O Amigo Invisível escrita por Jena_Swan


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Surpresa para vocês...



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Eu tentei me concentrar no sorriso de Ian, na leve ansiedade que ele parecia sentir por estar prestes a me reencontrar, sua expectativa era quase a mesma de uma criança que espera Papai Noel chegar e, em outra ocasião, talvez cinco segundos atrás, a minha seria a mesma, uma expectativa cheia de positividade, porém... Não se pode ignorar certas coisas.

Ou era o que eu achava.

Na verdade não sabia o que achava.

Só sabia que de repente meu melhor amigo era um serial killer.

Não ensinam na escola, nem na faculdade e tampouco nos filmes e livros da vida como se comportar diante de uma situação assim. O que é bem engraçado porque, por exemplo, mesmo que você nunca tenha andado de avião, tenho certeza de que sabe o que fazer naquelas situações de emergência (não que você vá se manter calmo para executá-las caso seu avião esteja de fato caindo... mas é quase reconfortante saber que seu acento flutua...), mas ninguém te ensina a como reagir diante de um amigo serial killer e as chances de você encontrar com um são tão grandes quanto as de um avião cair. Talvez maiores, afinal não é preciso nada especial além de ser humano e estar na Terra para se deparar com um deles.

Aliás, nem humano você precisa ser.

O sorriso de Ian vacilou diante da demora de minha reação. Eu me esforcei para piscar, arfar e colocar um ar maravilhosamente confuso no rosto (enquanto pensava o quão útil seria se eu tivesse feito artes cênicas ao invés de publicidade).

– Meu Deus! - e essa era uma expressão genuína que resumia muito bem a situação como um todo - não pode ser. Ian?!

O sorriso voltou.

– É tão bom te ver Lucca! Acredita que estou de volta?

– Na verdade, não!

E a coisa foi ficando mais fácil, ou menos difícil. Ele me abraçou, eu o abracei de volta e era como nos velhos tempos. Era o mesmo Ian, as mesmas caretas, os mesmos costumes. Tudo havia mudado sem que nada houvesse mudado.

Odeio ler pensamentos!

– Então...o que está fazendo perdido por aqui? Pensei que estivesse curtindo a vida em férias eternas pela Europa - matando loiras platinadas. Não falei essa parte.

Nós andávamos tranquilamente pela calçada e eu tentava desesperadamente me apegar a qualquer outro pensamento que passasse ao meu lado na esperança de não ouvir mais nada vindo de Ian. O que é era impossível, pois eu só conseguia prestar atenção nele.

Minha breve e incontrolável citação sobre a Europa não trouxe nenhuma memória específica a tona. Ele pensou em belos hotéis, belas praias, diversos pontos turísticos e uma porção de pratos diferentes. Nada sobre loiras. Meu coração deu uma pequena acalmada. Seria possível eu ter me enganado?

– Uni o útil ao agradável. Os negócios aqui no Brasil estavam precisando de mim e eu também precisava vir para cá. Fiquei eufórico pensando na possibilidade de rever você e os outros. Tem notícias deles?

– Tales entrou para a polícia federal, Tulho trabalha com alguma coisa forense... Perícia se não me engano - ou seja, Peregrino, fique longe de seus velhos amigos ou eles vão ter que te prender - e Hugo casou, com uma dentista igualzinha ele.

– Maníaca por fio dental?

– Você não faz ideia.

Nós rimos. Ian enfiou as mãos nos bolsos. Não parecia preocupado com nada. Um conjunto de belas moças loiras passou num flashe por seu pensamento.

– Ouça Lucca, eu quero muito te contar uma coisa...

– Conte - falei, mas minha voz saiu baixa demais e pouco encorajadora.

– Talvez seja bobagem. Talvez você não entenda.

– Se não quiser contar... podemos esperar.

Ele me olhou profundamente, quase desconfiado da minha súbita compreensão e falta de curiosidade. Ele com certeza reparou na minha hesitação. Depois, com um audível pensamento de "bobagem" o Peregrino descartou qualquer desconfiança e riu.

– Por isso gosto de você Lucca!

Ainda bem!

– Podemos fazer alguma coisa mais tarde? Uma Pizza talvez?

– Ah... claro - não havia nenhum plano de assassinato nos pensamentos dele, apenas uma real vontade de se divertir e talvez me contar alguma coisa no fim da noite - quer eu chame os outros? Quase sempre encontro Túlio e Tales na hora do almoço... Trabalhamos perto.

– Claro! Se estiverem juntos me ligue e eu me encontro com vocês! Vamos assustar os dois!

Ha-ha.

Mas ele estava mesmo sendo sincero. Sem sangue. O problema eram as loiras. Mas por que?

Concordei com seus planos, ele voltou para sua moto, eu segui em frente. Céus era informação demais! Ian de volta. Ian que era, na verdade, o Peregrino. O Peregrino sobre o qual eu deveria escrever uma matéria.

Quando cheguei na revista meu cérebro parecia pronto para explodir por uma sobrecarga de pensamentos: Os meus e o de todas as outras pessoas.

Listei o que era preciso fazer.

Comprar batons e alisar o cabelo... Estes eram os planos da Débora, uma das moças que trabalha na revista. Ela estava de passagem e captei os pensamentos dela. Agora,o que eu realmente precisava fazer era me posicionar:

Ian era meu amigo ou Ian era o Peregrino? Quem era Ian para mim?

Ai meu Deus o estagiário novo de novo... Este é meu "sub-chefe" bufando quando passei por ele na impressora. Supostamente ele deveria me ajudar durante o estágio.

No momento só serve para me atrapalhar ou sobrecarregar.

Ian era o Peregrino, meu cérebro entendeu bem isso e, apesar de ainda estar chocado, não conseguia esquecer as imagens que vira. Mas Ian também era meu amigo.

Logo; o Peregrino era meu amigo.

Isso estava ficando cada vez melhor.

(Num universo paralelo, se tudo mais falhasse, eu podia abrir o jogo com Ian e pedir uma entrevista exclusiva).

Muito bem. Me sentei em minha pequena mesa concedida não com muita boa vontade por meu chefe que me acha um incompetente mais ou menos útil. Agora, o que fazer com meu amigo Peregrino?

Denunciá-lo para as autoridades? Muito pouco provável. Eu jamais me sentiria bem de novo. E se o caso caísse nas mãos da polícia Federal acabaria colocando Tales e Túlio em uma situação pior ainda. Sem dizer que eu ainda não tinha provas plausíveis para incriminar Ian (o que provavelmente iria ter em pouco tempo).

Bobagem! Eu jamais incriminaria Ian! Era Ian, pelo amor de Deus! Nós quase o matamos afogado uma vez!

Ian, o idiota que só comia os confetes marrons, o mesmo que cantava Freddie Mercury durante as faxinas na república! Céus, nós até o vestimos de mulher no dia do trote! Não, não dava para mandá-lo preso a sangue frio.

Porém, não podia continuar fingindo que nada estava acontecendo. Cada nova moça que morresse... eu saberia de quem era a culpa. Seria cúmplice, mesmo que não propositalmente.

O que fazer?

Tamborilei os dedos na mesa.

Eu poderia estudá-lo. Já que conhecia Ian, já que tinha um "super poder" de ouvir pensamentos e, já que tinha mesmo que escrever uma matéria sobre o Peregrino... Por que não unir as coisas? Estudá-lo. Eu podia ser a linha divisória. Se Ian ficasse por perto eu poderia sondá-lo, descobrir quem ele estava cercando, descobrir quem ele pensava que seria sua próxima vítima e, se tudo desse certo, eu podia dar um jeito de ajudá-la antes que o Peregrino desse o bote.

Eu teria de estar sempre um passo a frente, mas não seria tão difícil. Não quando se pode ouvir pensamentos.

Mas também podia ajudar o próprio Ian se isso fosse possível. Era preferível correr esse risco que perder um amigo de um jeito tão... estúpido!

Droga Ian, pra que começar a matar?!

Agora já era. Suponho que não tenha volta. Mas se tiver... Eu vou estar lá para descobrir. Vou estar lá para que a polícia não o apanhe (se eu achar que ele pode mudar e que merece essa proteção), vou estar atento para chegar em suas vítimas antes dele. Vou aprender com ele e reverter seus passos antes sequer que sejam tomados.

Quero ver o que o Peregrino vai achar disso.

Porém tudo tem um risco.

Lucca, Lucca... você ainda vai se matar.

É, podia ser, mas eu nunca tinha feito algo tão extraordinário na vida e se pensássemos bem talvez o destino quisesse que eu fosse essa espécie de anjo da guarda de Ian, já que ele mesmo fora o estopim para meu estranho dom.

Fazia sentido, ainda que não fosse uma das minhas melhores ideias. Iria arriscar. Liguei para o Caio, que era oficialmente encarregado da matéria do Peregrino (antes de ser demitido) e a voz com que atendeu me disse que tinha estado na farra até altas horas.

– O que você pode me dizer sobre o Peregrino?

– O que? - eu quase pude vê-lo esfregando o rosto e checando o relógio - sério isso Lucca? Mal consigo pensar no meu nome, que dirá nesse cara.

– Bem, eu tenho uma matéria para escrever.

– É, eu sei - aposto que se eu estivesse perto dele o ouviria pensar "droga de moleque abelhudo" ou algo do tipo - tenho uns papéis mais recentes para te mandar.

– Preciso de bastante coisa. Não sei nada de serial killers.

– Você não é um investigador, só precisa ler o que os outros artigos vão falar, pede uma opinião para os seus amiguinhos da polícia e boa.

– Nada disso. Quero estudar a coisa.

– Malditos estagiários! Qual é a sua Lucca? Quer virar chefe daí?

– Nem pensar, nem estou exercendo minha função e também não quero seu lugar. Só gostei do assunto. O que você tem para me dar?

A risadinha dele me incentivou a pensar em coisas péssimas que ele tinha para me dar (como um chute, uma bomba etc...).

– Tá bom, espertinho. Eu pretendia ir a um evento que vai ter na faculdade de medicina, se você cooperar deixo que vá no meu lugar já que a inscrição foi feita meses atrás.

– Hmm está ficando interessante. Que evento é esse?

– Uma palestra com um cara que entende do assunto.

– Que cara?

– Não sei. Eu não entendo do assunto. Sei que é americano, lançou um livro, trabalha com psicopatas. Me disseram que é renomado.

– Certo. Quanto isso vai me custar? Sempre lembrando que sou um estudante ainda e tenho direito a desconto - achei bom acrescentar.

– Bom, foi a revista que pagou então quanto a isso sem problemas. Mas o pagamento pela minha generosidade é outra história... - sabia - antes de pegar minhas coisas para nunca mais voltar nesse ingrato lugar, tenho que terminar outras matérias. Nada muito grande, mas você pode terminar para mim, como um favor, já que você estará entrando em uma publicação muito boa que te dará muitos frutos. Com essa ajuda minha. Acho um pagamento justo.

Caio, você é um cretino!

Obviamente eu não disse isso em voz alta.

– Quero a inscrição para o evento e o que mais for preciso ainda hoje.

– É todo seu.

– Obrigado.

– Imagina! Eu que agradeço.

Tinha muito a agradecer mesmo.

E achei desnecessário ele chamar a revista de ingrata já que estava muito satisfeito por sair dela e ir para a concorrência.

Enquanto o relógio se aproximava da hora do almoço, onde eu talvez encontrasse Ian de novo, fiz um resumo da história do Peregrino e um da história de Ian, tentando achar pontos semelhantes, mas não tive tempo de analisar os dados com calma. Também fiz uma tabela com os dados das loiras platinadas procurando mais coisas que pudessem ter em comum.

Claro que a polícia já tinha feito isso, porém ela não conhecia o meu trunfo: Ian. Eu queria achar o que as loiras platinadas tinham em comum com Ian. Mesmo desconfiando que ele mesmo me contaria se eu não me afobasse e deixasse que ele se reaproximasse.

Precisava urgentemente de um especialista para me ajudar a entender como funciona um serial killer e me mostrar os riscos que eu poderia correr. Quer dizer...eu podia virar um alvo ou ele era específico? Só loiras platinadas? Eu precisava saber disso.

Como conseguir uma conversa a sós com esse famoso palestrante? Era a única pessoa com quem eu teria contato que era um especialista. A outra opção era o próprio Ian, mas a coisa não daria muito certo caso fosse falar com ele.

Minutos antes de eu sair para o almoço recebi um e-mail de Caio com as informações da palestra e a inscrição em seu nome com as entradas. Tudo muito formal. O livro do tal doutor era bastante interessante e relatava uma experiência que ele mesmo vivera (foi o que eu entendi com a minha pressa em ler em inglês. Posso ter me enganado). Era jovem para o título que recebera, bem apessoado e com uma expressão desconfiada, quase assustada. Guardei seu nome com ansiedade e expectativa; as mesmas que Ian tinha quando fora me encontrar.

– Doutor Logan Davis, estou apostando todas as minhas fichas em você.

Esperava do fundo do meu coração que esse cara tivesse respostas e estivesse disposto a ajudar.

Todo caso me preparei para estudar um pouco sobre ele e sua história, assim quem sabe fosse mais fácil me aproximar dele. liguei para Ian, combinando o almoço.

A sorte estava lançada.


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Notas finais do capítulo

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