seguir minha filha, Bia, pra onde quer que ela fosse. E, acabei ouvindo sobre um plano, em certo baile, que aconteceria hoje.

Meu coração batia tão rápido á esse ponto que eu pensei que ele sairia arrebentando do meu peito e eu nem vou citar a minha respiração. Parecia impossível acreditar no que estava acontecendo ali. A Duquesa sabia. Ela sabia de tudo. Eu não iria prever isso nem em mil anos.

–Um plano ousado, mas muito bem bolado. Minha filha trairia a própria irmã, mal posso acreditar que Beatrice seja mesmo minha prole. –Bufou. –Não importa. Acontece que eu precisava impedir que isso acontecesse. Por isso pedi que virasse minha dama. Afinal, eu não poderia deixar que você fosse á esse maldito baile. Mandei fecharem a passagem secreta que Felipe iria te colocar lá dentro, por precaução. A segunda parte era mais difícil. Eu deveria colocar Sky como se fosse você. Como você não abriria a boca, eu não tenho que me preocupar com a voz dela. E tinha algo que serviria pra reconhecimento. Isso.

Ela tirou do bolso o colar da rainha, o colar que Felipe havia me dado. Aquilo que era a maior preciosidade que eu ganhei que vinha da mãe do homem que eu amava e que serviria de reconhecimento no baile. Arfei colocando a mão sobre a garganta que parecia se fechar á cada palavra dita pela voz grave da Duquesa.

–É uma bela peça. Ficará linda em Sky. –Suspirou. –Sky começou á encenar um mal estar desde ontem, isso irá explicar ela não estar no baile. Os olhos dela são extremamente parecidos com os seus, embora os seus sejam mais claros e mais ovais. Mas o baile é de máscaras o que irá disfarçar. Além disso, ela usará um chapéu onde uma renda cai sobre o rosto, disfarçando os traços.

–Ela é mais alta que eu.

–Eu sei e isso me fez pensar muito. Você é anã, um pequeno gnomo. Mas você usaria salto alto no baile. Você com um salto realmente alto ficaria da mesma altura que Sky normalmente. Então a colocarei uma sapatilha. O vestido longo vai tapar os pés e ele pensará que estás de salto.

–Os cabelos... São completamente diferentes dos meus.

–Eu estava louca pra você perguntar sobre isso. –Ela segurou uma mecha do meu cabelo com nojo. –Eu procurei perucas da cor do seu cabelo, mas as que eu achei eram tão artificiais. Porém, quando eu era jovem houve uma infestação de piolhos na minha cidade e muitas mulheres tiveram de raspar os cabelos, uma coisa realmente muito triste sabe? As perucas viraram algo constante e eu aprendi que fazer uma com cabelo natural implantado á um chapéu é muito fácil. Eu faria de olhos fechados.

Nisso ela cortou uma mecha do meu cabelo. Um grito seco saiu da minha boca e ela tapou a minha boca:

–Calada. É ainda mais fácil cortar os cabelos de uma garota morta e tiraria uma pedra real do meu caminho, então sugiro que fique quieta. –Outra mecha caiu no chão. E outra. Enquanto finalmente lágrimas rolavam dos meus olhos. –Sabe querida, eu não me importo se vocês forem amantes quando Sky se casar. Realmente não me importo, contanto que ela tenha uma coroa em sua cabeça. –Mechas e mechas de cabelo caíam no chão enquanto a Duquesa cortava sem pena meus cachos ruivos. Mais lágrimas rolavam, escorrendo pelo meu rosto. Os soluços começaram á sair. –Você não poderia se casar com ele Atena. Não é pra o seu cacife pequena. Seria uma péssima rainha. Estou fazendo um favor á esse reino. Eu criei minha filha desde pequena pra ser rainha. –Eu sentia os fios soltos pelo meu pescoço. –Entendo porque ele se apaixonou por você. Você é uma novidade. Tem... Espírito. Sua rebeldia pode impressionar á muitos, te dá uma aparência forte. Mas querida, você é apenas uma ratinha. Dão trabalho, são pequenos e petulantes, mas no fim, os mais fortes e altos sempre se livram.

–Cale-se! –Gritei sem me conter. A voz saiu rouca e entrecortada pelos soluços e lágrimas. A dor que eu sentia consumia meu ser. Não era só pelo cabelo. Cabelo crescia. Era por saber que Felipe cairia numa armadilha. Ele seria dela para o resto da vida se eles se casassem. Eu havia o perdido para Skylar, sem poder fazer nada. Eu mesma havia caído numa armadilha e das grandes. E a dor só aumentava á cada palavra da Duquesa ao ponto que eu não mais suportava ouvir sua voz. –Você já fez o suficiente! Cale essa maldita boca!

Um estalo selou o tapa dela sobre a minha face, com o mesmo peso de um que eu já havia recebido no dia em que enfrentei Skylar. Só que esse doeu bem mais. Doeu porque dizia “Você não está em posição de exigir nada. Você perdeu, você falhou e você nunca mais terá o amor da sua vida. Lide com isso”.

Mas apesar de tudo ela continuou o corte em silêncio. A única coisa que se ouvia eram os meus soluços e arquejos enquanto as lágrimas não paravam de escorrer, até que por fim, a tesoura cessou.

–Recolha os fios. –Laiara me estendeu uma espécie de saco. Olhei pra ela estupefata, meu olhar deixava claro que eu não o faria. A morena girou a tesoura entre os dedos, como uma ameaça velada. –Não teste minha paciência Atena. Já é complicado te deixar respirando, por favor, não piore as coisas.

Com violência peguei o saco de sua mão e recolhi os fios que um dia esteve na minha cabeça. Mais lágrimas. Era muito cabelo. Muito cabelo mesmo, ondas ruivas inteiras espalhadas pelo chão, que serviriam para o disfarce que levaria Felipe de mim. Tratei de terminar o mais rápido possível ou iria desfalecer sobre aquele chão frio mesmo.

Levantei e coloquei na mão de Laiara que satisfeita se dirigiu a parte. A chave esteve o tempo todo em sua mão. Pensei mesmo em tentar tirá-la de sua mão. Mas seria estupidez. Ela tinha algo letal em mãos, era bem mais alta que eu e estava em vantagem. Eu sequer conseguia parar de tremer. Tentar algo no momento só acarretaria no pior.

–Diga á ela. –As palavras saltaram da minha boca, praticamente as cuspi. –Diga á Sky. Diga á ela que quando as máscaras caírem ele vai a odiar pra sempre. Diga que ele jamais se deitará com ela, ou conversará com ela. Que ele nunca vai abraçá-la ou acalentá-la. Que ele nunca vai acariciar seus cabelos e que ele nunca vai beijar sua barriga quando estiver grávida. Diga que ele sempre guardará mágoas e que ele sempre vai a olhar com ódio mortal. Conte que ele sempre jogará em sua face o quanto ela o faz infeliz. Fale que ela nunca conhecerá o amor de seu marido porque ele ama a mim! E não importa quantas armações você faça, ele nunca, nunca vai amá-la. Nunca. Você pode não se importar com isso, mas ela se importa e ela tem o direito de saber o que está fazendo com seu futuro.

–Um homem de minha confiança ficará na porta, caso você pense em tentar fugir ou começar á gritar. Eu te aconselho a ficar quieta, ele não terá piedade.

Seus olhos brilhavam com uma espécie de furor misturado com satisfação e a porta bateu. Desabei ajoelhada no chão assim que ouvi o baque da porta. Minhas mãos tocaram meus cabelos, agora aparentemente lisos. Ela os havia cortado na altura da nuca. Eu conseguia tocar meu pescoço nu. Não era o que me doía. Não mesmo. O que me doía era saber que o homem da minha vida iria se casar com Skylar e que eu estava ali presa, sem poder fazer nada. Eu precisava sair dali.

Beatrice

O baile estava maravilhoso, percebi assim que desci. Tudo estava impecavelmente arrumado. As pessoas em sua maioria já desciam da longa escada em espiral para o salão. As grandes janelas estavam com cortinas, mas estas sem encontravam abertas dando-nos a gloriosa visão da noite linda que se fazia lá fora. A lua estava incrivelmente cheia, acompanhada de algumas nuvens, algo digno de um quadro.

As mesas todas estavam cobertas por um tecido creme e rosas brancas eram o foco principal da decoração, algo realmente pra combinar com a decoração de um casamento. A pista de dança era enorme e eu percebi que no chão do salão inteiro tinha um grande lírio desenhado, fato que eu achei realmente muito bonito.

Mas algo estava me deixando com a pulga atrás da orelha. Skylar não ter vindo. Eu sabia que minha irmã viria nesse baile até sem as pernas se achasse que tinha alguma chance de ser escolhida para se casar e todo o mundo achava que ela seria a escolhida. Tinha algo errado aí. Ou ela estava realmente muito doente ou... Talvez eu devesse ter ido ver ela. Deve estar realmente muito ruim, pra não vir.

Minha mãe, ao meu lado, estava impecável. Usava um vestido azul real com duas camadas, tomara que caia com detalhes em dourado no corpete todo e nas barras do vestido. Um salto dourado reinava em seus pés e seus cabelos escuros estavam presos num coque bem firme, deixando alguns cachinhos caírem. O batom vermelho tão típico estava ali. Pensei que ela estaria no chão por Sky não estar na festa, mas ela aparentava estar muito tranquila.

–Por que Sky não está aqui? Ela não vai se casar com ele? Não é o que vocês duas tem dito todo o santo dia desde que chegamos aqui? –Perguntei sem conseguir me conter, com a curiosidade exalando pelos meus poros.

–Oras, não seja tola Beatrice. Sua irmã está sentindo muita dor, mas Felipe não sabe. Quando der pela falta dela, com certeza irá buscá-la e ela não vai resistir á um pedido dele.

–O que ela tem, afinal?

–Provavelmente algo que comeu. Sabe como Skylar tem o estômago frágil. A pobrezinha está ardendo em febre, mas se melhorar vai descer. Deixei tudo pronto lá em cima caso ocorra alguma melhora, mas tenho certeza que isso não vai afetar a escolha do príncipe.

Não pude evitar a risada discreta. Meus olhos procuravam com afinco uma garota de cabelos ruivos e certo colar. Não podia perder a oportunidade ver Atena. Olhei pra Felipe e ele também, apesar de não demonstrar, devia estar uma pilha. Theodore estava ao seu lado e os dois conversavam animadamente quando os olhares se voltaram para a garota ruiva que estava no salão.

Os cabelos ruivos e o colar no pescoço não deixavam enganar. Ela estava alta, mais alta do que eu me lembrava de Atena, principalmente porque ela sempre fora um pequeno anão ruivo, mas deveria ser o salto que o vestido tampava. O vestido longo que usava era tomara que caia como o da minha mãe, um belo vestido. Começava negro em todo o corpete e conforme a saia se abria as cores suavizavam e diversificavam. A mesma usava um chapéu negro, pequeno e um véu rendado caía sobre o seu rosto. Um bom truque para disfarçar os traços.

Quando Felipe chamou-a pra dançar, uma pulga na minha orelha apareceu. A forma como se moviam... Eu já havia visto Felipe e Atena juntos. Era uma química que exalava, os dois se moviam praticamente juntos. Aquele casal que bailava sobre o salão não tinha isso. Além disso, minha amiga sempre fora mais delicada e os seus movimentos sempre foram mais livres. Aquela garota era mecânica. Tinha algo de errado, eu sentia isso. Não era o nervosismo. Eu não estava ficando louca.

Num giro o vestido dela subiu levemente e meus olhos se arregalaram. Ninguém percebeu porque apenas eu estava focada ali, mas eu vi muito bem o sapato baixo. Não era salto. E não era Atena.